Fatos jurídicos que trafegam nas vias da informação: um blog sobre Direito e Tecnologia da Informação
As técnicas processuais mudam no Pje?
12 de Agosto de 2015, 0:18 - sem comentários ainda
As técnicas processuais mudam no Pje?
Postado por Luiz Carlos Roveda em PJE - contraponto
Esta é uma dica para os advogados e que não está nos manuais.
Certa vez, um aluno perguntou-me: quantas páginas deve ter uma defesa na JT?
Postado por Luiz Carlos Roveda em PJE - contraponto
Esta é uma dica para os advogados e que não está nos manuais.
Certa vez, um aluno perguntou-me: quantas páginas deve ter uma defesa na JT?
Respondi que o limite estava em "quantas palavras fosse possível escrever em 20 minutos", que é o tempo definido pela lei para apresentação da defesa oral. E, por uma questão de igualdade, a inicial deveria respeitar o mesmo princípio.
Claro que a regra legal não comporta limites, mas a boa técnica sim.
Com o advento do processo eletrônico, passou-se a discutir doutrinariamente se os princípios processuais sofreram alterações.
A discussão é lúcida e profunda. Porém, independentemente disso, o certo é que o uso do PJe exige do operador de direito um novo olhar sobre como conduzir o processo no seu dia a dia.
Com efeito, a fórmula clássica de juntar ao processo o máximo de documentos, acompanhados de longos arrazoados, recheados de doutrinas e jurisprudência, já não é factível e exige uma reformulação.
Dois aspectos básicos da atuação no processo eletrônico:
A mudança paradigmática impõe que se levem em conta pelo menos dois aspectos fundamentais, introduzidos pelas seguintes perguntas:
1 - Qual a velocidade de leitura de um texto em língua portuguesa?
2 - A capacidade de apreensão é alterada na leitura eletrônica?
A velocidade de leitura
Em relação ao primeiro aspecto, estudos comparativos (1) sobre a velocidade de leitura em diversos idiomas, por pessoas de cultura mediana e bom domínio linguístico, concluem que uma leitura adequada e com apreensão de dados, na língua portuguesa, demanda 1 minuto a cada 1010 caracteres, com desvio padrão de 175, ou seja, em 1 (um) minuto pode-se ler entre 835 a 1185 caracteres.
Como medida de quantidade de texto, (caracteres por lauda), conforme padrões sugeridos pelas normas ABNT NBR 14724:2011, uma página de texto pode conter mais de 3000 ( três mil ) caracteres.
Assim, fácil concluir que cada lauda pode exigir até 3 minutos para sua leitura.
Os quadros abaixo demonstram os resultados dos estudos.
Logo, uma peça processual com 50 páginas pode demandar do Juiz cerca de 150 minutos ( quase 3 horas), somente para a leitura. Além disso, o manejo do processo tanto pelas partes quanto pelos Juízes e Desembargadores, é mais complexo e tedioso que um processo físico.
Leitura em papel e leitura em meio digital
Relativamente ao segundo aspecto, estudos acadêmicos (2) mostram que a leitura digital exige mais atenção e torna mais difícil a apreensão de detalhes do que leituras em impressos.
"Lembrar detalhes de um texto pode se tornar mais fácil através da leitura em papel do que aquela feita através de um Kindle (ou qualquer outro dispositivo eletrônico). A constatação é de um estudo sobre o impacto da digitalização na leitura, apresentado na Itália, no mês passado, que mostrou que os leitores conseguem resgatar mais informações sobre a trama, lugares e personagens descritos de um texto quando o leem impresso. As informações são do jornal The Guardian."
Técnicas para a atuação no eProcesso
A partir desse contexto, surgem novas técnicas e outras já conhecidas tornam-se indispensáveis para que o direito da parte seja mais facilmente verificável em autos eletrônicos.
