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Comunidade Partido Pirata do Brasil

23 de Julho de 2009, 0:00 , por Software Livre Brasil - | Ninguém está seguindo este artigo ainda.
O Movimento do Partido Pirata do Brasil, surgiu graças a uma corrente teórica que se espalhou pela região do euro, uma teoria que tenta focar a sociedade para seu desenvolvimento, priorizando o Conhecimento, a Cultura e a Privacidade. Nós queremos apresentar ao povo brasileiro uma nova maneira de se fazer política, mas para isso acontecer precisamos do seu apoio. Venha junte-se a resistência!

Globo desinforma sobre pirataria

21 de Fevereiro de 2021, 20:05, por PIRATAS - 0sem comentários ainda

Jornal O Globo desinforma sobre pirataria e estimula vítimas a aceitar acordos duvidosos

por Wesley Safo

Primeiramente, aos interessados nos desdobramentos do caso dos copyright trolls, sinto informar que, mesmo após a nota conjunta assinada pelo Partido Pirata, com organizações de defesa da liberdade na internet, defesa do consumidor e entidades da área de direitos autorais, divulgada no dia 4 de janeiro, a perseguição massiva de usuários de torrents não apenas continua, mas se intensificou com a participação de mais um  escritório de advocacia enviando cartas.

Isso parece indicar duas coisas: primeiro, que apesar do pouco tempo de operação, a estratégia de envio de notificações insinuando uma multa já se mostrou lucrativa para incentivar a participação de novos escritórios, segundo, que essa é uma prática que pretende ser praticada no longo prazo, de modo a criar precedentes que sirvam a uma mudança de jurisprudência e/ou legislação em favor de criminalizar, ao menos parcialmente, o compartilhamento de arquivos torrent na internet no Brasil, assim como já ocorreu em outros países.

Somado a isso, no último dia 18 de janeiro saiu uma matéria no jornal O Globo sobre a atuação desses mesmos escritórios de advogados. Só que ao invés da matéria apresentar um tom crítico contra a prática de extorquir dinheiro das pessoas ao sugerir algum tipo de multa e a partir da invasão indevida de suas privacidades, a matéria abusa do estereótipo de pensamento colonizado para vender essa ação indevida como se fosse uma grande novidade, que já é amplamente praticada fora do país, além de sugerir incorretamente que baixar filmes por torrent seja algum tipo de crime. (Ver nota no final do artigo)

Para percebermos os vários problemas, é melhor comentarmos a matéria trecho a trecho:

Baixou um filme pirata na internet? Fique de olho na caixa de correio, você pode ser o próximo a receber uma carta do escritório de advocacia que representa o estúdio ou a empresa distribuidora do filme advertindo sobre o crime contra direito autoral e pedindo indenização.

Veja como o parágrafo acima busca vender a ideia de que ludibriar as pessoas seja algum tipo de novidade incrível que está chegando de fora. Além disso, ele afirma que a empresa estaria advertindo as pessoas “sobre o crime contra o direito autoral”, quando, pelo nosso código penal, não há crime nenhum.

Em seguida mostra um breve relato de alguém que recebeu uma dessas cartas:

Tinha baixado há meses um filme que não consegui assistir no cinema, nem me lembrava mais. Foi uma surpresa a carta. Liguei para o escritório de advocacia e fizemos um acordo. Mas foi importante para me conscientizar, nunca tinha pensado nisso como crime

Veja que a matéria não afirma que a pessoa cometeu um crime, mas apela para o moralismo ao encarar um processo em que uma pessoa foi ludibriada a pagar sem precisar como uma “conscientização”. Continua:

O advogado Rafael Lacaz, sócio sênior do escritório Kasznar Leonardos Propriedade Intelectual, que representa estúdios e distribuidoras de filmes, diz ter enviado mais de mil cartas a brasileiros que baixaram filmes piratas. E esse número vai crescer, avisa:

— Hoje a tecnologia permite o rastreamento da máquina onde foi feito o download, determina hora, dia, mês e ano. A partir dessas informações, acionamos a operadora para identificar o usuário da máquina e enviar a notificação.

Ou seja, o próprio advogado está admitindo que usou algum tipo de tecnologia privada para descobrir o histórico de comportamento das pessoas na internet, interferindo com a privacidade dos usuários.

Em seguida, um advogado que mora no exterior, afirma, que não é possível alegar desconhecer a lei

Eduardo Magrani, advogado especialista em direito digital, diz que na Europa, onde mora atualmente, pedidos de indenização acontecem há anos:

— No Brasil, apesar da lei não ser recente, o cumprimento pelo lado do consumidor não era exigido. Ninguém pode se eximir de cumprir a lei, alegar desconhecimento.

Aparentemente, quem desconhece a lei é ele mesmo.

O único trecho que apresenta algum conteúdo minimamente correto é o seguinte:

Especialista em segurança digital, Emilio Simoni, diretor do dfndr lab, diz, que além do risco legal, baixar filmes, músicas e outros conteúdos piratas pode trazer problemas:

— Sem perceber, a pessoa executa programas que permitem acesso a credenciais bancárias, redes sociais, e-mail. O antivírus até bloqueia, mas muitas vezes o usuário desativa, não entendendo se tratar de questão de segurança.

Simoni diz ainda que há casos em que os criminosos transformam os computadores em “máquinas zumbis”, que usam para operações como ataques hackers e mineração de criptomoedas.

A possibilidade de infectar a maquina ao executar arquivos da máquina por meio de arquivos torrent realmente existe e esse em geral é considerado o fator negativo que todo o usuário precisa levar em consideração e tomar cuidado ao baixar determinados tipos de arquivo em formato torrent, em especial arquivos executáveis (“.exe” no Windows).

Por fim, a matéria tenta usar um estigma através da velha associação entre pirataria e crime organizado:

— O Brasil é o terceiro país do mundo em acesso a sites piratas. Em 2019, foram 7,2 bilhões de acessos. O risco de contaminar o computador com um vírus é 28 vezes maior em um site de pirataria. Além disso, as organizações por trás desses sites financiam outros crimes — diz.

E conclui afirmando erroneamente que todas as importações de TV box, também conhecidas como IPTV, tem alguma ligação com o contrabando e o crime organizado

— Além dos crimes relacionados à propriedade imaterial, os responsáveis pelas importações de TV box têm ligação com contrabando e lavagem de dinheiro. Quando o cidadão adquire esse tipo de aparelho, com programas piratas, acaba financiando o crime organizado — explica o delegado Fabricio Oliveira, titular da Coordenadoria de Recursos Especiais (Core) da Polícia Civil do Rio.

Essa associação entre crime organizado e pirataria é tão antiga, mas ao mesmo tempo tão ridícula que só nos resta rir de todo o “esforço” da propaganda anti-pirataria em achar esse tipo de vínculo.

Isso porque todo mundo sabe que quem vende dvd’s e outros produtos piratas são pessoas de baixa renda que gravam filmes em dvd virgem. Quero dizer, não é necessário você pedir autorização do traficante pra baixar o nero no seu computador.

O próprio preconceito e estigma da pirataria como algo associado ás classes de baixa renda fica evidente na imagem da matéria jornalística, que mostra um suposto pirata, com as mãos pra trás, como se estivesse sendo algemado e com a cara escorada contra a televisão.

Apesar do STF já ter se manifestado mais de uma vez que o uso de algemas só deve ser utilizado se estritamente necessário, na prática esse tratamento mais abusivo na hora da prisão geralmente ocorre em crimes contra o patrimônio, mostrando uma tentativa de equiparação da pirataria com o roubo.

Mas como já cansamos de repetir por aqui, copiar não é roubar.

 

 

Globo, a gente se liga em você

Se a postura intolerante com o mundo digital por parte da matéria do jornal O Globo fosse algo exclusivo dessa matéria, não teria problema nenhum. Poderíamos com isso, simplesmente assumir que essa matéria foi encomendada pelos escritórios de advocacia a algum jornalista amigo que trabalha por lá.

No entanto, não é possível afirmar isso, já que o próprio jornal já deixou claro que, dentro do debate sobre a importância da liberdade de expressão, se ela tiver que escolher entre a difusão de novas ideias e a censura, ela prefere o modelo de remoção imediata do conteúdo reportado (notice and take down), que considera mais benéfico por ser capaz de “preservar a democracia”.

E embora não seja nenhuma surpresa que o conteúdo do jornal O Globo busque refletir e até mesmo preservar aquela velha postura lacerdista liberal-conservadora do público de classe média carioca, essa mesma postura também parece ser compartilhada pelo restante do grupo globo como vimos no recente caso em que a Globo derrubou a transmissão oficial do canal da NBA no youtube.

Entre as consequências para a Globo de continuar com a mesma postura fechada e agressiva em relação aos direitos autorais não está o ostracismo ou a irrelevância, pois a importância de programas populares como Big Brother e outros ainda vão continuar por muito tempo, mas no que tange ao controle da vanguarda artística, que esteve sempre presente ao lado de Roberto Marinho, essa tende a se perder, pois a televisão vem perdendo cada vez mais importância e espaço para a Internet.

Esse tipo de postura ainda seria compreensível se ações desempenhadas pelos escritórios de advocacia tivessem algum algum potencial efetivo de acabar com a pirataria. Mas não tem. Mesmo se baixar filmes piratas passasse a ser considerado crime, isso apenas levaria a adoção em massa de práticas que buscassem burlar os mecanismos de detecção de IP’s, como instalar uma VPN. E para os que não conhecem do que se trata, não é nada nem difícil, nem caro de instalar, com a maioria dos serviços custando cerca de 20 reais por mês.

Esse tipo de prática buscando burlar barreiras, no entanto, não seria praticada por todos de maneira igual, pelas limitações técnicas de muita gente que não sabe sequer resetar o PC, mas ainda assim haveria uma adoção maior desses mecanismos entre as pessoas com maior nível educacional, produzindo o efeito perverso de que as pessoas que passariam a usar torrents estariam limitadas a pessoas de alta renda, enquanto que o restante da população, sem tanto conhecimento técnico, seria mais criminalizada. Um traço bastante comum da desigualdade social em nosso país.

Verdade seja dita, muitas vezes não é do interesse desses escritórios de advocacia buscar resolver problemas relacionados a direitos autorais de maneira definitiva. Isso porque da mesma maneira que uma farmacêutica lucra muito mais produzindo remédios para sintomas graves do que vacinas, interessa a esses escritórios prolongar a ocorrência desse tipo de litígio para que ele ganhe um espaço de atuação consolidado.

 

Sobre a pirataria na legislação brasileira

A lei brasileira não considera crime o download de músicas, filmes e séries. Até o momento, apenas fazer o consumo próprio, ou seja, assistir somente por diversão sem ter o objetivo de conseguir lucro, não se enquadra na descrição de crime no Direito Penal Brasileiro.

Conforme o artigo 184, do Código Penal, o direito do autor é manchado só quando o infrator, com o intuito de obter lucro de maneira direta ou indireta, faz a distribuição, venda, aluguel, esconde, armazena, copia ou a versão original de um conteúdo intelectual ou fonográfico reproduzido com violação do direito do autor, do direito de artista interprete.

E o inciso quarto deste mesmo artigo, coloca exceção à regra quando se refere à cópia da obra, com um único exemplar, para a utilização privada do copista, sem o fim lucrativo.

Então, para o Direito Penal do Brasil, o crime de violação de direitos autorais só ocorre quando a cópia ou a reprodução acontece com a ideia de obter um lucro. Por exemplo: o comerciante que vende o DVD dos Vingadores ou um CD novo de Luan Santana está infringindo a lei, já que ele tem o intuito de lucrar sem realizar o repasse dos royalties aos respectivos autores.

Já qualquer pessoa que faz o download de um filme ou de uma série somente com a ideia de assistir no sossego de sua casa, não está cometendo nenhum crime, pois não há nenhuma intenção de fazer dinheiro com esse conteúdo.



É hora de decolonizar a internet

18 de Fevereiro de 2021, 23:17, por PIRATAS - 0sem comentários ainda

Devemos nos acostumar com o declínio norte-americano e começar a organizar uma Internet sem ele.

por Andres Guadamuz 

​​​​​​​Durante meus anos na universidade da Costa Rica, estive bastante envolvido na política estudantil. Você sabe, as coisas de costume, marchas, protestos, partidos políticos, pleitos, mas principalmente sentado conversando sobre política no refeitório da Faculdade de Direito. Eu tinha uma coleção muito boa de camisetas, algumas com mensagens políticas da época. Nelson Mandela grátis, Save the Whales, etc. Eu até tinha uma camiseta “Rock the Vote” que adquiri durante uma viagem aos EUA.

