Claus Roxin pode assessorar defesa de José Dirceu
18 de Novembro de 2012, 0:00 - sem comentários aindaHá alguns dias o Blog do Tarso divulgou que o jurista alemão, Claus Roxin, deu um “puxão de orelha” nos Ministros do STF sobre o mensalão. Segundo a Folha de S. Paulo de hoje, o professor doutor em direito penal, Claus Roxin, um dos autores da teoria do domínio do fato, confirmou que foi procurado por pessoas próximas ao ex-ministro José Dirceu, para a elaboração de parecer jurídico a ser utilizado pela defesa de Dirceu.
Para Roxin, indícios de que um réu poderia, por sua posição hierárquica, decidir sobre a realização de um crime não bastariam para condená-lo, pois seria preciso provar que ele emitiu ordens.
A teoria foi utilizada de forma equivocada pelo relator Joaquim Barbosa e pela maioria dos Ministros, que condenaram José Dirceu sem provas.
Segundo o ministro, que foi acompanhado pela maioria dos colegas, era impossível que Dirceu não soubesse do esquema sendo um dos ministros mais poderosos do governo Lula.
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Por um sistema carcerário digno e eficiente – José Eduardo Cardozo
18 de Novembro de 2012, 0:00 - sem comentários aindaHoje na Folha de S. Paulo
Sempre critiquei a situação dos presídios. Seria absurdo, agora ministro, calar. É repugnante a ética dos que, no governo, são ilusionistas, escondem o ruim
São notórios os problemas que atingem o nosso sistema prisional.
Celas abarrotadas, violência, degradação, ofensas a direitos humanos, ausência de políticas que propiciem a reinserção social dos detentos. Nossos estabelecimentos penais se transformaram, sob o silêncio acumpliciador de muitos, em escolas de criminalidade. Do lado de dentro dos seus muros nascem e florescem organizações criminosas que comandam o narcotráfico e praticam abomináveis atos de violência que aterrorizam a população.
Como parlamentar, sempre teci duras críticas à esta situação. Seria, assim, absurdo que agora, na condição de ministro da Justiça, pelo fato de ter sob minha responsabilidade direta os presídios federais, e indireta, os estaduais, viesse a me omitir, a fugir das minhas opiniões.
É repugnante a ética dos que, no exercício de funções de governo, agem como ilusionistas, escondendo o que é ruim e falando apenas o que é bom. Colocar a nu as vísceras de um grave problema social que se deve enfrentar em conjunto com outros agentes públicos é um dever.
É uma forma saudável e transparente de se buscar a sinergia social e política necessária para a superação da acomodação, da covardia ou do conformismo de alguns. É ainda uma maneira de possibilitar um debate público do problema, atacando frontalmente o pensamento retrógrado dos que ainda hoje defendem a pena como um castigo ou vingança, e não como uma medida necessária para a tranquilidade social e a reinserção dos apenados.
Por isso, mesmo na condição de ministro, continuo me sentindo à vontade para expressar a mesma opinião, por mais que alguns digam que dizer agora o que sempre disse é inoportuno e inadequado. Não quero com isso me eximir de responsabilidade, mas, ao contrário, assumi-las, levando a público o que o Ministério da Justiça vem fazendo e pretende ainda fazer para contribuir com a mudança dessa realidade.
Em novembro de 2011, lançamos um ousado programa de auxílio aos Estados visando à ampliação e a construção de unidades prisionais até 2014 no valor de R$ 1,1 bilhão de reais. Considerando as 24 mil vagas já contratadas e as 42 mil que contrataremos no governo Dilma, temos por meta entregar 66 mil vagas, zerando o histórico déficit existente para mulheres presas e retirando presos de delegacias. Já entregamos, até a presente data, 7.106 vagas, estando já em execução de obras a criação de mais 16.000 vagas.
Do mesmo modo, temos desenvolvido programas que além da busca de um tratamento digno aos presos, visam a sua reinserção social.
Com o Ministério da Educação, temos ações de combate ao analfabetismo e incentivo ao estudo e a capacitação técnica de presos e de servidores. Com o Ministério da Saúde, promovemos a vacinação de 500 mil pessoas, estamos distribuindo remédios e facilitando acesso ao SUS e à rede cegonha.