1 - concisão ou sinapse
Baseia-se no fato de que o manuseio processual é mais complexo tedioso e cansativo e que a leitura é menos apreensiva, o que exige da parte mais objetividade e concisão na elaboração de peças processuais. Argumentos e razões devem ser objetivos e deve-se evitar o uso indiscriminado de negritos, itálicos destaques e fontes diferenciadas.
2 – Exata descrição documental
A descrição documental não é ato processual, mas sim um coadjuvante para a facilidade de localização de determinado elemento probatório. Sua ausência, portanto, não é motivo para que juiz desconheça o documento não descrito ou incorretamente descrito. Mas a denominação genérica como “documento diverso”, não destaca o documento, que pode perder a importância e passar despercebido.
3 – Metódica ordenação
É essencial que os documentos juntados sejam metodicamente ordenados de forma evolutiva.
4 – Relevância documental
Só os documentos essenciais para fazer prova dos fatos devem ser juntados, possibilitando a localização precisa.
5 – Citações reduzidas e fora da peça processual
A maior dificuldade no manuseio processual exige que as peças sejam objetivas. A citação jurisprudencial e doutrinaria no bojo da peça a torna prolixa e desvia o foco da demanda. Acaba prejudicando a parte.
6 – máximo cuidado com a digitalização
O documento digitalizado é o documento do processo. A correta digitalização, com equipamentos mais adequados, tornará o documento mais facilmente verificável.
Leitura complementar
Leitura Digital torna mais difícil a absorção dos detalhes de um texto, diz pesquisa.
Lembrar detalhes de um texto pode se tornar mais fácil através da leitura em papel do que aquela feita através de um Kindle (ou qualquer outro dispositivo eletrônico). A constatação é de um estudo sobre o impacto da digitalização na leitura, apresentado na Itália, no mês passado, que mostrou que os leitores conseguem resgatar mais informações sobre a trama, lugares e personagens descritos de um texto quando o leem impresso. As informações são do jornal The Guardian.
O estudo foi feito com 50 pessoas. Metade deles teve de ler um livro da escritora Elizabeth George, um texto de 28 páginas, em um Kindle. Os demais leram as mesmas páginas, porém impressas. Em seguida, eles foram questionados sobre detalhes da trama como aspectos da história, personagens e cenários.
“Os leitores de Kindle tiveram um desempenho significativamente pior na reconstrução da trama, por exemplo, quando pediram que eles colocassem na ordem correta 14 acontecimentos”, explicou Anne Mangen, pesquisadora da Universidade Stavanger, da Noruega, líder do estudo. Segundo ela, o “retorno tátil da leitura em um Kindle não oferece o mesmo suporte para a reconstrução mental de uma história como um livro impresso traz”.
“Quando você lê no papel você percebe a pilha de folhas crescendo à esquerda e diminuindo à direita. Você tem o senso tátil de progresso, além do visual, diferente dos leitores num Kindle. Talvez isso, de alguma forma, ajude o leitor, dando mais consistência ao seu sentido de desdobramento e progresso do texto, e, logo, da própria estória. É interessante para nós que as diferenças (na lembrança dos leitores) são relacionadas à temporalidade. "
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(1) Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0004-27492008000400016. Acesso em: 9 ago. 2015.
(2) Disponível em: http://oglobo.globo.com/sociedade/tecnologia/leitura-digital-torna-mais-difícil-absorcao-dos-detalhes-de-um-texto-diz-pesquisa-13681746. Acesso em: 9 ago. 2015.
Fonte: Luiz Carlos Roveda em PJE - contraponto
Tribunal adapta sistema de processo eletrônico PROJUDI para pessoas com deficiência visual
4 de Agosto de 2015, 15:10 - sem comentários aindaTribunal adapta sistema para pessoas com deficiência visual
Publicado em 24/07/2015 - 10h25 - Sítio do TJMT
Crédito: André Romeu/TJMT |
Para isso, foi feita uma parceria com o advogado do Município de Sinop (500 km ao norte de Cuiabá), Marcelo Leandro Sonntag, de 22 anos. O advogado, que perdeu a visão com apenas oito anos, teve pouquíssimo acesso ao mundo da computação antes da adolescência. Com dificuldade, conseguiu aprender informática e a navegar na internet. E graças a tecnologias como os processos virtuais, hoje ele consegue protocolar e acompanhar processos judiciais virtualmente. Entretanto, ainda existiam algumas limitações que o impediam de fazer tudo sozinho, o que o fez procurar o Tribunal de Justiça para propor alterações no sistema.