Fiquei muito orgulhoso disso, achei que me fez parecer legal e cosmopolita. Lembro-me de que uma pessoa em uma reunião me perguntou sobre o significado da camisa, e eu o informei que era uma campanha da MTV e de músicos dos EUA para fazer com que os jovens votassem. Ainda me lembro da resposta dele:

“¡Ay mae, sus problemas no son nuestros problemas!” (‘Cara, os problemas deles não são nossos problemas ‘)

Eu estava pensando sobre esse episódio recentemente quando li algumas das reações contra o documentário da Netflix “O Dilema das Redes”. Não vou entrar em detalhes aqui, mas tem havido muitas críticas sobre ele, em parte porque eles entrevistaram tech-bros homens brancos, e apenas algumas mulheres. Mas o mais importante para o propósito deste artigo, todos os entrevistados eram dos Estados Unidos ou residiam lá. Mais uma vez, a Internet é tratada como um meio inteiramente norte-americano.

Eu queria ter protestado. Claro que queremos que os jovens votem! É uma coisa boa que Madonna e Aerosmith estejam dizendo às pessoas para se registrarem! Mas fiquei quieto porque, no fundo, entendi o que queria. Não tínhamos registro de eleitor na Costa Rica, qualquer pessoa com um documento de identidade válido pode votar, então nossos desafios eram diferentes, era vencer a apatia e conseguir o voto, e Red Hot Chilli Peppers e R.E.M. não iriam ajudar.

Parte desse domínio colonial é histórico, não há dúvida de que a Internet começou como uma rede de comunicações centrada nos EUA e tem sido um elemento central da infraestrutura da rede que perdura até hoje; empresas de mídia social, gigantes da tecnologia, provedores de serviços, intermediários, a maioria das empresas naquele espaço são americanas. Mas o colonialismo norte-americano da Internet também é cultural. Isso é parcialmente compreensível em parte, já que o domínio cultural dos Estados Unidos é anterior à Internet, mas em uma rede global deveria ser mais fácil tentar derrubar as algemas do imperialismo cultural, enquanto ocorre exatamente o oposto.

Pode-se argumentar que a palavra “colonialismo” é carregada, mas é necessário entender a natureza de nossa situação atual, e funciona bem para descrever nossa situação. As empresas sediadas nos Estados Unidos controlam a Internet com pouca oposição, e essas empresas são frequentemente criadas e administradas com filosofias muito específicas que se infiltram em muitos aspectos da rede global. Eu listaria essas características fundamentais da seguinte forma:

– Maximizar o lucro e o valor para os acionistas é o objetivo final.
– O capital de risco permite que as empresas operem com prejuízo por um longo período de tempo, destruindo a concorrência.
– Falta de regulamentação, ou onde quer que haja regulamentação, tende a ser leve, ou agir em nome dos gigantes da Internet.
– Startups de sucesso de outros países são engolidas pelos gigantes americanos.
– Sem respeito pela privacidade.
– Ausência quase total de legislação de proteção de dados.
– O único limite é a propriedade intelectual.
– “Mova-se rápido e quebre as coisas” é uma filosofia predominante.
– Sempre que há uma ideologia informando decisões, muitas vezes é tecno-libertária.
– Considerações éticas ignoradas ou feitas para show
– Tecnossolucionismo prevalente.
– Os ideais, gostos, desgostos e preconceitos dos tech-bros do Vale do Silício tornam-se incorporados ao sistema.

Claro que algumas dessas características não são exclusivamente norte-americanas, mas se tornam a configuração padrão no desenvolvimento de tecnologia com pouca ou nenhuma supervisão, ou mesmo o reconhecimento de que pode haver um problema estrutural com a criação de uma monocultura que é exportada para o resto do mundo como parte dessa dominância colonial.

A infraestrutura subjacente da indústria de tecnologia é ruim o suficiente, mas um dos aspectos mais desconcertantes do colonialismo digital para mim foi o fortalecimento do domínio da cultura dos EUA. A hegemonia cultural americana remonta à mídia analógica com a prevalência de sua música, TV e filmes em todos os lugares. Muitos de nós que viram o surgimento da Internet moderna acreditamos que ela traria um ambiente cultural mais diverso, com pessoas de todo o mundo se comunicando e compartilhando as expressões culturais umas das outras. O que aconteceu foi que a vantagem da infraestrutura se traduziu na exportação contínua da cultura da Internet dos Estados Unidos.

Isso teve um efeito interessante. A mídia social gerou uma cultura global que fala a mesma linguagem americana de memes, streams, música e referências de programas na Internet. E mesmo quando obtemos mais representação e diversidade, tende a ser totalmente centrado nos EUA. Eu adorava o Pantera Negra, mas não conseguia deixar de lado o fato de que Wakanda era uma versão idealizada americana da África com trilha sonora de Kendrick Lamar. A Netflix se tornou o provedor padrão de cultura em todo o mundo, a Apple atua como “o filtro tecnológico” e os Emmys, Oscars e Grammys continuam a nos fornecer os padrões aos quais aspirar.

Sei que essas são queixas antigas, intelectuais de todo o mundo vêm criticando o domínio cultural dos Estados Unidos há décadas, mas acho que o atual domínio colonial da Internet está tendo um efeito mais difuso e prejudicial do que a falta de diversidade cultural.

O principal efeito foi a exportação por meio das mídias sociais das guerras culturais tóxicas dos Estados Unidos para o resto do mundo. A cultura americana ficou extremamente dividida e os políticos aprenderam a usar essa divisão, incentivando a polarização para manter o poder. A mídia social é um elemento importante desse fenômeno, e o manual de Steve Bannon para ganhar eleições por meio de guerras culturais agora foi exportado para todo o mundo com um efeito nefasto. Fazendo as pessoas ficarem com raiva online o tempo todo. Indignação, clique, indignação, clique, indignação, clique.

Nada exemplifica isso mais do que a rápida disseminação de teorias de conspiração perigosas, como anti vacinas, negadores do covid, antimáscaras, QAnon, supremacia branca, etc. A maioria dessas teorias foram incubadas nos EUA e se espalharam como fogo, às vezes estimuladas pelo próprio poder de alguns influenciadores culturais selecionados que os repetem.

Um efeito talvez menos divulgado do efeito negativo da exportação da guerra cultural dos EUA seja em parte o que me inspirou a escrever esta postagem no blog, e é que também estamos importando causas que muitas vezes têm menos relevância para o resto do mundo. Fiquei impressionado com a rapidez da resposta global ao trágico assassinato de George Floyd e a repentina adoção global do BLM (Black Lives Matters).

Qualquer coisa que possa ajudar a iluminar a injustiça existente e as tentativas de destruir o racismo deve ser bem-vinda, mas não posso deixar de sentir que a maior parte da resposta fora dos EUA tem sido performativa e simbólica, muito falatório, muito de hashtags, algumas estátuas tombadas, pouca ação concisa. Como alguém que foi sujeito de racismo na Europa como imigrante, vi muito pouco em algumas das respostas oficiais que abordaram minha experiência, parecia estar centrada no que estava acontecendo nos Estados Unidos. Isso levou a uma reação preocupante que pode ser muito prejudicial. O racismo é real, difundido e corrosivo e precisa de desafios constantes. Acho que a natureza clictivista da resposta centrada nos Estados Unidos da mídia social costuma ser contraproducente fora dos EUA.

O colonialismo se reproduz não apenas na guerra cultural, mas na forma como a sociedade civil e a academia pensam sobre esses problemas. Na academia, acadêmicos americanos são citados desproporcionalmente mais do que outros, e isso geralmente se traduz em mais visibilidade e oportunidades. Não consigo contar quantas vezes vi acadêmicos americanos serem convidados a comentar sobre assuntos jurídicos europeus em conferências ou na imprensa. Até mesmo a ênfase da discussão em círculos online sobre como regular a Internet tende a começar e terminar com a Primeira Emenda dos Estados Unidos e a seção 230 CDA, e muitas vezes escárnio contra soluções como o GDPR.

E mesmo os ícones culturais legais são frequentemente exportados. Você pode nomear a melhor juíza do seu país? ( uma referência a Ruth Bader Ginsburg era um ícone feminista e progressista da mais alta corte dos Estados Unidos para questões como igualdade de gênero, imigração, aborto e casamento igualitário)

Há também uma espantosa cegueira na sociedade civil em relação às vozes externas e, muitas vezes, as agendas correspondem às necessidades dos financiadores do Vale do Silício. Agendas como a ética da IA ​​recebem atenção desproporcional e o tecnossolucionismo se torna a resposta padrão para qualquer problema. Precisa consertar a corrupção? Você já tentou um blockchain?

Mas nem tudo é desgraça e melancolia

Vejo um reconhecimento crescente sobre esse colonialismo digital e vozes globais estão se levantando em protesto. A resposta do coronavírus nos Estados Unidos ajudou a enfatizar que devemos nos acostumar com o declínio americano e começar a organizar uma Internet sem ele. Temos que impedir a propagação das guerras culturais dos Estados Unidos para outros países. Devemos continuar a buscar opções para contornar o domínio colonial dos gigantes da Internet. E, claro, devemos estar atentos para não trocar o colonialismo americano por um chinês.

Devemos continuar a fazer perguntas quando viermos outra tendência centrada nos EUA em nossos cronogramas. Isso é relevante para mim? Isso é relevante para minha sociedade? Tenho consumido a cultura local? Eu ajudei a financiar um projeto local?

Mas talvez mais importante, esteja atento a seu próprio consumo cultural e a quem você escolhe como centro de sua defesa. Lembre-se de que os problemas deles geralmente não são os nossos.

Time to decolonise the Internet

Links do mesmo autor:

Now available from Stanford University Press


https://www.tierracomun.net/

Media, Etc.



Policiais dos EUA tocam Beatles para direitos autorais derrubarem transmissões de ativistas

15 de Fevereiro de 2021, 15:24, por PIRATAS - 0sem comentários ainda

Vejam que história surreal: De acordo com a Vice, há diversos episódios em que pessoas iniciam as famosas lives em seus perfis nas redes sociais para mostrar como a polícia está agindo e, em muitos casos, registrar denúncias de abuso. Para derrubar essas lives os policiais começam a tocar músicas dos Beatles ou de outros artistas bem apoiados nos robôs que derrubam lives por direitos autorais para conseguirem derrubar a live.

Isso começou a ser registrado com policiais de Beverly Hills mas tem grande potencial de se espalhar mundo afora.

Há alguns dias, Sennett Devermont foi até uma delegacia para solicitar as imagens da câmera que um policial carrega em seu corpo, já que acreditava que havia recebido uma multa injustamente.

Ao conversar com o responsável no local, o agente começou a tocar “Santeria”, do Sublime, e simplesmente parou de responder o cara, que fazia uma live.

A ideia aqui é fazer com que os algoritmos de redes como Instagram e Facebook percebam que há uma música protegida por direitos autorais tocando ao fundo e simplesmente derrubem a live. Mais que isso, se um usuário toca conteúdo de terceiros repetidamente, sua conta pode ser suspensa.

Em outro momento, quando Sennett encontrou novamente o policial Billy Fair na parte de fora da delegacia, ele voltou a tocar músicas em seu celular e fez com que o ativista saísse de perto, o que mostra que a tática realmente assusta os produtores de conteúdo.

Depois de “celebrar” a obra do Sublime, outro policial apareceu em uma operação à noite, aparentemente fazendo parte de uma equipe diferente, usando a mesma tática.

Isso mostra que é possível que policiais do departamento de Beverly Hills estejam usando isso deliberadamente, mesmo que seus superiores tenham declarado que “tocar música durante operações não é o ideal” e tenham garantido que os vídeos “estão sendo analisados”.

Na ocasião, como você pode ver logo acima, quando o policial percebe a live, simplesmente olha para o horizonte enquanto coloca “Yesterday”, dos Beatles, para tocar na direção de quem está fazendo a transmissão.

Os policiais estão se beneficiando das novas regras de direitos autorais modificadas pelo Facebook e Instagram em setembro de 2020 aplicadas especialmente a músicas e que tornaram mais ágeis os mecanismos de bloqueio de videos e lives e que podem banir da rede social quem for notificado várias vezes.



[Opinião] Os Loucos e os Sábios

26 de Janeiro de 2021, 0:11, por PIRATAS - 0sem comentários ainda

reflexões sobre o fim da presidência de Donald Trump

por Jacques Rancière – traduzido por Galdino (link original aqui) – arte por Matejko (1862)

É fácil zombar dos erros de Donald Trump e se indignar com a violência de seus fanáticos. No entanto, a explosão da mais pura irracionalidade no coração do processo eleitoral do país mais bem treinado para administrar a alternância no sistema representativo também nos coloca questões sobre o mundo que compartilhamos com ela: um mundo que pensávamos ser aquele do pensamento racional e da democracia pacífica. E, claro, a primeira questão é: como pode haver tanta persistência no não-reconhecimento dos fatos mais comprovados, e como pode essa persistência ser compartilhada e apoiada por tantas pessoas?

