O financiamento público exclusivo de campanhas eleitorais talvez seja dos aspectos da reforma política o que mais gera controvérsias. Por isso, é também o que precisa ser alvo de maior esclarecimento, a fim de que seus reais objetivos cheguem ao conhecimento de toda a sociedade.
Ao contrário do que a grande imprensa recorrentemente diz em seus editoriais, a defesa da adoção do financiamento público de campanha não é feita como a proposição de uma solução mágica para todos os males da corrupção. A complexidade deste debate por si só desmantela essa possibilidade e exige que a questão seja refletida e analisada sob seus múltiplos aspectos.
Os principais argumentos utilizados contra o financiamento público, muitas vezes por falta de conhecimento, outras apenas por pura má fé, é que ele retiraria recursos que deveriam ser investidos em áreas prioritárias como Saúde e Educação, que seria um ônus a mais para o contribuinte e que representaria um esforço inútil por não impedir a utilização de outras formas de arrecadação pelos partidos e candidatos.
É difícil afirmar qualquer coisa sobre algo que não experimentamos. Mas a manutenção do sistema atual, o financiamento privado “este sim, comprovadamente eivado de distorções e marcado pela prevalência do poder econômico sobre os interesses dos cidadãos” não pode ser defendido como alternativa razoável se quisermos aprofundar a democracia e evitar que, a cada novo pleito, amplie-se o poder dos financiadores.
Vale lembrar que não estamos saindo de um modelo exclusivamente privado. Caso não houvesse o aporte de recursos públicos às campanhas, que se dá atualmente por meio do Fundo Partidário e do horário gratuito de propaganda eleitoral, os gastos dos partidos com as campanhas seriam muito maiores.
Afinal, a principal despesa das campanhas modernas em países como os EUA, por exemplo, se dá justamente com a compra de tempo de veiculação nos meios de comunicação de massa.
Ainda assim, as campanhas eleitorais no Brasil, financiadas em maior parte por grupos poderosos e grandes corporações, estão entre as mais caras do mundo.
De acordo com dados do TSE, os gastos nas campanhas têm sido decisivos na eleição de um candidato.Dos 513 eleitos para a Câmara dos Deputados, 369 foram os candidatos que mais gastaram nas campanhas de 2010. Os 513 eleitos gastaram, em média, doze vezes mais do que o restante dos candidatos.
Os gastos declarados em campanhas eleitorais saltaram de R$ 800 milhões para R$ 4,8 bilhões em oito anos.
Como bem colocou o deputado Henrique Fontana (PT-RS), relator do projeto de reforma política que tramita na Câmara, “o sistema vigente cobra caro do cidadão o retorno dos recursos privados despendidos”.
Cobrança que se faz de forma lícita, quando as empresas financiadoras embutem este “gasto” no preço de seus produtos, ou de forma ilícita, quando se estabelecem relações de interdependência entre parlamentares ou governos e determinados interesses privados.
É importante ressaltar que essa questão engloba não apenas o financiamento dos partidos políticos, mas também o alcance de uma representação mais democrática. O modelo atual fragiliza a democracia ao permitir que partidos e candidatos vinculados às elites econômicas tenham vantagem sobre os demais.
O financiamento público teria o efeito de equalizar essas diferenças, uma vez que todos passariam a dispor da mesma quantidade de recursos, e de levar a disputa para o campo realmente propositivo, da discussão de ideias e projetos que possam oferecer soluções aos problemas concretos da população.
Porém, o mais importante desta questão diz respeito à transparência, já que quando se trata de recursos públicos, a possibilidade de controle e fiscalização é muito maior tanto por parte da Justiça Eleitoral como da própria sociedade.
Se de um lado as arrecadações feitas junto a pessoas físicas e jurídicas têm sido passíveis de irregularidades, como a prática de “caixa 2″, por outro, a parcela que provém do Tesouro é transparente.
Se apenas esse mecanismo será suficiente para resolver os problemas de corrupção e arrecadação irregular não se sabe, mas certamente quebrará o círculo vicioso atual e abrirá espaço para baratear as campanhas e facilitar o trabalho de fiscalização, na medida em que estabeleça teto de gastos para cada cargo em disputa e estruture um rigoroso aparato de fiscalização sobre o uso do Fundo Público Eleitoral.
O PT sempre esteve à frente desta luta e há anos vem tentando, por meio de discussões com a sociedade e das propostas apresentadas por seus parlamentares, formar consenso para viabilizar o financiamento público de campanha e a reforma do sistema político.
A oposição, por sua vez, se esforça em obstruir tais mudanças, empenhada em fazer valer os interesses das velhas elites dominantes deste país. Receiam que o financiamento público equilibre a tão desigual correlação de forças existente no sistema atual.
O financiamento público exclusivo de campanha não é uma solução mágica, mas pode, sim, ser um instrumento fundamental para o aprofundamento da democracia, diminuindo a influência do poder econômico sobre as eleições, aumentando a transparência e os mecanismos de combate à corrupção e ampliando os espaços para candidaturas comprometidas com os interesses do Brasil e dos seus cidadãos.
José Dirceu, 66, é advogado, ex-ministro da Casa Civil e membro do Diretório Nacional do PT
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