STF errou no julgamento do suposto “mensalão”, diz advogado
14 de Novembro de 2012, 0:00 - sem comentários aindaO erro do STF produziu um “linchamento”
por Roberto Bertholdo*, no Zé Beto
Claus Roxin é um dos autores da Teoria do Domínio do Fato, aquela teoria usada pelo Ministro Joaquim Barbosa para condenar José Dirceu. Em seu voto, o ministro citou o jurista doutrinador como referência de sua interpretação. Em entrevista a Folha de São Paulo o eminente jurista alemão que teve sua teoria usada pelo STF disse, em outras palavras, que a Teoria do Fato foi mal usada no caso do mensalão. Explicando para os leigos: não se pode condenar sem provas contundentes. Não se pode inferir culpa. Não se pode impor culpabilidade somente por ocorrências indiciárias, apenas por imaginação, por suposição.
O meu amigo José Luis Oliveira Lima, o Juca, advogado de José Dirceu, viajará a Alemanha para tentar contratar um parecer do referido doutrinador para colocá-lo ao recurso de Embargos de Declaração que será proposto em favor de Zé Dirceu no STF.
Espero que o Ministro Joaquim Barbosa, assim como os demais ministros, tenha a grandeza de reconhecer o erro cometido.
Embora a população leiga esteja aplaudindo o julgamento do mensalão, as decisões do STF têm causado perplexidade em toda academia (inclusive fora do Brasil) que estuda o Direito com foco na “Teoria do Domínio da Manutenção da Segurança do Estado Democrático de Direito” (esta teoria é licença poética).
Linchamento é coisa do passado. A livre adaptação da interpretação do Direito eventualmente pode servir ao bem – mas se configura em um enorme perigo se passar a ser utilizada em favor do mal.
Países que experimentaram o totalitarismo desenvolveram fundamentos de Direito que asseguram o resguardo do indivíduo no exercício de sua ampla defesa. Uma evolução natural do Direito, que acima de tudo serve para tentar evitar excessos humanos, recorrentes na história mundial.
O Brasil não deve seguir neste caminho. Este rumo é o mesmo do linchamento.
Se hoje este processo servirá para condenar José Dirceu, mesmo atendendo a vontade da maioria da população (que , infelizmente, pela ignorância dos fatos reais, quer a condenação), no futuro poderá servir para condenar vários e vários inocentes – tudo à serviço de déspotas totalitaristas.
Este é o risco que a vaidade de um ou de outro está nos submetendo.
Quem não é advogado realmente tem dificuldade de entender o que defendo. Mas, de todo modo, não posso deixar de dizer que enganos, como este da equivocada interpretação da Teoria do Domínio do Fato, aviltam toda a classe dos operadores do Direito. Na sua História o Brasil produziu inúmeros grandes juristas. Precisamos voltar àqueles bons tempos do Direito. E o STF, com todo respeito, precisa corrigir este grave engano.
*Advogado e empresário
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Lenio Streck quer mais Estado
14 de Novembro de 2012, 0:00 - sem comentários aindaAs razões pelas quais o Estado não pode se “acadelar”
Por Lenio Luiz Streck, no Conjur
“Para mim, há direito suficiente; o que há de pouco é “Estado”. Sim, há pouco Estado. Estado que não faz políticas públicas, não constrói presídios, deixa os que aí estão em petição de miséria e não fornece segurança pública aos utentes. O ovo da serpente pode ter estado lá atrás, quando o governo de São Paulo fez um acordo com o PCC, que, a meu pensar, naquele momento ainda não era o “bando soberano” aqui tratado. Ele foi se construindo nesse tempo todo. Ao lado ou virado de costas, o Estado se “acadelou”.”
No Banquete de Platão, a deusa Pênia não foi convidada para o “butim”, arrastando-se por entre as sebes do jardim e se alimentando com os restos da grande festa. “Pênia” quer dizer penúria. O que falta, o que resta, o que fica de fora… o fraco.
Pois tudo está indicar que, na assim denominada “guerra de São Paulo”, com baixas assustadoras entre policiais e civis, Hobbes e Freud ficaram de fora do butim. Na verdade, acostumados a reverenciar o “deus” Rousseau (a responsabilidade é sempre da estrutura), as autoridades foram deixando o papel da interdição da lei (no sentido legal e psicanalítico da palavra) afrouxar. Quem deveria ser o protagonista, acaba sendo um coadjuvante. De péssima performance, aliás.
