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Um Manifesto à Não-Escolarização

16 de Agosto de 2009, 0:00 , por Software Livre Brasil - 0sem comentários ainda | Ninguém está seguindo este artigo ainda.
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Um Manifesto à Não-Escolarização

Texto escrito por Dave Pollard, e traduzido por Lucas Teixeira. Se souber inglês, leia o An Unschooling Manifesto, o original em inglês. Significados são perdidos quando um texto é traduzido, ainda mais de forma amadora. Note que o sistema escolar estadunidense (ou canadense, parece que ele é do Canadá) é bem diferente do brasileiro, e certas coisas são específicas de lá. Mas a essência é a mesma.


No segundo ano do ensino médio, eu era um aluno padrão, com notas em inglês por volta de 60%, e em matemática, minha melhor matéria, uns 80%. Testes de aptidão sugeriam que eu deveria estar me dando melhor, e isso era uma mensagem constante nos meus boletins. Eu odiava a escola. Como minha biografia no blog explica, eu era tímido, deslocado socialmente e descoordenado. Minha idéia de diversão era jogar jogos de estratégia (Diplomacia e Cartel, para companheiros geeks daquela época — isso foi muito antes de jogos de computador ou da Internet) e vadiar perto do restaurante drive-in.

Então, no terceiro ano, algo extraordinário aconteceu: minha escola decidiu implementar um programa chamado “estudo independente”, que permitia que qualquer aluno que mantivesse pelo menos 80% de média nas provas de qualquer matéria (isso era um grande feito naqueles dias, quando um C — 60% — era a média escolar) pudesse faltar aulas nessa matéria até/ao menos que suas notas ficassem abaixo desse limiar. Havia um grupo de “cabeçudos” que entrou no programa imediatamente. Metade deles era do costumeiro grupo dos chatos (os “CDF’s”) que não faziam nada a não ser estudar pra manter notas altas (normalmente sob ordem dos pais); mas os da outra metade eram criativos, curiosos, pensadores independentes com um talento natural para o aprendizado. A possibilidade de passar meus dias com esse último grupo, sem a restrição dos muros da escola e dos horários escolares, era o que eu sonhava, então eu concentrei minhas energias na autodidática.

Para o espanto de todos, incluindo eu mesmo, eu me dei muito bem nisso. No fim do primeiro mês na escola minha média estava quase em 90%, e eu era isento de assistir aulas de todas as minhas matérias. Eu fiz amizade com alguns membros do grupo ao qual eu sonhava me juntar e descobri que, juntos, nós poderíamos facilmente cobrir o currículo escolar em menos de uma hora por dia, deixando o resto do dia para discutir filosofia, política, antropologia, história e geografia do terceiro mundo, literatura européia contemporânea, arte, a filosofia da ciência e outros assuntos que não estavam no currículo da escola. Fomos pra museus, assistimos seminários, escrevemos histórias e poesia juntos (e criticávamos o trabalho uns dos outros).

Conforme o ano passou, os “CDF’s”, para o meu assombro, se viram lutando para se manterem nessa independência e optaram por voltar ao programa estruturado da sala de aula. Agora nosso grupo de estudo independente era um grupo notável de não-conformistas, cujas notas — em provas para as quais nós não assistíamos aulas ou estudávamos — eram tão altas que alguns questionavam em voz alta se não estaríamos de alguma maneira colando. Minhas notas chegavam aos 90%, e isso incluindo inglês, onde tais notas eram raras — especialmente pra alguém cujas notas subiram em uns 30 pontos com alguns meses de estudo “independente”. O fato é que meus colegas fizeram o que nenhum professor de inglês conseguiu — me inspirar a ler e escrever vorazmente, e me mostrar como meu estilo de escrita poderia melhorar. O que eu escrevia, marginal (na melhor das hipóteses) seis meses antes, estava sendo publicada no jornal literário da escola. Em uma ocasião, um poema meu que eu li em sala (uma das poucas ocasiões em que eu fui a uma aula nesse ano) produziu uma ovação espontênea dos meus colegas.

