O Blog do Tarso defende as cotas raciais. Veja artigo do professor Túlio Vianna
25 de Abril de 2012, 0:00 - sem comentários aindaCotas da igualdade
Debate sobre as cotas raciais nas universidades brasileiras trouxe de volta velhos clichês como a suposta “democracia racial” brasileira e o reducionismo econômico, que insiste em negar a diferença de tratamento entre brancos e negros da mesma classe social
Por Túlio Vianna
De todas as ficções com as quais o sistema capitalista se legitima, a mais hipócrita delas é a da igualdade de oportunidades. A meritocracia é uma ficção que só se realizaria se não houvesse heranças. No mundo real, ninguém começa a vida do zero; somos herdeiros não só do patrimônio, mas da cultura e da rede de relacionamentos de nossos pais. Alguns já nascem na pole position, com os melhores carros; outros se digladiam na última fila de largada em calhambeques não muito competitivos.
Quem é o melhor? O piloto que vence a corrida largando na pole position e com o melhor carro ou aquele que largou em último e chega com seu calhambeque em segundo lugar? Quem tem mais mérito? O candidato que estudou a vida inteira em excelentes escolas particulares e passou em primeiro lugar no vestibular ou aquele que passou em último, tendo estudado somente em escolas públicas, enquanto trabalhava oito horas por dia para ajudar seus pais?
As cotas universitárias não foram criadas para coitadinhos. Elas existem para vencedores. Para alunos que são tão brilhantes que, mesmo correndo durante 17 anos em calhambeques, ainda conseguem chegar próximos daqueles que dirigem os melhores carros. Para quem, contrariando todas as expectativas, venceu o sistema que lhe negou as oportunidades necessárias para que seu talento florescesse em plenitude. As cotas são um mecanismo para privilegiar o mérito pessoal em detrimento da condição social como critério de seleção.
É relativamente fácil perceber como a desigualdade econômica afeta o desempenho acadêmico dos candidatos ao vestibular. Mesmo quem nunca foi pobre consegue imaginar as dificuldades de alguém que estudou em uma escola fraca, sem dinheiro para comprar material escolar e tendo que trabalhar para ajudar nas despesas da casa. Difícil mesmo é um branco perceber como a desigualdade racial dificulta o ingresso de um negro na universidade.
O racismo no Brasil é comumente negado com base em duas ideologias complementares: o “mito da democracia racial” e o reducionismo econômico. A primeira nega, contra todas as evidências fáticas, a existência da discriminação racial brasileira; a segunda reconhece o tratamento desigual, mas atribui sua causa à desigualdade econômica. Juntas, estas duas ideologias fundamentam um argumento recorrente de que o negro seria discriminado no Brasil não pela cor de sua pele, mas por sua pobreza.
Democracia racial
O mito da democracia racial brasileira, como todo mito que se preze, tem suas origens incertas. Muitos atribuem sua gênese à obra magna de Gilberto Freyre, Casa-grande & Senzala (1933), ainda que a expressão não conste expressamente no livro e só tenha sido usada por Freyre muito mais tarde, sob influência de outros intelectuais. Fato é que, independentemente do pensamento ou da vontade de Freyre, sua obra foi interpretada por muitos como a prova cabal de que as relações entre brancos e negros no Brasil se deram de forma muito mais cordial do que na América do Norte, até em função da miscigenação ocorrida por aqui, o que explicaria a suposta democracia racial existente no Brasil.
E foi com base nesta ideologia da democracia racial que o senador Demóstenes Torres (DEM-GO) defendeu a ação de Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 186, com a qual o seu partido requereu ao Supremo Tribunal Federal (STF) que declarasse inconstitucional o sistema de cotas raciais nos vestibulares brasileiros. Em audiência pública ocorrida no STF em 3 de março de 2010, o senador afirmou: “Nós temos uma história tão bonita de miscigenação… (Fala-se que) as negras foram estupradas no Brasil. (Fala-se que) a miscigenação deu-se no Brasil pelo estupro. (Fala-se que) foi algo forçado. Gilberto Freyre, que é hoje renegado, mostra que isso se deu de forma muito mais consensual.”