Como explicar a guerra de São Paulo? Na obra de Giorgio Agambem, tem-se o “novo” personagem. Ele é o homo sacer, que possui uma vida nua…Trata-se de uma vida totalmente “matável”, como diz Agambem. Uma espécie de lúmpen pós-moderno. Nessa “vida”, enfim, nesse ambiente em que “vive” o homo sacer, não há distinção entre público e privado, direita, esquerda, nada disso tem sentido. Uma espécie de psicopatia social. Esse mundo é um produto da ausência das Instituições. É o nada, o vazio que acaba produzindo o caos. Há uma “máquina biopolítica” (Agambem) que produz esse “novo” homo sacer. Ela produz suco. Suco humano.
As cadeias são máquinas biopolíticas. São campi criados pelo Estado. E, para fazer isso, o Estado suspendeu a lei. Sim: precisamos admitir que o tipo de prisão que temos é decorrente de um “Estado de Exceção”, entendido esse quando há uma suspensão da lei (não é necessário dizer quantas leis – e em especial a LEP — que foram suspensas).[1] Ou seja, quem possui o monopólio da coerção legítima o exerce sem respeitar aquilo que lhe é condição de possibilidade: A própria Lei.
Pois é. Masmorras medievais produzem coisas… De lá sai a “vida nua”, de que fala Agambem. Lá dentro estão os “matáveis”. Estão aqueles que estão à disposição… de um estado de exceção permanente. Mas, fora da masmorra, há outra máquina de produção, que retroalimenta esse “sistema”. São as periferias produtoras da violência. A perfeita imbricação da ausência do Estado e da falta de interdição da lei produz uma nova presença: aquele que se apresenta como o “preenchedor do vácuo”.
Veja-se: O teórico Agambem nunca pensou que o homo sacer fosse se voltar contra os construtores da “máquina biopolítica”. O resultado: uma espécie de neoterrorismo. Que não é político, que não é reivindicativo, a não ser um tipo de poder sobre a aliança “favela-prisão”. Nesse contexto, não há lei. Há um continuum de pequenos soberanos, que suspendem a lei a todo momento. É o troco que é dado para quem produziu tanta vida nua. Um “bando soberano”: é esse o conceito dos que colocam em pânico (e em constante risco físico) a população de São Paulo.
Como combater esse “bando soberano”? Por certo não será com a repristinação da velha Lei de Segurança Nacional, que sequer foi recepcionada pela Constituição de 1988. Suspender a lei (garantias), ou seja, fazer um combate como se fosse uma guerra, a partir de um “oficial-estado-de-exceção”?[2] Penso que não. O Estado não pode ser tornar também uma coisa fora da lei. Seria um retrocesso. E seria o reconhecimento de que ali do outro lado está alguém que é simplesmente um inimigo, quando, na verdade, ele é mais do que isso. Nessa vida nua, “suspende-se” a tese de “amigo-inimigo”, enfim, essas dicotomias que forja(ra)m a modernidade.
Para mim, há direito suficiente; o que há de pouco é “Estado”. Sim, há pouco Estado. Estado que não faz políticas públicas, não constrói presídios, deixa os que aí estão em petição de miséria e não fornece segurança pública aos utentes. O ovo da serpente pode ter estado lá atrás, quando o governo de São Paulo fez um acordo com o PCC, que, a meu pensar, naquele momento ainda não era o “bando soberano” aqui tratado. Ele foi se construindo nesse tempo todo. Ao lado ou virado de costas, o Estado se “acadelou”.
Nada desculpa o Estado. E nada desculpa a ação desses homo sacers. Deixemos isso bem claro. Onde começa o esgarçamento do Estado e do poder de interdição da lei? Esse é o busílis da questão. Houve o esgarçamento da interdição. Como no livro O Senhor das Moscas (prêmio Nobel para William Golding), em que meninos da aristocracia inglesa são levados, no período da Guerra Fria, para uma ilha deserta, para salvá-los de um conflito nuclear e ali pudessem começar uma nova sociedade. No caminho, caiu o avião. Morreu o piloto; morreu o instrutor. Cada um por si… nenhum por todos. Sem Deus, sem Estado, sem nada… Em uma semana, organizam-se em pequenos bandos e se matam. Somente com a volta do “Estado” — da lei — é que aqueles meninos em estado de natureza voltam à civilização, abandonando a barbárie.