Conforme o gerente de projetos da TI, Rafael Kloeckner, depois de uma reunião inicial e uma série de contatos telefônicos, a equipe de TI conseguiu reunir 11 apontamentos feitos por Marcelo que precisavam ser melhorados no sistema. “Fizemos as adaptações necessárias para que o leitor de tela que ele utiliza conseguisse identificar todos os campos. Além disso, nos preocupamos com a navegação e a sequência lógica para que ele conseguisse cadastrar o processo”, afirmou o gerente de TI.
Para isso, ele conta que foi preciso estudar regras e padrões internacionais, assim como instalar a ferramenta de leitura para tentar compreender as dificuldades do advogado. “Foi uma experiência única para todos nós da equipe, pois nunca passamos por esta situação de vivenciar uma necessidade especial. É muito bom saber que podemos fazer a diferença na vida de alguém, especialmente do Dr. Marcelo, que tem uma história de muita luta. O Tribunal não poderia se colocar como um impeditivo para ele, mas sim como um facilitador”, garantiu Rafael.
O gerente salienta ainda que a intenção do departamento é levar acessibilidade para outras ferramentas do Tribunal, como o Portal (www.tjmt.jus.br) e o Portal Eletrônico do Advogado (PEA). “Certamente gostaríamos de continuar contando com a parceria com o Dr. Marcelo para promover essas melhorias nos nossos sistemas e ele será nosso principal cliente nesses trabalhos”, ressaltou Rafael.
Quem ficou responsável por tentar entender na prática quais eram as principais dificuldades do advogado com o sistema foi a analista de software Aryadnne Zanatta. Segundo ela, o maior desafio foi se colocar na pele de uma pessoa com deficiência visual. “Depois de muitas pesquisas e de instalar a ferramenta de leitura que ele usa, começamos a percorrer os caminhos que o Marcelo faria para peticionar. Por várias vezes tive que ficar de olhos fechados, sendo guiada apenas pelo fone de ouvido para tentar entender quais poderiam ser as dificuldades dele”, disse.
A analista explicou ainda que uma das principais alterações realizadas foi a adaptação do sistema à ferramenta que faz a leitura da tela. “Como o leitor identifica apenas código html, alguns itens como o botão de busca era lido com um outro nome, um nome técnico. Por isso, mudamos a nomenclatura de alguns códigos para que ele pudesse entender o que estava sendo lido”, esclarece.
Para Aryadnne, o que mais marcou na realização do projeto foi o alerta em relação à acessibilidade. “Ficamos despertos para a necessidade de pensar na acessibilidade dos sistemas para além do usuário comum. Agora, quando for testar algum software, já vamos ter essa prerrogativa”, disse.
Geraldo Ferreira dos Santos é presidente do Conselho Municipal dos Direitos da Pessoa com Deficiência de Sinop (CMDPD). Ele conta que as buscas de Marcelo por acessibilidade não vêm de agora. “Já no curso de Direito ele teve muitos entraves. E essa luta perdurou durante a execução dos trabalhos dele como advogado. E uma das questões foi a busca pela autonomia desta plataforma virtual do TJ. Essa nova geração de pessoas com deficiência que está entrando no mercado de trabalho está claramente buscando mais autonomia e conquistando acessibilidade para muitos”, afirmou Geraldo.