Esta visão romanceada da escravidão no Brasil, que foi duramente criticada por Florestan Fernandes e seus colegas da USP em minuciosos estudos realizados a partir da década de 1950, ainda hoje encontra seus adeptos, não obstante seu visível anacronismo. A ditadura militar brasileira – que aposentou compulsoriamente Florestan em 1969 – esforçou-se para garantir uma sobrevida à ideologia da democracia racial, incutindo na população a ideia de que não há racismo no Brasil.
Os números do Relatório Anual das Desigualdades Raciais no Brasil 2007-2008, porém, mostram uma realidade bastante diferente da propagada pela ideologia da democracia racial. O IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) de pretos e pardos no Brasil é de 0,753; o de brancos é de 0,838. Dos 513 deputados eleitos em 2006, apenas 11 eram pretos e 35 pardos. No início de 2007, dos 81 senadores 76 eram brancos, enquanto somente 4 eram pardos e 1 preto. Dos 68 juízes dos Tribunais Superiores, apenas dois foram identificados como pretos e dois como amarelos, sendo todos os demais brancos.
No ensino superior a democracia racial é uma ficção. Em 2006, um em cada cinco brancos em idade esperada para ingressar no ensino superior estava na universidade, enquanto 93,7% dos pretos e pardos na mesma faixa etária estavam excluídos do ensino superior público ou privado.
No corpo docente das universidades brasileiras a situação é ainda pior. Um estudo do professor de Antropologia da Universidade de Brasília (UNB) José Jorge de Carvalho avaliou 12 das principais universidades brasileiras e constatou que o número de professores negros (pretos e pardos) não chega sequer a 1%. Dos 4.705 professores da Universidade de São Paulo (USP) no período avaliado, apenas 5 (0,1%) eram negros. Na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), dos 2.700 professores, 20 (0,7%) eram negros. Das instituições pesquisadas, a com maior pluralismo racial do corpo docente foi a UNB, na qual, dentre 1.500 professores, havia 15 (1%) negros.
Reducionismo econômico
Na impossibilidade de negar os números que indicam claramente a discriminação racial no Brasil, os adeptos da ideologia da democracia racial procuram justificar as desigualdades apontando como causa da discriminação não a etnia, mas a condição econômica dos negros, na média bastante inferior à dos brancos. Este argumento tem seduzido, inclusive, muita gente de esquerda que, em uma leitura ortodoxa do marxismo, entende que todo conflito social pode ser reduzido a um conflito de classes.
Uma análise mais atenta da realidade social, porém, constata que, para além do poder econômico que impõe a dominação de ricos sobre pobres, há também micropoderes que impõem relações de dominação em função de outras diferenças sociais, tais como as existentes entre brancos e negros, homens e mulheres, heterossexuais e homossexuais, nacionais e estrangeiros e tantas outras.
É tentador imaginar que um estudante negro que estudou toda a vida na mesma sala de aula de um colega branco, com renda familiar semelhante, tenha a mesma chance que ele de ingressar em uma universidade. Na vida real, porém, as dificuldades do estudante negro são sempre maiores.
Ainda que tanto o estudante negro quanto o branco assistam às mesmas aulas e estudem pelos mesmos livros, este é apenas um aspecto muito reduzido de sua formação. A criança e o adolescente refletirão boa parte das expectativas que seus pais, professores e colegas depositam nele. Se o aluno branco é visto por seus professores como “brilhante” e o negro como “esforçado”, esta diferença acumulada durante mais de 10 anos de estudos resultará em níveis de autoconfiança bastante diferentes.