Pois é isso. Entre civilização e barbárie, não interditamos. Daí a pergunta que costumo fazer, a partir do psicanalista Alfredo Jeruzalinski: como combater o gozo da sociedade sem ser tirânico? Na verdade, eis aí o problema: o Estado não combateu o “gozo” (no sentido psicanalítico) nesse contexto paulista na hora certa. Mais que um estado-de-natureza, o Estado deixou que surgissem personagens (penso que são vários; não há apenas um chefe) que se aproveitam da vida nua, dohomo sacer. Usam os “matáveis” para matar outros — estes considerados “não-matáveis” (ainda).
Como dizia Nelson Rodrigues, com seu sarcasmo mortal, a ineficiência, a corrupção etc., não vieram do nada. São produtos de “muito trabalho” e “muita dedicação”. Quando o Estado, lá atrás, abriu mão de construir presídios porque não era um bom “investimento”, usou como escudo uma velha máxima falaciosa do tipo “quem constrói um presídio fecha uma escola” (ou algo chato similar). Além disso, fomos invadidos/tomados por uma espécie de “culpa por punir”. Consequentemente, quase saímos por aí pichando as ruas com jargões do estilo “é proibido proibir”. “Fora com o Direito Penal”.
Crime hediondo, então, é uma palavra maldita (isso dá boas repercussões em palestras… todo mundo vira garantista e crítico). Muitos chegam a esquecer que a palavra “hediondo” está na Constituição, como garantidora de direitos fundamentais (art. 5º, XLIII), que, aliás, possui mandamentos de criminalização, também ao contrário que muita gente boa por aí diz. Aliás, de há muito devíamos ter adaptado a legislação penal à Constituição, por exemplo, com uma nova teoria do bem jurídico… Ou alguém acha que isso que está acontecendo não tem nenhuma relação com absurdos do tipo “furto qualificado tem pena equivalente à lavagem de dinheiro”?
Mesmo assim, como as prisões foram enchendo, começamos a fazer paliativos, como afrouxar o cumprimento das penas (um sexto etc. — um homicídio simples vale um ano de prisão…). O trabalho externo dos apenados nunca foi vigiado. Chegamos a conceder indulto para crime hediondo. Se pena não regenera — e alguém poderia acreditar nessa balela?! — ela é castigo (necessário) e serve para prevenção geral. É retribuição. Isso é velho. Nenhum país do mundo abriu mão da pena de prisão. E, registre-se, pena de prisão não é só para crime violento.
Mas nós inovamos. Queremos ser libertários com a liberdade alheia. Com a insegurança da patuleia. Quando promulgamos a Lei dos Juizados Criminais, todas as pequenas infrações passaram a ter penas alternativas (cesta básica). Na sequência, veio uma nova Lei, na carona (Lei 10.259), pela qual todos os delitos cujas penas máximas não passassem de dois anos, passariam ao patamar de “menor potencial ofensivo”. Com isso, mais de 60 modos diferentes de delinquir passaram a ser punidos com a mesma pena: o pagamento de cesta básica. E todos (ou maioria) disseram: agora vai! Será?
Será que não havia um componente simbólico-psicanalítico nesse afrouxamento? Abuso de autoridade, desacato, desobediência (vejam a sutiliza desses crimes) passaram a ser tratados como “menor potencial ofensivo”. E invasão de domicilio com armas? Hein?! Não há aspecto simbólico nisso? Fraude às licitações? Pode? Esses crimes são, mesmo, de menor potencial ofensivo?
Ora, a sociedade é uma rede simbólica. Como dizia Castoriadis, o gesto do carrasco, real por excelência, é simbólico na sua essência. E o que mais importa no gesto do carrasco é o aspecto simbólico. Enfim: o que importa é o que os outros pensam sobre esse gesto… Qual é a simbologia? Vejamos: onde fica a autoestima da sociedade? 90% dos crimes não são investigados; 90% das denúncias é fruto de auto de prisão em flagrante… E alguém tem dúvida de que a impunidade lato sensu influencia no imaginário da violência? O simbólico e o simbolismo, nesse contexto, é “fatal”!