Há quem queira se agarrar a uma última esperança de evitar o naufrágio: as pessoas que não querem reconhecer os fatos seriam ignorantes e mal informadas, ou espíritos crédulos enganados por fake news. Trata-se do idílio clássico sobre um bom povo que se deixa levar por sua simplicidade espiritual e que deveria ser ensinado a se informar sobre os fatos e a julgá-los de maneira crítica. Mas como acreditar ainda nessa fábula da ingenuidade popular quando vivemos em um mundo em que os meios de informação, os meios de verificar a informação e os comentários que “decifram” toda e qualquer informação são muitos e existem em quantidade enorme, estando disponíveis para todo mundo?

Assim, é melhor inverter o argumento: se recusamos o que é evidente, não é por idiotice, mas para mostrarmos que somos inteligentes. E a inteligência, como bem se sabe, consiste em desconfiar dos fatos e se perguntar sobre a serventia dessa massa colossal de informações que depositam em nós todos os dias. A resposta que se dá naturalmente é que isso tudo evidentemente serve para enganar o mundo, pois o que se coloca na vitrine para visualização geral está ali, geralmente, para encobrir a verdade, que devemos saber descobrir por trás da aparência falaciosa do que nos é dado.

A força dessa resposta consiste no fato de que satisfaz fanáticos e pessoas céticas ao mesmo tempo. Um dos traços mais marcantes da nova extrema-direita é o lugar que ela destina às teorias da conspiração e negacionistas. Elas apresentam aspectos delirantes, como a teoria da grande conspiração internacional de pedófilos. Mas esse delírio, em última instância, não é nada além da forma extrema de um tipo de racionalidade que geralmente valorizamos em nossas sociedades: aquele que manda ver, em qualquer fato particular, a consequência de uma ordem global, e substituir esse mesmo fato no encadeamento total que o explica, mostrando, ao fim, que se tratava de algo bem diferente do que parecia inicialmente.

Sabemos que esse princípio de explicar os fatos pela totalidade de suas conexões pode ser invertido: podemos sempre negar um fato conjurando a ausência de uma conexão no encadeamento das condições que tornam esse fato possível. É assim que, como sabemos, intelectuais marxistas radicais negaram a existência de câmaras de gás nazistas porque parecia impossível deduzir sua necessidade da lógica geral do sistema capitalista. E, mesmo nos dias de hoje, intelectuais enxergam o coronavírus como uma fábula inventada pelos nossos governos para nos controlar melhor.

As teorias da conspiração e negacionistas se orientam por uma lógica que não é exclusiva dos espíritos simples e cérebros adoecidos. Suas formas extremas nos dão o testemunho de uma parte irracional e supersticiosa que encontramos no coração da forma dominante de racionalidade em nossas sociedades e nos modos de pensar que interpretam seu funcionamento. A possibilidade de tudo negar não está no domínio do “relativismo” colocado em questão por espíritos sérios que se imaginam os guardiões da universalidade racional. Ela é uma perversão inscrita na própria estrutura de nossa razão.

Pode-se dizer que não basta termos as armas intelectuais que permitem tudo negar. Ainda é preciso querer. Justo. Mas temos de ver em que consiste esse querer, ou melhor, esse afeto que nos leva a crer ou não crer.

É pouco provável que setenta e cinco milhões de eleitores de Trump sejam pessoas de cérebro fraco, convencidas por seus discursos e pelas falsas informações que eles carregam. Elas não acreditam no sentido de que tomam o que ele diz como verdade. Elas acreditam no sentido de que ficam felizes de ouvir o que ouvem: um prazer que pode, a cada quatro ou cinco anos, vir através de um recibo eleitoral, mas que também se encontra, diariamente e de modo mais simples, em um like. E aqueles que divulgam as informações falsas não são ingênuos de imaginar que sejam verdadeiras, nem cínicos que sabem que são falsas. São apenas pessoas que querem que elas sejam como são, que querem ver, pensar, sentir e viver na comunidade sensível elaborada por essas palavras.

Como pensar essa comunidade e esse querer? É aqui que uma outra noção produzida pela preguiça satisfeita consigo mesma surge à espreita: populismo. Ela não invoca mais um povo bondoso e ingênuo, mas, ao contrário, um povo frustrado e invejoso, pronto para seguir aquele que souber encarnar seus rancores e representar a causa.

Trump – como nos informam prontamente – é o representante de todos os trabalhadores brancos cheios de angústia e raiva, os que ficaram para trás nas transformações sociais e econômicas, que perderam seus empregos com a desindustrialização e seus marcos identitários com as novas formas de vida e cultura, que se sentem abandonados pelas elites políticas distantes e desprezados pelas elites diplomadas. Não é um discurso novo: o desemprego já era usado nos anos 30 como explicação para o nazismo e foi reutilizado para explicar toda e qualquer força da extrema-direita em nossos países. Mas como podemos acreditar seriamente que setenta e cinco milhões de eleitores de Trump correspondem a esse perfil de vítima da crise, do desemprego e do rebaixamento? Deixemos, então, essa segunda esperança que nos protege em nosso conforto intelectual, a segunda figura do povo tradicionalmente acusado de desempenhar o papel do ator irracional: esse povo frustrado e brutal que serve de contraparte ao povo bondoso e ingênuo.

Devemos, mais profundamente, questionar essa forma de racionalidade pseudo-acadêmica que visa fazer com que as formas políticas de expressão do sujeito-povo sejam os traços pertencentes a esta ou aquela camada social em queda ou ascensão. O povo político não é a expressão de um povo sociológico preexistente. Trata-se de uma criação específica, produto de certo número de instituições, procedimentos, formas de ação, e também de palavras, frases, imagens e representações que não expressam os sentimentos do povo, mas criam certo povo ao criar um regime específico de afetos.

Portanto, trata-se do povo construído pelo sistema específico de afetos que Donald Trump manteve através de seu sistema de comunicação: um sistema de afetos que não se destina a uma classe particular e que não joga com a frustração, mas, ao contrário, com a satisfação dessa condição; não joga com o sentimento de uma desigualdade a ser reparada, mas com o privilégio a ser mantido contra todas as pessoas que atentam contra ele.

A paixão para a qual Trump apela não tem nada de misterioso – é a paixão da desigualdade, aquela que permite igualmente que ricos e pobres encontrem uma multidão de inferiores sobre os quais uma superioridade deve ser mantida a todo custo. Sempre há, de fato, uma superioridade na qual se pode participar: dos homens sobre as mulheres, das mulheres brancas sobre as de cor, das pessoas trabalhadoras sobre as desempregadas, de quem trabalha nas profissões do futuro sobre quem trabalha com o resto, de quem possui bons planos de seguridade social sobre quem depende da solidariedade pública, de pessoas nativas sobre as imigrantes, de nacionais sobre as pessoas estrangeiras e de quem possui cidadania na nação que é mãe da democracia sobre o resto da humanidade.

A presença simultânea, no Capitólio ocupado pelos capangas de Trump, da bandeira dos treze estados originais e da bandeira do sul escravocrata ilustra bem essa reunião singular que faz da igualdade uma prova suprema da desigualdade e da busca pela felicidade um afeto odioso. Mas, essa identificação do poder de todos à coleção inumerável de ódios e superioridades – mais que a uma camada social particular – não pode ser assimilada ao ethos de uma nação específica. Sabemos qual o papel exercido aqui pela oposição entre a França trabalhadora e a França que depende de assistência, entre quem segue adiante e quem ainda se agarra a sistemas de proteção social arcaicos, ou entre cidadãos da terra do Iluminismo e dos direitos humanos e as populações atrasadas e fanáticas que ameaçam sua integridade. E podemos ver, todos os dias na Internet, o ódio a todas as formas de igualdade sendo reeditado até a exaustão nos comentários de leitores de jornais.

Da mesma forma que a insistência na negação não é a marca de espíritos atrasados, mas uma variante da racionalidade que domina, a cultura do ódio não é fruto da ação de camadas sociais desfavorecidas, mas um produto do próprio funcionamento de nossas instituições. É um modo de fazer-povo, uma maneira de criar um povo que é próprio à lógica da desigualdade. Já faz uns duzentos anos que o pensador da emancipação intelectual, Joseph Jacotot, mostrou o modo pelo qual a desrazão desigualitária faz operar uma sociedade em que toda pessoa inferior é capaz de encontrar, em relação a si, uma outra pessoa inferior, e sentir o prazer de sua superioridade sobre ela. Um quarto de século atrás, eu sugeri, por conta própria, que a identificação da democracia ao consenso produz, no lugar de um povo da divisão social considerado arcaico, um povo ainda mais arcaico fundado sobre os afetos do ódio e da exclusão.

No lugar do conforto da indignação e da zombaria, os eventos que marcam o fim da presidência de Donald Trump devem nos incitar a examinar de maneira mais aprofundada as formas de pensamento que consideramos racionais e as formas de comunidade que consideramos democráticas.



Nota conjunta contra a ação dos Copyright Trolls

4 de Janeiro de 2021, 13:29, por PIRATAS - 0sem comentários ainda

  • Partido Pirata
  • Coalizão Direitos na Rede
  • Creative Commons Brasil 
  • Idec – Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor
  • GEDAI – Grupo de Estudos em Direito Autoral e Industrial – UFPR
  • DiGiCULT – Grupo de Estudos e Pesquisas em Direito Digital e Direitos Culturais da UFERSA
  • IP.rec – Instituto de Pesquisa em Direito e Tecnologia do Recife 

Durante os últimos meses de 2020, várias pessoas receberam, em suas residências, cartas remetidas pelo escritório de advocacia Kasznar Leonardos, uma das principais firmas na área de propriedade intelectual do país. Essas cartas de três páginas são notificações extrajudiciais distribuídas massivamente, contendo ameaças e propondo um “acordo” de R$ 3.000,00 em razão de supostos e ilegais downloads de filmes, a fim de evitar uma judicialização.

Como isso ocorreu?

A empresa Copyright Management Services, representada pelo escritório de advocacia mencionado, ajuizou um processo judicial de produção antecipada de provas contra a Claro S.A. (processo n. 1021624-84.2020.8.26.0100). Visava nele obter informações pessoais (“todos  os  dados  cadastrais,  tais  como nome completo, endereços físico e eletrônico, eventuais perfis em redes sociais, telefones, CNPJ ou CPF, entre outros”) relacionadas aos IPs que, ao menos alegadamente, foram obtidos por meio de um sistema eletrônico de controle de pirataria online. 

O escopo das informações exigidas é claramente exagerado, requerendo que sejam repassados muito mais dados pessoais (como perfis de redes sociais, beirando o absurdo) do que o necessário para o intuito da autora da ação judicial, o que é em si uma visível e grave irregularidade diante dos princípios do Marco Civil da Internet e da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD).

Então, a Claro S.A., representada pelo escritório de advocacia Rosenthal, Guaritá e Facca Advogados em uma grave falha, que entra em conflito direto com o princípio da prevenção da LGPD (mais precisamente em relação aos arts. 46 e 47 da Lei), disponibilizou em um processo judicial de acesso público (sem segredo de justiça) um link direcionando para planilhas hospedadas na plataforma Google Drive, com o detalhamento de pelo menos grande parte das mais de 53 mil identificações solicitadas pelo requerente, quais sejam: nome completo, CPF, endereço e e-mail. Em outras palavras, qualquer pessoa podia ter acesso às planilhas, colocadas em petição acessível por qualquer pessoa credenciada (incluindo qualquer advogado) no sistema eletrônico do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Além dos erros já citados, o escritório de advocacia Rosenthal, Guaritá e Facca Advogados, representante da Claro S.A., também adicionou às planilhas dados de usuários relativos a um outro processo judicial, sobre pirataria de software. Inclusive, tal fato foi objeto de advertência dos advogados da Kasznar Leonardos, que representa a Copyright Management Services.

A partir disso, as notificações propondo “acordos” para evitar a judicialização foram distribuídas. Mas, como as informações pessoais foram expostas publicamente, não há sequer como confirmar que elas são verídicas e realmente provenientes da empresa e do escritório de advocacia que são partes na ação judicial, já que outros interessados podem ter tido acesso aos dados e enviado as notificações. E além disso, há relatos de notificados que tentaram entrar em contato com o escritório, mas não obtiveram resposta.

Como os notificantes sabem que quem efetivamente baixou o conteúdo foi realmente a pessoa a quem a notificação foi enviada?

Aqui está um dos pontos chaves que todos e todas devem estar cientes: eles não sabem. Na ação judicial supramencionada, foi exposta uma lista que ligava os IPs com informações pessoais. Mas isso são indicativos não definitivos, diante da possibilidade de usos compartilhados.

Esse tipo de medida de perseguição dos usuários é efetiva?

