Dilma e Lula também privatizam
2 de Outubro de 2011, 0:00 - sem comentários aindaEm nosso sistema eleitoral é quase impossível que alguém se torne presidente (ou presidenta) sem realizar amplas alianças políticas. E ninguém ou nenhum partido assume o poder em sua inteireza. O poder num Estado democrático é compartilhado entre os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, Ministério Público, Tribunais de Contas, mercado e sociedade civil.
Além disso, mesmo dentro de partidos de centro-esquerda, como o Partido dos Trabalhadores, existem alas a direita, com ideologia muito semelhante a políticos de centro ou de direita.
FHC chegou ao poder com o apoio do grande capital, em aliança entre o PSDB e o então PFL. Fez um governo claramente neoliberal, com privatizações amplas nas mais variadas áreas. Chegou a vender empresas estatais estratégicas, entre elas a Telebrás e a Companhia Vale do Rio Doce. Queria ter privatizado a Petrobrás e o Banco do Brasil mas não conseguiu terminar seu plano radicalmente privatizante.
Lula e Dilma também chegaram ao poder com apoio de parte do grande mercado, mas não em aliança com partidos de direita. Mas é claro que não é apenas o PT que manda no governo, mas sim o conjunto de partidos da aliança, que não necessariamente têm posições favoráveis ao Estado Social e Democrático de Direito.
Lula apenas privatizou dois bancos em 2003 e realizou concessões de algumas estradas, mas com pedágio bem mais barato do que na época de FHC ou dos demotucanos nos estados de São Paulo e Paraná, por exemplo.
Na saúde o modelo de Lula era o das empresas estatais ou fundações públicas de direito privado, modelos que não podem ser confundidos com privatizações. Seriam hospitais públicos ainda geridos pelo Estado, ao contrário do modelo das privatizações via Organizações Sociais de FHC e governos tucanos.
Dilma vai privatizar algumas estradas e aeroportos. Na verdade é uma privatização em sentido amplo, é uma concessão de serviços públicos, em que não existirá a venda de empresas estatais.
Num governo democrático a pressão de grupos de interesse são legitimanente levados em conta na tomada de decisões, e com a mídia todo o dia cobrando a privatização das estradas e aeroportos seria difícil o governo segurar essas concessões.
Entendo que os partidos de centro-esquerda, como o PT, mesmo em governos que privatizam, mas de forma não radical, ainda podem manter as bandeiras anti-privatização. Mas nas eleições não vão poder mais chamar os tucanos de privatizadores, mas apenas de “radicalmente” privatizadores.
Dilma e Lula também privatizam
2 de Outubro de 2011, 0:00 - sem comentários aindaEm nosso sistema eleitoral é quase impossível que alguém se torne presidente (ou presidenta) sem realizar amplas alianças políticas. E ninguém ou nenhum partido assume o poder em sua inteireza. O poder num Estado democrático é compartilhado entre os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, Ministério Público, Tribunais de Contas, mercado e sociedade civil.
Além disso, mesmo dentro de partidos de centro-esquerda, como o Partido dos Trabalhadores, existem alas a direita, com ideologia muito semelhante a políticos de centro ou de direita.
FHC chegou ao poder com o apoio do grande capital, em aliança entre o PSDB e o então PFL. Fez um governo claramente neoliberal, com privatizações amplas nas mais variadas áreas. Chegou a vender empresas estatais estratégicas, entre elas a Telebrás e a Companhia Vale do Rio Doce. Queria ter privatizado a Petrobrás e o Banco do Brasil mas não conseguiu terminar seu plano radicalmente privatizante.
Lula e Dilma também chegaram ao poder com apoio de parte do grande mercado, mas não em aliança com partidos de direita. Mas é claro que não é apenas o PT que manda no governo, mas sim o conjunto de partidos da aliança, que não necessariamente têm posições favoráveis ao Estado Social e Democrático de Direito.
Lula apenas privatizou dois bancos em 2003 e realizou concessões de algumas estradas, mas com pedágio bem mais barato do que na época de FHC ou dos demotucanos nos estados de São Paulo e Paraná, por exemplo.