As provas finais do terceiro ano naquela época eram feitas por uma comissão para toda a província, assim as universidades podiam julgar quem eram os melhores alunos sem ter que considerar diferenças entre as escolas. Nosso grupo de estudo independente, um punhado de alunos de uma única escola, conseguiu a maioria das bolsas de estudo da província aquele ano. Eu recebi o prêmio de melhor pontuação combinada em inglês e matemática da província — 94%, quase sem precedentes.

A experiência me empurrou para a universidade — eu terminei em dois anos, o máximo que eu aguentei, fazendo cursos extras e cursos de verão, só pra sair de lá. E o programa de estudo independente, apesar do seu sucesso extraordinário, não foi repetido nos anos subsequentes. Parte da justificativa para o programa tinha sido liberar o tempo dos professores para ser gasto com alunos que precisassem de uma maior atenção individual; a duvidosa razão que nos deram pro cancelamento foi que “era injusto privar os alunos normais da presença e do exemplo dos alunos mais ilustres”.

Tudo isso é uma introdução aos meus pensamentos sobre o excelente livro da PS Pirro sobre não-escolarização, da qual a minha experiência atrasada com “estudo independente” é um exemplo. Aqui está um trecho, pra dar uma idéia do livro:

O mundo da sala de aula é tão diferente do que o mundo real tem a oferecer — com a exceção de outras salas de aula — que jovens podem se sobressair na escola pra no fim se verem perdidos no mundo real. Algumas pessoas acham que isso é o resultado de uma escolarização falha, mas alguns de nós suspeitam de outra coisa. Nós suspeitamos que esse sentimento de deslocamento e confusão é na verdade o resultado da escolarização bem sucedida no seu objetivo não-escrito mais básico: manter você dependente, tímido, preocupado, nervoso, submisso, e com medo do mundo. Manter você sob controle. Manter você indefeso. Manter você pequeno.

Pessoas educadas, confiantes e criativas são perigosas para o status quo, perigosas para uma economia centralizada, perigosas para um sistema centralizado de comando e controle. Os que estão no poder não querem você educado. Querem você escolarizado.

Não cabe a professores ou administradores de escolas descobrir o que você deve ser ou fazer. Não cabe ao Estado, não cabe ao seu orientador. Não cabe aos seus pais. O que você faz da sua vida deve caber a você. O que você aprende deve caber a você. Como você navega no mundo e cria seu lugar nele deve ser sua decisão. Sua vida pertence a você. A escola faz o melhor que pode pra “corrigir” essa noção na sua cabeça. A não-escolarização celebra essa noção. A não-escolarização coloca a responsabilidade de criar uma vida satisfatória onde ela pertence: nas mãos de quem está a vivendo.

A PS apresenta 50 razões pelas quais a escolarização é, de qualquer modo imaginável, ruim pra nós e pra nossa sociedade, e 50 razões pelas quais a não-escolarização, que ela define como “aprender sem currículo formal, prazos, notas ou coerção; aprender em liberdade”, é a maneira natural de aprender. Ela argumenta que nós somos doutrinados desde os cinco anos a ceder nosso tempo, nossas liberdades, e no que prestamos atenção, para a vontade do Estado, para que estejamos “preparados” para um mercado de trabalho de escravidão do salário e obediência à autoridade. Deliberadamente, não nos ensinam qualquer coisa que permita que sejamos auto-suficientes na sociedade. E no ambiente industrial da escola, onde os professores precisam “gerenciar” trinta alunos ou mais, a ética e as políticas de poder são deixadas os bullies e outros psicopatinhas nos ensinarem da maneira grotescamente deturpada deles, desde os nosso anos mais jovens e vulneráveis. Como PS explica, é em todos os sentidos uma prisão.

