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27 de Maio de 2009, 0:00 , por Software Livre Brasil - | Ninguém está seguindo este artigo ainda.

Fatos jurídicos que trafegam nas vias da informação: um blog sobre Direito e Tecnologia da Informação


6º TELECON será realizado no final de novembro em Salvador

30 de Setembro de 2012, 0:00, por Software Livre Brasil - 0sem comentários ainda

Neste ano de 2012, o IBDI – Instituto Brasileiro de Direito da Informática, o IMN - Instituto dos Magistrados do Nordeste e o Comitê Gestor da Internet no Brasil – CGI.br juntam novamente esforços para realizar a sexta versão do TELECON – Congresso de Direito da Informática e Telecomunicações, nos dias 22 a 24 de novembro, na cidade de Salvador.


O Congresso de Direito da Informática e Telecomunicações (já consagrado e conhecido pela sigla TELECON) adquiriu importância como fórum privilegiado e de reconhecida credibilidade para o debate das soluções para os desafios e problemas da nova sociedade da informação.

A versão deste ano (do 6º. TELECON) terá vários assuntos como temas de destaque na programação, a exemplo do PL n. 2126/11 enviado recentemente pela Presidente da República ao Congresso Nacional e denominado de "Marco Civil da Internet", e o anteprojeto sobre privacidade e proteção de dados pessoais. Alguns temas que foram debatidos no Congresso passado ainda continuarão na pauta dos debates, a exemplo dos crimes informáticos, diante da perspectiva de que o Congresso Nacional aprove ainda este ano a lei sobre crimes tecnológicos, instrumento de suma importância no combate à criminalidade na Internet. Também estará em pauta dos debates o processo eletrônico, que desperta muitas controvérsias.

Para maiores informações, acesse o site www.ibdi.org.br/telecon6 e veja a programação completa do evento e como se inscrever.



Ministério Público [de Portugal] diz que é legal copiar músicas e filmes na Net

27 de Setembro de 2012, 0:00, por Software Livre Brasil - 0sem comentários ainda

É um despacho que promete dar que falar durante muito tempo: o Ministério Público considera que é lícito descarregar cópias de filmes e música em redes de Partilha de Ficheiros (P2P) em Portugal.

No início de 2011, a Associação do Comércio Audiovisual de Obras Culturais e de Entretenimento de Portugal (ACAPOR) surgiu nos títulos dos jornais por apresentar queixa na Procuradoria Geral da República de dois mil internautas portugueses que usavam sites de P2P para partilhar cópias de filmes alegadamente ilegais.

Passado pouco mais de um ano, o Departamento de Investigação e Ação Penal (DIAP), que tem por objetivo analisar as queixas apresentadas na PGR , deu a conhecer um despacho demolidor para as pretensões da ACAPOR.

Além dos reparos aos procedimentos seguidos pela ACAPOR, o despacho do DIAP considera que os 2000 acusados pela ACAPOR não tinham cometido nenhum ilícito. Eis um excerto que acaba de chegar à nossa redação: «Acresce que, do ponto de vista legal, ainda que colocando-se neste tipo de redes a questão do utilizador agir simultaneamente no ambiente digital em sede de upload e download dos ficheiros a partilhar, entedemos como lícita a realização pelos participantes na rede P2P para uso privado -  artº 75º nº 2ª) e 81º b) do CDADC, - ainda que se possa entender que efetuada a cópia o utilizador não cessa a sua participação na partilha».

Em Abril, num processo que também envolveu denúncia a partir do número de IP, o Tribunal Criminal de Lisboa aplicou uma pena suspensa de dois meses na sequência de uma queixa da Associação Fonográfica Portuguesa (AFP).

O IP identifica?

Apesar de considerar que o Código de Direitos de Autor e Direitos Conexos (CDADC) não tornou ilegal o uso de redes de partilha de ficheiros (P2P), o Ministério Público reconhece o mérito à ações levadas a cabo pela ACAPOR por alertarem para a necessidade de repensar as questões jurídicas relacionadas com a defesa dos direitos de autor de filmes, música e software na era digital. Mas também neste ponto os investigadores do DIAP deixam um reparo – e lembram que a defesa dos direitos de autor deve ser aplicada tendo em conta «o direito à educação, à cultura, da liberdade de ação no espaço cibernáutico (sic), especialmente quando tal liberdade se cinge ao individual nada se relacionado (sic) com questões comerciais, com o lucro de atividade mercantil».