Na saúde o modelo de Lula era o das empresas estatais ou fundações públicas de direito privado, modelos que não podem ser confundidos com privatizações. Seriam hospitais públicos ainda geridos pelo Estado, ao contrário do modelo das privatizações via Organizações Sociais de FHC e governos tucanos.
Dilma vai privatizar algumas estradas e aeroportos. Na verdade é uma privatização em sentido amplo, é uma concessão de serviços públicos, em que não existirá a venda de empresas estatais.
Num governo democrático a pressão de grupos de interesse são legitimanente levados em conta na tomada de decisões, e com a mídia todo o dia cobrando a privatização das estradas e aeroportos seria difícil o governo segurar essas concessões.
Entendo que os partidos de centro-esquerda, como o PT, mesmo em governos que privatizam, mas de forma não radical, ainda podem manter as bandeiras anti-privatização. Mas nas eleições não vão poder mais chamar os tucanos de privatizadores, mas apenas de “radicalmente” privatizadores.
Estudantes exigem ensino público universal e gratuito… no Chile! E no Brasil?
2 de Outubro de 2011, 0:00 - sem comentários aindaHoje na Folha de S. Paulo
Chile em transe
Na visão do ministro, a gratuidade na educação não é boa porque: 1) é justo que os que têm condições paguem; e 2) produz hiperdemanda por educação superior
A coalizão de centro-esquerda que chegou ao poder praticamente não tocou no arcabouço econômico, jurídico e social da ditadura, analisa Mönckeberg
O ensino privado na mira dos estudantes
RESUMO As manifestações de estudantes que tomaram as ruas de Santiago do Chile abalaram a popularidade do presidente Sebastián Piñera e pela primeira vez puseram em xeque o modelo de educação privada instaurado na era Pinochet, que passou incólume pela democratização. Governo e manifestantes discutem reformas.
ELEONORA DE LUCENA
Veja a matéria completa:
“Vai cair a educação de Pinochet!”. Com essas palavras, centenas de milhares de chilenos foram às ruas para pedir o fim do modelo de educação no qual tudo é pago. Querem um ensino público, gratuito e de qualidade. Bem avaliado em testes internacionais, o sistema educacional está em xeque.
Quando foi imposto pela ditadura pinochetista, nos anos 1980, a propaganda oficial dizia que estudantes, ao pagarem pelo ensino, seriam transformados em clientes. A competição melhoraria a educação, ampliaria a cobertura e soterraria protestos. Trinta anos depois, os clientes resolveram se rebelar. Pagam caro por um ensino de qualidade discutível. As famílias sentem o torniquete do modelo no emaranhado de bolsas, mensalidades, juros, bancos.
Mario Waissbluth, coordenador nacional do movimento Educação 2020, afirma que 40% dos que ingressam na universidade saem antes de concluir. Dos 60% que se titulam, a metade fica desempregada ou consegue um emprego ruim. Mas continuarão com uma dívida por 20 ou 30 anos. Só 30% (os mais ricos) conseguem o prometido pelo modelo.
FALSA PROMESSA Nos últimos dez anos, o Chile passou de 300 mil a 1,1 milhão de universitários. “Mas 700 mil se deram conta da falsa promessa. Some a isso os seus familiares e teremos de 2 milhões a 3 milhões de enganados pelo comércio universitário”, avalia Waiss-bluth, professor de engenharia industrial da Universidade do Chile.
Ignacio Sánchez Dias, reitor da Universidade Católica, observa que nos últimos 30 anos se multiplicou por seis o número de estudantes em faculdades: “Setenta por cento deles são os primeiros em suas famílias que chegam ao ensino superior”.
Apesar da expansão, a percentagem da população chilena matriculada hoje em todos os níveis (26%) é inferior à existente antes do golpe de 1973 (30%), nota o sociólogo Francisco Durán Del Fierro, do Centro de Estudos Nacionais de Desenvolvimento Alternativo.
Waissbluth afirma que as famílias arcam com 80% dos custos de um ensino “totalmente desregulado e sem transparência”. Das 4.700 carreiras oferecidas, apenas 700 têm reconhecimento certificado. “É um dos modelos mais pró-mercado do planeta. Qualquer um pode abrir uma instituição com subsídio do Estado, sem requisitos de qualidade, e atuar com mínimas restrições”, conta.