Pois bem. O case São Paulo é o resultado de uma construção simbólica das diversas teias de poder que surgiram em face de ausência que redundaram em (novas) presenças. Quem constrói vida nua recebe o troco. Dele mesmo, desse homo sacer. Que de “matável” se transforma em “matador”… a serviço dele mesmo.
O Estado deve retomar o seu papel de interditor. Repito: Direito há; o que falta é Estado. Pensem bem: um Estado que admite que o crime de abuso de autoridade merece ser punido com cesta básica é porque não conhece o sentido da interdição fundante da modernidade.
Mas o Estado não necessita fazer um “Estado de exceção” para alcançar seu desiderato. Ele não precisa se igualar. Precisa tomar medidas profiláticas e, depois, preventivas. Voltar a ser “Estado”. Estatuir. Definir onde está o limite entre civilização e barbárie. Assim começou a modernidade! Necessita apenas usar os mecanismos institucionais que estão à disposição. Sem abrir mão das garantias — como em qualquer democracia avançada — enfrentar o “bando soberano” que atormenta a sociedade. Antes que esse “bando” crie filhotes, em outros Estados.
Se o Estado não voltar a “interditar” (no duplo sentido de que falo), teremos que tomar cuidado com a formação de milícias. Este é o caminho para a barbárie. Um enfrentamento ad hoc. Fora das redes oficiais. Aí, sim, veremos a guerra.
O interessante paradoxo se forma: parcela da sociedade e da comunidade jurídica que sempre olhou o Direito Penal de soslaio agora quer usar “leis de exceção” para combater o estado-de-coisas paulista. Eu, não. Sou contra a exceção. Sou contra qualquer suspensão da lei. Antevendo esse problema no Rio Grande do Sul, em 29 de maio de 2009, em face do caos presidiário (que agora se gravou), representei ao procurador-geral da República pela Intervenção no estado do Rio Grande do Sul — leia aqui). Nunca houve resposta a tal Representação. Notícia de final de semana (dia 11.11.2012): a Defensoria Pública pretende entrar com ação civil pública para liberar 500 presos da massa carcerária em uma só tacada, para que cumpram as penas em suas casas. Já há claramente a vida nua no Rio Grande do Sul.
Numa palavra: E depois de acabar com o “bando soberano”… o que fará o Estado? Parece que há uma coisa presente (ou ausente) desse debate: o direito fundamental à segurança pública. Que está na Constituição. Poderíamos falar até de descumprimento de preceito fundamental, pois não? Quem aciona a Justiça? Afinal, um país que aposta no ativismo judicial… (não posso deixar de ser irônico nisso).
Não somos pós-modernos. Estamos na alta-modernidade, como diria Giddens. As promessas descumpridas da modernidade devem ser resgatadas. Urgentemente. E uma delas é a segurança (penso, aqui, no Triângulo Dialético propalado por JJ Gomes Canotilho, onde um dos vértices é a segurança). Sem discursos do tipo “o crime é produto social”; ou “a culpa é da estrutura”; “o homem nasce bom, a sociedade o corrompe” (argh!); e sem a chatice do “é proibido proibir”, de certos setores que parecem estar no século XIX, como se houvesse a dicotomia “Estado mau-cidadão bom). Pois é. Com esse tipo de procedimento, de grão em grão, não somente não fornecemos segurança como também “fabricamos” a vida nua. E temos aí o nosso homo sacer. A opção pela civilização deve ser o modo de combatê-lo. Ele também é produto. Mas um produto com o qual ninguém contava. Quando prendermos ele(s), vamos ver se não reproduzimos os mesmos erros.
