imagem: e-coosofia por Foto Felipe Nunes, escultura Alissa Gottfried
Os modos de vida humanos individuais e coletivos evoluem no sentido de uma progressiva deterioração. As relações humanas estão, por uma espécie de padronização dos comportamentos, cada vez mais “ossificadas”. A relação da subjetividade com sua exterioridade se encontra comprometida por uma espécie de infantilização regressiva.
O que está em questão é a maneira de viver daqui em diante, no contexto da aceleração das mutações técnico-científicas e o agronegócio ligado ao descontrolado crescimento demográfico.
As formações políticas e instâncias executivas parecem totalmente incapazes de apreender essa problemática no conjunto de suas implicações. Apesar de estarem começando a tomar uma consciência parcial dos perigos mundiais mais evidentes, que ameaçam o meio ambiente naturale artificial , elas geralmente se contentam em abordar o campo dos danos industriais e, ainda assim, unicamente numa perspectiva tecnocrática, ao passo que uma articulação ético-política – ecosofia – entre os três registros ecológicos (o do meio ambiente, o das relações sociais e o da subjetividade humana) é que poderia refletir consistêntemente tais questões.
Não haverá verdadeira resposta à crise ecológica a não ser em escala planetária e com a condição de que se opere uma autêntica revolução política, social e cultural reorientando os objetivos da produção de bens materiais e imateriais. Essa revolução deverá concernir, portanto, não só às relações de força visíveis em grande escala, mas também aos domínios moleculares de sensibilidade, de inteligência e de desejo, tendo em vista que atualmente os modos dominantes de valorização das atividades humanas são:
1.Do império de um mercado mundial que lamina os sistemas particulares de valor, que coloca num mesmo plano de equivalência os bens materiais, os bens culturais, as áreas naturais, etc.;
2. Que coloca o conjunto das relações sociais e das relações internacionais sob a direção das máquinas policiais e militares.
Em se tratando de subjetividade humana temos em questão um sistema de “unidimensionalização” no ocidente assim como o antigo igualitarismo de fachada do mundo comunista que vem dar lugar, assim ao serialismo de mídia (mesmo ideal de status, mesmas modas, mesmo jaba nas mesmas rádios, etc.).
A instauração, em longo prazo, de imensas zonas de miséria, fome e morte parece daqui a diante fazer parte integrante do monstruoso sistema de “estimulação do Capitalismo Mundial Integrado”.
Assim, para onde quer que nos voltemos, reencontramos esse paradoxo lancinante: de um lado, o desenvolvimento contínuo de novos meios técnico-científicos potencialmente capazes de resolver as problemáticas ecológicas dominantes e determinar o reequilíbrio das atividades socialmente úteis sobre a superfície do planeta e, de outro lado, a incapacidade das forças sociais organizadas e das formações subjetivas constituídas de se apropriar desses meios para torná-los operativos.
Um outro antagonismo transversal ao das lutas de classe continua a ser o das relações homem-mulher. Em escala global, a condição feminina está longe de ter melhorado. A exploração do trabalho feminino, correlativamente à do trabalho das crianças, nada tem a invejar aos piores períodos do século XIX!
A juventude embora esmagada nas relações econômicas dominantes que lhe conferem um lugar cada vez mais precário, e mentalmente manipulada pela produção de subjetividade coletiva da mídia, nem por isso deixa de desenvolver suas próprias distâncias de singularização com relação à subjetividade normalizada.
Se não se trata mais – como nos períodos anteriores de luta de classe ou de chefes da “pátria do socialismo” – de fazer funcionar uma ideologia de maneira unívoca, é concebível em compensação que a nova referência ecosófica indique linhas de recomposição das práxis humanas nos mais variados domínios. Em todas as escalas individuais e coletivas, naquilo que concerne tanto à vida cotidiana quanto à reinvenção da democracia – no registro do urbanismo, da criação artística, da comunicação etc., trata-se de se debruçar sobre o que poderiam ser os dispositivos de produção de subjetividade, indo no sentido de uma re-singularização individual e/ou coletiva, ao invés de ir ao sentido de uma usinagem pela mídia, sinônimo de desolação e superficialidade.
Pelas perspectivas ético-políticas pode-se atravessar questões como racismo, falocentrismo, desastres legados por um urbanismo que se queria moderno, a criação artística liberada do sistema de mercado, a de uma pedagogia capaz de inventar seus mediadores sociais, etc. tal problemática, no fim das contas, é a da produção de existência humana em novos contextos históricos.
A ecosofia social consistirá, portanto, em desenvolver práticas específicas que tendam a modificar e a reinventar maneiras de ser no ambiente doméstico, do contexto urbano, do trabalho, etc., a questão será literalmente reconstruir o conjunto das modalidades do ser-em-grupo.
Para além da ecologia ambientel e social, a ecosofia pessoal traz a noção da reinvenção do sujeito consigo mesmo que busca uma maneira de operar que se aproxima mais daquela do artista do que a dos profissionais “psi”, sempre assombrados por um ideal caduco de cientificidade.
Se não houver uma rearticulação dos três registros fundamentais da ecologia, podemos infelizmente pressagiar a escalada de todos os perigos: os do racismo, do fanatismo religioso, do facismo, dos cismas nacionalitários caindo em fechamento reacionários, os da exploração do trabalho das crianças, da opressão das mulheres, etc.
Trechos do livro: AS TRÊS ECOLOGIAS,
Selecionados por Alissa Gottfried
do psiquiatra francês Félix Guattari.
1Um comentário
necessidade de Ecosofia nos currículos escolas
PARÁBENS, ALISSA. DEUS A ABENÇOE E AO PLANETA COMO UM TODO