A resposta é um contundente não. A perseguição massiva aos usuários que baixam conteúdo protegido por direito autoral foi inócua tanto nos Estados Unidos como na Europa, com o cometimento de inúmeros erros e resultados sociais e econômicos desastrosos, tanto para o público quanto para a própria indústria de entretenimento. Essas experiências demonstraram que a melhor solução para combater a pirataria é aprimorar a qualidade dos serviços e produtos legalizados, oferecendo ao consumidor algo que ele se sinta motivado a assinar ou comprar, não pela exclusividade, mas pela comodidade, oferta e preço justo. A indústria investir tempo e dinheiro em perseguição e na criminalização das pessoas que compartilham conteúdo online é o mesmo que agir contra os seus principais clientes, pois o que a grande maioria dos estudos independentes mostram é que aqueles que fazem o uso de recursos “piratas” são, também, os mais interessados em produtos culturais (filmes, músicas, etc.) Com isso, são aqueles que mais gastam dinheiro com estes itens, mas fazem o uso de métodos alternativos para suprir as limitações existentes nos serviços e produtos legais.

Há uma base jurídica para um processo judicial?

O senso comum poderia indicar que, como o download é de um produto disponibilizado irregularmente, isso seria uma infração, principalmente tendo em vista o art. 184 do Código Penal. Mas essa é uma visão literalista e superficial da nossa legislação, inclusive da Lei de Direitos Autorais (Lei 9.610/98). Uma abordagem sistemática e teleológica das normas explicita que o alvo da lei e a aplicação efetiva dela pelo Poder Judiciário são justamente os grandes agentes que promovem a pirataria e buscam lucrar com isso, e não os usuários comuns. Embora há muitos anos algumas associações e entidades busquem enquadramentos mais abrangentes para o tipo penal, a jurisprudência nacional e boa parte dos maiores nomes da doutrina especializada do Direito Autoral defendem que a ausência de fins lucrativos (ou de ganhos econômicos) e a inexistência de danos ao titular descaracterizariam a infração penal, posição ainda corroborada pelos princípios que exigem interpretações restritivas de normas criminais. E o foco nesses grandes agentes movidos pelo lucro, por fim, seria particularmente relevante em países como o Brasil, em que o direito a participar da vida cultural e a fruir as artes — consagrado na Declaração Universal de Direitos Humanos — tem seu exercício especialmente dificultado para os usuários comuns, em função das desigualdades sociais, dos altos preços e da escassez de políticas públicas e aparelhos culturais que possibilitem acesso à cultura.

Há, então, pelo menos uma base técnica para um processo?

Esse é um ponto que reforça a aparência de golpe das notificações extrajudiciais enviadas, porque seus conteúdos são marcados por uma qualidade técnica duvidosa. A resposta é, como nas anteriores, negativa. As notificações extrajudiciais apresentam grande fragilidade na descrição técnica da suposta infração cometida e fazem importantes confusões conceituais, como tratar site, tracker e cliente de torrent como se fossem todos a mesma coisa. Ainda por cima, em parte das notificações enviadas, não está indicado qual aplicativo foi usado pelos usuários na realização do suposto download. Mais gravemente, enquanto na ação judicial se afirma que a “ferramenta” utilizada para acompanhamento dos downloads foi a GuardaLey Infringement Detection System, nas notificações se afirma, contraditoriamente, que foi a Bunting Digital Forensics, cujo site não presta qualquer informação sobre a existência ou funcionamento dessa ferramenta. Além disso, não há a mínima garantia de que estes IPs foram obtidos de forma séria e confiável, sem margem para fraudes, adulterações ou equívocos, o que levanta, inclusive, o questionamento se estes registros realmente pertencem a usuários que estavam fazendo o uso de torrent.

Diante de tudo isso, há grandes razões para se acreditar que estamos diante de uma atuação do que se convencionou chamar de “Copyright Trolls”: pessoas ou organizações que realizam ameaças de processo judicial, ou outras atitudes particularmente agressivas, para obter remuneração a partir de questões ligadas à proteção dos direitos autorais. Atuam a despeito de um real embasamento jurídico para sua reivindicação nesses casos, e a notificação se presta a causar terror psicológico pela ameaça de ação judicial que dificilmente resultaria em vitória para quem a ajuizasse. 

Como precaução, recomendamos que as pessoas que receberam as notificações extrajudiciais as ignorem, e não entrem em contato com os números ou endereços eletrônicos indicados nelas. Os fundamentos jurídicos e técnicos são dúbios. Por isso, não se intimide, nem siga qualquer instrução destas notificações. Se ainda tiver dúvida, entre em contato com copyright@partidopirata.org.

PS: Em paralelo, foi formado um grupo de advogados e advogadas para prestar assistência jurídica gratuita aos indivíduos que eventualmente forem processados em razão das notificações recebidas. Caso isso ocorra, não hesitem em entrar em contato por meio do e-mail copyrighttrolls@partidopirata.org



COPYRIGHT TROLLS EM AÇÃO NO BRASIL

9 de Outubro de 2020, 2:26, por PIRATAS - 0sem comentários ainda

Aparentemente, a moda que existe há alguns anos em países como Alemanha, EUA e Canadá, começou a chegar por aqui.

Um escritório de advocacia, no Rio de Janeiro, passou recentemente a enviar notificações extrajudiciais para pessoas, com acusações de terem feito o download e o upload ilegal de um filme, usando torrent.

Na notificação que tivemos acesso (fotos abaixo), o escritório, que alega representar um estúdio de cinema, acusa a pessoa responsável pela conexão de internet, de ter sido realizado em sua rede o download/upload do filme “Invasão ao serviço secreto”.

As provas apresentadas na notificação são simplesmente um endereço de ip, além da data e hora do suposto crime. Nem mesmo a aplicação (cliente), que teria sido usada para realizar esse download e upload, foi identificada, consta como “unknown client”.

O que mais chama a atenção, além das tão frágeis provas apresentadas, é a demonstração da total falta de conhecimento técnico, por parte do escritório. Que no parágrafo seguinte, ao tentar explicar como o suposto crime teria ocorrido, classificam site, tracker e cliente (aplicação) de torrent como uma coisa só, causando mais dúvidas, e evidenciando ainda mais a fragilidade das provas.

Outro fato curioso é a demora do escritório ao enviar a notificação, pois a alegação é de que a prova teria sido obtida em 08/12/2019 e a notificação tem a data de 22/09/2020. Ou seja, como que a pessoa acusada, poderia, após tanto tempo, ter certeza se realmente o referido filme foi baixado e compartilhado em sua rede?

Interessante também notar que em nenhum momento é revelado como eles obtiveram os dados pessoais da pessoa acusada. Será que o provedor revelou por conta própria ou houve ordem judicial obrigando-o a fazer? Se houve, qual é o número do processo?

E para terminar, a “cartinha” tenta intimidar o notificado, dizendo as penas para o “tão grave crime”, e após isso cobra a bagatela de R$ 3.000 (sim, três mil reais) para que o caso não seja levado à justiça.

Se não bastassem as provas tão frágeis e facilmente manipuláveis, o mais preocupante nisso tudo é a chance de acusarem pessoas que nem fazem ideia do que seja torrent, mas que por não saberem configurar o wifi, tem suas redes usadas por terceiros.

É impressionante a cara de pau da máfia do copyright, em por em prática tática tão vil, em um país com grande desigualdade social, onde há também dificuldades no acesso à cultura e ao conhecimento. Onde a maioria dos municípios não contam sequer com uma sala de cinema, por exemplo.

Se tal tática vingar por aqui, muito provavelmente irá acontecer o que ocorre nos outros países, a ampla adoção no uso de VPN e outros métodos de ocultação de ip, para continuar o livre compartilhamento sem ter “aporrinhação”, ou então o retorno do camelô de “3 por 10”.

Não se deixe intimidar, o seu medo é a vitória deles!

Primeira página da “cartinha” Segunda página da “cartinha”

PL “anti-fake news” ainda tem falhas perigosas

31 de Maio de 2020, 17:10, por PIRATAS - 0sem comentários ainda

Projeto de Lei anti-carluxo proposto por Tabata Amaral e Felipe Rigoni chega na versão 2.0

por Wesley Safo

Leia a análise da versão 1.0 do projeto de lei aqui.

Nessa última semana, além do Presidente soltando bravatas pela centésima vez que “tinha chegado no seu limite e que ia tomar uma atitude”, na sua velha postura morde-e-assopra que ninguém aguenta mais, repercutiu a enquete no site do Senado sobre a lei anti-“fake news”, relativa à votação do PL 2.630/2020, proposta pelo Senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE), que, por sua vez é uma versão modificada do PL 1429/2020,  proposto originalmente na câmara dos deputados pelos deputados Tabata Amaral (PDT-SP) e Felipe Rigoni (PSB-ES) com o nome “Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet”, vulgo “lei-anti-carluxo“.

No entanto, apesar de sua votação estar marcada para a próxima semana e ter sido alvo de um verdadeiro Fla x Flu entre aqueles que são contra e a favor da atual campanha de ódio e difamação disseminada pelos partidários do presidente, o projeto apresenta uma série de problemas que, na prática, criam uma série de regras que podem atentar contra a liberdade de expressão. Como comentaram diversas instituições como Instituto IP.rec, Coding Rights, Intervozes, Iris, Internetlab, Direitos na rede.

Exatamente por isso, apelamos para aqueles que no afã de se posicionar contra a estupidez do bolsonarismo, assim como nós PIRATAS que já nos posicionamos contra o Bolsonaro desde o primeiro turno das eleições de 2018, que não apoiem qualquer projeto apenas porque ele se intitula como “anti-fake news”, pois isso pode acabar resultando em um tiro pela culatra que termine limitando severamente a atual liberdade de expressão que ainda temos e tanto prezamos na Internet

Pois bem, como parte dessa competição desenfreada entre Câmara dos Deputados e Senado pra ver quem toma o protagonismo contra as “fake news” (termo bastante problemático, por envolver na prática muito mais a prática de difamação do que propriamente conteúdo falso em si), no último dia 26 de maio, a Tabata Amaral (PDT-SP) e Felipe Rigoni (PSB-ES) pediram o arquivamento do antigo PL 1429/2020 e protocolaram o novo PL 2927/2020 ou “lei anti-carluxo 2.0”.

Embora o projeto também tenha incorporado diversas das modificações do projeto propostas pelo Senado, o fato terem sido propostos pelos mesmos autores facilita uma comparação entre os dois projetos.

 

Analise geral sobre o teor do projeto

Em uma análise mais ampla, diversos dos problemas mais polêmicos que havíamos apontado no nosso texto anterior foram removidos, como a quebra de sigilo/criptografia do whatsapp, a importância exagerada dada à opinião de agências de verificação independentes e órgãos públicos para distinguir o que é falso, além da obrigação de monitorar qualquer conteúdo com mais 5 mil visualizações, o que, na prática, implicaria em um monitoramento de todo o conteúdo produzido por páginas de porte médio.

No entanto, o projeto ainda apresenta uma série de problemas, como priorizar as práticas estabelecidas pelas líderes do mercado de Internet – como na limitação de número de pessoas em um grupo de mensagens para exatas 256 pessoas, número praticado pelo Whatsapp em detrimento do Telegram – e ainda inclui termos muito vagos, que abrem muito espaço para interpretação como “contas inautênticas” e as “redes de disseminação artificial”.

Como apontou o texto da Coalizão para Direitos na Rede, o conceito de conta inautêntica deveria ser removido e o de “rede de disseminação” reformulado. A manutenção dos atuais termos pode levar as empresas de internet a criarem meios de classificação automática de conteúdo que podem limitar a liberdade de expressão, de maneira semelhante ao que ocorreu após a aprovação do artigo 13 na União Europeia.

Por outro lado, essa nova versão do projeto passa a considerar a verificação de conteúdo por agencias de verificação como “boas práticas”, reduzindo o número de medidas que implicam em sanção para empresas de internet, o que é positivo. Além disso, ele permite que os usuários tenham um canal de contestação do conteúdo removido.

Ainda assim, é importante destacar também que embora o projeto fale em considerar os princípios e garantias do Marco Civil da Internet, o próprio Marco Civil da Internet impede que provedores de conteúdo sejam responsabilizados pelas postagens dos seus usuários. Assim, as sanções previstas no projeto, que passam da advertência, para multa e culminando na “proibição de exercício das atividades no país” implicam em uma reversão completa do espírito das garantias propostas no Marco Civil da Internet.

Em função disso, reconhecendo o papel de órgão técnico a quem compete a elaboração de recomendações a respeito de políticas de Internet no Brasil, conferido ao CGI.br pelo Marco Civil da Internet, entendemos que o papel de coordenador do processo de elaboração e assinatura dos respectivos códigos de conduta e boas práticas, em diálogo com os atores envolvidos nas medidas, deveria ser conferido ao Comitê Gestor da Internet.

Por fim, as medidas que ampliam as informações sobre publicidade online, em especial que permitem saber por quê um determinado usuário foi selecionado para assistir aquela propaganda e quais foram as propagandas que um determinado anunciante financiou são especialmente positivas, vide que existem diversas propagandas do youtube feitas com objetivo eleitoral/político que são usadas de maneira abusiva por hoje não deixarem rastros.