Importante observar que conseguimos viabilizar também a aprovação de importantes propostas legislativas para a melhoria do nosso sistema. Em menos de dois anos, foram aprovadas leis que asseguram a informatização da execução penal, impedem o encarceramento desnecessário de autores de delitos menores e garantem a redução da pena para detentos que estudem.
Mas há muito a fazer, tanto no âmbito dos governos federal e estadual quanto do Legislativo e do Judiciário, com os quais temos trabalhado, em conjunto, na formulação de um plano integrado de ações de melhoria do sistema prisional e de redução do déficit carcerário. Para o enfrentamento do crime organizado, em cooperação com os Estados, temos ainda oferecido vagas nos sistema penitenciário federal (832) para presos de alta periculosidade, com excelentes resultados.
Nosso sistema prisional não deixará de ser medieval, da noite para o dia. Mas se conseguirmos fazer com que todos vejam a gravidade do problema e assumam as suas responsabilidades constitucionais e legais, saindo do jogo fácil de imputar responsabilidades a outros quando pouco ou nada se fez, contando com a cobrança e a fiscalização permanente da sociedade, teremos dado um passo decisivo para mudarmos uma realidade que nos envergonha aos olhos do mundo e diante de nós mesmo.
JOSÉ EDUARDO CARDOZO, 53, advogado, é ministro de Estado da Justiça
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Amanhã eleição para OAB/PR
18 de Novembro de 2012, 0:00 - sem comentários aindaColega advogado, amanhã não se esqueça de votar na eleição da OAB/PR. Em Curitiba a votação ocorrerá entre 9h e 17h, no ExpoBarigui, Parque Barigui. A chapa é única para a Seccional do Paraná, com meu amigo Juliano Breda para presidente. Meus parabéns antecipados ao Dr. Juliano!
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Um milhão e quatrocentos mil acessos ao Blog do Tarso. Obrigado!
18 de Novembro de 2012, 0:00 - sem comentários aindaO Blog do Tarso, desde sua inauguração, em 1.1.11, ja tem 1.400.000 visitas. Quase um milhão e duzentos mil acessos apenas no ano de 2012!
Muito obrigado a todos os leitores, comentaristas, colaboradores e divulgadores!
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Presente e futuro da universidade
17 de Novembro de 2012, 0:00 - sem comentários aindaHoje na Gazeta do Povo
A expansão das instituições obrigou uma mudança profunda nos pilares do ensino superior e a popularização quebra o paradigma da dedicação minuciosa de mestres eruditos a seus poucos discípulos
CHRISTIAN SCHWARTZ
Universidades são instituições que atravessaram os séculos – inclusive no Paraná, cuja Federal chega ao centenário neste ano. E há séculos elas se deparam com as mesmas contradições: ensinar a pensar ou treinar, pragmaticamente, futuros profissionais? Preparar para a vida ou para o mercado?
A resposta, evidentemente, não é uma só: no mundo todo, universidades sempre cumpriram, com razoável sucesso, múltiplas funções. Mas sua expansão, no século 20, colocou uma nova e definitiva pergunta: formar uma elite, conforme mandava a tradição, ou abrir as portas para a multidão de jovens em idade universitária? O segundo caminho, hoje sem volta (e em muitos aspectos é bom que seja assim), implicou uma mudança profunda naquilo que, desde a invenção da universidade moderna, em Bolonha (Itália), provavelmente em 1088, deveria ser um dos pilares do ensino superior: a dedicação minuciosa de mestres eruditos a seus poucos discípulos.
Nos primórdios da universidade – ou, antes, da pedagogia – a relação professor-aluno, fundamentalmente de afeto e cumplicidade, mas de rivalidade intelectual também, era central: basta pensar nos filósofos gregos e seus pupilos; e ainda hoje, em Oxford e Cambridge, por exemplo, isso sobrevive em parte nos chamados tutoriais, que lá são a base dos cursos de graduação em qualquer área. Não há quase aulas, e sim, como se costuma indistintamente nomear nas instituições brasileiras, “orientações” (aqui, geralmente um privilégio de pós-graduandos).