“A gente sabe que quando se fala em acessibilidade tudo costuma ser burocrático e envolve muitas pessoas e custos. E por isso é difícil ver empresas e instituições fazendo os ajustes necessários para dar acesso às pessoas com deficiência. Fiquei surpreso com o apoio e dedicação que a equipe do Tribunal de Justiça deu ao Marcelo, vendo de fato a necessidade dele e não apenas fazendo as adaptações. A pessoa com deficiência foi ouvida e isso é o mais importante”.
Marcelo Leandro Sonntag concorda com Geraldo. “A equipe do TJ me surpreendeu. Eles me receberam muito bem e se colocaram à disposição para solucionar o problema. A gente conversou, eu mostrei onde estavam as minhas dificuldades e a equipe já se dispôs a resolvê-las e fizeram isso com muita rapidez”, contou.
Após as alterações feitas pela TI, o advogado diz que as dificuldades que tinha antes foram sanadas. “Foi uma melhora muito grande. É raro encontrar algum campo em que eu tenha alguma dificuldade. Antes, eu precisava chamar alguém para me auxiliar. Agora não, são coisas que eu consigo resolver sozinho utilizando o teclado. É uma alegria muito grande poder trabalhar com autonomia, sem depender de outras pessoas”, destacou.
Sobre ultrapassar as adversidades da vida, Marcelo garante que ter diferenças todo mundo tem, seja em um campo ou em outro, e que talvez os deficientes tenham realmente mais que os outros, mas que isso não é motivo pra desistir. “Para os deficientes eu digo que para irem atrás dos seus direitos, porque vale a pena trabalhar, sentir-se realizado por fazer aquilo que gosta. E para quem não é, peço que respeite e entenda a diferença dos outros. Procure se colocar no lugar de quem tem deficiência e não negue oportunidades para eles”, alerta o advogado.
Fonte: sítio do TJMT
Advogado reúne toda a legislação tributária do Brasil e publica livro de 6 toneladas
10 de Setembro de 2013, 23:10 - sem comentários ainda
Escrita em fonte Times New Roman, tamanho 18, a obra pesa 6,2 toneladas e tem um total de 43.216 páginas (cada uma delas com 2,2 m de altura por 1,4 m de largura) que, se enfileiradas, alcançariam uma distância de 95 km.
De tão ousada e inusitada, a ideia chegou a ser tachada como uma "verdadeira insanidade" pelos colegas, mas o advogado mineiro Vinícios Leôncio ignorou os descrentes e iniciou há quase duas décadas um projeto para reunir em livro as legislações tributárias do País. Movido pela inconformidade com o que considera um excesso de normas, o tributarista queria, a princípio, apenas mostrar de forma simbólica o peso dessa legislação no custo das empresas brasileiras. Porém, ao agrupar numa publicação toda a legislação nacional, Leôncio acabou por credenciar sua obra ao ingresso no Guinness World of Records como a mais volumosa e com o maior número de páginas do mundo. A obra pesa 6,2 toneladas e tem um total de 43.216 páginas (cada uma delas com 2,2 m de altura por 1,4 m de largura) que, se enfileiradas, alcançariam uma distância de 95 km!
"A legislação brasileira é muito extensa, mas ela nunca teve visibilidade concreta. Essa foi a ideia, mostrar para a sociedade o tamanho dessa legislação, de um país que edita (em média) 35 normas tributárias por dia útil", destaca Leôncio. "A questão era justificar o peso que tem a burocracia tributária na economia das empresas e procurar saber por que o Brasil é o único país do mundo no qual as empresas consomem 2,6 mil horas anuais para liquidar seus impostos, só de burocracia". O espírito crítico do advogado em relação ao assunto fica evidente no título que ele escolheu para a obra: Pátria Amada. "Tem de amar muito essa pátria para tolerar isso", ironiza. "Até nós, advogados tributaristas, temos dificuldade de acompanhar esse volume enorme de legislação".