No mesmo despacho, os responsáveis do DIAP e do Ministério Público confessam ser impossível investigar a distribuição e o download de cópias ilegais na Internet através do número de IP. Segundo os investigadores, a acusação de alguém com base no número de IP é «errónea», uma vez que o titular do número do Protocolo usado no acesso à Net «não é necessariamente o utilizador naquele momento concreto, não é necessariamente o que disponibiliza a obra, mas o que vê serviço registado em seu nome, independentemente de o usar ou de apenas figurar formalmente como seu titular».

O Ministério Público refere, com base na análise que faz dos artigos do CDADC, que só em situações em que o autor (e depreende-se que mais ninguém, apesar de o CDADC referir igualmente artistas, e produtores) expressamente o proíbe se pode considerar crime a partilha pública de uma obra.

O despacho deixa ainda implícita uma crítica à forma como a ACAPOR lidou com o processo, sublinhando que a associação que representa os clubes e lojas de vídeos não apresentou qualquer documento a comprovar que os autores dos filmes proibiram a «disponibilização pública».

A reação da ACAPOR

Nuno Pereira, diretor da ACAPOR, informa que já requereu a nulidade do inquérito que deu origem a este despacho. «Até porque consideramos que não houve inquérito e que o Ministério Público se limitou a ouvir a ACAPOR e os técnicos da Inspeção Geral de Atividades Culturais (IGAC)». Nuno Pereira acredita que, se for declarada a nulidade, o processo terá de voltar ao início. Caso não seja declarada a nulidade, a ACAPOR vai avançar uma ação contra o Estado Português e apresentar queixa na Comissão Europeia.

O responsável da ACAPOR salienta ainda que as 2000 queixas apresentadas no início do ano passado não tinham por objetivo acusar os titulares das cointas de acesso à Internet usadas para o download de obras protegidas pelos direitos de autor. «Mas era importante saber quem eram os titulares dessas contas para depois se investigar quem realmente usou aqueles acessos para fazer o download», explica.

A inexistência de comprovativo de proibição de partilha pública também merece críticas da ACAPOR:«Estamos a falar de filmes que estavam, nessa altura nas salas de cinema e no circuito comercial e, por isso, seria público e notório de que não havia autorização de partilha pública», refere Nuno Pereira.

O conceito de partilha de ficheiros também suscita diferentes opiniões entre queixoso e investigadores: Nuno Pereira admite que a Lei da Cópia Privada não exige que as réplicas para uso privado têm de ser feitas a partir de originais legítimos, mas lembra que esta lei apenas se aplica à cópia e não ao ato de partilha. «Tenho dificuldade em perceber como é que se pode fazer uma partilha para uso privado. É um conceito que não entendo», acrescenta.

O responsável da ACAPOR faz uma descrição pouco abonatória da atuação das autoridades em todo este processo:«Para mim, o Ministério Público apenas arranjou uma forma de adaptar a lei ao seu interesse – e o seu interesse é não ter de mandar 2000 cartas, ouvir 2000 pessoas e fazer 2000 perícias a computadores.


Recomendado por Omar Kaminski



Nota do Partido Pirata contra a censura a conteúdos eleitorais na internet

25 de Setembro de 2012, 0:00, por Software Livre Brasil - 0sem comentários ainda

Se uma candidatura sentir-se ofendida por alguma crítica, denúncia, ou eventual inverdade, sugerimos que esta use a própria Internet para contra-argumentar, informar e defender-se.

Vivemos mais um processo eleitoral. Neste momento vemos as campanhas utilizando cada vez mais a Internet para expressar suas ideias e propostas. E também para travar batalhas de informação e desinformação dos eleitores.

O Partido Pirata do Brasil observa com preocupação e cautela as notícias sobre requerimentos, para remoção de conteúdo de blogs e redes sociais, e até pedidos de prisão de diretores de empresas que prestam serviços web, feitos por candidatos e candidatas a cargos eletivos. São diversos casos e por isso vimos a público afirmar e reafirmar nosso compromisso com a defesa da liberdade na Internet.

A legislação atual, alterada em 2009 [Lei nº 12.034 de 2009], ainda segue o caminho do cerceamento e do controle; segue presa ao contexto dos tradicionais veículos de comunicação que funcionam sob regime de concessão pública.

A Internet não é televisão, não é rádio, não é telefonia, nem fax, nem correio, nem telégrafo!

A Internet é uma rede de pessoas e acima de tudo, um espaço democrático de comunicação.