 

Resumo das principais modificações

Abaixo, um resumo das principais modificações do projeto, seguido por uma comparação mais detalhada entre as duas versões:

1) O limite de aplicação da lei deixou de ser faturamento para número de usuários cadastrados

2) A lei deixou de ser considerada “boa prática” para aquelas empresas a quem ela não se aplica e passou a se extender pra provedores de aplicações no exterior

3) Foi alterado o conceito de desinformação com a exclusão de finalidade e feita a exceção à paródia

4) Conta inautêntica deixou de considerar aquela que “deturpa intencionalmente conteúdo”

5) o conceito de Bot ou robô foi substituido por “disseminador artificial” e passou a focar em “conteúdo”

6) Foram excluídos o conceito de alcance significativo anúncio online, propaganda política, algoritmo de visualização e incluídos rede social e serviço de mensageria privada

7) Foi ampliado o conceito de uso legítimo, para livre manifestação artística, mas foi restringido de maneira ambígua o conceito de uso “imagens manipuladas”

8) Os relatórios passaram a dar menos peso para verificadores de fatos independentes e órgãos oficiais e passaram a pedir dados mais detalhados de um ponto de vista demográfico,

9) É mantido e ampliado que os relatórios devem permitir identificar as redes produtoras de desinformação, incluindo através de conteúdo patrocinado.

10) As medidas proativas para proteção contra desinformação se tornaram mais transparentes

11) o tempo máximo de envio de conteúdo agências de verificação e justificativas foi retirado.

12) A remoção e posterior notificação de conteúdo falso deixam de ser obrigatórias e passam a ser consideradas”boas práticas”. O aviso a quem compartilhou informação falsa é ressaltado.

13) Deixa de existir a obrigação um mecanismo para DENUNCIAR informação falsa para empresas privadas e passa a existir um mecanismo pra CONTESTAR conteúdo removido

14) a quebra de criptografia em serviços de mensagem foi removido

15) A lei passa a definir estritamente o número de reencaminhamentos em serviços de mensagem, especialmente no período de eleições

16) A lei passou a determinar que o usuário deve classificar de antemão se aquele perfil ou número será usado para envio de mensagens em massa, de modo a facilitar a identificação de spam

17) Anúncio online ou propaganda política precisar atender os termos da lei, mas passou a ser obrigado a fornecer dados de que por que a pessoa foi selecionada para assistir aquela propaganda e quais conteúdos aquele patrocinador financiou nos últimos 12 meses

18) A publicidade governamental deixa de ser obrigada a ser baseada em evidências cientìficas e proibida de usar bots pra disseminar desinformação e passa a ser obrigada a educar seus servidores sobre o assunto

19) a multa deixa de ter um valor aberto e passa a assumir critérios de proporcionalidade

 

Detalhamento das modificações

1) O limite de aplicação da lei deixou de ser faturamento para número de usuários cadastrados

Opinião: Esse ponto foi positivo pois a divisão antiga impedia o surgimento de concorrrentes internacionais – Tiktok, Snapchat – ao principais players do mercado – Google e Facebook.

Versão antiga

Art. 1º Esta lei estabelece diretrizes de atuação para provedores de aplicação com receita bruta total no ano-calendário superior a R$ 78.000.000,00 (setenta e oito milhões de reais) em relação a contas inautênticas, disseminação de desinformação, conteúdos, anúncios online e propagandas políticas patrocinadas no Brasil.

§1º O valor da receita bruta de que trata o caput poderá ser auferido por empresa, grupo ou conglomerado que tenha como atuação econômica relevante o disposto no inciso I do art. 4º.

Versão nova

Art. 1º Esta lei estabelece normas, diretrizes e mecanismos de transparência de redes sociais e de serviços de mensageria privada através da internet, para desestimular o seu abuso ou manipulação com potencial de dar causa a danos individuais ou coletivos (Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet).

§1º Esta Lei não se aplica a provedor de aplicação que oferte serviço de rede social ao público brasileiro com menos de dois milhões de usuários registrados, para o qual as disposições desta Lei servirão de parâmetro para aplicação de programa de boas práticas, buscando utilizar medidas adequadas e proporcionais no combate à desinformação e na transparência sobre conteúdos pagos.

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2) A lei deixou de ser considerada “boa prática” para aquelas empresas a quem ela não se aplica e passou a se extender pra provedores de aplicações no exterior

Opinião: foi positivo ela deixa de ser considerada como boa prática para aplicações de pequeno porte, mas abre espaço para a censura de aplicativos disponíveis no exterior por não se adequarem à uma lei local.

Versão antiga

§3º Os provedores de aplicação com receita bruta inferior ao disposto no caput devem considerar as disposições desta Lei como boas práticas a serem seguidas, buscando utilizar medidas adequadas e proporcionais no combate à desinformação e na transparência sobre conteúdos pagos.

Versão nova

§3º Esta Lei se aplica, inclusive, ao provedor de aplicação sediado no exterior, desde que oferte serviço ao público brasileiro ou pelo menos uma integrante do mesmo grupo econômico possua estabelecimento no Brasil.

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3) Foi alterado o conceito de desinformação com a exclusão de finalidade e feita a exceção à paródia

Opinião: foi positiva a exclusão de classificação de desinformação por finalidade, mas o conceito de “colocado fora de contexto” para classificar desinformação deveria ser excluiído por ser muito estrito.

Versão antiga

III – desinformação: conteúdo falso ou enganoso que foi propositadamente colocado fora de contexto, manipulado ou completamente forjado com o interesse de enganar público e que: a) Seja disseminado para obter ganhos econômicos; ou b) Possa causar danos públicos, como fraudes eleitorais, o risco à estabilidade democrática, ao funcionamento de serviços públicos, à integridade física e moral de pessoas e grupos identificáveis por sua raça, gênero, orientação sexual ou visão ideológica ou consequências negativas à saúde individual ou coletiva

Versão nova

II – desinformação: conteúdo, em parte ou no todo, inequivocamente falso ou enganoso, passível de verificação, colocado fora de contexto, manipulado ou forjado, com potencial de causar danos individuais ou coletivos, ressalvado o ânimo humorístico ou de paródia.

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4) Conta inautêntica deixou de considerar aquela que “deturpa intencionalmente conteúdo”

Opinião: a alteração é poitiva pois é muito difícil determinar se uma conta “deturpa intencionalmente, mas o próprio conceito de conta inautêntica deveria ser removido ou ao menos restrito para quem assumir identidade de terceiro, ressalvada a paródia e o humor.

Versão antiga

V – conta inautêntica: conta que dissemina desinformação, criada ou usada com o propósito de deturpar intencionalmente conteúdos ou dolosamente assumir identidade de terceira pessoa para enganar o público;

Versão nova

IV – conta inautêntica: conta criada ou usada com o propósito de disseminar desinformação ou assumir identidade de terceira pessoa para enganar o público;

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5) o conceito de Bot ou robô foi substituido por “disseminador artificial” e passou a focar em “conteúdo”

Opinião: a ideia de tornar bots ilegais sempre foi absurda, mas o conceito de disseminador artificial precisa ser reformulado para “disseminador automatizado”, como apontou a Coalizão Direito nas Redes.

Versão antiga

VI -Bot ou robô: programas criados para imitar, substituir ou facilitar atividades de humanos na execução de tarefas repetitivas em aplicações de internet;

VII – Botnet: conjunto de bots controlados por um grupo de pessoas, uma conta individual, um governo ou uma empresa;

Versão nova

V – disseminadores artificiais: qualquer programa de computador ou tecnologia empregada para simular, substituir ou facilitar atividades de humanos na disseminação de conteúdo em aplicações de internet;

VI – rede de disseminação artificial: conjunto de disseminadores artificiais cuja atividade é coordenada e articulada por pessoa ou grupo de pessoas, conta individual, governo ou empresa com fim de impactar de forma artificial a distribuição de conteúdo com o objetivo de obter ganhos financeiros e ou políticos;

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6) Foram excluídos o conceito de alcance significativo anúncio online, propaganda política, algoritmo de visualização e incluídos rede social e serviço de mensageria privada

Opinião: especialmente o conceito de alcance significativo era extremamente danoso.

excluídos

II – alcance significativo: conteúdo cuja visualização supera 5.000 pessoas;

X – anúncios online: qualquer conteúdo promovido ou impulsionado por meio de pagamento de uma retribuição pecuniária ou estimável em dinheiro em uma aplicação de internet;

XI – propaganda política patrocinada: qualquer conteúdo promovido ou impulsionado por meio de pagamento de uma retribuição pecuniária ou estimável em dinheiro relacionado à política, eleições ou outros temas de interesse nacional que: a) são feitas por ou em nome de alguém que foi ou é atualmente candidata a um cargo público, um representante eleito ou em nome de um partido político, um comitê de ação política ou em uma eleição para um cargo público; b) relacionadas à qualquer eleição, referendo, iniciativa de votação, incluindo campanhas de incentivo ao voto ou campanhas de informação sobre as eleições; c) relacionadas com qualquer assunto relacionado à política nacional ou internacional, que tenha importância pública em qualquer lugar que o conteúdo pago está sendo exibido; ou

XIII – algoritmo de visualização: quando um provedor de aplicação utiliza um processo automatizado para determinar quando, como, e em qual ordem um conteúdo é apresentado a um usuário, incluindo ferramentas que recomendam ou disponibilizam automaticamente conteúdos baseados nas preferências dos usuários ou em interações anteriores.

incluídos

X – rede social: aplicação de internet que realiza a conexão entre si de usuários permitindo a comunicação, o compartilhamento e a disseminação de conteúdo em um mesmo sistema de informação, através de contas conectadas ou acessíveis entre si de forma articulada.

XI – serviço de mensageria privada: provedores de aplicação que prestam serviços de mensagens instantâneas por meio de comunicação interpessoal, acessíveis a partir de terminais móveis com alta capacidade de processamento ou de outros equipamentos digitais conectados à rede, destinados, principalmente, à comunicação privada entre seus usuários, inclusive os criptografados.

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7) Foi ampliado o conceito de uso legítimo, para livre manifestação artística, mas foi restringido de maneira ambígua o conceito de uso “imagens manipuladas”

Opinião: positivo, a ideia de limitar a manipulação de imagens apenas para deep fake era muito restrito

versão antiga

§1º Os provedores de aplicação devem respeitar a utilização lícita de pseudônimos e outros usos legítimos de suas contas e serviços, nos termos do artigo 5, IX e 220 da Constituição Federal respeitado o direito a honra de terceiros.

§3º Dada a natureza complexa e em rápida mudança do comportamento de disseminação de desinformação nas redes, os provedores de aplicação devem desenvolver procedimentos de acompanhamento para melhorar as proteções do usuário contra comportamentos ilícitos, incluindo a proteção contra o uso de imagens manipuladas para imitar a realidade (“deep fake”), entre outros.

versão nova

§1º As vedações do caput não implicarão restrição ao livre desenvolvimento da personalidade individual, à manifestação artística, intelectual, de conteúdo satírico, religioso, ficcional, literário ou qualquer outra forma de manifestação cultural, nos termos dos arts. 5º , IX e 220 da Constituição Federal.

§3º Dada a natureza complexa e em rápida mudança do comportamento inautêntico, os provedores de aplicação devem desenvolver procedimentos para melhorar as proteções da sociedade contra comportamentos ilícitos, incluindo a proteção contra o uso de imagens manipuladas para imitar a realidade, observado o disposto no §1º deste artigo.

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8) Os relatórios passaram a dar menos peso para verificadores de fatos independentes e órgãos oficiais e passaram a pedir dados mais detalhados de um ponto de vista demográfico

Opinião: a exclusão do número de requisições feitas por verificador de fatos ou órgão público reduz a possível censura a conteúdos, mas qual a vantagem de pedir gênero, idade e origem de perfis falsos?

excluídos

V – número de vezes em que um verificador de fatos independente, órgão público ou pessoa jurídica de direito privado foi consultada para tomada de decisão em relação a uma reclamação de usuário e quantas correções foram emitidas;

VI – outros dados relacionados a engajamentos ou interações com conteúdos que foram verificados como desinformação, discurso de ódio, exploração infantil, nudez não consentida e outras ações, podendo incluir curtidas, visualizações, cliques, alcance ou outras métricas relevantes de interação, bem como informações sobre pedidos de retirada e alteração de conteúdos por pessoas físicas e jurídicas que não sejam provenientes de verificadores de fatos independentes, incluindo aquelas advindas de entes governamentais.

incluídos

§1º Em relação aos perfis removidos, as plataformas devem fornecer de forma desagregada os dados categorizados por gênero, idade e origem dos perfis.

VI – dados relacionados a engajamentos ou interações com conteúdos que foram verificados como desinformação, incluindo, no mínimo: a) número de visualizações; b) número de compartilhamentos; c) alcance; d) número de denúncias; e) informações sobre pedidos de remoção e alteração de conteúdos por pessoas físicas e jurídicas, incluindo aqueles advindos de entes governamentais; f) outras métricas relevantes.