Leôncio iniciou seu projeto em 1992. Desde então, empreendeu uma verdadeira cruzada para viabilizar tecnicamente a empreitada e desembolsou cerca de R$ 1 milhão (aproximadamente 35% desse total foi gasto com impostos, segundo o advogado). A primeira dificuldade foi encontrar uma gráfica que aceitasse a encomenda. Todas que foram procuradas recusaram. "O Brasil não tem nenhuma impressora com esse padrão". Com o auxílio de um gráfico amigo, que topou o desafio, a solução encontrada foi adaptar uma impressora de outdoors. Para isso, no entanto, Leôncio precisou enviar emissários à China, que adquiriram equipamentos e importaram tecnologia para a manutenção da impressora. Ele praticamente montou uma gráfica em Contagem-MG, na região metropolitana de Belo Horizonte. Após muitos empecilhos, em 2010 os técnicos conseguiram que a máquina imprimisse os dois lados da folha imensa. Em fonte Times New Roman, as letras têm corpo tamanho 18, impressas com tinta de vida útil de 500 anos. O advogado pretende também que a obra possa ser consultada e pediu que um engenheiro aeronáutico desenvolvesse amortecedores para regular a virada das páginas.
Mas Leôncio considera que a maior dificuldade enfrentada foi mesmo a de agrupar as 27 diferentes legislações dos Estados e do Distrito Federal e os mais de 5 mil códigos tributários dos municípios brasileiros. "Em vários municípios, o código ainda está escrito a mão!". Parte do levantamento precisou ser feito in loco. "No auge dessa pesquisa cheguei a ter 45 pessoas trabalhando para mim. Nem todos os municípios têm sites e a legislação disponibilizada eletronicamente. Aí é com correspondência… Mas, mesmo assim, muitas prefeituras não se dispõem a colaborar, fornecer a legislação, embora seja pública". O advogado garante que sua aspiração nunca foi o Guinness Book, mas sim chamar a atenção para a necessidade de uma reforma tributária. "Não me passava pela cabeça essa coisa de recorde, mas com o passar dos anos eu fui percebendo que o livro seria o maior do mundo", diz, salientando que o atual título pertence a um livro sueco de 2,7 toneladas.
Leôncio assegura também que não espera nenhum retorno financeiro com o projeto. Enquanto apresenta à reportagem gráficos comparativos que mostram que o tempo anual gasto para o pagamento de impostos no Brasil é muito superior ao de outros países (sejam os 10 mais ricos, os 10 mais pobres ou mesmo os 15 mais burocráticos do mundo), ele observa que espera mesmo é que sua obra leve o próprio Estado a fazer uma reflexão. "Acho que a sociedade vai levar um susto com isso. A própria classe política, o Fisco, eles não tem noção, em todas as esferas estatais, do tamanho da legislação tributária brasileira".
Fonte: Estadão citado por Charlezine
Que independência você gostaria de pedir?
7 de Setembro de 2013, 12:38 - sem comentários aindaÉ uma pena que, quanto mais a gente conhece a nossa história, menos relevo a gente confere ao episódio da nossa independência.
Independência ou Morte, do pintor paraibano Pedro Américo (óleo sobre tela, 1888) * |
Mas eu queria aproveitar esse dia para pedir outras independências ao Brasil:
- Independência do atraso causado pela desonestidade (em todos os seus níveis, desde pequenas coisas até crimes de colarinho branco);
- Independência de preconceitos (de clero, de sexo, de cor, de gênero...);
- Independência da autodepreciação e da baixa autoestima (de achar que o que vem do estrangeiro é sempre melhor ou que o brasileiro não pode melhorar e que as coias vão ser sempre iguais - nunca são).
Há tantos impérios que ainda precisam ser derrotados...
E você? Que independência gostaria de pedir?