Se uma candidatura sentir-se ofendida por alguma crítica, denúncia, ou eventual inverdade, sugerimos que esta use a própria Internet para contra-argumentar, informar e defender-se. Confie que seu eleitor é inteligente o suficiente para saber analisar os fatos, ponderá-los e se posicionar. Todas as manifestações devem ser permitidas; sempre. Em caso de ofensa, deve-se penalizar o ofensor e não o meio utilizado.

Punir a Internet é punir um universo de pessoas que não participaram da ofensa; é reduzir o poder democrático de comunicação destas pessoas e mais do que isso, é atentar contra o direito de expressão do seu maior interessado: o eleitor.

A Internet deve permanecer livre, democrática, aberta e neutra, durante os períodos eleitorais e em qualquer momento!

Esta é a posição do Partido Pirata do Brasil para as Eleições 2012.



Justiça eleitoral manda prender presidente do Google Brasil (de novo!)

25 de Setembro de 2012, 0:00, por Software Livre Brasil - 0sem comentários ainda

Fabio Coelho diz que vai recorrer e que não é responsável pelo uso que os internautas fazem do YouTube


Pela segunda vez em duas semanas a Justiça eleitoral brasileira decreta a prisão de um exetutivo do Google. No dia 14, o alvo era o diretor geral da empresa no país, Luiz Pinto Balthazar, que conseguiu a suspensão da decisão; nessa segunda-feira, 24, foi a vez do presidente do Google Brasil, Fabio Coelho.

A medida partiu do TRE-MS (Tribunal Regional Eleitoral de Mato Grosso do Sul), que também determinou a interrupção das atividades do YouTube por 24 horas no Estado. O presidente do Google é acusado por crime de desobediência por não ter tirado do site de vídeos da companhia duas produções contra o candidato à Prefeitura de Campo Grande Alcides Bernal (PP).

Em nota divulgada pelo UOL, tanto Google quanto Coelho informaram que vão recorrer, e que o conteúdo postado no YouTube não é de responsabilidade da plataforma, mas sim do usuário que botou aquilo no ar.

Não é o que pensa o relator do caso, juiz Amaury Kuklinski, que apoiou decisão do colega Flávio Saad Peren, da 35ª Zona Eleitoral. Na semana passada, Peren tinha feito as determinações, o Google recorreu, mas perdeu.

"Conquanto seja um espaço livre e democrático, o uso indevido da internet, na esfera eleitoral, deve ser coibido, na medida em que não se trata de território isento de responsabilidade e não se vislumbra qualquer causa de imunidade no manuseio dessa ferramenta de comunicação", escreveu Kuklinski, segundo a Folha.

De acordo com ele, "o uso indevido da internet, na esfera eleitoral, deve ser coibido, na medida em que não se trata de território isento de responsabilidade e não se vislumbra qualquer causa de imunidade no manuseio dessa ferramenta de comunicação".

Autoria: Olhar Digital

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Doutor Advogado e Doutor Médico: até quando?

25 de Setembro de 2012, 0:00, por Software Livre Brasil - 0sem comentários ainda

Eliane Brum
Por que o uso da palavra "doutor" antes do nome de advogados e médicos ainda persiste entre nós? E o que ela revela do Brasil?

Sei muito bem que a língua, como coisa viva que é, só muda quando mudam as pessoas, as relações entre elas e a forma como lidam com o mundo. Poucas expressões humanas são tão avessas a imposições por decreto como a língua. Tão indomável que até mesmo nós, mais vezes do que gostaríamos, acabamos deixando escapar palavras que faríamos de tudo para recolher no segundo seguinte. E talvez mais vezes ainda pretendêssemos usar determinado sujeito, verbo, substantivo ou adjetivo e usamos outro bem diferente, que revela muito mais de nossas intenções e sentimentos do que desejaríamos. Afinal, a psicanálise foi construída com os tijolos de nossos atos falhos. Exerço, porém, um pequeno ato quixotesco no meu uso pessoal da língua: esforço-me para jamais usar a palavra "doutor" antes do nome de um médico ou de um advogado.

Travo minha pequena batalha com a consciência de que a língua nada tem de inocente. Se usamos as palavras para embates profundos no campo das ideias, é também na própria escolha delas, no corpo das palavras em si, que se expressam relações de poder, de abuso e de submissão. Cada vocábulo de um idioma carrega uma teia de sentidos que vai se alterando ao longo da História, alterando-se no próprio fazer-se do homem na História. E, no meu modo de ver o mundo, "doutor" é uma praga persistente que fala muito sobre o Brasil. Como toda palavra, algumas mais do que outras, "doutor" desvela muito do que somos – e é preciso estranhá-lo para conseguirmos escutar o que diz.