A não-escolarização, por contraste, começa com a compreensão de que você “é dono” do seu próprio tempo, e tem a oportunidade e a responsabilidade de usá-lo de maneiras que sejam significativas e estimulantes pra você. Quando você tem essa oportunidade, você naturalmente aprende bastante, sobre coisas pras quais você liga, coisas que serão inevitavelmente úteis para você construir e ganhar a vida. Seu ambiente de aprendizado é o mundo inteiro, e você aprende o que e quando você quer, sem ser conduzido por currículos, livros didáticos, despertadores e os sinais da escola. Você desenvolve relacionamentos profundos com colegas em áreas de interesse comum, assim que lhes é permitido explorar e descobrir quais são essas áreas. E a Internet e jogos online permitem que você desenvolva esses relacionamentos em qualquer lugar do mundo, recorrer aos experts mais brilhantes do planeta, e se comunicar poderosamente com pessoas curiosas e de mente parecida com a sua, de todas as idades, culturas e ideologias.

Muitas pessoas argumentam que a não-escolarização só vai funcionar para as crianças mais brilhantes e autodisciplinadas. Pelo contrário, eu acho que todos estamos perfeitamente adaptados para a não-escolarização até que o sistema escolar comece a nos tirar o amor pelo aprendizado, a capacidade de se auto-gerenciar, a curiosidade, a imaginação e o pensamento crítico. Quando alcançamos a segunda série do fundamental, começa a ficar muito mais difícil, e meu sucesso na não-escolarização no terceiro ano do ensino médio foi, eu concordo, graças a minha inteligência acima da média e minha iniciativa — a maioria dos meus colegas intelectualmente fracos não conseguiam se manter sem as restrições a qual eles estavam acostumados. Eles haviam a muito perdido a vontade de aprender, e de pensar por si mesmos.

Se toda criança fosse não-escolarizada — se fosse dada a ela a chance de explorar, descobrir e aprender no mundo real o que eles amam fazer, no que eles são unicamente bons em fazer, e com o que o mundo precisa que eles se importem — aí teríamos um mundo de empreendedores confiantes, criativos, informados, poderosos e interligados, fazendo trabalho que deve ser feito, com sucesso. Nós teríamos exércitos de pessoas colaborando para resolver os problemas e crises enfrentando nosso mundo, em vez de indo pra casa exaustos no fim do dia procurando uma fuga, se sentindo incapazes de fazer algo significativo para eles ou para o mundo. Nós teríamos um mundo de produtores em vez de consumidores, um mundo de abundância em vez de escassez, um mundo de diversidade em vez do que Terry Glavin chama de “uma mesmice crescente e obscura”. Teríamos um mundo de jovens escolhendo suas vidas em vez de pegando o que eles podem levar, o que eles podem bancar, o que é oferecido a eles. Teríamos um mundo de pessoas que sabem quem são, e como viver e sobreviver por si mesmos.

Na parte final do livro, PS nos encoraja a procurar grupos de não-escolarização na nossa região e descobrir o que podemos fazer para esse importante movimento crescer. Ela descreve alguns dos grupos que estão organizando viagens para enriquecer ainda mais as experiências dos não-escolarizados, e fornece referências para leitura e exploração do movimento não-escolar.

Estou cada vez mais convencido de que se nós temos qualquer esperança de lidar com as crises que enfrentamos nesse século, ela reside nas gerações que estão agora no “sistema escolar”.

Mais precisamente, ela reside em tirá-los desse sistema, e fazer dessa a última geração de “crianças escolarizadas”.

Considerando o dano que causamos ao mundo — devido em parte (de maneira nenhuma pequena) ao “sistema educativo” que nos moldou — dano que as gerações futuras devem reverter, é o mínimo que podemos fazer para eles, e, enfim, para nós mesmos.

site do tradutor (fonte): http://lucasteixeira.com/um-manifesto-a-nao-escolarizacao/


Tags deste artigo: educação livre pedagogia hacker

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