O negro já entra na escola com um menor status social perante seus colegas e isso lhe será relembrado durante todo o período escolar, desde os apelidos que lhe serão dados até o eventual desafio de um namoro interracial na adolescência. Se precisar trabalhar para ajudar nas despesas de casa, o adolescente negro terá maiores dificuldades em ser aceito em um emprego do que o adolescente branco, ganhará menos e exercerá piores funções. Haverá uma probabilidade muito maior de que os adolescentes negros sejam abordados e revistados pela polícia do que o mesmo ocorrer com seus colegas brancos; aqueles terão sempre seguranças seguindo seus passos em shoppings centers e boates. As revistas e os programas de TV lhe lembrarão o tempo todo que suas chances de ascensão social se resumem a ser um exímio jogador de futebol ou uma sambista destinada a ser símbolo sexual somente durante o carnaval.
Se o adolescente branco tem como desafio vencer a pobreza para passar no vestibular, o adolescente negro, além da pobreza, precisará vencer o preconceito. Precisará ir além da expectativa social que lhe atribuiu um lugar na sociedade que ele não quer ocupar. E isso, muitas vezes, é bem mais difícil do que simplesmente aprender a matéria que cai na prova.
Não se trata de uma mera dominação econômica de uma classe sobre outra, mas de uma dominação cultural que durante séculos incutiu no inconsciente coletivo a imagem do negro como raça inferior. As cotas raciais a médio e longo prazo permitirão que mais e mais negros sejam vistos no mercado de trabalho como profissionais de sucesso, alterando as expectativas sociais que são atribuídas aos jovens negros.
Quando os cirurgiões e os juízes negros deixarem de ser confundidos com pacientes e réus, não precisaremos mais de cotas. Até lá, as cotas raciais cumprirão não só o papel de promoção da igualdade racial, mas principalmente farão justiça com o estudante negro que enfrentou tantos percalços na sociedade racista em que vive. Reconhecerão o mérito de quem desafiou todas as expectativas sociais em contrário e continuou estudando para ingressar em uma universidade. O mérito de quem teima em ser um vencedor.
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Esposa do Ministro Crivella usando carro oficial? Dilma, favor demitir
25 de Abril de 2012, 0:00 - sem comentários aindaHoje pela manhã o carro oficial do Ministério da Pesca, dirigido por motorista particular pago com dinheiro público, parou diante da loja “Casa do Rio Grande do Sul”, na quadra SQS 207, asa sul de Brasília, para que a esposa do Ministro Marcelo Crivella (PRB) fizesse compras.
Crivella é senador licenciado pelo Rio de Janeiro e atual Ministro da Pesca e Aquicultura. Ele é bispo licenciado da Igreja Universal do Reino de Deus – IURD e sobrinho de Edir Macedo.
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Privatização dos presídios de Beto Richa é inconstitucional
25 de Abril de 2012, 0:00 - sem comentários aindaNão vou aqui questionar politicamente o governador do Estado do Paraná, sr. Carlos Alberto Richa (PSDB), que prometeu que não iria privatizar e está privatizando atividades-fim nas empresas estatais, aprovou “na marra” a lei de privatização da saúde e cultura via organizações sociais – OS, entre outras. A mais nova é a tentativa, com pedido de urgência, da aprovação do PL 135/12 que o governador encaminhou para a Assembleia Legislativa.
Trata-se da privatização dos estabelecimentos penais no Estado, por meio de ONGs – organizações não-governamentais, que fariam a gestão desses estabelecimentos, inclusive as entidades do Terceiro Setor chamadas APACs – Associações de Proteção e Assistência aos Condenados.
Antes que alguém diga que isso não é privatização, mas sim “terceirização”, ou mesmo “parceria”, apenas deixo claro que uma das maiores administrativistas brasileiras, a professora Maria Sylvia Zanella Di Pietro, é clara e expressa ao definir que terceirizações e parcerias com o Terceiro Setor também são privatizações, em sentido amplo (Parcerias na Administração Pública, editora Atlas).