Essa relação pedagógica, digamos, íntima servia e serve a um ideal de universidade que, também há muito tempo, frequentemente se choca com o que as sociedades que abrigam universidades – pagando, com impostos, o funcionamento de algumas delas – esperam que seja o papel dessas instituições.
Conforme lembra, num livro sobre o tema (What Are Universities For? [Para que servem as universidades?, em tradução livre], Penguin Books), um dos entrevistados deste caderno, o historiador inglês Stefan Collini, corria ainda o século 12 quando, em Oxford, surgiu a primeira rusga em torno de certas “inutilidades” ensinadas na histórica universidade local – na época, universitários eram jovens em treinamento para servir à igreja ou à realeza. Havia então, como hoje, certa rejeição a que “perdessem tempo” ruminando reflexões sobre o sentido da vida ou de obras literárias e filosóficas, da arte em geral.
Mas, pergunta o psicanalista Leonardo Ferrari, também em entrevista a este G Ideias: “Quem julga o que é útil e o que não é? Uma comissão de ‘sábios’? Henry Ford declarou que, se fosse obedecer ao que o mercado estava pedindo na época, o útil, ele teria fabricado cavalos mais velozes, cavalos mais resistentes, cavalos mais lustrosos. Cavalos, não automóveis”, ilustra Ferrari. “Sem aquelas ‘inutilidades’, a ideia de automóvel não vem. Pode haver cursos, mas não universidade.”
Nas entrevistas a seguir nas próximas páginas, esses dois especialistas discutem a ideia de universidade no século 21. E, professores que são, não deixam de enfatizar o aspecto fundamental da relação com alunos cada vez mais confiantes num certo autodidatismo (via web), e ainda assim em busca de uma formação universitária. Mas que formação? Afinal, o que esperar, hoje, de uma universidade?
Universidades: instituições vitais
Stefan Collini, Professor de História Intelectual e Literatura Inglesa na Universidade de Cambridge, autor do livro What Are Universities For? (Penguin Books)
Gostaria, como questão introdutória, que o senhor respondesse à pergunta-título de seu livro: em resumo, e pensando na realidade do século 21, para que servem as universidades?
No mundo todo, as universidades mudaram muito nas últimas duas ou três décadas. Expandiram-se enormemente; foram criando mais e mais cursos nas áreas de negócios e formação profissional; e as novas tecnologias vieram para modificar a relação entre professor e aluno. No entanto, certos aspectos que definem o que é uma universidade continuam a ser vitais. Elas ainda se dedicam a ampliar e aprofundar nossa compreensão, seja do mundo natural, seja da cultura humana, e o fazem sem limites ou restrições por critérios externos ou práticos. Ainda se comprometem a levar o aluno além da mera informação, a conduzi-lo à compreensão do status da informação, de seu lugar num quadro mais amplo de conhecimento, e aos métodos disponíveis para modificar ou desafiar tal conhecimento. Laboratórios de empresas e escolas técnicas não podem fazer essas coisas. As sociedades precisam de universidades como um espaço protegido no qual novas formas de compreensão possam ser cultivadas e passadas adiante, sem que se saiba de antemão quais serão exatamente os benefícios advindos desse esforço.
Em relação ainda a esse aspecto, o senhor faz uma interessante distinção entre “conhecimento” e “compreensão”. Poderia explicar a diferença?
“Conhecimento” sugere algo preto-no-branco, verdadeiro ou falso. Parece estar em algum “lugar”, aonde se deve ir para “descobri-lo”. Também sugere que, não importa quem vá até lá, descobrirá sempre o mesmo conhecimento. Mas “compreensão” indica algo que depende das qualidades de quem tenta compreender. Sugere que o que precisamos compreender nem sempre são, estritamente falando, “novos conhecimentos”. Pode se tratar da compreensão – de nos apropriarmos, de fato – de algo que, em certo sentido, há muito tempo é conhecido, mas que é preciso reformular a cada geração. “Conhecimento” é apenas a matéria-prima; “compreensão” é o processo profundo e muitas vezes imprevisível pelo qual seres humanos particulares tornam seu esse conhecimento.
