Militante digital
7 de Novembro de 2009, 0:00
, por Software Livre Brasil
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Matéria publicada na Edição 16 - setembro de 2009 - Nativos Digitais
Para Marcelo Branco, com todos os alunos conectados na aula do século 21, o mais importante será aprender a trabalhar em grupo
Por Cristiane Ballerini
Aos 48 anos, Marcelo Branco se orgulha de manter os ideais da juventude. Gaúcho de Porto Alegre, ele é um dos principais ativistas brasileiros na luta pela democratização das novas tecnologias de informação. Coordenador do projeto “Software Livre Brasil”, está à frente de várias iniciativas que colaboram para expandir ainda mais as fronteiras da cultura digital. Tem, entre outras atividades, a missão de organizar no Brasil o maior evento de entretenimento eletrônico e inovação tecnológica do mundo – o Campus Party. A última “festa” realizada em São Paulo, em janeiro deste ano, atraiu 6.655 participantes de vários países, a maioria jovens de até 29 anos que se mudaram com computadores, malas e barracas para as instalações do evento. A idéia é possibilitar a troca livre de conteúdos, debates e todo o tipo de experiência com games, design, robótica e outras áreas do mundo digital.
Interessado em trazer para o campo político e social os debates em torno da liberdade na Internet, Marcelo começou cedo a vida de ativista. Aos 16 anos, para preocupação do pai – um militar contrário ao golpe de 1964 que chegou a ser preso –, já participava de passeatas contra a ditadura. Quando fazia o segundo grau, foi trabalhar na Embratel. Lá se especializou em telecomunicação, em redes analógicas e redes de alta velocidade, a tecnologia que antecedeu a Internet. Já era um profissional experiente quando recebeu o convite para trabalhar por três anos na Espanha, onde realizou projetos para o governo da Catalunha, como a criação da rede internacional de software livre. No Brasil, ocupou diversos cargos de direção na prefeitura de Porto Alegre e no governo do Rio Grande do Sul.
Estudante inquieto, que iniciou as faculdades de Engenharia Mecânica, Direito e Engenharia Elétrica, ele acha que a escola precisa ser reorientada. A mais recente atividade intensa de Marcelo foi a organização, ao lado de outras instituições, do 10º Fórum Internacional do Software Livre, em junho deste ano. Logo após o encerramento, ele conversou com Onda Jovem. A seguir, trechos de sua entrevista.
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Onda Jovem: Com o uso intenso das novas tecnologias de informação vieram também algumas mudanças de paradigma. O conhecimento, por exemplo, já não é apreendido de uma única fonte, mas construído coletivamente a partir de várias fontes.
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Como você percebe a atuação das escolas diante dessas mudanças?
Estamos vivendo em um cenário totalmente novo. As corporações que ainda se comportam como se estivessem na era industrial, por exemplo, estão desorientadas porque não sabem como conviver e atuar nesse novo cenário, mais colaborativo. O mesmo acontece com partidos políticos, governos e também as escolas. A sociedade conectada em rede dá mais poder ao indivíduo e, ao mesmo tempo, fortalece o trabalho coletivo. Comparando com minha geração, os jovens hoje têm mais consciência de seus direitos, cresceram junto com a Internet, portanto, é uma turma criada na lógica da liberdade. Hoje, as pessoas não precisam mais de organizações intermediárias para criar grandes mobilizações: basta usar a rede. No caso das escolas, acho que elas precisam de uma nova orientação, uma nova fundação. No passado, nós aprendemos que não podíamos olhar para o trabalho ou a prova do colega. Isso era “colar”. Hoje, com a Internet e os computadores em sala de aula, é mais importante ensinar como trabalhar em grupo. O próprio conceito de “prova”, que ainda vale, é estranho porque na vida real ninguém resolve problemas de forma isolada. O conhecimento é coletivo, compartilhado, descentralizado, e aprender a gerir bem esse conhecimento é que vai fazer de alguém um bom estudante e um profissional de sucesso.
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Com os alunos com mais autonomia na busca pelo conhecimento, como fica, então, o papel do professor?
Sou fã do Paulo Freire. Então, acho que tem uma coisa que não muda: o professor tem que ensinar aprendendo e aprender ensinando. É óbvio que a maioria dos jovens e adolescentes sabe lidar com tecnologia e usar o computador melhor do que seus professores ou pais. Então, o professor tem que orientar o aprendizado de sua disciplina, usando todas as possibilidades dessas tecnologias.
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Há vários softwares educativos no mercado, voltados para o ensino de conteúdos específicos nas diversas matérias. Qual sua opinião sobre esses produtos?
