Prefeitura dá cargos a dirigentes de associações comunitárias
Líderes de entidades ganham salários em postos de confiança. Especialistas dizem que relação traz prejuízos para a democracia
Hoje na Gazeta do Povo, por Heliberton Cesca
Presidentes de associações de bairros de Curitiba estão ganhando cargos dentro de instituições públicas para “intermediar” o diálogo com a população mais carente da capital. Levantamento feito pela Gazeta do Povo mostra que pelo menos 14 dirigentes de associações de moradores e clubes de mães de Curitiba e região metropolitana foram contratados pela prefeitura da capital, pelo governo do Paraná e pela Câmara de Curitiba em cargos comissionados.
Especialistas afirmam que pode estar ocorrendo uma perigosa cooptação dos dirigentes dessas entidades: ao ganhar um salário público, eles estariam se comprometendo a carrear votos para seus novos chefes políticos. Os líderes comunitários negam que haja problemas no relacionamento, mas as três principais centrais que reúnem as associações de bairros têm ligações políticas e partidárias.
Veja a matéria completa:
A Federação Comunitária das Associações de Moradores de Curitiba e Região (Femoclam), por exemplo, tem três diretores e coordenadores empregados na prefeitura de Curitiba. Um deles é funcionário da Câmara Municipal. O presidente licenciado é o ex-vereador Valdenir Dias, atualmente contratado como assessor parlamentar das comissões do Legislativo municipal.
O presidente da Femoclam, Nilson Pereira, diz, porém, que os líderes de bairro são orientados a ter independência do poder público. Ele destaca que a entidade é autônoma e afirma que o ex-vereador Valdenir não participa da administração por ter vinculação com a Câmara. “Para não dar rolo, para não dizerem que estamos nos beneficiando.” Contraditoriamente, a sala da presidência da entidade é recheada de fotos e homenagens a Valdenir.
O presidente interino da Federação das Associações de Moradores do Paraná (Famopar), Luiz de Mauro, é funcionário em comissão na prefeitura da capital contratado como agente público da Companhia de Habitação Popular de Curitiba (Cohab). Também integra o Conselho da Cidade de Curitiba (Concitiba) e o Conselho Estadual de Saúde (CES).
“Trabalho com regularização fundiária e conflitos fundiários. Na mobilização das comunidades”, diz Mauro. O presidente, que está reativando a organização, admite proximidade com algumas instituições, mas minimiza o problema. “Eles fazem palestras e nos dão o espaço para reuniões ou fornecem o café”, afirma.
Do outro lado, está o presidente da Federação Democrática das Associações de Moradores, Clubes de Mães, Entidades Beneficentes e Sociais de Curitiba (Femotiba), Edson Feltrin. Embora não tenha cargo político no momento, Feltrin é filiado ao PDT – partido de oposição ao prefeito Luciano Ducci (PSB). E atua como verdadeiro oposicionista: foi ele, por exemplo, quem levou à Câmara um pedido de impeachment contra o presidente do Legislativo municipal, João Cláudio Derosso (PSDB), por supostas irregularidades em contratos de publicidade.
Feltrin também prega independência. Diz que “líderes comunitários não podem ser pedintes a vida toda” e por isso defende a autonomia das associações. Ele defende a atuação que faz como uma forma de “conscientização”. “A finalidade da Femotiba é elevar a consciência política das lideranças”, resume.
Especialistas
Contratações reforçam clientelismo
O fato de líderes de bairros se aproximarem de políticos em troca de obras e investimentos gera uma relação de dependência com o poder público com prejuízo ao sistema democrático, segundo especialistas. Para a doutora em Ciência Política Samira Kauchakje, professora da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR), o problema acontece quando o poder público passa a atender os pedidos não porque eles são um direito dos cidadãos, mas sim porque há um compromisso político das lideranças. “A troca de votos é o que motiva a relação clientelista”, afirma.
O professor de História José Roberto de Vasconcelos Galdino, da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG), que trabalhou em seu mestrado justamente a formação política das associações de moradores em Curitiba, explica que a relação de interdependência não é nova. Essa característica, segundo ele, começou a se formar na década de 80, quando prefeitos de estilo mais popular – como Maurício Fruet e Roberto Requião – governaram a capital e levaram líderes comunitários para dentro da administração pública. Segundo ele, isso enfraqueceu o movimento popular na época, que havia sido bastante combativo contra a Ditadura Militar.