Assim, minha recusa ao "doutor" é um ato político. Um ato de resistência cotidiana, exercido de forma solitária na esperança de que um dia os bons dicionários digam algo assim, ao final das várias acepções do verbete "doutor": "arcaísmo: no passado, era usado pelos mais pobres para tratar os mais ricos e também para marcar a superioridade de médicos e advogados, mas, com a queda da desigualdade socioeconômica e a ampliação dos direitos do cidadão, essa acepção caiu em desuso".

Em minhas aspirações, o sentido da palavra perderia sua força não por proibição, o que seria nada além de um ato tão inútil como arbitrário, na qual às vezes resvalam alguns legisladores, mas porque o Brasil mudou. A língua, obviamente, só muda quando muda a complexa realidade que ela expressa. Só muda quando mudamos nós.

Historicamente, o "doutor" se entranhou na sociedade brasileira como uma forma de tratar os superiores na hierarquia socioeconômica – e também como expressão de racismo. Ou como a forma de os mais pobres tratarem os mais ricos, de os que não puderam estudar tratarem os que puderam, dos que nunca tiveram privilégios tratarem aqueles que sempre os tiveram. O "doutor" não se estabeleceu na língua portuguesa como uma palavra inocente, mas como um fosso, ao expressar no idioma uma diferença vivida na concretude do cotidiano que deveria ter nos envergonhado desde sempre.

Lembro-me de, em 1999, entrevistar Adail José da Silva, um carregador de malas do Aeroporto Salgado Filho, em Porto Alegre, para a coluna semanal de reportagem que eu mantinha aos sábados no jornal Zero Hora, intitulada "A Vida Que Ninguém Vê". Um trecho de nosso diálogo foi este: 

- E como os fregueses o chamam?
- Os doutor me chamam assim, ó: "Ô, negão!" Eu acho até que é carinhoso.
- O senhor chama eles de doutor?
- Pra mim todo mundo é doutor. Pisou no aeroporto é doutor. É ó, doutor, como vai, doutor, é pra já, doutor....
- É esse o segredo do serviço?
- Tem que ter humildade. Não adianta ser arrogante. Porque, se eu fosse um cara importante, não ia tá carregando a mala dos outros, né? Sou pé de chinelo. Então, tenho que me botar no meu lugar.

A forma como Adail via o mundo e o seu lugar no mundo – a partir da forma como os outros viam tanto ele quanto seu lugar no mundo – contam-nos séculos de História do Brasil. Penso, porém, que temos avançado nas últimas décadas – e especialmente nessa última. O "doutor" usado pelo porteiro para tratar o condômino, pela empregada doméstica para tratar o patrão, pelo engraxate para tratar o cliente, pelo negro para tratar o branco não desapareceu – mas pelo menos está arrefecendo. 

Se alguém, especialmente nas grandes cidades, chamar hoje o outro de "doutor", é legítimo desconfiar de que o interlocutor está brincando ou ironizando, porque parte das pessoas já tem noção da camada de ridículo que a forma de tratamento adquiriu ao longo dos anos. Essa mudança, é importante assinalar, reflete também a mudança de um país no qual o presidente mais popular da história recente é chamado pelo nome/apelido. Essa contribuição – mais sutil, mais subjetiva, mais simbólica – que se dá explicitamente pelo nome, contida na eleição de Lula, ainda merece um olhar mais atento, independentemente das críticas que se possa fazer ao ex-presidente e seu legado. 

Se o "doutor" genérico, usado para tratar os mais ricos, está perdendo seu prazo de validade, o "doutor" que anuncia médicos e advogados parece se manter tão vigoroso e atual quanto sempre. Por quê? Com tantas mudanças na sociedade brasileira, refletidas também no cinema e na literatura, não era de se esperar um declínio também deste doutor? 

Ao pesquisar o uso do "doutor" para escrever esta coluna, deparei-me com artigos de advogados defendendo que, pelo menos com relação à sua própria categoria, o uso do "doutor" seguia legítimo e referendado na lei e na tradição. O principal argumento apresentado para defender essa tese estaria num alvará régio no qual D. Maria, de Portugal, mais conhecida como "a louca", teria outorgado o título de "doutor" aos advogados. Mais tarde, em 1827, o título de "doutor" teria sido assegurado aos bacharéis de Direito por um decreto de Dom Pedro I, ao criar os primeiros cursos de Ciências Jurídicas e Sociais no Brasil. Como o decreto imperial jamais teria sido revogado, ser "doutor" seria parte do "direito" dos advogados. E o título teria sido "naturalmente" estendido para os médicos em décadas posteriores. 