A primeira pergunta: quem será que elaborou o anteprojeto de lei? Mal feito, com erros formais e materiais crassos. Como passou pelo deputado Durval Amaral (DEMO), atual chefe da Casa Civil de Beto Richa? Durval Amaral que pretende ser escolhido o novo Conselheiro do Tribunal de Contas do Estado, por ter “notório saber jurídico”. Uma piada.
O PL confunde Estado com Governo. Quem o elaborou e todos os advogados e políticos que o analisaram não sabem que quem celebra convênios é uma pessoa jurídica, o Estado, e não o Governo, que é o grupo de pessoas que está no poder. É primário. Mas que bom seria se o problema fosse apenas esse.
Preliminarmente, há um vício de iniciativa, pois a Constituição do Estado do Paraná dispõe que são de iniciativa privativa do Governador PLs que disponham sobre criação, estruturação e atribuição das Secretarias de Estado e órgãos da Administração Pública (art. 66, IV, e 87, VI). O Regimento Interno da Assembleia determina que a não ser nos casos de projetos de competência exclusiva do governador, os demais terão origem na Assembleia. Ora, o PL em comento trata de convênios, parcerias entre a Administração Pública e a iniciativa privada. Não trata de organização administrativa. Qualquer estudante de direito do 3º ano sabe disso. Portanto, o presente PL deveria ser de iniciativa da Assembleia, e não do governador.
Por mais que alguns juristas penalistas e administrativistas neoliberais entendam que é possível a privatização da gestão dos presídios para a iniciativa privada, entendo que essa terceirização poderia ocorrer apenas em atividades realmente acessórias, atividades-meio, como por exemplo a alimentação, limpeza, lavanderia, etc. Sobre o tema ver DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella, Parcerias na Administração Pública, Atlas, e o meus Terceiro Setor e as Parcerias com a Administração Pública: uma análise crítica (Fórum, 2ª ed., 2010) e Estado, Ordem Social e Privatização – as terceirizações ilícitas da Administração Pública por meio das Organizações Sociais, OSCIPs e demais entidades do “terceiro setor”. A privatização/terceirização da gestão de todo um presídio, no Brasil (não estamos nos EUA) não é possível!
Note-se ainda que, conforme lembra o criminalista Juarez Cirino dos Santos (Privatização de Presídios), a Lei de Execuções Penais – LEP determina que o trabalho do condenado somente pode ser gerenciado por fundação ou empresa pública e deve ter por objetivo a formação profissional do condenado. Assim, nas estruturas prisionais geridas por ONGs não poderia ocorrer qualquer tipo de trabalho do preso, por impedimento legal da Lei 7.210/84 (art. 28 e §§, art. 34, LEP).
O autor ainda entende que o poder disciplinar na execução das penas privativas de liberdade (art. 47, LEP) e das penas restritivas de direito (art. 48, LEP) compete à autoridade administrativa da prisão (Poder Executivo nas faltas leves e médias, e ao juiz da execução penal, Poder Judiciário, no caso de faltas graves, conforme o art. 48, parágrafo único, LEP). Para o autor a LEP impede o exercício do poder disciplinar pelo empresário privado. Cirino dos Santos ainda é incisivo:
“Por último, sistemas de trabalho carcerário que submetam a força de trabalho encarcerada a qualquer outra autoridade diferente do Estado – como, por exemplo, o empresário privado – representam violação inconstitucional da dignidade da pessoa humana (art. 1o, CF), por uma razão elementar: a força de trabalho encarcerada não tem o direito de rescindir o contrato de trabalho, ou seja, não possui a única liberdade real do trabalhador na relação de emprego e, por isso, a compulsória subordinação de seres humanos a empresários privados não representa, apenas, simples dominação do homem pelo homem, mas a própria institucionalização do trabalho escravo. Se o programa de retribuição e de prevenção do crime é definido pelo Estado na aplicação da pena criminal pelo poder Judiciário (art. 59, CP), então a realização desse programa político- criminal pelo poder Executivo através da execução da pena, vinculada ao objetivo de harmônica integração social do condenado (art. 1o, LEP), constitui dever indelegável do Poder Público, com exclusão de toda e qualquer forma de privatização da execução penal.”