Comissionados negam, mas fazem campanha
Os dez líderes comunitários empregados na prefeitura de Curitiba garantem que ter um cargo em comissão não significa apoio incondicional ao Executivo e aos seus representantes. Todos dizem que foram contratados na capital para realizar funções de assessoramento de associações de bairro e clubes de mães, além de intermediar as reivindicações com o poder público. Não haveria compromisso de apoio eleitoral.
No entanto, as declarações de alguns deles contradizem isso. “A gente está conscientizado o pessoal que a gente tem que eleger o Luciano Ducci (PSB) porque os candidatos que estão vindo aí não conhecem nossa realidade”, diz, por exemplo, a presidente da União de Mulheres Líderes Comunitárias de Curitiba, Maria da Paz Basso. Ela é agente da Secretaria Municipal Extraordinária de Relações com a Comunidade.
No ano passado, Edson Pereira Rodrigues, conhecido como “Edson Parolin”, foi multado pela Justiça Eleitoral por discursar em um evento público pedindo votos para Beto Richa (PSDB), que disputaria o governo em outubro. O discurso foi feito em maio, quando a campanha ainda era proibida, durante um evento de distribuição de cobertores da prefeitura de Curitiba. No mesmo evento, a atual primeira-dama do estado, Fernanda Richa, também discursou e acabou multada pelo Tribunal Regional Eleitoral (TRE).
Há dez anos à frente da associação de moradores do Parolin, Rodrigues tem na ponta da língua as várias conquistas: “Asfalto em toda a vila, unidade de saúde em construção, armazém da família, Centro de Assistência Social, três creches, uma escola, uma academia, um campo de futebol sintético e uma vila para carrinheiros.” Porém, ele não se ilude. Sabe que as melhorias aconteceram por interesses eleitorais. “O político nunca vê você. Vê o que está atrás, os votos que ele pode conseguir”, diz. Filiado ao PSDB, Edson Parolin é hoje gestor público da Companhia de Habitação Popular de Curitiba (Cohab).
Discurso
No discurso, porém, os líderes são todos contrários a qualquer relação de dependência com o poder público. “Eu sou responsável por vistoriar as ruas que precisem de tapa-buraco, acompanhar pedidos. Tudo em relação a queixas que dependam da prefeitura”, conta Luiz Carlos Saragiotto, filiado ao PSDB, presidente da Associação de Moradores Jardim Florianópolis (Cajuru) e agente público na Secretaria de Governo Municipal. “Sei o que a comunidade precisa e o que prefeitura pode contribuir”, justifica Jonas Lemes dos Santos, da Associação Comunitária Andorinhas e assessor da Administração regional da Boa Vista.
Para eles, ser funcionário público não significa ser condescendente com os políticos. “Você não tem ideia de como eu bato na prefeitura, se for necessário”, diz Neemias Portela, presidente da Associação de Moradores da Vila Autódromo e gestor público da Secretaria de Relações com a Comunidade. “A comunidade é a que mais ganha nessa relação, ela é mais bem atendida”, defende o presidente da União das Associações de Moradores da Cidade Industrial, Iranei Fernandes, contratado como gestor público da Administração regional da CIC.
Secretário diz que não há dependência
O secretário de Relação com a Comunidade da prefeitura de Curitiba, Fernando Guedes, nega que a contratação de líderes comunitários para intermediar o diálogo entre a prefeitura e as reivindicações da população gere uma relação de dependência política. Segundo ele, as questões partidárias e eleitorais não influenciam no atendimento dos pedidos de obras e investimentos nas comunidades. “A atenção que a prefeitura dá é igual para todas as associações de moradores”, diz.
Reuniões
Desde o mês passado, a secretária de Estado da Família e Desenvolvimento Social, Fernanda Richa, tem se encontrado com líderes comunitários de Curitiba nas sextas-feiras de manhã no Palácio das Araucárias, sede do governo estadual. Um café da manhã é oferecido ao grupo depois de discursos que falam da “parceria” entre a prefeitura da capital e o governo.
No último dia 26, a Gazeta do Povo acompanhou uma reunião com representantes de Santa Felicidade. “Estamos aqui para conversar, relembrar o que a gente já fez e falar sobre o que a gente pode fazer no futuro”, disse Fernanda.
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