O que fazer, concretamente? Primeiro, tudo dentro da lei. Rigorosamente na forma da lei. Sem qualquer suspensão. Sem qualquer estado de exceção (oficial ou oficioso). A Constituição, no seu artigo 34, III, apresenta à comunidade jurídica-social a possibilidade de Intervenção Federal para por termo à grave comprometimento da ordem pública (se isso não ocorrendo, estão está “tudo bem”, certo?). Sim: Intervenção. Princípios sensíveis violados. Direitos-da-pessoa-humana-violados. Dos dois lados: Dos que estão presos nos campi da vida nua e daqueles que estão fora dos campi, sendo mortos pelos homo sacers produzidos pela inércia do Estado. Além disso, construir presídios. Dignos. Acabar com as milícias. E exercer o controle externo da atividade policial, para impedir que, por uma “vontade de miliciamento”, essa “guerra” seja retroalimentada.
Finalmente, trabalhar para que não haja mais campi de construção de vida nua. Isso para o futuro. Para o presente, o Estado deve “estatuir”. E não se “acadelar”. Encerro com uma citação do jurista-sociólogo Luciano de Oliveira (Segurança: Um direito humano para ser levado a sério, in Anuário dos Cursos de Pós-Graduação em Direito n.º 11. Recife, 2000., p. 244/245), a partir de sua tese de doutoramento defendida na Sorbonne, para quem as vezes esquecemos da relevante circunstância de que a segurança é, ela também, direito humano:
“Está lá, já no artigo 2º da primeira Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789: os direitos ‘naturais e imprescritíveis do homem’ são ‘a liberdade, a propriedade, a segurança e a resistência à opressão’ — grifei. Declaração tipicamente burguesa, dir-se-ia. Mas é bom não esquecer (ou lembrar) que em 1793, no momento em que a Revolução empreende uma guinada num sentido social ausente na primeira — uma guinada a esquerda, na linguagem de hoje —, uma nova Declaração aparece estabelecendo, em idêntico artigo 2º, praticamente os mesmos direitos: ‘a igualdade, a liberdade, a segurança, a propriedade’ (in Fauré, 1988: 373) — grifei. Mais adiante, o artigo 8º definia: ‘A segurança consiste na proteção acordada pela sociedade a cada um de seus membros para a conservação de sua pessoa, de seus direitos e de suas propriedades (idem p. 374)”.
E acrescenta o jurista pernambucano:
“Cento e cinquenta anos depois a Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU — na qual figuram, ao lado dos direitos civis da tradição liberal clássica, vários direitos sócio-econômicos do movimento socialista moderno — repetia no seu artigo 3º: ‘Todo indivíduo temo o direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal” . E, no entanto, esse é um direito meio esquecido. No mínimo, pouco citado. Ou, então, citado em contextos onde o titular dessa segurança pessoal aparece sempre como oponente de regimes ditatoriais atingido nesse direito pelos esbirros de tais regimes. Dou um exemplo significativo: numa publicação patrocinada pela UNESCO em 1981, traduzida entre nós pela Brasiliense em 1985, seu autor, ao comentar esse direito dá como exemplo o caso de Steve Biko, ativista político negro torturado e morto pela polícia racista da África do Sul em 1977. E comenta: ‘O caso Steve Biko é apenas um exemplo bem documentado de uma situação em que o Estado deixou de cumprir sua obrigação de assegurar e proteger a vida de um indivíduo e em que violou este direito fundamental que, infelizmente, tem sido violado pelos governos em muitas partes do mundo’ (Levin, 1985: 55 e 56).
Numa palavra
Ou seja: por razões que são, reconhecemos, compreensíveis, a segurança pessoal como direito humano, quando aparece na literatura produzida pelos militantes, é sempre segurança pessoal de presos políticos, ou mesmo de presos comuns, violados na sua integridade física e moral pela ação de agentes estatais. Ora, com isso produz-se um curioso esquecimento: o-de-que-o-cidadão-comum-tem-também-direito-à-segurança, violada com crescente e preocupante frequência pelos criminosos.(grifei e hifenizei!)
[1] Quando não cumprimos uma lei que não é considerada inconstitucional, estamos praticando “estado de exceção”. Daí que determinadas posturas ativistas se caracterizam como “estado de exceção”.
[2] Como se um estado de exceção pudesse ser chamado de “oficial”. Mas, prossigamos.
Lenio Luiz Streck é procurador de Justiça no Rio Grande do Sul, doutor e pós-Doutor em Direito. Assine oFacebook.
