Gazeta do Povo de sexta-feira
José Carlos Fernandes, é colunista e repórter especial da Gazeta do Povo.
O homem certo, na hora certa, no lugar certo
Sobre o coronel Roberson Bondaruk, agora alçado ao posto mais alto da Polícia Militar do Paraná, costuma-se dizer a frase destinada aos líderes: é o homem certo, na hora certa, no lugar certo. Arriscado? Não para aqueles que o conhecem.
Pode-se dizer, com certa folga, que quem tirou o PM Bondaruk do anonimato da farda foi a advogada e professora da PUCPR Jimena Aranda, especialista e ativista dos Direitos Humanos, em meados dos anos 2000. Ele não era apenas o aluno mais maduro e mais alto da faculdade de Direito [tem quase 2 metros de altura]. Era o acadêmico que entregou um livro primoroso como projeto de conclusão de curso – um livro sobre os meninos e meninas em situação de rua, escrito nas horas vagas, quando se sentava, à paisana, no meio-fio, para conversar com a infância “largada” que circula pela cidade.
Jimena fez o alarde. E o Paraná entrou em lua de mel com o PM que sempre sonhou e nunca pensou que podia existir. Não passava uma temporada sem que seu nome viesse à tona, desenhando-o aos poucos como o sujeito que conseguia juntar razão e sensibilidade num espaço que, havia muito, parecia ter se especializado na brutalidade e na ignorância.
Sabe-se, a boca pequena, que muitos políticos e companheiros de caserna estremeceram diante da novidade chamada Roberson Bondaruk. Até então ele era o policial generoso e inofensivo que agregava os bons a seu lado, falava-lhes do Estatuto da Criança e do Adolescente, o ECA, uma de suas especialidades; e abrira a Polícia Montada às terapias com deficientes. Essas e outras do “Bonda” funcionavam como uma boa estampa da PM, do que a corporação muito se beneficiou.
O estranhamento veio nos momentos em que o coronel – já na proa do programa Polícia Comunitária – se pôs a escrever e a falar dos seus livros, 9, fora artigos e o doutoramento. Impossível que essas entrevistas sobre produção intelectual não se tornassem também minimamente pessoais. Foi o que aconteceu. Soube-se, pela boca dele, que o menino pobre, de família ucraniana e nascido no Parolin, já pensara em desistir da caserna, por não ver conexão entre o que sonhara quando guri e o uniforme cheio de estrelas.
Sim – ele também tinha dúvidas em operações como as feitas na Vila das Torres. Era capaz de chorar ao falar do ex-PM empobrecido que encontrou no meio de uma desocupação. E de não esconder que é ministro de Eucaristia na paróquia onde mora com Nair e os quatro filhos. Mexeu com a onipotência policial, mexeu com fogo. Em contrapartida, renovou nos civis a esperança por uma polícia mais humana.
Mas seria pouco. O Bondaruk que despertou ciúmes por sua popularidade, ainda que discreta, é também homem de inteligência privilegiada. Foi seu bingo. Depois do livro O império das casas abandonadas – revelado por Jimena Aranda, veio A Prevenção do Crime Através do Desenho Urbano, em que mostrou as relações entre arquitetura, espaço e criminalidade. Experimente procurar na internet: parece não haver jornal importante no Brasil que não o tenha entrevistado sobre o trabalho – justamente no período em que mais padeceu o ostracismo imposto por seus superiores.
A virada, contudo, foi sua posse na Academia Militar do Guatupê, em 2008. O coronel não seria apenas um sujeito boa praça ensinando os policiais a serem cordiais. Ele assumiu com a promessa de transformar o centro de formação num laboratório de pesquisa sobre a violência, projetando o Paraná não mais nos dados do Mapa do Crime, mas na ciência capaz de conter o tráfico e a criminalidade.
Um acidente vascular cerebral (AVC) recente e uns bons meses de molho criaram o fio da suspeita. Falou-se na aposentadoria do coronel Bondaruk como favas contadas. Mesmo que tivesse pendurado a farda, escreveria muitos livros e, arrisca, sentaria nos meio-fios. Mas a farda, pelo que sabe, não lhe incomoda. Nele, é a veste do homem que pensa, sente e dialoga com a sociedade – tal como ele contou ter sonhado fazer um dia, ao decidir ser policial. Não será em vão.
0sem comentários ainda