VII – estrutura dedicada ao combate à desinformação no Brasil, em comparação a outros países, contendo o número de pessoal diretamente empregado na análise de conteúdo bem como outros aspectos relevantes;

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9) É mantido e ampliado que os relatórios devem permitir identificar as redes produtoras de desinformação, incluindo através de conteúdo patrocinado

Opinião: medida bastante positiva, especialmente a inclusão de dados para estudos acadêmicos

versão antiga

Parágrafo único: Os relatórios e dados disponibilizados devem permitir a inter relação entre bots, contas e conteúdos desinformativos disseminados, de modo que seja possível a identificação de rede produtoras e disseminadoras de desinformação.

versão nova

VIII – em relação a conteúdo patrocinado, quem pagou pelo conteúdo, qual o público alvo e quanto foi gasto, em uma plataforma de fácil acesso a usuários e pesquisadores.

§1º Os relatórios e dados disponibilizados devem apontar a relação entre disseminadores artificiais, contas e disseminação de conteúdos, de modo que seja possível a identificação de redes articuladas de disseminação de conteúdo.

Art. 8º Resguardado o respeito à proteção de dados pessoais, as redes sociais devem atuar para facilitar o compartilhamento de dados com instituições de pesquisa para análises acadêmicas de desinformação.

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10) As medidas proativas para proteção contra desinformação se tornaram mais transparentes

Opinião: os critérios deixaram de ser apenas os padrões internacionais para se tornarem mais objetivas

versão antiga

Art. 8º Os provedores de aplicação de que trata esta Lei devem tomar medidas proativas para proteger seus serviços contra a disseminação de desinformação através de medidas técnicas compatíveis com os padrões internacionais e pelo estímulo ao uso de boas práticas.

versão nova

Art. 9º Aos provedores de aplicação de que trata esta Lei, cabe a tomada de medidas necessárias para proteger a sociedade contra a disseminação de desinformação por meio de seus serviços, informando-as conforme o disposto nos artigos 6º e 7º desta Lei.

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11) o tempo máximo de envio de conteúdo agências de verificação e justificativas foi retirado

Opinião: positivo, a monitoração anterior que inclluia conteudos com mais de 5 mil visualizações num prázo máximo de 12 horas era impossível de ser realizada se não de maneira automática e pouco confiável.

excluído

Art. 9º Os provedores de aplicação devem ser transparentes em relação a conteúdos potencialmente desinformativos e encaminhar tais conteúdos para verificadores de fatos independentes o mais rápido possível para análise, tendo no máximo 12 (doze) horas para a adoção das providências indicadas nesta Lei.

Art. 10. As medidas proativas devem ser efetivas, proporcionais, não discriminatórias e devem considerar os direitos fundamentais dos usuários, em particular a liberdade de expressão e o respeito à legislação de proteção de dados pessoais.

Parágrafo único. Em qualquer ação tomada em cumprimento a esta Lei, em relação a contas ou conteúdo de usuários, os provedores de aplicação devem notificar o usuário sobre a medida tomada e apresentar claramente os motivos.

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12) A remoção e posterior notificação de conteúdo falso deixam de ser obrigatórias e passam a ser consideradas”boas práticas”. O aviso a quem compartilhou informação falsa é ressaltado

Opinião: Essa alteração reduz os critério que geram sanção para empresas e ressaltam o envio de notificação de informação falsa a quem a enviou

versão antiga

Art. 12. É obrigatória a disponibilização de serviço de revisão do conteúdo considerado como desinformativo ao usuário.

Art. 13. É vedado o patrocínio de conteúdo verificado e revisado como desinformação nos termos do art. 12.

Art. 14. Para cada conteúdo com alcance significativo que for apurado como desinformação pelos verificadores de fatos independentes, os provedores de aplicação deverão compartilhar a correção sugerida objetivando atingir, no mínimo, o alcance inicial do conteúdo original e as pessoas atingidas inicialmente.

Art. 15. Consideram-se boas práticas para corrigir a desinformação: I – o uso de correções provenientes dos verificadores de fatos independentes com ênfase nos fatos; II – Evitar a repetição da informação falsa ou enganosa.

versão nova

Art. 10. Consideram-se boas práticas para proteção da sociedade contra a desinformação: I – o uso de verificações provenientes dos verificadores de fatos independentes com ênfase nos fatos; II – desabilitar os recursos de transmissão do conteúdo desinformativo para mais de um usuário por vez, quando aplicável; III – rotular o conteúdo desinformativo como tal; IV – interromper imediatamente a promoção paga ou a promoção gratuita artificial do conteúdo, seja por mecanismo de recomendação ou outros mecanismos de ampliação de alcance do conteúdo na plataforma. V – assegurar o envio da informação verificada a todos os usuários alcançados pelo conteúdo desde sua publicação.

Art. 11. Caso o conteúdo seja considerado desinformativo, os provedores de aplicação devem prestar esclarecimentos ao primeiro usuário a publicar tal conteúdo, bem como toda e qualquer pessoa que tenha compartilhado o conteúdo, acerca da medida tomada, mediante exposição dos motivos e detalhamento das fontes usadas na verificação.

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13) Deixa de existir a obrigação um mecanismo para DENUNCIAR informação falsa para empresas privadas e passa a existir um mecanismo pra CONTESTAR conteúdo removido

Opinião: o mecanismo de denúncia de informação falsa ainda pode ser incluido de maneira opcional e a medida de contestação é positiva, mas não há estabelecimento de prazos para essa revisão, que poderiam ser estabelecidos pelo CGI como parte de boas práticas.

versão antiga

Art. 16. Os provedores de aplicação devem fornecer um mecanismo acessível e destacado para qualquer usuário reportar desinformação ou solicitar uma correção.

Art. 17. Os provedores de aplicação devem atuar em cooperação com verificadores de fatos independentes para criar e manter um banco de dados comum de desinformações verificadas, cujo conteúdo deve ser disponibilizado publicamente

versão nova

Art. 12. Os provedores de aplicação devem fornecer um mecanismo acessível e em destaque, disponível por no mínimo três meses após a decisão, para que o usuário criador ou compartilhador do conteúdo, bem como o usuário autor de eventual denúncia possa recorrer da decisão.

§1º Deve ser facultada ao usuário a apresentação de informação adicional a ser considerada no momento da revisão.

§2º Caso a revisão seja considerada procedente pelo provedor de aplicação, este deve atuar para reverter os efeitos da decisão original.

Art. 24. A aplicação de internet de pessoa jurídica do poder público deve: I – disponibilizar mecanismo acessível e destacado para qualquer usuário reportar desinformação; e II – utilizar as diretrizes de rotulação de conteúdos patrocinados promovidos pelo setor público.

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14) a quebra de criptografia em serviços de mensagem foi removido

Opinião: ótima notícia, ainda que fosse simplesmente absurdo estar previsto no projeto anterior

excluído

Art. 18. Os provedores de aplicação que prestarem serviços de mensagens instantâneas, inclusive os criptografados, devem identificar aos usuários o produtor das mensagens escritas por terceiros e as mensagens que tiveram origem ou disseminação realizada por bots.

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15) A lei passa a definir estritamente o número de reencaminhamentos em serviços de mensagem, especialmente no período de eleições

Opinião: tanto limitar o número de pessoas em um grupo quanto definir o número de reencaminhamentos por lei é apenas usar o líder de mercado (Whatspp) como referência, o que não resolve o problema, apenas faz todos os concorrentes se adequarem ao líder.

versão antiga

Art. 20. Os provedores de aplicação que prestarem serviços de mensagens instantâneas devem utilizar todos os meios ao seu alcance para limitar a difusão e assinalar aos seus usuários a presença de conteúdo desinformativo, sem prejuízo da garantia à privacidade e do segredo de comunicações pessoais.

versão nova

Art. 13. Os provedores de aplicação que prestarem serviços de mensageria privada desenvolverão políticas de uso que limitem o número de encaminhamentos de uma mesma mensagem a no máximo 5 (cinco) usuários ou grupos, bem como o número máximo de membros de cada grupo de usuários para o máximo de 256 (duzentos e cinquenta e seis) membros.

§1º Em período de propaganda eleitoral, estabelecido pelo art. 36 da Lei 9.504 de 1997 e durante situações de emergência ou de calamidade pública, o número de encaminhamentos de uma mesma mensagem fica limitado a no máximo 1 (um) usuário ou grupo.

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16) A lei passou a determinar que o usuário deve classificar de antemão se aquele perfil ou número será usado para envio de mensagens em massa, de modo a facilitar a identificação de spam

Opinião: Medida positiva, pois facilita a classificação de usuários como robôs

versão antiga

Art. 19. Os provedores de aplicação que prestarem serviços de mensagens instantâneas que fornecem mecanismo de transmissão em massa devem requerer o consentimento do usuário antes de entregar as mensagens.

§1º As configurações para transmissão de mensagens devem por padrão serem definidas como “desativadas” e os usuários devem optar manualmente para começar a receber o conteúdo transmitido.

§2º O consentimento do usuário é necessário somente na primeira vez em que um remetente desejar enviar uma mensagem.

§3º Os serviços devem fornecer meios acessíveis e destacados para os usuários retirarem o consentimento dado previamente.

versão nova

Art. 14. Sem prejuízo da garantia da privacidade, na abertura de contas em provedores de serviço de mensageria privada, o usuário deverá declarar ao provedor se a conta empregará disseminadores artificiais, ou ainda, após a abertura de contas, se o usuário passar a utilizar aplicativos ou serviços de intermediários de disseminação a administração de contas.

Parágrafo único. O provedor de aplicação de mensageria privada deverá excluir a conta de usuário que não declarar o uso de disseminadores artificiais caso o volume de movimentação e número de postagens seja incompatível com o uso humano.

Art. 15. O provedor de aplicação que prestar serviço de mensageria privada e que apresente funcionalidades de comunicação de massa, como listas de transmissão, conversa em grupo e assemelhados, deve requerer permissão do usuário em momento anterior à entrega das mensagens ou à inclusão em grupo.

§1º A autorização para recebimento de mensagem em massa será por padrão desabilitada.

§2º A permissão a que se refere o caput deste artigo é necessária somente na primeira vez em que o usuário remetente desejar enviar uma mensagem.

§3º Os serviços devem fornecer meios acessíveis e destacados para os usuários retirarem a permissão concedida previamente.

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17) Anúncio online ou propaganda política precisar atender os termos da lei, mas passou a ser obrigado a fornecer dados de que por que a pessoa foi selecionada para assistir aquela propaganda e quais conteúdos aquele patrocinador financiou nos últimos 12 meses

Opinião: medida extremamente positiva

excluído

Art. 25. É proibido postar conteúdo patrocinado, anúncio online ou propaganda política patrocinada que não esteja em conformidade com os requisitos de rotulação determinados nesta Lei.

incluiído

IV – direcione o usuário para acessar informações de quais as fontes de informação e os critérios utilizados para definição de público-alvo do conteúdo patrocinado; V – inclua dados sobre todos os conteúdos que o patrocinador realizou nos últimos doze meses, incluindo aqueles em execução no momento em que receber a propaganda.

Art. 23. As redes sociais devem tornar pública, em plataforma de acesso irrestrito e facilitado, dados sobre todos os conteúdos patrocinados ativos e inativos relacionados a temas sociais, eleitorais e políticos.

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18) A publicidade governamental deixa de ser obrigada a ser baseada em evidências cientìficas e proibida de usar bots pra disseminar desinformação e passa a ser obrigada a educar seus servidores sobre o assunto

Opinião: alteração esquisita, pois se a preocupação da lei é impedir “fake news” ela desobriga o governo de se basear em fatos e evidências científicas?

versão antiga

Art. 33. Ações de publicidade e comunicação governamental devem, necessariamente, publicar informações baseadas em evidências científicas.

Parágrafo Único A Administração Pública não deve, sob nenhuma hipótese, disseminar desinformação, por meio de contas inautênticas, bots ou botnets.

versão nova

Art. 27. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios devem promover campanhas para servidores públicos sobre a importância do combate à desinformação e transparência de conteúdos patrocinados na internet.

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19) a multa deixa de ter um valor aberto e passa a assumir critérios de proporcionalidade

Opinião:

versão antiga

II – multa de até 10% (dez por cento) do faturamento do grupo econômico no Brasil no seu último exercício, excluídos os tributos, considerados a condição econômica do infrator e o princípio da proporcionalidade entre a gravidade da falta e a intensidade da sanção;

versão nova

II – multa;

§1º Para fixação e gradação da sanção, deverão ser observados: I – a gravidade do fato, a partir da consideração dos motivos da infração e das consequências nas esferas individual e coletiva; II – a reincidência na prática de infrações previstas nesta Lei; III – a capacidade econômica do infrator, no caso de aplicação da sanção prevista no inciso II do caput.

§2º Para efeito do §1º, a cominação das sanções contidas nos incisos III e IV do caput está condicionada à prévia aplicação daquelas enunciadas pelos incisos I e II nos doze meses anteriores ao cometimento da infração.