“Não foi liberdade, mas libertinagem de mercado”, opina. “A cobertura da educação pública caiu de 80% para 37% em 30 anos e segue caindo vertiginosamente”.
ALÍVIO O palácio de La Moneda reconhece o problema, que já derrubou a popularidade do presidente Sebastián Piñera. Andrés Chadwick, secretário-geral de governo, diz que é preciso “produzir um alívio para a família chilena”. Primo do presidente, foi líder estudantil na ditadura e discípulo do ultradireitista Jaime Guzmán, um dos principais ideólogos do pinochetismo.
A imagem do país preocupa Chadwick. “Queremos que os investidores externos possam continuar reconhecendo o Chile como um país com estabilidade”, afirma. Para ele, a turbulência é uma crise de crescimento, não um sintoma de fracasso do modelo neoliberal, como advoga a oposição.
O governo acena com queda nos juros para as dívidas estudantis, controle sobre as entidades privadas e implantação de uma agência para cobrar qualidade. Na visão do ministro, a gratuidade na educação não é boa porque: 1) é justo que os que têm condições paguem; e 2) produz hiperdemanda por educação superior, que resulta em queda dos egressos.
Mas admite fazer mudanças graduais para chegar, no longo prazo, até 60% de gratuidade no ensino. Hoje não há ensino gratuito no Chile. Até 1964, um terço da população em idade escolar não ia à escola. O governo democrata-cristão de Eduardo Frei Montalva iniciou uma reforma estrutural na educação.
GOLPE Em seguida, Salvador Allende (1908-73) elaborou um plano que visava construir um modelo educacional de transição para o socialismo. Da sua posse, em 1970, até o golpe de 1973, praticamente dobrou o número de universitários chilenos. Existiam então oito universidades no Chile; hoje são 68. A mais importante era a Universidade do Chile, fundada em 1842. Todas recebiam aportes do Estado. O ensino era basicamente gratuito.
O golpe estraçalhou a estrutura de ensino, interveio nas universidades e desencadeou uma repressão sem precedentes. A verba para a educação pública minguou, e o governo empurrou as escolas para o caminho do autofinanciamento.
Em 1981, depois de exterminar centenas de oposicionistas e desmantelar sindicatos e associações, o ditador Pinochet (1915-2006) organizou leis de “modernização”, incorporando as ideias neoliberais dos economistas de Chicago. Na saúde, na previdência e na educação, tudo passou a ser privatizado.
Professora de jornalismo da Universidade do Chile, María Olívia Mönckeberg relata os bastidores desse processo em “La Privatización de las Universidades, una Historia de Dinero, Poder e Influencias” (Copa Rota, 2005). Segundo ela, a crise econômica em 1982, de início, desencorajou os grupos econômicos que já estavam em outras áreas privatizadas a entrar no setor de universidades.
A situação mudou até o final da década. “Deram autorizações muito rápidas para novas universidades privadas. A maioria das que existem hoje e lucram são dessa época e, por isso, estão nas mãos de pessoas da direita”, afirma.
Guilhermo Scherping, diretor do Colégio de Professores (sindicato), recorda: “Surgiram 18 universidades só de 1º de janeiro a 10 de março de 1990″ (véspera da saída de Pinochet).
NEOLIBERALISMO O muro de Berlim caíra, e o neoliberalismo não tinha muitos contestadores. Assim, a coalizão de centro-esquerda que chegou ao poder praticamente não tocou no arcabouço econômico, jurídico e social da ditadura, analisa Mönckeberg.
O modelo se aprofundou, com escolas lucrando com o recebimento de dinheiro público e isenções fiscais. A lei de Pinochet, que curiosamente proibia o lucro, passou a ser burlada.
Por exemplo, por contratos das instituições privadas com imobiliárias do mesmo grupo a que pertencem, que cobram aluguéis das escolas. A professora faz uma radiografia desse mercado em “El Negocio de las Universidades en Chile” (Random House Mondadori, 2007), mostrando conexões entre membros de governos, donos de escolas e bancos.