Samuel Cersosimo
viasdefato.com
(*) Controvérsias sobre a pintura e a sua (pouca) fidelidade ao episódio retratado:
- Independência ou Morte (pintura) - Wikipédia
- Dom Pedro 1º proclamou a Independência montado em um animal de carga, vestido como um tropeiro e com dor de barriga - UOL Educação
Desmilitarizar e unificar a polícia
26 de Junho de 2013, 0:00 - sem comentários aindaA Polícia Militar brasileira é um modelo anacrônico de segurança pública que favorece abordagens policiais violentas, com desrespeito aos direitos fundamentais do cidadão
Por Túlio Vianna
Uma das heranças mais malditas que a ditadura militar nos deixou é a dificuldade que os brasileiros têm de distinguir entre as funções das nossas Forças de Segurança (polícias) e as das nossas Forças Armadas (exército, marinha, aeronáutica). A diferença é muito simples: as Forças de Segurança garantem a segurança interna do Estado, enquanto as Forças Armadas garantem a segurança externa. Polícias reprimem criminosos e forças armadas combatem exércitos estrangeiros nos casos de guerra.
Diante das desmensuradas diferenças de funções existentes entre as Forças de Segurança e as Forças Armadas, é natural que seus membros recebam treinamento completamente diferente. Os integrantes das Forças Armadas são treinados para enfrentar um inimigo externo em casos de guerra. Nessas circunstâncias, tudo que se espera dos militares é que matem os inimigos e protejam o território nacional. Na guerra, os prisioneiros são uma exceção e a morte é a regra.
As polícias, por outro lado, só deveriam matar nos casos extremos de legítima defesa própria ou de terceiro. Seu treinamento não é para combater um inimigo, mas para neutralizar ações criminosas praticadas por cidadãos brasileiros (ou por estrangeiros que estejam por aqui), que deverão ser julgados por um poder próprio da República: o Judiciário. Em suma: enquanto os exércitos são treinados para matar o inimigo, polícias são treinadas para prender cidadãos. Diferença nada sutil, mas que precisa sempre ser lembrada, pois muitas vezes é esquecida ou simplesmente ignorada, como na intervenção no Complexo do Alemão na cidade do Rio de Janeiro ou em tantas outras operações na qual o exército tem sido convocado para combater civis brasileiros.
O militarismo se justifica pelas circunstâncias extremas de uma guerra, quando a disciplina e a hierarquia militares são essenciais para manter a coesão da tropa. O foco do treinamento militar é centrado na obediência e na submissão, pois só com estas se convence um ser humano a enfrentar um exército inimigo, mesmo em circunstâncias adversas, sem abandonar o campo de batalha. Os recrutas são submetidos a constrangimentos e humilhações que acabam por destituí-los de seus próprios direitos fundamentais. E se o treinamento militar é capaz de convencer um soldado a se deixar tratar como um objeto na mão de seu comandante, é natural também que esse soldado trate seus inimigos como objetos cujas vidas podem ser sacrificadas impunemente em nome da sua bandeira.
A sociedade reclama do tratamento brutal da polícia, mas insiste em dar treinamento militar aos policiais, reforçando neles, a todo momento, os valores de disciplina e hierarquia, quando deveria ensiná-los a importância do respeito ao Direito e à cidadania. Se um policial militar foi condicionado a respeitar seus superiores sem contestá-los, como exigir dele que não prenda por "desacato à autoridade" um civil que "ousou" exigir seus direitos durante uma abordagem policial? Se queremos uma polícia que trate suspeitos e criminosos como cidadãos, é preciso que o policial também seja treinado e tratado como civil (que, ao pé da letra, significa justamente ser cidadão).
O treinamento militarizado da polícia brasileira se reflete em seu número de homicídios. A Polícia Militar de São Paulo mata quase nove vezes mais do que todas as polícias dos EUA, que são formadas exclusivamente por civis. Segundo levantamento do jornal Folha de S. Paulo divulgado em julho deste ano, "de 2006 a 2010, 2.262 pessoas foram mortas após supostos confrontos com PMs paulistas. Nos EUA, no mesmo período, conforme dados do FBI, foram 1.963 'homicídios justificados', o equivalente às resistências seguidas de morte registradas no estado de São Paulo".Neste estado, são 5,51 mortos pela polícia a cada 100 mil habitantes, enquanto o índice dos EUA é de 0,63 . Uma diferença bastante significativa, mas que, obviamente, não pode ser explicada exclusivamente pela militarização da nossa polícia. Não obstante outros fatores que precisam ser levados em conta, é certo, porém, que o treinamento e a filosofia militar da PM brasileira são responsáveis por boa parte desses homicídios.