Revista Consultor Jurídico, 13 de novembro de 2012
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Julgamento do STF do suposto “mensalão” será anulado, diz Luiz Flávio Gomes
14 de Novembro de 2012, 0:00 - sem comentários aindaMensalão: julgamento do STF pode não valer
Luiz Flávio Gomes
Elaborado em 09/2012.
Parece muito evidente que os advogados poderão tentar, junto à Comissão Interamericana, a obtenção de uma inusitada medida cautelar para suspensão da execução imediata das penas privativas de liberdade, até que seja respeitado o direito ao duplo grau de jurisdição.
Muitos brasileiros estão acompanhando e aguardando o final do julgamento do mensalão. Alguns com grande expectativa enquanto outros, como é o caso dos réus e advogados, com enorme ansiedade. Apesar da relevância ética, moral, cultural e política, essa decisão do STF – sem precedentes – vai ser revisada pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, com eventual chance de prescrição de todos os crimes, em razão de, pelo menos, dois vícios procedimentais seríssimos que a poderão invalidar fulminantemente.
O julgamento do STF, ao ratificar com veemência vários valores republicanos de primeira linhagem – independência judicial, reprovação da corrupção, moralidade pública, desonestidade dos partidos políticos, retidão ética dos agentes públicos, financiamento ilícito de campanhas eleitorais etc. -, já conta com valor histórico suficiente para se dizer insuperável. Do ponto de vista procedimental e do respeito às regras do Estado de Direito, no entanto, o provincianismo e o autoritarismo do direito latino-americano, incluindo, especialmente, o do Brasil, apresentam-se como deploráveis.
No caso Las Palmeras a Corte Interamericana mandou processar novamente um determinado réu (na Colômbia) porque o juiz do processo era o mesmo que o tinha investigado anteriormente. Uma mesma pessoa não pode ocupar esses dois polos, ou seja, não pode ser investigador e julgador no mesmo processo. O Regimento Interno do STF, no entanto (art. 230), distanciando-se do padrão civilizatório já conquistado pela jurisprudência internacional, determina exatamente isso. Joaquim Barbosa, no caso mensalão, presidiu a fase investigativa e, agora, embora psicologicamente comprometido com aquela etapa, está participando do julgamento. Aqui reside o primeiro vício procedimental que poderá dar ensejo a um novo julgamento a ser determinado pela Corte
Há, entretanto, um outro sério vício procedimental: é o que diz respeito ao chamado duplo grau de jurisdição, ou seja, todo réu condenado no âmbito criminal tem direito, por força da Convenção Americana de Direitos Humanos (art. 8, 2, h), de ser julgado em relação aos fatos e às provas duas vezes. O entendimento era de que, quem é julgado diretamente pela máxima Corte do País, em razão do foro privilegiado, não teria esse direito. O ex-ministro Márcio Thomaz Bastos levantou a controvérsia e pediu o desmembramento do processo logo no princípio da primeira sessão, tendo o STF refutado seu pedido por 9 votos a 2.
O Min. Celso de Mello, honrando-nos com a citação de um trecho do nosso livro, atualizado em meados de 2009, sublinhou que a jurisprudência da Corte Interamericana excepciona o direito ao duplo grau no caso de competência originária da corte máxima. Com base nesse entendimento, eu mesmo cheguei a afirmar que a chance de sucesso da defesa, neste ponto, junto ao sistema interamericano, era praticamente nula.
Hoje, depois da leitura de um artigo (de Ramon dos Santos) e de estudar atentamente o caso Barreto Leiva contra Venezuela, julgado bem no final de 2009 e publicado em 2010, minha convicção é totalmente oposta. Estou seguro de que o julgamento do mensalão, caso não seja anulado em razão do primeiro vício acima apontado (violação da garantia da imparcialidade), vai ser revisado para se conferir o duplo grau de jurisdição para todos os réus, incluindo-se os que gozam de foro especial por prerrogativa de função.
No Tribunal Europeu de Direitos Humanos é tranquilo o entendimento de que o julgamento pela Corte Máxima do país não conta com duplo grau de jurisdição. Mas ocorre que o Brasil, desde 1998, está sujeito à jurisprudência da Corte Interamericana, que sedimentou posicionamento contrário (no final de 2009). Não se fez, ademais, nenhuma reserva em relação a esse ponto. Logo, nosso País tem o dever de cumprir o que está estatuído no art. 8, 2, h, da Convenção Americana (Pacta sunt servanda).