“Conflitos de interesses existem na sociedade moderna, salvo nos conventos”, diz o ministro Chadwick. Quanto a integrantes do governo vinculados ao mercado de ensino, afirma que eles não participam da tomada de decisões sobre o tema. Todos os grupos políticos, diz ele, têm representantes no lucrativo mercado educacional.
Os resultados do Pisa (Programa Internacional de Avaliação de Alunos) mostram o Chile na frente na América Latina: primeiro em ciências e leitura. Apesar disso, 40% dos que saem do ensino médio não entendem o que leem nem realizam operações aritméticas básicas, afirma Waissbluth.
SEGREGAÇÃO Outra crítica é quanto à segregação social do modelo. Há escolas onde só ricos estudam e outras onde há só pobres. É “um verdadeiro apartheid educativo”, diz ele. Ou “guetos educacionais”, como define o líder estudantil Giorgio Jackson, para quem o ensino não pode ser visto como uma mercadoria descartável.
As manifestações trouxeram para o debate a reforma tributária, a renacionalização da mineração do cobre (para financiamento da educação pública) e o sistema político binomial.
“São conflitos latentes na nossa cidadania”, diz Jaime Gajardo, presidente nacional do Colégio de Professores.
Sobre o debate institucional, Chadwick rebate: “Nossa democracia é completa. Podemos debater o sistema eleitoral. Que democracia perfeita existe?”.
Algo vai mudar na educação chilena. O alcance da mudança será decidido nas mesas de negociação e nas ruas. Não se sabe se o movimento terá reflexo eleitoral nem se vai atingir outras áreas privatizadas por Pinochet. O lucro no sistema de saúde, por exemplo, começa a entrar na pauta política.
Nas últimas eleições, 3 milhões de jovens não votaram (de um total de 7 milhões). Do palácio de La Moneda às ruas, a pergunta é: quantos desses jovens estarão dispostos a mudar o quadro pelas urnas?
Estudantes exigem ensino público universal e gratuito… no Chile! E no Brasil?
2 de Outubro de 2011, 0:00 - sem comentários aindaHoje na Folha de S. Paulo
Chile em transe
Na visão do ministro, a gratuidade na educação não é boa porque: 1) é justo que os que têm condições paguem; e 2) produz hiperdemanda por educação superior
A coalizão de centro-esquerda que chegou ao poder praticamente não tocou no arcabouço econômico, jurídico e social da ditadura, analisa Mönckeberg
O ensino privado na mira dos estudantes
RESUMO As manifestações de estudantes que tomaram as ruas de Santiago do Chile abalaram a popularidade do presidente Sebastián Piñera e pela primeira vez puseram em xeque o modelo de educação privada instaurado na era Pinochet, que passou incólume pela democratização. Governo e manifestantes discutem reformas.
ELEONORA DE LUCENA
Veja a matéria completa:
“Vai cair a educação de Pinochet!”. Com essas palavras, centenas de milhares de chilenos foram às ruas para pedir o fim do modelo de educação no qual tudo é pago. Querem um ensino público, gratuito e de qualidade. Bem avaliado em testes internacionais, o sistema educacional está em xeque.
Quando foi imposto pela ditadura pinochetista, nos anos 1980, a propaganda oficial dizia que estudantes, ao pagarem pelo ensino, seriam transformados em clientes. A competição melhoraria a educação, ampliaria a cobertura e soterraria protestos. Trinta anos depois, os clientes resolveram se rebelar. Pagam caro por um ensino de qualidade discutível. As famílias sentem o torniquete do modelo no emaranhado de bolsas, mensalidades, juros, bancos.
Mario Waissbluth, coordenador nacional do movimento Educação 2020, afirma que 40% dos que ingressam na universidade saem antes de concluir. Dos 60% que se titulam, a metade fica desempregada ou consegue um emprego ruim. Mas continuarão com uma dívida por 20 ou 30 anos. Só 30% (os mais ricos) conseguem o prometido pelo modelo.
FALSA PROMESSA Nos últimos dez anos, o Chile passou de 300 mil a 1,1 milhão de universitários. “Mas 700 mil se deram conta da falsa promessa. Some a isso os seus familiares e teremos de 2 milhões a 3 milhões de enganados pelo comércio universitário”, avalia Waiss-bluth, professor de engenharia industrial da Universidade do Chile.