Nossa Polícia Militar é uma distorção dos principais modelos de polícia do mundo. Muitos países europeus possuem gendarmarias, que são forças militares com funções de polícia no âmbito da população civil, como a Gendarmerie Nationale na França, os Carabinieri na Itália, a Guardia Civil na Espanha e a Guarda Nacional Republicana em Portugal. As gendarmarias, porém, são bem diferentes da nossa Polícia Militar, a começar pelo fato de serem nacionais, e não estaduais. Em geral, as atribuições de policiamento das gendarmarias europeias se restringem a áreas rurais, cabendo às polícias civis o policiamento, tanto ostensivo como investigativo, das áreas urbanas, o que restringe bastante o âmbito de atuação dos militares. As gendarmarias europeias também são polícias de ciclo completo, isto é, realizam não só o policiamento ostensivo, mas também são responsáveis pela investigação policial.
No Brasil, a Constituição da República estabeleceu no seu artigo 144 uma excêntrica divisão de tarefas, na qual cabe à Polícia Militar realizar o policiamento ostensivo, enquanto resta à Polícia Civil a investigação policial. Esta existência de duas polícias, por óbvio, não só aumenta em muito os custos para os cofres públicos que precisam manter uma dupla infraestrutura policial, mas também cria uma rivalidade desnecessária entre os colegas policiais que seguem duas carreiras completamente distintas. O jovem que deseja se tornar policial hoje precisa optar de antemão entre seguir a carreira de policial ostensivo (militar) ou investigativo (civil), criando um abismo entre cargos que seriam visivelmente de uma mesma carreira.
Nos EUA, na Inglaterra e em outros países que adotam o sistema anglo-saxão, as polícias são compostas exclusivamente por civis e são de ciclo completo, isto é, o policial ingressa na carreira para realizar funções de policiamento ostensivo e, com o passar do tempo, pode optar pela progressão para os setores de investigação na mesma polícia. Para que se tenha uma ideia de como esse sistema funciona, um policial no Departamento de Polícia de Nova York (NYPD) ingressa na carreira como agente policial (police officer) para exercer atividades de polícia ostensiva (uniformizado), tais como responder chamadas, patrulhar, perseguir criminosos etc. Depois de alguns anos, esse agente policial pode postular sua progressão na carreira para o cargo de detetive (detective) no qual passará a exercer funções investigativas e não mais usará uniformes. A carreira segue com os cargos de sargento (sergeant), que chefia outros policiais; de tenente (lieutenant), que coordena os sargentos; e de capitão (captain), que comanda o que chamaríamos de delegacia.
Apesar do que a semelhança dos nomes poderia sugerir, não se trata de patentes, mas de cargos, pois todos são funcionários públicos civis. Cada policial está subordinado apenas a seus superiores hierárquicos em linha direta, assim como um escrivão judicial brasileiro está subordinado ao juiz com o qual trabalha. Um agente policial estadunidense não está subordinado de qualquer forma às ordens de um capitão de uma unidade policial que não é a sua, assim como o escrivão judicial brasileiro não deve qualquer obediência a juízes de outras varas. Para se ter uma ideia da importância dessa diferença, basta imaginar a situação difícil em que fica um policial militar brasileiro ao parar, em uma blitz, um capitão a quem, para início de conversa, tem o dever de prestar continência. A hierarquia militar acaba funcionando, em casos como esse, como uma blindagem para os oficiais, em um nítido prejuízo para o princípio republicano da igualdade de tratamento nos serviços públicos.