A Corte Interamericana (no caso Barreto Leiva) declarou que a Venezuela violou o seu direito reconhecido no citado dispositivo internacional, “posto que a condenação proveio de um tribunal que conheceu o caso em única instância e o sentenciado não dispôs, em consequência [da conexão], da possibilidade de impugnar a sentença condenatória.” A coincidência desse caso com a situação de 35 réus do mensalão é total, visto que todos eles perderam o duplo grau de jurisdição em razão da conexão.
Mas melhor que interpretar é reproduzir o que disse a Corte:
“Cabe observar, por outro lado, que o senhor Barreto Leiva poderia ter impugnado a sentença condenatória emitida pelo julgador que tinha conhecido de sua causa se não houvesse operado a conexão que levou a acusação de várias pessoas no mesmo tribunal. Neste caso a aplicação da regra de conexão traz consigo a inadmissível consequência de privar o sentenciado do recurso a que alude o artigo 8.2.h da Convenção.”
A decisão da Corte foi mais longe: inclusive os réus com foro especial contam com o direito ao duplo grau; por isso é que mandou a Venezuela adequar seu direito interno à jurisprudência internacional:
“Sem prejuízo do anterior e tendo em conta as violações declaradas na presente sentença, o Tribunal entende oportuno ordenar ao Estado que, dentro de um prazo razoável, proceda a adequação de seu ordenamento jurídico interno, de tal forma que garanta o direito a recorrer das sentenças condenatórias, conforme artigo 8.2.h da Convenção, a toda pessoa julgada por um ilícito penal, inclusive aquelas que gozem de foro especial.”
Há um outro argumento forte favorável à tese do duplo grau de jurisdição: o caso mensalão conta, no total, com 118 réus, sendo que 35 estão sendo julgados pelo STF e outros 80 respondem a processos em várias comarcas e juízos do país (O Globo de 15.09.12). Todos esses 80 réus contarão com o direito ao duplo grau de jurisdição, que foi negado pelo STF para outros réus. Situações idênticas tratadas de forma absolutamente desigual.
Indaga-se: o que a Corte garante aos réus condenados sem o devido respeito ao direito ao duplo grau de jurisdição, tal como no caso mensalão? A possibilidade de serem julgados novamente, em respeito à regra contida na Convenção Americana, fazendo-se as devidas adequações e acomodações no direito interno. Com isso se desfaz a coisa julgada e pode eventualmente ocorrer a prescrição.
Diante dos precedentes que acabam de ser citados parece muito evidente que os advogados poderão tentar, junto à Comissão Interamericana, a obtenção de uma inusitada medida cautelar para suspensão da execução imediata das penas privativas de liberdade, até que seja respeitado o direito ao duplo grau. Se isso inovadoramente viesse a ocorrer – não temos notícia de nenhum precedente nesse sentido -, eles aguardariam o duplo grau em liberdade. Conclusão: por vícios procedimentais decorrentes da baixíssima adequação da eventualmente autoritária jurisprudência brasileira à jurisprudência internacional, a mais histórica de todas as decisões criminais do STF pode ter seu brilho ético, moral, político e cultural nebulosamente ofuscado.
Leia mais: http://jus.com.br/revista/texto/22696/mensalao-julgamento-do-stf-pode-nao-valer#ixzz2CDhCkvFI
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Bancário do BB que era professor estadual terá de optar por um dos cargos
14 de Novembro de 2012, 0:00 - sem comentários aindaDo TST
Um escriturário não conseguiu anular, na Justiça do Trabalho, ato do Banco do Brasil exigindo que ele optasse entre o cargo de bancário e o de professor da rede pública do Rio Grande do Norte. Embora alegasse que a possibilidade de acumulação se enquadrasse na exceção prevista na Constituição da República, o entendimento da Justiça do Trabalho, mantido pela Segunda Turma do Tribunal Superior do Trabalho, foi o de que o cargo de escriturário não tem natureza técnico-científica e, portanto, não pode ser exercido concomitantemente com outro na administração pública.
O escriturário foi admitido no banco, por meio de concurso público, em março de 1993 e, em junho de 2000, tomou posse como professor no estado. Naquele mesmo mês, recebeu correspondência do banco solicitando que ele optasse por um dos cargos.