Ignacio Sánchez Dias, reitor da Universidade Católica, observa que nos últimos 30 anos se multiplicou por seis o número de estudantes em faculdades: “Setenta por cento deles são os primeiros em suas famílias que chegam ao ensino superior”.
Apesar da expansão, a percentagem da população chilena matriculada hoje em todos os níveis (26%) é inferior à existente antes do golpe de 1973 (30%), nota o sociólogo Francisco Durán Del Fierro, do Centro de Estudos Nacionais de Desenvolvimento Alternativo.
Waissbluth afirma que as famílias arcam com 80% dos custos de um ensino “totalmente desregulado e sem transparência”. Das 4.700 carreiras oferecidas, apenas 700 têm reconhecimento certificado. “É um dos modelos mais pró-mercado do planeta. Qualquer um pode abrir uma instituição com subsídio do Estado, sem requisitos de qualidade, e atuar com mínimas restrições”, conta.
“Não foi liberdade, mas libertinagem de mercado”, opina. “A cobertura da educação pública caiu de 80% para 37% em 30 anos e segue caindo vertiginosamente”.
ALÍVIO O palácio de La Moneda reconhece o problema, que já derrubou a popularidade do presidente Sebastián Piñera. Andrés Chadwick, secretário-geral de governo, diz que é preciso “produzir um alívio para a família chilena”. Primo do presidente, foi líder estudantil na ditadura e discípulo do ultradireitista Jaime Guzmán, um dos principais ideólogos do pinochetismo.
A imagem do país preocupa Chadwick. “Queremos que os investidores externos possam continuar reconhecendo o Chile como um país com estabilidade”, afirma. Para ele, a turbulência é uma crise de crescimento, não um sintoma de fracasso do modelo neoliberal, como advoga a oposição.
O governo acena com queda nos juros para as dívidas estudantis, controle sobre as entidades privadas e implantação de uma agência para cobrar qualidade. Na visão do ministro, a gratuidade na educação não é boa porque: 1) é justo que os que têm condições paguem; e 2) produz hiperdemanda por educação superior, que resulta em queda dos egressos.
Mas admite fazer mudanças graduais para chegar, no longo prazo, até 60% de gratuidade no ensino. Hoje não há ensino gratuito no Chile. Até 1964, um terço da população em idade escolar não ia à escola. O governo democrata-cristão de Eduardo Frei Montalva iniciou uma reforma estrutural na educação.
GOLPE Em seguida, Salvador Allende (1908-73) elaborou um plano que visava construir um modelo educacional de transição para o socialismo. Da sua posse, em 1970, até o golpe de 1973, praticamente dobrou o número de universitários chilenos. Existiam então oito universidades no Chile; hoje são 68. A mais importante era a Universidade do Chile, fundada em 1842. Todas recebiam aportes do Estado. O ensino era basicamente gratuito.
O golpe estraçalhou a estrutura de ensino, interveio nas universidades e desencadeou uma repressão sem precedentes. A verba para a educação pública minguou, e o governo empurrou as escolas para o caminho do autofinanciamento.
Em 1981, depois de exterminar centenas de oposicionistas e desmantelar sindicatos e associações, o ditador Pinochet (1915-2006) organizou leis de “modernização”, incorporando as ideias neoliberais dos economistas de Chicago. Na saúde, na previdência e na educação, tudo passou a ser privatizado.
Professora de jornalismo da Universidade do Chile, María Olívia Mönckeberg relata os bastidores desse processo em “La Privatización de las Universidades, una Historia de Dinero, Poder e Influencias” (Copa Rota, 2005). Segundo ela, a crise econômica em 1982, de início, desencorajou os grupos econômicos que já estavam em outras áreas privatizadas a entrar no setor de universidades.
A situação mudou até o final da década. “Deram autorizações muito rápidas para novas universidades privadas. A maioria das que existem hoje e lucram são dessa época e, por isso, estão nas mãos de pessoas da direita”, afirma.
Guilhermo Scherping, diretor do Colégio de Professores (sindicato), recorda: “Surgiram 18 universidades só de 1º de janeiro a 10 de março de 1990″ (véspera da saída de Pinochet).