As vantagens de uma polícia exclusivamente civil são muitas e, se somadas, a unificação das polícias ostensiva e investigativa em uma única corporação de ciclo completo só traz benefícios para os policiais, em termos de uma carreira mais atrativa, e aos cidadãos, com um policiamento único e mais funcional.
No Brasil, tramita no Senado da República a Proposta de Emenda à Constituição nº 102/2011, de autoria do senador Blairo Maggi (PR/MT), que, se aprovada, permitirá aos estados unificarem suas polícias em uma única corporação civil de âmbito estadual, representando um avanço imensurável na política de segurança pública brasileira, além de uma melhor aplicação do dinheiro público, que não mais terá que sustentar duas infraestruturas policiais distintas e, algumas vezes, até mesmo concorrentes.
A unificação das polícias também possibilitaria uma carreira policial bem mais racional do que a que temos hoje. O policiamento ostensivo é bastante desgastante e é comum que, à medida que o policial militar envelhece, ele acabe sendo designado para atividades que exijam menor vigor físico. Como atualmente existem duas polícias e, portanto, duas carreiras policiais distintas, os policiais militares acabam sendo designados para tarefas internas, típicas de auxiliar administrativo, mas permanecem recebendo a mesma remuneração de seus colegas que arriscam suas vidas nas ruas. Com a unificação, ocorreria o que acontece na maioria das polícias do mundo: ele seria promovido para o cargo de detetive e sua experiência como policial ostensivo seria muito bem aproveitada na fase de investigação. Para suprir os cargos administrativos meramente burocráticos, bastaria fazer concursos para auxiliares administrativos que requerem vocação, habilidades e treinamento bem mais simples daqueles exigidos de um policial.
Por outro lado, os policiais civis que realizam o trabalho de investigação atualmente são recrutados por meio de concursos públicos e começam a exercer suas atividades investigativas sem nunca terem tido experiência policial nas ruas. Com a unificação da polícia, o ingresso se daria sempre para o cargo de policiamento ostensivo, no qual o policial ganharia experiência e só então poderia ascender na carreira para os cargos de investigação. Um modelo que privilegia a experiência prática, e não o conhecimento técnico normalmente exigido em provas de concursos.
Finalmente, a unificação das polícias acabaria também com os julgamentos de policiais pela Justiça Militar. Pelo atual sistema, os crimes praticados por policiais militares em serviço (exceto crimes dolosos contra a vida de civis) são julgados não pelo juiz criminal comum, mas pela Justiça Militar, em uma clara violação do princípio republicano da isonomia. É como se as universidades federais tivessem uma Justiça Universitária para julgar os crimes praticados por professores durante as aulas; ou as indústrias tivessem uma Justiça Industrial para julgar os crimes praticados por metalúrgicos em serviço. Uma espécie de universo paralelo jurídico que só se explica pela força política dos militares quando da promulgação da Constituição de 1988.
Desmilitarizar e unificar as polícias estaduais brasileiras é uma necessidade urgente para que haja avanços reais na nossa política de segurança pública. Vê-se muito destaque na mídia para projetos legislativos que demagogicamente propõem o aumento de penas e outras alterações nos nossos códigos Penal e de Processo Penal como panaceia para o problema da criminalidade. Muito pouco se vê, porém, quanto a propostas que visem a repensar a polícia brasileira.
De nada adianta mudar a lei penal e processual penal se não se alterar a cultura militarista dos seus principais aplicadores. Treinem a polícia como militares e eles tratarão todo e qualquer suspeito como um militar inimigo. Treinem a polícia como cidadãos e eles reconhecerão o suspeito não como "o outro", mas como alguém com os seus mesmos direitos e deveres. Nossa polícia só será verdadeiramente cidadã quando reconhecer e tratar seus próprios policiais como civis dotados dos mesmos direitos e deveres do povo para o qual trabalha.
Fonte: Revista Fórum