[Opinião] Tabata e Rigoni propõem “lei anti-carluxo”

9 de Maio de 2020, 20:07, por PIRATAS - 0sem comentários ainda

Desinformação corroi a democracia, mas apenas leis não impedem novos ventos

por alguem anon, @rrobinha e Andŕe Sobral

A existência de boatos e difamação no meio político não é uma novidade histórica ou fenômeno recente, apresentando maior relevância em períodos de transição tecnológica quando novos meios de comunicação ainda não se estabilizaram. Nos últimos anos, é perceptível um crescimento no Brasil da utilização de campanhas de desinformação, apelidadas de ‘fake news’.

Diferente do que o termo pode sugerir, fake news não implica necessariamente que as informações vinculadas são completamente falsas, ainda que isso seja possível. Boa parte do conteúdo colocado sob este rótulo utilize-se de meias verdades, informações deliberadamente fora de contexto e utilizadas de má fé para apelar para o viés de confirmação da sua vítima, recorrendo para medos, preconceitos e ignorância.

O mais irônico é que a adoção desse estranho estrangeirismo no uso do termo “fake news” só foi popularizado quando Donald Trump, logo depois de eleito, o empregou como uma estratégia para reagir às supostas notícias falsas veiculadas pela mídia Norte-Americana a seu próprio respeito. O termo então passou a ser utilizado de uma maneira mais ampla por toda a Imprensa mundial para se referir a diferentes tipos de estratégias de desinformação veiculadas com um claro objetivo político.

Fake news, a partir daí, passou a ser uma expressão conhecida por seu uso frequentemente enganoso. Usada sempre com intuito de desqualificar determinados emissores de informações vistos como não confiáveis, sendo utilizada de forma tão recorrente no Brasil que assumiu o papel de justificativa e argumento retórico até mesmo por organismos oficiais do governo, como o próprio STF, que se comprometeu (sem sucesso) a combater as ‘fake news’ nas últimas eleições presidenciais.

Isso sem falar de medidas mais esquisitas, como a abertura do processo de investigação conduzido pelo Ministro Alexandre de Moraes a pedido do seu presidente Dias Toffoli, que busca analisar a origem dos ataques online que a corte passou a sofrer ininterruptamente desde o final de 2018.

Essas diferentes modalidades de ‘fake news’, ou estratégias de desinformação, que começaram de uma maneira aparentemente mais inocente sob a forma de notícias veiculadas com títulos exagerados ou distorcidos, criados com o objetivo de radicalizar o leitor e disseminados por sites e veículos independentes, são geralmente associadas a movimentos de natureza política, que passaram a gradualmente assumir um caráter cada vez mais bem financiado, organizado e complexo, especialmente após as eleições de 2018.

Atualmente, essas campanhas envolvem a disseminação em massa por robôs e outras ferramentas de envio em massa que utilizam aplicativos de mensagens para disseminação de memes, imagens e notícias falsas , chegando ao extremo de propagar mensagens de caráter perigoso, como aquelas que divulgavam o uso de um medicamento com claros efeitos colaterais como a cloroquina, provocando acidentes e mortes entre seus leitores, além de outras notícias com o objetivo de denegrir ou atingir a honra e reputação de adversários políticos.

 

A emenda é pior que o soneto

Com o objetivo de tentar aplacar estas estruturas difusoras de mentiras na rede, Tabata Amaral e Felipe Rigoni propuseram o projeto que cria a Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet, que amplia os conceitos do Marco Civil ao incluir aplicativos de mensagens como o WhatsApp.

Tabata alega que “as empresas de redes sociais precisam impedir atuação de robôs”. Rodrigo Maia estaria inclinado a votar a matéria em breve.

Para se ter uma noção com o nível de preocupação sobre os possíveis impactos das “fake news”, o Whatsapp é apontado como foco mais veloz de propagação de fake news e boatos relativos à covid-19, incentivando a desobediência à quarentena, o uso de produtos não confiáveis como tratamento e a subestimação dos efeitos da doença, o que pode custar milhares de vidas ao Brasil.

O projeto de lei supracitado prevê multa de até 10% do faturamento da plataforma de mídia social, indo além, sugerindo até sua proibição de atuar no País caso não se verifique as contas sejam consideradas “inautênticas“.

Por conta e conta inautêntica, no glossário do art 4, podemos entender que: 
IV – conta: qualquer acesso à aplicação de internet concedido para indivíduos ou grupos e que permite a publicação de conteúdo
V – conta inautêntica: conta que dissemina desinformação, criada ou usada com o propósito de deturpar intencionalmente conteúdos ou dolosamente assumir identidade de terceira pessoa para enganar o público;
 
Ainda no artigo 4 do projeto, consta que desinformação é aquele conteudo que:
a) Seja disseminado para obter ganhos econômicos; ou 
b) Possa causar danos públicos, como fraudes eleitorais, o risco à estabilidade democrática, ao funcionamento de serviços públicos, à integridade física e moral de pessoas e grupos identificáveis por sua raça, gênero, orientação sexual ou visão ideológica ou consequências negativas à saúde individual ou coletiva. 

É possível considerar, num primeiro momento, que tal iniciativa consiste numa mobilização necessária para conter o grande mal que são as campanhas de desinformação. Mas nós, do Partido Pirata, que apesar de também considerarmos a veiculação destas mentiras na rede como um problema sério, queremos chamar a atenção para outros aspectos desta proposta que podem significar problemas futuros muito maiores.

Atualmente, o Whatsapp possui criptografia de mensagens de ponta a ponta. Isso significa que eles mesmos não possuem acesso ao conteúdo de cada mensagem particular veiculada pelos seus usuários. Portanto, caso o Facebook, empresa que comprou o Whatsapp, empreenda uma averiguação minuciosa das contas, como exige a lei, isso significaria um acesso massivo às informações particulares de cada conta.

Isso quer dizer que a empresa teria acesso não só às conversas e arquivos trocados entre as contas, como também outras informações delicadas, como todos os dados das contas vinculadas ao aparelho celular, como conta google, gmail, arquivos em nuvem, etc. É até possível que eles tenham acesso a esse nível de informação hoje, mas em nível agregado, não de maneira particular individual, de maneira a poder identificar a fonte das informações falsas.

Ainda de acordo com o projeto de lei, todas as empresas de tecnologia de grande porte teriam que fornecer relatórios detalhando que suas medidas foram efetivas na remoção das contas e perfis falsos cujo conteúdo, segundo o projeto, atinja um número superior a 5 mil pessoas, fornecendo em suas páginas uma atualização trimestral da quantidade de perfis inautênticos removidos, incluindo o percentual de quantas ainda estavam ativas.

No entanto, de que adianta fornecer números ou quantidades de perfis inautênticos removidos? Qual a eficiência dessa mensuração? Traria algum tipo de satisfação ou senso de segurança saber que o Twitter removeu esse ano 5 milhões de perfis falsos, 10% a mais do que no ano anterior? Se esse tipo de informação já peca por fornecer uma falsa sensação de segurança no que tange à segurança pública (como o aumento do número de apreensão de drogas ou de pessoas presas) o que dizer dessa mesma prática inócua de enxugar gelo ao informar o número de contas eletrônicas removidas?

Além disso, pedir para uma empresa acompanhar conteúdos que atinjam mais que 5 mil pessoas é um limite muito baixo e envolveria acompanhar praticamente e em tempo real todos os conteúdos produzidos por um perfil de porte médio. Algo relevante e ao mesmo tempo intrusivo, quando muitos microempreendedores possuem grupos na rede para divulgar seu trabalho.

E Mesmo as postagens nos perfis do Partido Pirata (que, sejamos francos, ainda é desconhecido por muitas pessoas) facilmente atingem 5 mil pessoas. Portanto, isso implicaria em medidas de monitoramento de praticamente todo o conteúdo em tempo real, o que levaria necessariamente a filtros e outros tipos de classificação automática de postagens, como ocorreu na União Européia após a aprovação do chamado ‘artigo 13’, implicando em medidas de censuras prévia contra conteúdos. E é isso que deveria suscitar preocupação.

o número de vezes em que um verificador de fatos independente, órgão público ou pessoa jurídica de direito privado foi consultada para tomada de decisão em relação a uma reclamação de usuário e quantas correções foram emitidas” (art. 5), além de dever constar a quantidade de reclamações sobre tais contas e o tempo que se deu entre as queixas e a solução do problema. Em período eleitoral, estes relatórios deverão ser divulgados semanalmente.

Nesse trecho podemos considerar a insistência de achar que ‘verificadores de fatos independentes’ ou órgãos públicos sejam de alguma maneira mais isentos para considerar o que é ‘verdadeiro’ ou não. Um traço que os sistemas legais derivados do direito romano carregam desde a Idade Média, quando era dado a eles pelo rei o dever de atestar por meio de inquéritos o que seria a ‘realidade ‘.

Além disso, isso pode resultar não só na concessão de dados privados para o governo, como também pode haver equívocos neste processo e estes dados de usuários serem expostos a terceiros. Reiteramos que o armazenamento dessas informações pelas empresas consiste em um negócio bastante rentável (vide o escândalo da Cambridge Analytca, empresa contratada para a campanha de Donald Trump que coletou dados de milhões de contas do Facebook e as utilizou para direcionar propaganda política com clara intenção de influenciar nas eleições dos EUA).

 

É hora de parar de falar em fake news

Não podemos subestimar os efeitos da desinformação na democracia representativa brasileira, no qual o dinheiro vindo de fontes ilícitas tem sido utilizados para financiar os esquemas de criação e difusão de ‘Fake News’ através de redes sociais como o Facebook e aplicativos de mensagens instantâneas como o whatsapp. Construindo narrativas escandalosas e alarmistas, que pedem aos que recebem a mensagem para replicá-la para o máximo de contatos possíveis de forma a viralizar a campanha e dificultar o rastreio de sua origem.

A utilização destes mecanismos informacionais massificados aumentam o ceticismo dos eleitores, diminui a confiança na autoridade governamental, amplia tolerância para discursos extremistas e desbalanceiam as competições eleitorais de uma forma intensa. Investigações apontam Carlos Bolsonaro como articulador de difusão de Fake News nas redes sociais, existindo claras evidências de atividades coordenadas pelo próprio governo e utilizando recursos e prédios públicos para atacar inimigos políticos.

Neste contexto,o envolvimento do filho do presidente da República na disseminação de “fake news” é um indicador de que o fenômeno não só é conhecido pelo presidente, como também se tornou política pública no país.

No entanto, esse projeto de lei claramente terá um caráter pouco eficiente, pois propõe medidas de caráter analógico como a emissão de relatórios ou a verificação manual de conteúdos em massa, levando a medidas que representam pouco mais do que “enxugar gelo”.

Iniciar todo um procedimento tecnológico massivo de coleta de dados de milhões de usuários com vistas a atingir um esquema criminoso orquestrado por um grupo organizado que, como apontado pela PF, se encontra localizado no gabinete da presidência da república, cabe perguntar se não seria mais fácil desarticular tal grupo com medidas pontuais do que propor um projeto de lei cuja eficiência suscita mais preocupações do que segurança? Afinal, o que provoca todo esses danos à democracia? A ferramenta em si o seu uso abusivo feito em em associação com campanhas milionárias?

Em outras palavras, ao invés de propor uma lei que só vai servir pra enxugar gelo, não era mais fácil seguir a trilha do dinheiro e prender o Carluxo logo?



[Opinião] A praça, a quarentena e o salário dos vereadores

26 de Abril de 2020, 19:44, por PIRATAS - 0sem comentários ainda

Comparando o cercamento de praças versus o real impacto na redução do salário de vereadores

por Leandro Chemalle

imagem retirada da Gazeta de Pinheiros

A Prefeitura de São Paulo vai gastar nas próximas semanas um valor em torno de R$ 800.000 para poder cercar toda a Praça do Por do Sol, na região da Lapa, para que os furadores de quarentena não frequentem a praça. Somando esse valor com aqueles de outras praças menores, o poder público deverá gastar em torno de R$ 1.000.000 apenas para cercar todas as praças públicas da cidade.

Sempre fui bastante crítico acerca das discussões que envolvem salários (formais e regulares) de parlamentares, assim como de suas verbas de gabinete. É um tema ao qual que é dado uma importância muito grande para um valor que geralmente representa muito pouco do orçamento geral seja de cidades, seja de estados. Nessa semana, os vereadores de SP votaram um pacote que no total libera R$ 50 milhões para ações contra a COVID-19. Ate aí uma medida louvável, mas quando observamos o assunto NO DETALHE, verificamos o seguinte:

Resumo: medidas do pacote de austeridade da Câmara:

– Corte de 30% do subsídio dos vereadores (que é de R$ 18.991,68);
– Corte de 30% do auxílio-encargos gerais de gabinete (que é de R$ 25.884,38/mês);

Impacto da redução estimada até 31/12 (8 meses x 52 vereadores): ~ R$ 8 milhões

– Corte de R$ 3,6 milhões em contratos (cancelamento de obras, aquisição de materiais, manutenção de equipamentos etc);
– Repasse de R$ 38,6 milhões do Fundo Especial de Despesas da Câmara para a prefeitura (Lei já aprovada);

Total geral das medidas: R$ 50,2 milhões

Tive o trabalho de abrir a minha super calculadora do windows para fazer a seguinte conta:

– 30% do salário equivale a aproximadamente R$ 5,700 a menos no vencimento por mês, vezes 8 meses (maio a dez) dá algo em torno de R$ 45.600 de economia POR VEREADOR, até dezembro de 2020.
– Multiplicando o valor vezes os 55 vereadores falamos de uma economia de salários em torno de R$ 2.500,000

Sim, R$ 2,5 milhões é muito no meu no seu bolso, mas sabe quanto representa pro orçamento da cidade? É um valor irrisório, não banca o aumento do custo de coveiros da cidade por um mês. Não banca nem uma semana de funcionamento dos principais hospitais da cidade, não banca o custo da mais simples campanha de comunicação da prefeitura.