NEOLIBERALISMO O muro de Berlim caíra, e o neoliberalismo não tinha muitos contestadores. Assim, a coalizão de centro-esquerda que chegou ao poder praticamente não tocou no arcabouço econômico, jurídico e social da ditadura, analisa Mönckeberg.
O modelo se aprofundou, com escolas lucrando com o recebimento de dinheiro público e isenções fiscais. A lei de Pinochet, que curiosamente proibia o lucro, passou a ser burlada.
Por exemplo, por contratos das instituições privadas com imobiliárias do mesmo grupo a que pertencem, que cobram aluguéis das escolas. A professora faz uma radiografia desse mercado em “El Negocio de las Universidades en Chile” (Random House Mondadori, 2007), mostrando conexões entre membros de governos, donos de escolas e bancos.
“Conflitos de interesses existem na sociedade moderna, salvo nos conventos”, diz o ministro Chadwick. Quanto a integrantes do governo vinculados ao mercado de ensino, afirma que eles não participam da tomada de decisões sobre o tema. Todos os grupos políticos, diz ele, têm representantes no lucrativo mercado educacional.
Os resultados do Pisa (Programa Internacional de Avaliação de Alunos) mostram o Chile na frente na América Latina: primeiro em ciências e leitura. Apesar disso, 40% dos que saem do ensino médio não entendem o que leem nem realizam operações aritméticas básicas, afirma Waissbluth.
SEGREGAÇÃO Outra crítica é quanto à segregação social do modelo. Há escolas onde só ricos estudam e outras onde há só pobres. É “um verdadeiro apartheid educativo”, diz ele. Ou “guetos educacionais”, como define o líder estudantil Giorgio Jackson, para quem o ensino não pode ser visto como uma mercadoria descartável.
As manifestações trouxeram para o debate a reforma tributária, a renacionalização da mineração do cobre (para financiamento da educação pública) e o sistema político binomial.
“São conflitos latentes na nossa cidadania”, diz Jaime Gajardo, presidente nacional do Colégio de Professores.
Sobre o debate institucional, Chadwick rebate: “Nossa democracia é completa. Podemos debater o sistema eleitoral. Que democracia perfeita existe?”.
Algo vai mudar na educação chilena. O alcance da mudança será decidido nas mesas de negociação e nas ruas. Não se sabe se o movimento terá reflexo eleitoral nem se vai atingir outras áreas privatizadas por Pinochet. O lucro no sistema de saúde, por exemplo, começa a entrar na pauta política.
Nas últimas eleições, 3 milhões de jovens não votaram (de um total de 7 milhões). Do palácio de La Moneda às ruas, a pergunta é: quantos desses jovens estarão dispostos a mudar o quadro pelas urnas?
Serviço público pode ser eficaz! Até a Gazeta do Povo reconhece.
2 de Outubro de 2011, 0:00 - sem comentários aindaA capa da Gazeta do Povo de hoje traz a manchete “Por que o serviço público é tão ruim” em letras garrafais e em letras pequenas “e os setores onde ele funciona bem”. A capa mostra a ideologia do jornal, mais conservadora e privatizadora, mas a matéria do jornalista Rogério Galindo é muito boa.
A matéria mostra o óbvio: se pagarmos bem para os servidores, diminuirmos os cargos comissionados (com mais servidores concursados) e não esbanjarmos o dinheiro público com besteiras, é óbvio que o serviço público pode ser eficaz.
Pena que a matéria apenas ouviu neoliberais “especialistas” que dizem que a Administração Pública deve imitar a iniciativa privada, que apenas Sarney e Collor precarizaram o serviço público, sem citarem os militares e o Governo FHC, e que é boa a participação privada nas empresas estatais.
A matéria também não reconhece que foram os Governos Lula e Dilma que começaram a diminuir a precarização da Administração Pública ao diminuirem as terceirizações ilícitas e ao fazerem mais concursos públicos.
A matéria também está de parabéns ao reconhecer que apenas com a universalização do serviço público que ele vai melhorar, pois uma parte da população mais crítica fará o controle dos serviços.