Durante anos houve uma luta para abolir o livro didático obrigatório. Os professores e os alunos conquistaram o direito de aprender a partir de uma pluralidade de livros. Então, ter um software desenvolvido por uma empresa como única fonte de informação seria uma incoerência, um retrocesso. Como diz a professora Léa Fagundes (coordenadora do Laboratório de Estudos Cognitivos da Universidade Federal do Rio Grande do Sul), as melhores ferramentas educacionais são as ferramentas da Internet. O papel do professor, então, é estimular a busca por conhecimento por intermédio de pesquisas, desenvolvendo inclusive a visão crítica dos alunos a respeito de tudo o que leem e veem na tela. Vejo uma aula do século 21 com todos os alunos conectados e o professor propondo desafios ao grupo. Encontrar respostas nas diversas fontes disponíveis na rede é muito mais enriquecedor do que buscar a resposta pronta em um único site, ou mesmo em um único software.
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Como o interesse dos jovens pelas tecnologias de informação e comunicação pode fortalecer o valor da educação? O escritor José Saramago, por exemplo, diz que “a Internet faz as pessoas escreverem mais e pior”...
Acho que é verdade, pelo menos se considerarmos apenas o aspecto gramatical. Eu mesmo uso códigos, símbolos para ser mais rápido. Não é exatamente o português correto. Também tenho uma sobrinha que usa bastante a rede para se comunicar. O português dela é horrível. Mas não sei se por conta da Internet. Talvez a própria escola não dê conta de olhar esse tipo de coisa, de acompanhar as necessidades dela de se expressar e aproveitar para melhorar o português. Mas não sei ao certo. Como não sou especialista, não tenho a solução. Por outro lado, a capacidade desses jovens de elaborar narrativas, contar histórias e narrar a própria vida é superior à de outras gerações. Eu, por exemplo, quando tinha sete anos escrevia uma carta por mês.
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E como você era como estudante?
Fui um estudante rebelde. Incomodei muitos professores. Era daquele tipo que sentava no fundo, fazia bagunça, conversava. Volta e meia estava na sala da disciplina. Mas minhas notas eram boas, acima de sete, oito, então nunca perdi um ano. E alguns professores, principalmente das matérias que mais me atraíam, como Física, Matemática e Literatura, me incentivaram, me inspiraram. No segundo grau, fiz escola técnica de eletrônica e comecei a trabalhar. Então, devo minha formação à escola pública.
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Vários especialistas afirmam que essa nova forma de criar e trocar informação favorece o surgimento de uma sociedade com mais oportunidades de desenvolvimento. Por outro lado, o abismo social e tecnológico exclui milhões de pessoas dessa “nova era”.
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Como a própria cultura digital pode ajudar a superar isso?
Acho que já está ajudando. No caso do Brasil, a inclusão digital deixou de ser um fenômeno da classe média. Acontece também na periferia, nas favelas, nas cidades pobres. As lan houses, por exemplo, são responsáveis por 39% das conexões com Internet no Brasil. Nas comunidades, há botecos e até salões de cabeleireiros, além das lan houses, que oferecem conexão como forma de atrair mais gente para o negócio. Existem cidades do nordeste com péssimo IDH (Índice de Desenvolvimento Humano), mas a população faz fila na praça para acessar a Internet; tem uma lan house ao lado da igreja. Então, diferentemente do que acontecia há dez ou cinco anos, não existe mais aquele enorme abismo digital – os pobres não estão fora da rede. São 65 milhões de brasileiros on-line, um terço da população. A dificuldade está em chegar até a casa das pessoas. Em 2003, tínhamos apenas 8% de conexões em casa; hoje, são 25%. Então, podemos dizer que parte da população brasileira está excluída da Internet. Mas não é tanta gente como já foi.
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O que as pessoas ganham ao estar em rede?
Elas ganham um mundo novo com a possibilidade de exercer plenamente sua cidadania. Mas é preciso estar atento ao que está acontecendo hoje. As sociedades em rede não vão ser necessariamente mais democráticas. As disputas que estão sendo travadas hoje nos planos político e institucional, e no próprio ambiente tecnológico da rede é que vão determinar o futuro das sociedades em rede e seus perfis. Na era industrial, por exemplo, nós tivemos sociedades evoluídas tecnologicamente, mas que reproduziram modelos sociais não democráticos, como o nazista, no caso da Alemanha, e o fascista, no caso da Itália. Então, o que quero dizer? A tecnologia não vai determinar o grau de democracia e liberdade de um país. Ela pode, sim, ser utilizada para ampliar esses estados de direito. Ou não. Imagine as possibilidades de controle e vigilância que um regime autoritário pode ter usando as modernas tecnologias...
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“o papel do professor é estimular a busca por conhecimento”
Segundo Marcelo Branco, a sociedade conectada em rede dá mais poder ao indivíduo e, ao mesmo tempo, fortalece o trabalho coletivo
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