A manifestação do BB se deu a partir de interpelação da Controladoria Geral da União (CGU), que constatou o nome do empregado no rol de servidores da Secretaria de Administração do Rio Grande do Norte. Segundo o ofício da CGU, a acumulação remunerada dos dois cargos contrariava o artigo 37, incisos XVI e XVII, da Constituição da República.
O bancário argumentou, na reclamação trabalhista, que seu horário de trabalho como professor era noturno (das 19h às 22h), enquanto no banco era de 8h05 às 17h05. Para ele, a acumulação estaria amparada em norma interna do próprio BB – uma “Carta de Expurgo” de 1993, que informava que os candidatos do processo seletivo do qual participou podiam ser admitidos sem se exonerar da função de professor da rede pública municipal ou estadual, “desde que compatível com o horário do banco”. Segundo o bancário, o documento teria se incorporado ao contrato de trabalho de forma definitiva.
O pedido foi julgado improcedente pelo juízo da Vara do Trabalho de Ceará Mirim (RN). “A Carta Política vigente veda a acumulação de cargos, empregos e funções públicas, inclusive nas empresas públicas e sociedades de economia mista, salvo algumas exceções”, afirma a sentença. “Para se enquadrar em uma destas exceções, o trabalhador deveria exercer um cargo de técnico e outro de professor”. A decisão fundamentou-se na jurisprudência dos tribunais superiores, “pacífica ao entender que cargo técnico é apenas aquele cujo ingresso exige a titulação em nível superior ou técnico, não abrangendo aqueles cujo exercício não pede qualificação específica e cujas atividades são meramente burocráticas”.
O TRT-RN manteve a improcedência do pedido. Além de considerar que a função de escriturário bancário não se enquadra no conceito de cargo técnico ou científico tratado na alínea “b” do artigo 37, inciso XVI, da Constituição, o Regional afirmou que a questão da acumulação de cargos na administração pública “não se insere no poder diretivo do empregador”, por estar regida por preceito constitucional de observação compulsória. Com este fundamento, afastou a alegação de direito adquirido em função do documento interno.
No agravo de instrumento por meio do qual tentou trazer o caso à discussão no TST, o bancário indicou como violado o mesmo dispositivo constitucional que fundamentou a decisão do Regional. Para ele, o cargo de escriturário é de natureza técnica e permite a acumulação.
O relator do agravo, ministro José Roberto Pimenta, porém, não lhe deu razão. “Conforme se verifica do acórdão regional, a função compreende tão somente a realização de atividades operacionais afetas às instituições bancárias, que, nem de longe, se assemelham aos cargos que necessitam de conhecimento técnico-científico para seu desempenho”.
(Carmem Feijó / RA)
Processo: AIRR-20200-81.2011.5.21.0018
O TST possui oito Turmas julgadoras, cada uma composta por três ministros, com a atribuição de analisar recursos de revista, agravos, agravos de instrumento, agravos regimentais e recursos ordinários em ação cautelar. Das decisões das Turmas, a parte ainda pode, em alguns casos, recorrer à Subseção I Especializada em Dissídios Individuais (SBDI-1).
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Após dois anos das enchentes, Beto Richa não fez nada pelos moradores do litoral
14 de Novembro de 2012, 0:00 - sem comentários aindaA presidenta Dilma Rousseff (PT) já encaminhou os recursos federais, mas o governo Beto Richa (PSDB) não fez nada.
Após um ano e oito meses, quando ocorreram as grandes enchentes no litoral do Paraná, a população da região ainda sofre com o abandono do governo Beto Richa.
Na época, Beto Richa e Fernanda Richa passearam de helicóptero pela região e prometeram ajuda, mas até agora, nada.
Muita lama, sem pontes ou com pontes precárias, com grandes riscos para a população.
A tragédia foi em 11 de março de 2011, Dilma disponibilizou R$ 15 milhões para as obras emergenciais em Morretes, Antonina e Paranaguá.
O governo Beto Richa coloca culpa na licitação. Eu coloco a culpa na apatia do atual governo estadual.
Veja os vídeos da RPC no Blog Lado B (clique aqui) e aqui.
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