Há, porém, controvérsias. Em consulta à própria fonte, o artigo 9 do decreto de D. Pedro I diz o seguinte: "Os que frequentarem os cinco anos de qualquer dos Cursos, com aprovação, conseguirão o grau de Bacharéis formados. Haverá também o grau de Doutor, que será conferido àqueles que se habilitarem com os requisitos que se especificarem nos Estatutos, que devem formar-se, e só os que o obtiverem, poderão ser escolhidos para Lentes". Tomei a liberdade de atualizar a ortografia, mas o texto original pode ser conferido aqui. "Lente" seria o equivalente hoje à livre-docente. 

Mesmo que Dom Pedro I tivesse concedido a bacharéis de Direito o título de "doutor", o que me causa espanto é o mesmo que, para alguns membros do Direito, garantiria a legitimidade do título: como é que um decreto do Império sobreviveria não só à própria queda do próprio, mas também a tudo o que veio depois? 

O fato é que o título de "doutor", com ou sem decreto imperial, permanece em vigor na vida do país. Existe não por decreto, mas enraizado na vida vivida, o que torna tudo mais sério. A resposta para a atualidade do "doutor" pode estar na evidência de que, se a sociedade brasileira mudou bastante, também mudou pouco. A resposta pode ser encontrada na enorme desigualdade que persiste até hoje. E na forma como essas relações desiguais moldam a vida cotidiana. 

É no dia a dia das delegacias de polícia, dos corredores do Fórum, dos pequenos julgamentos que o "doutor" se impõe com todo o seu poder sobre o cidadão "comum". Como repórter, assisti à humilhação e ao desamparo tanto das vítimas quanto dos suspeitos mais pobres à mercê desses doutores, no qual o título era uma expressão importante da desigualdade no acesso à lei. No início, ficava estarrecida com o tratamento usado por delegados, advogados, promotores e juízes, falando de si e entre si como "doutor fulano" e "doutor beltrano". Será que não percebem o quanto se tornam patéticos ao fazer isso?, pensava. Aos poucos, percebi a minha ingenuidade. O "doutor", nesses espaços, tinha uma função fundamental: a de garantir o reconhecimento entre os pares e assegurar a submissão daqueles que precisavam da Justiça e rapidamente compreendiam que a Justiça ali era encarnada e, mais do que isso, era pessoal, no amplo sentido do termo. 

No caso dos médicos, a atualidade e a persistência do título de "doutor" precisam ser compreendidas no contexto de uma sociedade patologizada, na qual as pessoas se definem em grande parte por seu diagnóstico ou por suas patologias. Hoje, são os médicos que dizem o que cada um de nós é: depressivo, hiperativo, bipolar, obeso, anoréxico, bulímico, cardíaco, impotente, etc. Do mesmo modo, numa época histórica em que juventude e potência se tornaram valores – e é o corpo que expressa ambas – faz todo sentido que o poder médico seja enorme. É o médico, como manipulador das drogas legais e das intervenções cirúrgicas, que supostamente pode ampliar tanto potência quanto juventude. E, de novo supostamente, deter o controle sobre a longevidade e a morte. A ponto de alguns profissionais terem começado a defender que a velhice é uma "doença" que poderá ser eliminada com o avanço tecnológico.  
O "doutor" médico e o "doutor" advogado, juiz, promotor, delegado têm cada um suas causas e particularidades na história das mentalidades e dos costumes. Em comum, o doutor médico e o doutor advogado, juiz, promotor, delegado têm algo significativo: a autoridade sobre os corpos. Um pela lei, o outro pela medicina, eles normatizam a vida de todos os outros. Não apenas como representantes de um poder que pertence à instituição e não a eles, mas que a transcende para encarnar na própria pessoa que usa o título.  

Se olharmos a partir das relações de mercado e de consumo, a medicina e o direito são os únicos espaços em que o cliente, ao entrar pela porta do escritório ou do consultório, em geral já está automaticamente numa posição de submissão. Em ambos os casos, o cliente não tem razão, nem sabe o que é melhor para ele. Seja como vítima de uma violação da lei ou como autor de uma violação da lei, o cliente é sujeito passivo diante do advogado, promotor, juiz, delegado. E, como "paciente" diante do médico, como abordei na coluna anterior, deixa de ser pessoa para tornar-se objeto de intervenção. 