Outro ponto importante de sua argumentação no livro é o que opõe – ou, antes, compara e distingue – treinamento profissional e educação propriamente dita. Como as universidades têm lidado com essas duas metas distintas através dos tempos?
As universidades sempre combinaram elementos de educação e treinamento, desde os cursos preparatórios para alguém que serviria à igreja medieval ou à realeza até a atual formação profissional. Mas o que distingue uma escola de formação meramente técnica de uma universidade é que esta realiza o processo num contexto mais amplo de atividade intelectual: ela relativiza o conhecimento que o treinamento simplesmente transmite. A formação não faz mais do que instalar um bloco de informações no “disco rígido” do cérebro do estudante. A educação modifica a inteligência e o caráter do aluno, tornando-o mais capaz de absorver e, mais tarde, fazer uso apropriado das várias formas que toma uma informação nova.
Como as mudanças na relação professor-aluno – atualmente, com um número muito maior de estudantes, ela é muito menos, digamos, “íntima” – transformaram a universidade como um todo?
Mais gente significa, inevitavelmente, menos contato direto, mas as universidades sabem bem como encontrar maneiras de compensar isso – variando os métodos de ensino, usando a tecnologia para proporcionar contato individual com os estudantes, e assim por diante. Professores universitários não têm de levar os alunos pela mão, e sim inspirá-los ou provocá-los a buscar formação, e um professor experiente é capaz de fazer isso mesmo com turmas maiores.
E as novas tecnologias, contribuem para esse apagamento da antiga figura do mestre experiente e sábio, já que os alunos tendem a achar que podem ser autodidatas porque têm o conhecimento todo “acessível” na internet?
Não. A web é uma selva. Grande parte da “informação” nela contida está errada ou é simplificada demais, ou ainda enganosa, em outros sentidos. E, como eu disse, o professor faz muito mais do que simplesmente transmitir “informação”. As novas tecnologias podem fazer muitas coisas, e eu certamente acho que as universidades devem dar pleno uso a elas, tanto no ensino quanto na pesquisa. Mas, em última análise, o alargamento da compreensão ocorre pelo contato de uma mente com outra, seja pessoalmente, por meio impresso ou na tela, e, para o estudante que está em busca de entender melhor as coisas e expandir seus horizontes, um professor que possa apontar a direção correta e ajudar a desfazer algumas de suas confusões vale mais que mil computadores.
Uma das grandes dificuldades para se justificar a existência dessa, como o senhor mesmo define, peculiar espécie de instituição que são as universidades diz respeito a uma de suas missões: pesquisar coisas “inúteis”, como no caso das chamadas humanidades. O que dizer em defesa desse tipo de disciplina?
Mudanças de todos os tipos acontecem a um ritmo acelerado nas sociedades modernas. Há uma necessidade desesperada por flexibilidade intelectual e prontidão, no que diz respeito a questões culturais, para compreender e entender as mudanças e responder a elas de forma criativa. Não podemos saber de antemão que mudanças serão essas, nem que tipo de preparação intelectual é mais vantajosa. Mas as humanidades são o registro das tentativas de autocompreensão já realizadas pela nossa espécie, e continuam a ser o meio mais poderoso para o surgimento e o estímulo de mentes flexíveis e criativas. Filosofia, história, literatura e disciplinas assemelhadas não vão morrer: mentes curiosas sempre acabarão por se dedicar a elas como parte do impulso humano por compreender mais. As disciplinas acadêmicas que estudam essas questões estabeleceram um conjunto de escritos extremamente sofisticado e sutil que precisa ser dominado, ampliado e transmitido às gerações futuras. Universidades são instituições indispensáveis nessa tarefa. O Brasil é um país que está se desenvolvendo e mudando a uma velocidade notável. Políticos e governantes podem escolher o caminho fácil e dizer que basta ter mais tecnologia aplicada e cursos de negócios. Mas não é verdade. O cultivo das humanidades nas universidades brasileiras tem um papel crucial a desempenhar na definição de que tipo de sociedade será o Brasil do século 21. Desejo a vocês boa sorte nessa empreitada!