O modelo adotado por Beto Richa no Paraná é cópia do modelo mineiro implementado pelo ex-governador e atual senador Aécio Neves, também do PSDB. Sobre a privatização dos presídios em Minas Gerais, recomendo leitura da publicação “Do lado de fora do cárcere”, coordenada por Virgílio de Mattos. Nessa publicação, Rafhael Lima Ribeiro cita Loïc Wacquant (As prisões da miséria, ed. Jorge Zahar, recomendo também o seguinte texto dele, clique aqui), sobre a privatização do cárcere, que é utilizada:
“quanto mais intensamente a política econômica e social implantada pelo governo do país considerado inspire-se em teorias neoliberais que levam a ‘mercantilização’ das relações sociais, e quanto menos protetor desde o início seja o Estado-providência em questão”.
E depois Ribeiro conclui:
“Neste sentido o governo de Minas Gerais ao introduzir o modelo de parceria público-privada no sistema prisional mineiro traduz bem o que o mesmo autor chama de transformação do “Estado Social” em “Estado Penal”, outro atributo do conservadorismo político da direita.
O que se observa é que a parceria público-privada no sistema prisional mineiro é uma nova ideia velha de o Estado estatizar o prejuízo e privatizar o lucro, inspirado no modelo neoliberal de privatizações disseminado por Thatcher na Inglaterra e Reagan nos EUA. A lógica é simples e sutil: quando uma empresa privada investe, deve ter garantias de que terá o retorno do investimento. Quando ela constrói uma estrada, isso pode ser garantido por um pedágio. Da mesma forma, quando ela constrói uma cadeia, terá lucro pelo aprisionamento, ou dito de outro modo, pelo objeto desse aprisionamento. Quanto mais passam carros, mais a empresa privada ganha. Assim, quanto mais se prende seres humanos, mais a empresa lucrará!“
Alguns defensores da privatização dos presídios podem dizer que o modelo a ser adotado é o francês, e não o americano (na verdade o termo correto é estadunidense). Nos Estados Unidos normalmente a privatização é total, com a tutela totalmente privada dos presos. Na França não se admite a privatização total, utilizando-se de uma espécie de gestão mista, na qual a gestão externa do presídio cabe ao poder público e a iniciativa privada constroi o presídio, faz a guarda interna dos presos, a promove o trabalho, a educação, o transporte, a alimentação, o lazer, a assistência social, jurídica e espiritual, a saúde física e mental do preso.
Mas no Brasil nem o modelo francês é possível.
O parecer da Comissão de Constituição e Justiça da Assembleia Legislativa do Paraná informa que no PL não há relativização do “jus puniendi” estatal, tendo em vista que não há transferência da função jurisdicional para as entidades privadas, mas apenas algumas funções materiais da execução da pena. Faltava apenas isso: os neoliberais quererem privatizar o Poder Judiciário. O problema é que se o projeto não delega a atividade jurisdicional, que é do Poder Judiciário, o PL delega a atividade administrativa judiciária, que é exclusiva dos Poderes Executivo/Judiciário.