Veja a matéria completa:
Por que o serviço público não funciona…
Para instituto suíço, atendimento da população prestado pelo governo brasileiro é o 5.º pior num ranking de 59 países. Principais causas são a má gestão, indicações políticas e salários baixos no funcionalismo
Hoje na Gazeta do Povo, por Rogerio Waldrigues Galindo
Especializado em administração, o instituto suíço IMD colocou em números um fato que os brasileiros conhecem por experiência própria. Ao analisar governos de 59 países (entre ricos e emergentes), chegou à conclusão de que os serviços públicos do Brasil estão mal. Classificou a eficiência da gestão pública nacional em 55.º lugar. Ou seja: o país fica em quinto lugar no ranking dos piores serviços governamentais analisados, à frente apenas de Grécia (56.º), Argentina (57.º), Ucrânia (58.º) e Venezuela (59.º). O melhor governo para sua população é de Hong Kong, seguido de Cingapura e Suíça.
Especialistas dizem que o resultado reflete décadas de uma cultura de governo pouco produtiva. Os problemas são vários. Três deles são os mais citados: os gestores públicos nacionais estariam acostumados a tratar o dinheiro público como se fosse um recurso sem fim, sem se preocupar em economizar; a indicação política dos cargos impede que a burocracia se profissionalize; e os salários oferecidos nem sempre atraem os profissionais mais competentes.
Para Antoninho Caron, professor mestrado de Organizações e Desenvolvimento do Centro Universitário FAE, o primeiro desafio para melhorar é mudar a mentalidade que se instalou desde os anos 80. “Nos governos dos ex-presidentes José Sarney [1985-1989] e Fernando Collor [1989-1992], houve uma verdadeira operação de desmonte no funcionalismo. Estatais que eram consideradas exemplares passaram a apresentar problemas”, diz ele.
Na visão de Caron, o que ocorreu foi que os governos começaram a usar as estatais e outras instituições públicas como moeda de troca de campanha eleitoral. E a burocracia foi tomada por políticos, que desbancaram os técnicos e passaram a interferir negativamente na operação. “Funcionários muito preparados deram lugar a comissionados de indicação política”, afirma Caron.
Em parte pela ocupação política, a visão de como o dinheiro público deve ser gasto também é contestada. “Os conceitos usados pelos gestores no Brasil são ultrapassados”, diz o professor Denis Alcides Rezende, do doutorado em Gestão Urbana da PUCPR. Segundo ele, muitas vezes a burocracia conta apenas números, mas não a eficácia do atendimento à população. “Não adianta, por exemplo, num posto de saúde, atender um número enorme de pessoas mas não resolver o problema de quase ninguém.”
Rezende afirma que em outros países, como Espanha e Finlândia, a avaliação dos serviços públicos é feita com base na resolução de problemas. “Na verdade, tudo que funciona na iniciativa privada pode, de algum jeito, ser adaptado para o serviço público”, opina ele.
Os postos de saúde são usados pelo professor Marcus Vinícius David, da Universidade Federal de Juiz de Fora, para ilustrar o problema dos salários incompatíveis com um bom serviço. “Médicos ganham muito mais na iniciativa privada do que no serviço público, como regra. Se você paga mal, o sujeito só finge que trabalha.”
Boa notícia
A boa notícia, segundo quem estuda o assunto, é que a situação está melhorando. Além de algumas ilhas de excelência, que sempre existiram, conceitos mais modernos de gestão estariam chegando a instituições públicas do país. Em alguns casos, a eficiência de serviços tem sido amplamente elogiada, como no caso do recadastramento biométrico de eleitores na Justiça Eleitoral de Curitiba.
INSS é exemplo de problemas
O Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) é um dos campeões de reclamações de usuários de serviços públicos. Também é o líder nacional de processos judiciais, respondendo por cerca de um quinto de todas as ações que correm na Justiça brasileira. No fundo, o instituto reúne as principais características apontadas pelos especialistas como problemáticas: indicações políticas, funcionários com salários abaixo do mercado e problemas de gestão. Uma mostra do serviço é o caso de Odete Nazarett (à esquerda na foto acima), de Cerro Azul, que já viajou duas vezes a Curitiba para tentar sua aposentadoria rural. Na última vez, passou duas horas na fila antes de ser atendida. Acostumada às filas, nem achou a demora exagerada. Agora, espera para ver se o benefício sairá.