Leonardo Ferrari, psicanalista e professor da Universidade Positivo, onde coordena o Grupo de Estudos de Educação, Comunicação e Psicanálise
Num belo livro, Lições dos Mestres, o erudito George Steiner fala de certa dimensão, a “da troca, a de um Eros de confiança recíproca e, de fato, de amor”, que seria essencial às artes de ensinar e aprender. Tal dimensão da pedagogia ainda é possível na educação dos universitários de hoje?
Em 1914, a direção do ginásio em que Freud estudou lhe pediu um escrito para comemorar o cinquentenário da escola. Ele escreveu, então, um de seus mais belos textos, chamado “Sobre a Psicologia do Colegial” (presente no volume 11 de suas obras completas na nova edição da Companhia das Letras). Nele, Freud conta seu reencontro, adulto, com um antigo professor, pelas ruas da cidade. Desse encontro resulta uma questão fundamental: o que vale mais na relação entre aluno e professor, nessa relação transferencial? A ciência transmitida, o conhecimento repassado, o saber, ou a personalidade do professor que, de algum jeito, marcou a vida do aluno? Freud vai responder de um modo inquietante: o encontro de um professor com um aluno e vice-versa não é nunca um primeiro encontro; é um reencontro. Por isso os inevitáveis mal-entendidos, confusões e trapalhadas que podem acontecer.
Como fica a relação professor-aluno atualmente: com um número muito maior de estudantes, ela não é muito menos, digamos, “íntima”?
Um professor não é só professor para um aluno e um aluno não é só um aluno para um professor. É como se nessa relação aparentemente a dois, estivessem quatro, cinco, seis outras pessoas – foi o que Freud denominou de “condensação” em sua análise dos sonhos. Ora, aqui já se pode evidenciar que, se há amor nesse relacionamento entre professor e aluno, certamente não é o amor imaginário, o amor no sentido ingênuo, a dois, romântico – esse que acaba virando tema de curso para ensinar os professores a serem mais amorosos em sala de aula. É, sim, o amor de transferência. Poderá ou não ser construído, pois não depende só da vontade ou da preparação de ambos, mas também do inconsciente de cada um. Ou seja, ele não é automático, não está dado em uma lista de nomes denominada “turma”, tampouco em uma nota ou conceito de avaliação.
Esse é também o tema de O Banquete, de Platão, dileto discípulo de Sócrates.
No Banquete de Platão, há um general, Alcebíades, que no auge da vida está interessado em alguém que não lhe quer do jeito que ele gostaria, o feiíssimo Sócrates. Como entender esse desencontro? Para descrever o estranho fascínio que Sócrates exerce sobre ele, Alcebíades usa a metáfora de uma estátua horrível, chamada pelos gregos de “sileno”, que, quando aberta ao meio, revela um “agalma”, objeto precioso. Eis aí o amor de transferência em ação: Alcebíades ama o que há em Sócrates e não Sócrates. Ama a voz de Sócrates, o olhar de Sócrates, mas não a pessoa de Sócrates, nem sua personalidade. O que lhe fascina é esse objeto precioso, esse não sei bem o quê que lhe acelera o coração, o faz caminhar mais devagar, o faz escutar com muita atenção, o faz se encantar. Alcebíades reconhece que com todos os outros não acontece nada parecido. Freud, em seu clássico O Mal-Estar na Civilização, diz que a educação passa boa parte da vida ensinando o aluno a saber viver nos lagos italianos e, de repente, quando ele pisa fora da escola, depara-se com vinte graus negativos em pleno Polo Norte, e não nos lagos italianos. Esta é a questão que Freud traz para as universidades: vocês pensam em ensinar e aprender sem levar em conta o inconsciente? Pretendem ficar com a estátua horrível jogando fora o objeto precioso?
Uma distinção importante – recorrendo aqui a um dos autores da sua especialidade, Jacques Lacan – é a que opõe uma relação professor-aluno “imaginária”, talvez por demais idealizada de parte a parte, a outro tipo de relação, a do “simbólico”, em tese mais produtiva. Poderia explicar como, na prática, elas se dão?