Walter Maierovitch, especialista em segurança e crime organizado e ex-secretário nacional Antidrogas, ainda denuncia que a privatização dos presídios implementada pelo governo Jaime Lerner, ex-PFL, atual DEMO (o Paraná foi um dos pioneiros da idéia no Brasil, que chegou a ter seis unidades terceirizadas) na “penitenciária de Guarapuava a privatização chegou à manutenção da disciplina dos presos. Contrataram uma empresa de segurança que acabou militarizando a prisão, porque era formada por um pessoal que havia saído das bases militares. Substituíram os agentes penitenciários, que têm papel na ressocialização do preso, e colocaram seguranças privados no lugar”. O ex-governador Roberto Requião (PMDB) acabou com a privatização dos presídios no Paraná e, segundo Bia Barbosa, a razão para a medida foi a de que o custo acabava sendo mais alto para o governo, pois a manutenção de um detento, que custa em média R$ 800 no país, chegava a R$ 1.200 no sistema privado, e ao mesmo tempo os agentes contratados recebiam menos do que os concursados, às vezes, o valor chegava a um terço do que era pago pela administração pública, e isso aumentava os riscos na segurança das unidades. Ou seja, a privatização levou à precarização do serviço, acabando novamente com o discurso da iniciativa privada mais eficiente.
Qualquer privatização de atividades de gestão de aparelhos públicos é uma burla ao concurso público. Equipamentos públicos devem ser geridos por agentes públicos, e não terceirizados. Os neoliberais tem horror de concurso público, controle social, controle do Tribunal de Contas, licitações, regime jurídico-administrativo, etc.
Outra inconstitucionalidade/imoralidade do PL é constar que as ONGs chamadas APACs deverão ser filiadas à Fraternidade Brasileira De Assistência aos Condenados, uma entidade privada. Como assim, uma lei definir que instituições privadas devam se filiar a outra instituição privada? Privatizaram uma qualificação de ONGs? Eles não desistem! Outra inconstitucionalidade contrária à liberdade de associação.
Por fim, mesmo se fosse possível a terceirização/privatização em tela, o PL dispõe que o acordo a ser celebrado entre o Estado e as ONGs serão convênios. É a piada final. Convênio é a união de esforços para atendimento de objetivos comuns. Quando celebrados convênios entre Poder Público e entidades privadas sem fins lucrativos, o objeto desses convênios deve ser o fomento. Quando o Poder Público precisa dos serviços de uma entidade privada, seja com ou sem fins lucrativos, deve celebrar contrato administrativo com a pessoa jurídica, como regra precedido de licitação. Normalmente, políticos e administradores públicos que pretendem celebrar convênios para contratacão de serviços têm o simples intuito de fuga da licitação, o que é mais uma inconstitucionalidade.
E não venham os defensores da privatização justificarem que o termo “convênio” está na Lei de Execução Penal. É uma Lei de 1984, anterior à Constituição e a própria Lei 8.666/93, a Lei Nacional de Licitações e Contratos.
São essas as considerações iniciais sobre o tema. É uma pena que o governo queira aprovar a presente lei em regime de urgência, o que novamente alijará a sociedade de tão importante debate.
TARSO CABRAL VIOLIN – Professor de Direito Administrativo, Mestre em Direito do Estado pela UFPR, autor do livro Terceiro Setor e as Parcerias com a Administração Pública: uma análise crítica (Fórum, 2ª ed., 2010), advogado e blogueiro (Blog do Tarso).
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O modelo latinoamericano – Emir Sader
24 de Abril de 2012, 0:00 - sem comentários aindaO que melhor caracteriza o cenário mundial é a recessão no centro do capitalismo e a capacidade de manter níveis de expansão de suas economias, acompanhadas de distribuição de renda, no Sul do mundo. Claro que o crescimento de tres décadas seguidas da economia chinesa é alavanca essencial desse fenômeno. Mas ele é parte integrante do cenário, que revela a reiteração do modelo neoliberal no centro e modalidades de expansão com extensão dos mercados internos de consumo popular no Sul.
Antes do ciclo de crises atual, uma recessão no centro era devastadora para o sistema no seu conjunto, com efeitos ainda mais agudos na periferia, pela dependência da demanda, dos investimentos e dos créditos. Desta vez nossas sociedades sofrem os efeitos dessa retração, baixam seu ritmo de crescimento, mas não entram em recessão. Já existe uma certa multipolaridade econômica no mundo, de forma que o que sucede no centro não se transfere mecanicamente para a periferia.