Num país no qual o acesso à Justiça e o acesso à Saúde são deficientes, como o Brasil, é previsível que tanto o título de "doutor" permaneça atual e vigoroso quanto o que ele representa também como viés de classe. Apesar dos avanços e da própria Constituição, tanto o acesso à Justiça quanto o acesso à Saúde permanecem, na prática, como privilégios dos mais ricos. As fragilidades do SUS, de um lado, e o número insuficiente de defensores públicos de outro são expressões dessa desigualdade. Quando o direito de acesso tanto a um quanto a outro não é assegurado, a situação de desamparo se estabelece, assim como a subordinação do cidadão àquele que pode garantir – ou retirar – tanto um quanto outro no cotidiano. Sem contar que a cidadania ainda é um conceito mais teórico do que concreto na vida brasileira. 

Infelizmente, a maioria dos "doutores" médicos e dos "doutores" advogados, juízes, promotores, delegados etc estimulam e até exigem o título no dia a dia. E talvez o exemplo público mais contundente seja o do juiz de Niterói (RJ) que, em 2004, entrou na Justiça para exigir que os empregados do condomínio onde vivia o chamassem de "doutor". Como consta nos autos, diante da sua exigência, o zelador retrucava: "Fala sério...." Não conheço em profundidade os fatos que motivaram as desavenças no condomínio – mas é muito significativo que, como solução, o juiz tenha buscado a Justiça para exigir um tratamento que começava a lhe faltar no território da vida cotidiana. 

É importante reconhecer que há uma pequena parcela de médicos e advogados, juízes, promotores, delegados etc que tem se esforçado para eliminar essa distorção. Estes tratam de avisar logo que devem ser chamados pelo nome. Ou por senhor ou senhora, caso o interlocutor prefira a formalidade – ou o contexto a exija. Sabem que essa mudança tem grande força simbólica na luta por um país mais igualitário e pela ampliação da cidadania e dos direitos. A estes, meu respeito.  

Resta ainda o "doutor" como título acadêmico, conquistado por aqueles que fizeram doutorado nas mais diversas áreas. No Brasil, em geral isso significa, entre o mestrado e o doutorado, cerca de seis anos de estudo além da graduação. Para se doutorar, é preciso escrever uma tese e defendê-la diante de uma banca. Neste caso, o título é – ou deveria ser – resultado de muito estudo e da produção de conhecimento em sua área de atuação. É também requisito para uma carreira acadêmica bem sucedida – e, em muitas universidades, uma exigência para se candidatar ao cargo de professor.

Em geral, o título só é citado nas comunicações por escrito no âmbito acadêmico e nos órgãos de financiamento de pesquisas, no currículo e na publicação de artigos em revistas científicas e/ou especializadas. Em geral, nenhum destes doutores é assim chamado na vida cotidiana, seja na sala de aula ou na padaria. E, pelo menos os que eu conheço, caso o fossem, oscilariam entre o completo constrangimento e um riso descontrolado. Não são estes, com certeza, os doutores que alimentam também na expressão simbólica a abissal desigualdade da sociedade brasileira.

Estou bem longe de esgotar o assunto aqui nesta coluna. Faço apenas uma provocação para que, pelo menos, comecemos a estranhar o que parece soar tão natural, eterno e imutável – mas é resultado do processo histórico e de nossa atuação nele. Estranhar é o verbo que precede o gesto de mudança. Infelizmente, suspeito de que "doutor fulano" e "doutor beltrano" terão ainda uma longa vida entre nós. Quando partirem desta para o nunca mais, será demasiado tarde. Porque já é demasiado tarde – sempre foi. 


Eliane Brum, jornalista, escritora e documentarista. Ganhou mais de 40 prêmios nacionais e internacionais de reportagem. É autora de um romance - Uma Duas (LeYa) - e de três livros de reportagem: Coluna Prestes – O Avesso da Lenda (Artes e Ofícios), A Vida Que Ninguém Vê (Arquipélago Editorial, Prêmio Jabuti 2007) e O Olho da Rua (Globo). E codiretora de dois documentários: Uma História Severina e Gretchen Filme Estrada. elianebrum@uol.com.br
@brumelianebrum (Foto: ÉPOCA)



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