Lacan pensa a vida humana não no sentido de “zoé”, a vida comum dos animais e dos homens, mas de “biós”, que indica a vida própria de um indivíduo ou de um grupo. Essa distinção é de um outro pensador genial chamado Giorgio Agamben. Lacan fala de três registros fundamentais: o Real, o Simbólico e o Imaginário. Na prática, isso significa o quê? Significa que viver no Imaginário é viver desenhando mapas de lagos italianos, decorando a localização de cada lago, fazendo prova sobre eles, desconsiderando o Real do desejo que anima cada um dos alunos ali presentes – um desejo singular, não coletivizável: para um, viver no Saara; para outro, a paixão pelo gelo. Por que estes desejantes, agrupados pela universidade sob o nome de “turma”, devem estudar as mesmas coisas, ou seja, os lagos italianos? Por isso Lacan também verifica a existência do Simbólico, ou seja, a possibilidade de se organizar de outra forma, de outro jeito, levando em consideração o Real do desejo. Porém, a psicanálise não propõe a abolição do Imaginário, caso contrário acabaria a vida em sociedade. O Imaginário é fundamental, mas não da forma como em geral ele se apresenta, fixo, imutável, inflexível.
E as novas tecnologias, como contribuem para essas mudanças na relação professor-aluno, já que os estudantes tendem a achar que podem ser autodidatas porque têm o conhecimento todo “acessível” na internet?
Eu acho que essas propaladas “mudanças” não são bem o que pretendem ser. Há um gosto enorme em julgar nossa época como “única”, “pós-moderna”, “avançada” porque a cada cinco minutos um novo objeto portátil tecnológico aparece trazendo “extraordinárias” novidades. Então, se fala muito em iPad, iPhone, como se no tempo do meu pai e do meu avô não existisse a iPandorga, o iEstilingue, o iGibi, a iFigurinha, que fazia esses “excelentes” alunos aproveitarem qualquer momento para faltar aula, sair mais cedo, não aguentar os ideais que lhes tentavam passar goela abaixo. Quando perguntados sobre a escola, do que essa velha geração se lembra? Da pinta engraçada na perna daquela professora e do grito tresloucado do ridículo professor de educação física. Há um mal-estar dentro das universidades que não se trata com “melhores” aulas (o discurso das competências) ou com “melhores” tecnologias (o discurso da ciência), nem com a demissão e substituição sistemática de professores como se eles fossem parafusos (o discurso do capitalismo selvagem). O mal-estar se chama sujeito do inconsciente, ou seja, aquilo que a ciência não quer saber, porém está lá, incomoda, é a pedra no meio do caminho do cientista, é o que não deixa marcas no tubo de ensaio, que não é visível no tomógrafo computadorizado.
Em busca de relevância social
Christian Schwartz, jornalista, tradutor, mestre em Estudos Literários pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) e professor de Produção de Texto, Literatura e Pesquisa em Comunicação na Universidade Positivo (UP)
Relutei muito em abandonar a sala de aula. Temendo as consequências, adiei o máximo a aposentadoria. Sempre afirmei que sentia a necessidade de me comunicar. Contar para alguém o que venho fazendo e especialmente compartilhar as minhas leituras e também me manter metódica e disciplinadamente em atividade. Porém, e é com tristeza que afirmo isso, a sala de aula se tornou um lugar difícil. Sempre tive excelentes alunos, mas ultimamente senti uma grande indiferença com relação ao conhecimento, quanto à formação e para com a própria vida, questões que para mim são indissociáveis. O aprendizado é algo apaixonante e que não permite a indiferença. Philip Roth (A Marca Humana, Companhia das Letras, 2007) me consolou: “Não sou professor de ninguém. Essa coisa de ensinar, corrigir, aconselhar, testar, abrir a cabeça – disso já me aposentei”.