A América Latina pode assim exibir ao mundo um outro modelo, que não apenas mantem ritmos de desenvolvimento econômico, mas o faz simultaneamente com a distribuição de renda. Tem portanto não apenas uma superioridade econômica, mas política, social e moral. Como uma de suas consequências, enquanto na Europa todos os governos que se submetem a processos eleitorais – de esquerda ou de direita – são derrotados, porque responsabilizados por politicas recessivas e devastadoras socialmente, os governos que colocam o modelo alternativo em prática na América Latina, tem sido eleitos, reeleitos e tem conseguido eleger seus sucessores.
Enquanto na Europa se produz um processo sistemático de empobrecimento da população, aqui tem diminuído sistematicamente a pobreza e a miséria. Os países europeus, que tinham recebido grande quantidade de trabalhadores imigrantes, veem agora uma parte destes retornar a seus países, enquanto nacionais passam a buscar trabalho em outros países e continentes.
A maior disputa política hoje no mundo se dá entre o modelo neoliberal mantido no centro do capitalismo e o modelo latinoamericano.
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Fim das utopias e ditadura dos mercados? – Emir Sader
24 de Abril de 2012, 0:00 - sem comentários aindaO tema da mesa de debate na Bienal do Livro em Brasília colocou dois temas conexos. O alegado fim das utopias abriria caminho para a ditadura dos mercados.
O fim das utopias se ancoraria no fim do campo socialista e na redução do mundo ao horizonte do capitalismo, segundo a visão de Fukuyama, para quem tudo o que existisse no mundo se daria no marco da democracia liberal e da economia capitalista de mercado.
A passagem de um mundo bipolar para um mundo unipolar sob hegemonia imperial norteamericana expressaria esse cenário sem lugar para as utopias. Todos e tudo teria que ser reciclado para esse universo. Além dos que se valeram da circunstância para se bandear diretamente para as hostes vencedoras da direita, outros se refugiaram no liberalismo, como se fosse a versão mais “civilizada” do capitalismo.
O fim da URSS e do campo socialista fez com que Cuba conseguisse sobreviver, mas numa situação de defensiva, buscando sobreviver e, posteriormente, buscando os caminhos da readequação.
Para os que abandonaram qualquer possibilidade de ruptura com o sistema dominante, se reinserindo no seio do capitalismo, as utopias teriam terminado. Trata-se de convencer os demais. Mas principalmente contar com que as contradições inerentes ao capitalismo não aflorem de maneira aguda, desmentindo previsões e esperanças.
O fim das utopias trouxe consigo o abandono da esfera pública, do Estado, da política, de toda forma de ação coletiva e a entrega ao mercado. Desembocou assim na centralidade deste, diante de um Estado mínimo que renunciava a regulamentar a economia, a garantir os direitos elementares dos trabalhadores, a proteger o mercado interno, a induzir as modalidades de investimento.
O neoliberalismo produz isso – a ditadura dos mercados, considerados “os melhores alocadores de recursos”, entregando-se à lei da oferta e da procura a definição da repartição dos recursos econômicos. A crise de 2008 e seu segundo ciclo em 2011 desmistificaram esse clichê e quem, como a Europa, busca remédios de mercado aos males do mercado, aprofunda e estende sua crise.
Nem por isso as utopias voltam mecanicamente. Suas possibilidades residem nos que resistem às politicas neoliberais e a América Latina é o território privilegiado da construção de alternativas ao neoliberalismo. Reagindo contra o recorde negativo de ser o território mais desigual do mundo, pela primeira vez contando com uma maioria de governos progressistas, o continente promove políticas que priorizam as questões sócias e atacando a desigualdade e a miséria.
A construção de sociedades de igualdade, de solidariedade, de cooperação, é a via das utopias na era neoliberal.
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