Já passados um terço do governo Beto Richa, o clima é de paralisia e incompetência. Mas em uma coisa eles são eficientes: rolo compressor na subserviente Assembleia Legislativa do Paraná quando o assunto é privatização.
Em menos de um mês o governador Beto Richa (PMDB) enviou um anteprojeto de lei (02 de abril) que prevê a privatização da gestão dos presídios para entidades do Terceiro Setor, a Assembleia aprovou o projeto em regime de urgência e, ontem (27 de abril), o governador sancionou a lei. A lei é totalmente inconstitucional!
O mais estranho é que a lei foi sancionada em evento no Tribunal de Justiça do Paraná com a presença do presidente do TJ e presidente da OAB/PR. O esquema foi batizado de “Pacto Movimento Mãos Amigas pela Paz”, e envolve, ainda, os poderes Legislativo, o Ministério Público e a Defensoria Pública do Paraná.
A lei em comento é a que autoriza o Estado a firmar convênios com as Associações de Proteção e Assistência aos Condenados (Apacs), entidades civis sem fins lucrativos que poderão administrar unidades penais de pequeno porte, destinadas a presos considerados de menor periculosidade, especialmente os condenados a cumprimento de penas em regime semiaberto.
Já postei um comentário sobre a inconstitucionalidade da privatização de presídios, com o apoio de colegas juristas que indicaram textos sobre o tema.
Para continuar a discussão, já que ela não ocorreu na Assembleia Legislativa, recomendo leitura do texto “Parcerias Público-Privadas: indelegabilidade no exercício da atividade administrativa de polícia e na atividade administrativa penitenciária”, de José Roberto Pimenta Oliveira, publicado no livro “Parcerias Público-Privadas”, coordenado por Carlos Ari Sundfeld, editora Malheiros, 2005, pp. 406-432.
No texto fica claro que como regra o poder de polícia (atos de produção jurídica, desde emissão de normas jurídicas, atos jurídico-administrativos concretos e atos de execução material de normas e atos previamente estabelecidos) não pode ser delegado para particulares (a exceção é o comandante de navio ou aeronave), o que qualquer estudante de Direito do 3º ano deveria saber, mas parece que os membros do governo não sabem. São passíveis de terceirização apenas atividades preparatórias, instrumentais ou de suporte.
O autor saliente que mesmo no caso de execução material sucessiva ao ato de polícia (por exemplo retirada de veículo de local proibido), a empresa contratada não é autorizada a iniciar a execução por vontade própria. Portanto, para Oliveira:
“a deflagração da atividade executiva até a gestão da fase final de mera execução técnica e objetiva de tarefas que lhe são inerentes não poderá, em sua integralidade, ser objeto de delegação, em face da eventual necessidade do uso da coercibilidade, sob pena de contrariar os vetores constitucionais que justificam a indisponibilidade do poder de polícia”.
Para o autor, na “parcela da função administrativa prisional que afeta o direito de liberdade do preso” há coerção sobre a liberdade, além do caráter restritivo de direitos fundamentais, “aproximando a atividade administrativa prisional da atividade de ordenação de direitos, abrangente do exercício do poder de polícia”.
O autor informa que o art. 66 da LEP define que as competências jurisdicionais (típicas, I a V) e administrativas (atípicas, VI a IX) foram atribuídas ao juízo de execução, ao Poder Judiciário, portanto não delegáveis.
O exercício da função administrativa prisional, atribuídas a órgãos administrativos, abrange:
(a) atos jurídicos (edição de provimentos sancionatórios – art. 53, emanação de recompensas – art. 56, autorizações de trabalhos externos – art. 37)
(b) atos materiais
(b.1) atividade material incidente sobre a pessoa do preso (providências materiais de vigilância – art. 39). Não podem ser delegadas. Diferente de vigilâncias terceirizadas na Administração Pública em geral. Aqui há monitoramento dos deveres dos presos, e não raro com uso de coação.
(b.2) atividade material de gestão (assistências em geral – arts. 12, 14, 15, 22, 25, 28). Não são atos jurídicos ou atos materiais coercitivos. APENAS ELES PODEM SER DELEGADOS PARA PRIVADOS, JUNTAMENTE COM OBRAS.
O autor argumenta que ”não há como justificar a transferência indiscriminada de integralidade da função administrativa prisional partindo da remissão legal à çooperação da comunidade”" e conclui que a gestão mista ou a gestão plena são inconstitucionais.
Filed under: Política Tagged: Beto Richa, OAB, presídios, privatizações
0sem comentários ainda