Peço licença a um querido ex-colega de universidade, o filósofo Pedro Eloi Rech, hoje titular do interessantíssimo blog (www.blogdopedroeloi.com.br) de onde extraí o excerto acima, para, a partir desse tocante – e inquietante – depoimento de alguém que militou nas salas de aula por 43 anos, pensar minha própria e bem mais modesta trajetória de uma década como professor universitário. Esses foram anos cruciais para a expansão da universidade no Brasil. Desde 2002, quando comecei, também a internet passou a ser um repositório de, generalizemos, cultura que não raro coloca em xeque a atuação e a “autoridade” do professor de jovens adultos. (Com crianças e adolescentes, os desafios são outros, embora não menos fundamentais e enormes, ao contrário.)
Mas, ainda que um iniciante na profissão e, portanto, bem longe de ter acumulado a experiência de meu colega recém-aposentado, permitam-me aqui um depoimento em contraponto.
Sempre quis ser professor – desde que percebi, como bom Caxias da turma, que tinha algum talento para ajudar os coleguinhas no que não entendiam; ou, antes ainda, ao ver minha mãe, professora de matemática, ajudando a salvar do desespero das “recuperações” e “segundas épocas” da vida uns quantos alunos particulares, que frequentavam minha casa e com os quais tantas vezes dividi a mesa da cozinha para fazer a lição e, ao mesmo tempo, ouvi-la ensinar.
Há alguns anos, num ciclo de palestras na universidade onde trabalho, escutei um mestre da disciplina que acabei por lecionar (não a matemática, especialidade materna, mas português!), Carlos Alberto Faraco, linguista respeitado e ex-reitor da Universidade Federal do Paraná, dizer o seguinte – transcrevo o texto daquela conferência:
Nós temos, na universidade, uma tendência a dizer que não nos cabe recuperar as insuficiências dos níveis educacionais anteriores. Penso que, numa situação ideal, poderíamos até concordar com isso. No entanto, numa sociedade que sofre cronicamente com seu baixo índice de letramento, numa sociedade que não conseguiu construir ainda uma escola básica letradora, se nós na universidade não nos preocuparmos com o enfrentamento dessas insuficiências, estamos tendo pouca relevância social, estamos contribuindo pouco para rompermos o ciclo histórico do nosso atraso cultural.
Minha vida como professor, mesmo antes de ouvir as palavras de Faraco, sempre se pautou por essa preocupação em ter “relevância social” – por isso, quase que instintivamente (embora a lógica me mandasse ir ensinar assuntos, por assim dizer, mais “técnicos”, relacionados à experiência profissional que já acumulava como jornalista), vibrei quando fui convidado a ser professor de português, e “com liberdade para trabalhar literatura”, conforme me disse o sábio coordenador de curso que me contratava. E me senti, desde então, um professor realizado.
Mas, por circunstâncias, aos poucos fui parando de trabalhar diretamente no (re)letramento de meus alunos. Ao deixar de ser “o professor de português”, fácil de definir, e passar à tarefa, para mim igualmente instigante, de ensinar meus alunos a pensar – com o perdão da falta de modéstia – fazendo-os produzir artigos acadêmicos, voltei a me perguntar por que sou professor universitário e, ainda mais do que antes, por que aqueles meus alunos estão ali, diante de mim em aulas e orientações.
Pois, ao exigir que esses jovens pensem e escrevam, em outras palavras, sejam – à minha maneira? à maneira deles? – intelectuais, mesmo que por um semestre, já não fica tão claro para mim ser essa uma missão cujo valor não se discute, como aquela a que me dediquei anteriormente, a do letramento.
Sempre me perguntei – e agora, especialmente, me pergunto sempre mais – o quanto de desejo de uma “relação imaginária” não haveria no meu comportamento com os alunos; o quanto, especialmente numa atividade como essa de orientar produção acadêmica (por óbvio, sou alguém que gosta de pensar e exercita sua intelectualidade na medida do possível), não estou querendo que todos eles sejam como eu. Fazê-los cidadãos letrados, ainda que recuperando tardiamente sua escolaridade, nas palavras de Faraco, é uma coisa. Querer reproduzi-los à minha imagem é bem outra, e da qual – pelo que me trouxe até aqui como professor – pretendo fugir sempre.
Quem sabe não esteja aí a resposta à inquietação que o filósofo Pedro Eloi levou consigo ao se aposentar das salas de aula. Assim espero.
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