… e os segredos do bom atendimento
Informatização, número adequado de funcionários, salários atraentes, gestão sem ingerência política e cobrança externa explicam o sucesso dos serviços públicos que funcionam
Atender 1,3 milhão de pessoas em pouco menos de um ano não é fácil. Sabendo que esse papel cabe ao serviço público, dá para imaginar as filas, a longa espera e as constantes reclamações. Mas, pelo menos até agora, a história do recadastramento dos eleitores de Curitiba, feito pela Justiça Eleitoral, tem sido bem diferente. Quase não há filas para quem agendou o serviço pela internet, as pessoas saem em menos de dez minutos do Tribunal Regional Eleitoral (TRE) e é comum ouvir elogios ao processo.
A professora de inglês Cláudia Marcato, por exemplo, nem fez o agendamento por internet recomendado pela Justiça Eleitoral. Mesmo assim, saiu em poucos minutos, já com o recadastramento completo. “Foi rápido e tranquilo”, diz. Para conseguir os elogios, o TRE investiu principalmente na contratação de mais gente: são 230 guichês atendendo durante todo o dia. Capacidade para 12 mil atendimentos por dia.
“Em primeiro lugar, foi possível fazer isso porque a Justiça Eleitoral tem orçamento. Depois, é preciso pagar bem, até para poder cobrar mais”, diz o presidente do TRE, desembargador Irajá Prestes Mattar. O salário, na verdade, nem é tão alto: são R$ 800 para meio expediente. Mas funciona.
Outros casos, como a eleição 100% eletrônica, já haviam colocado a Justiça Eleitoral como uma das ilhas de excelência do serviço público brasileiro. A lista de instituições públicas eficientes costuma incluir estatais como a Petrobras; universidades como Unicamp, USP e as instituições federais; e alguns serviços da Polícia Federal e da Receita, entre outros.
Segundo os analistas, há várias fatores que criam um serviço eficiente. Um deles é a existência de sócios privados que cobrem resultados econômicos. É o caso da Petrobras, por exemplo. Outra razão para o bom funcionamento pode ser a ausência de interferência política. Neste caso, se encaixam as universidades públicas, geralmente administradas pelos próprios professores.
Classe média
Mas também há outras razões. “Os serviços que atendem a classe média, que é menos tolerante com a ineficiência, costumam ser melhores”, afirma o doutor em administração Marcus Vinícius David, professor da Universidade Federal de Juiz de Fora. “Se a escola pública e o SUS conseguissem atrair a classe média, por exemplo, certamente haveria mais cobrança e o serviço melhoraria”, opina ele.
No entanto, o próprio professor aponta um paradoxo. Há serviços que são bons justamente porque atendem pouca gente. “Quando o Enem [Exame Nacional do Ensino Médio] mostrou que as escolas federais se saíram bem, falaram em federalizar o ensino médio. Mas não haveria como universalizar esse padrão das federais, que custa R$ 600 por aluno”, diz David.
Mesmo para os serviços que não estão no topo do ranking de eficiência, os especialistas dizem que há boas notícias. “Com novos órgãos fiscalizadores, a corrupção tem ficado mais difícil”, diz o professor Denis Alcides Rezende, do doutorado em Gestão Urbana da PUCPR. Segundo ele, porém, o contexto é mais amplo. “O governo eletrônico [na internet], as legislações de transparência, contratos de gestão, orçamento participativo e Lei de Responsabilidade Fiscal também são importantes”, diz.
Um dos pontos que ainda precisam melhorar, no entanto, é a participação da população. “Ainda estamos na fase de ignorar os problemas. Quando muito, reclamamos. É preciso aprender a cobrar e, de preferência, participar”, afirma Rezende.
Fórmula de sucesso
Dicas para tornar serviço público eficiente:
Gestão
• Cortar o desperdício de dinheiro.
• Pagar bons salários. Isso atrai os melhores profissionais.
• Copiar e adaptar boas práticas da iniciativa privada.
• Universalizar o serviço: quando todos o usam, a cobrança é maior e o funcionamento costuma melhorar.
Políticas
• Evitar indicações políticas. Dar preferência para técnicos melhora a gestão e reduz a corrupção.
• Punir a corrupção.