Tá, mas porque eu to falando sobre isso?

O movimento da Câmara de movimentar o seu orçamento para ações do município é importante, no entanto o movimento de verbas de ordem burocrática e administrativa (R$ 38.600.000 + R$ 3.600.000) é muito mais representativo em número, mas INFINITAMENTE menos representativo na manchete e na viralização da notícia da economia nas redes sociais.

Conclusão: o fetiche em torno de salários de políticos gera um movimento digital que, quase sempre, rende muito pouco em valores para obras públicas e que seria muito mais produtivo para a sociedade se essa energia fosse investida em discussões embasadas prioritariamente em relação o orçamento e gastos de obras públicas do que apenas em salários. O valor que será economizado e realocado com os salários dos vereadores em 2020 é menos do que 3x o que a prefeitura vai gastar apenas pra fechar uma praça pública que os furadores de quarentena que adoram criticar salários de servidores públicos adoram postar.

Pergunta: o que tem tido mais destaque nas suas redes, nos seus grupos e na imprensa: o salário dos vereadores ou o absurdo de gastar quase 1 milhão pra fechar praças públicas?

Leandro Chemalle é Secretário Geral do Partido Pirata



[Opinião] É hora de um Plano Real dos Bancos

20 de Abril de 2020, 18:32, por PIRATAS - 0sem comentários ainda

Quando os bancos pedem socorro é o momento de exigir contra-partidas

imagem: “Downfall of Mother Bank“, por Henry R, Robinson, 1833

por Wilson

Momentos excepcionais exigem medidas excepcionais. Como Yuval Harari comentou em um recente artigo publicado no Financial Times, momentos críticos na história da humanidade, como guerras, revoluções e grandes cataclismas naturais, geram circunstâncias tão críticas que fazem com que decisões de autoridades e governos, que normalmente levariam anos para serem aprovadas, sejam feitas em poucas horas.

É o que estamos acompanhando com o desenrolar de uma das maiores pandemias da história com o surgimento do Corona Vírus (COVID-19), cujo acontecimento apresenta paralelos apenas com outros casos que geralmente acontecem uma vez a cada cem anos, como a gripe espanhola de 1918 ou a peste negra de 1350, mas existem outros exemplos.

Embora o foco desse texto seja uma proposta econômica, chega a ser assustadora a velocidade com que mecanismos de vigilância em massa estão sendo implementados simultaneamente em diversos países do mundo ocidental para acompanhar a evolução da doença, abrindo espaço, como comentou recentemente , para que esses sistemas se tornem permanentes depois da crise.

Embora o foco desse texto seja uma proposta econômica, chega a ser assustadora a velocidade com que mecanismos de vigilância em massa estão sendo implementados simultaneamente em diversos países do mundo ocidental para acompanhar a evolução da doença, abrindo espaço, como comentou recentemente Edward Snowden, para que esses sistemas se tornem permanentes depois da crise. Uma verdadeira “arquitetura da opressão”, que pode ajudar a fornecer ferramentas e instrumentos para governos autoritários, que, historicamente, sempre surgem como uma resposta a períodos de grande convulsão social como essa.

Essas medidas de vigilância em massa, no entanto, cujos resultados prometem ser desastrosos no longo prazo, acabam ficando em segundo plano no curto prazo, diante das taxas exponenciais de infecção do COVID-19, do explosivo número de mortos e internados na UTI nos países onde a infecção avançou sem controle e das assustadoras projeções na casa das centenas de milhares de mortos, feitas pelos mais prestigiados centros de pesquisa do mundo. Algo que obrigou governos e autoridades no mundo todo a decretarem medidas de isolamento social, que geraram uma interrupção das atividades econômicas em um nível maior do que qualquer outra das crises econômicas anteriores, incluindo a crise de 2008 nos EUA e a crise de 2015 no Brasil.

Em termos estritamente econômicos, esse momento pode ser visto como uma crise que afeta simultaneamente tanto a oferta quanto a demanda, provocada por uma uma brusca interrupção de parte das atividades econômicas e, consequentemente, do chamado fluxo circular de renda: as empresas ficam sem poder fornecer produtos para as famílias em troca de pagamento, enquanto as famílias ficam sem poder fornecer trabalho em troca de salário, como mostra o esquema abaixo.

E a interrupção desse fluxo é algo que acaba afetando especialmente trabalhadores autônomos e os mais vulneráveis, que são aqueles responsáveis por pagar o seu próprio salário ou, ainda, que trabalham de dia para comer à noite. Em uma situação tão extraordinária como essa, simplesmente não existe outra solução possível que não seja o Estado literalmente carregar empresas e trabalhadores nas costas através da emissão de dívida. Uma opção que só pode ser comparada a períodos marcados pela guerra, igualmente marcados por um aumento do endividamento público.

O maior problema, no entanto, é que embora o governo venha se mobilizando para garantir uma renda mínima para trabalhadores formais e autônomos (ainda que com atraso e por iniciativa do Congresso, não do presidente ou Executivo), os maiores prejudicados no médio a longo prazo acabarão sendo os donos de pequenas e médias empresas. Estes passarão a apresentar um maior risco de falência no futuro próximo pois, embora sem qualquer previsão de receita e faturamento, ainda deverão continuar honrando compromissos como salários, aluguéis e outros custos fixos enquanto durar essa quarentena, pelo tempo que for necessário.

Isso é especialmente válido para as empresas de pequeno e médio porte, pois enquanto as maiores empresas e corporações privadas do mercado possuem a capacidade de manejar recursos financeiros ou captar os empréstimos mais baratos para minimizar suas perdas, as empresas menores possuem, em média, um fluxo de caixa capaz de cobrir 28 dias de operação.

Ou seja, se a “quarentena” durar mais do que trinta dias, os donos das empresas terão duas alternativas. Serão obrigados a 1) se desfazer de ativos, amargando prejuízos como se desfazer de ações ou vender imóveis em um período de baixa geral do mercado (“quem raios vai querer comprar minha casa de praia em meio à uma pandemia global?”) ou 2) assumir empréstimos simplesmente para cobrir gastos correntes, mas sem qualquer horizonte certo para saber quando conseguirão recuperar o seu ritmo natural de receitas, tendo como única alternativa a falência.

Mesmo as linhas de empréstimo anunciadas até o momento pelo governo, com juros muito mais generosos que os praticados pelo sistema bancário, apresentam uma enorme dificuldade para chegar até a ponta. Isso porque dentro da metáfora de “jogar dinheiro pelo helicóptero” evocados em momentos de crise como esse, as maiores empresas sempre conseguem “espalhar redes” para capturar esse dinheiro lá no alto antes que ele consiga chegar ao chão.

Esse efeito dos empréstimos capturados pelas grandes empresas não é exclusivo da atual crise em que estes, por sua vez, apresentam certo paralelo com as linhas de empréstimo de 1 TRILHÃO disponibilizadas pelo Banco Central. Essa medida, que se faz necessária devido ao interrompimento das linhas de crédito disponibilizadas por bancos estrangeiros, acabam servindo apenas para garantir que o fluxo sanguíneo continue sendo bombeado primariamente nas principais artérias e veias do sistema financeiro. Porém, não possuem a eficácia necessária para atingir as pequenas veias capilares, em um processo semelhante à exposição do corpo ao frio extremo: as extremidades acabam congelando e produzindo necrose nas pontas dos dedos, pés e mãos.

Como resultado disso tudo, resta às empresas de menor porte se comprometer com os empréstimos regulares oferecidos pelos bancos. Estes últimos, já prevendo o maior risco de falência do futuro, estão oferecendo linhas de empréstimo cerca de 70% mais caras do que o normal.

Saindo da economia real para o mundo financeiro

Pra piorar, como se isso já não fosse desastre o suficiente, todos os pontos destacados até aqui levam em conta apenas os fluxos econômicos recorrentes do setor produtivo – receita das empresas com a venda de produtos versus pagamento de salários com a oferta de trabalho – mas não levam em conta as posições financeiras, ou seja, as dívidas que as empresas assumiram antes do surgimento da crise, o que inclui títulos de dívida emitidas pelas empresas antes do surgimento da crise. As chamadas debêntures.

Como se isso já não fosse desastre o suficiente, todos os pontos destacados até aqui levam em conta apenas os fluxos econômicos recorrentes do setor produtivo – receita das empresas com a venda de produtos versus pagamento de salários com a oferta de trabalho – mas não levam em conta as posições financeiras, ou seja, as dívidas que as empresas assumiram, incluindo a emissão de títulos efetuadas antes do surgimento da crise: as chamadas debêntures.

Talvez o leitor nunca tenha ouvido falar em “debênture”. Embora não sejam amplamente conhecidas, elas são equivalentes aos títulos de dívida pública do governo, mas emitidas por empresas privadas. Só que, diferente dos títulos da dívida pública que apresentam uma chance quase zero de não cumprir com seus compromissos, títulos de dívida emitidas por empresas tem um risco muito maior de não serem pagas, especialmente em um momento de brusca interrupção do fluxo econômico como o que estamos vivendo agora.

É por esse motivo que está atualmente em discussão no congresso a chamada PEC do “Orçamento de Guerra”, que tem como objetivo conceder temporariamente poderes ao Banco Central para que ele possa comprar e vender tanto títulos públicos quanto privados (debêntures) de modo a impedir que haja um possível colapso no sistema financeiro e bancário. No Brasil, esses sistemas são praticamente sinônimos, já que a maior parte dos fluxos financeiros estão na mão dos maiores bancos.

E por que há esse risco de colapso no sistema financeiro? Porque, caso as empresas que emitiram esses títulos privados (as tais debêntures) comecem a apresentar uma falência em massa, os fundos que emitiram esses títulos e as instituições financeiras associadas a elas podem passar a apresentar risco de falência – especialmente aquelas instituições financeiras de menor porte, gerando um verdadeiro efeito dominó de falências em massa em todo o sistema financeiro.

E qual o principal problema de aquisição dessas debêntures? É porque, diferente de títulos públicos que possuem uma remuneração com taxas de juros disponibilizadas de maneira pública para todos, as debêntures não têm uma remuneração muito clara. A única exigência requerida para que elas sejam registradas é o valor do empréstimo concedido, mas não a sua remuneração, abrindo espaço, na prática, para que o Banco Central acabe pagando por elas um valor muito maior do que seria necessário, além de abrir espaço para salvaguardar uma série de negociações escusas, incluindo possíveis operações de lavagem de dinheiro.

Por esse motivo, a Câmara dos Deputados não apresentou a princípio disposição em aprovar a aquisição das debêntures pelo Banco Central, mas apenas dos títulos públicos. No entanto, diante da possibilidade real de colapso em massa do sistema financeiro, foi permitida a aquisição de títulos privados desde que ela não fosse feita de maneira solitária pelo Banco Central, dependendo também da aprovação do Ministério da Economia e da injeção de aportes públicos de um mínimo de 25% do total pelo Tesouro, algo que na prática faz com que o governo se torne sócio direto das empresas em que o dinheiro público fosse aportado.

Essa opção que acabou sendo aprovada na Câmara, no entanto, não foi vista como suficiente para impedir possíveis problemas, como aponta o recente texto de Eduardo Moreira e Maria Lúcia Fatoreli. Algo compreensível, já que pensar que o Ministério da Economia comandado por Paulo Guedes vá servir de algum modo como empecilho para operações que possam ser primariamente vantajosas para bancos e o restante do sistema financeiro não parece fazer muito sentido.

A princípio realmente não parece fazer muito sentido salvar os bancos. Por que deveríamos nos arriscar a repetir o caso da crise financeira de 2008, em que o governo dos Estados Unidos salvou os bancos sem qualquer tipo de contrapartida? Em primeiro lugar, diferente da crise de 2008, a atual crise não foi gerada de maneira solitária e endógena pelo sistema financeiro, mas provocada por um evento catastrófico externo: a pandemia global provocada pelo coronavírus.

Diferente, portanto, da crise de 2008 em que o governo dos EUA salvou os bancos de um problema que eles mesmos geraram, auxiliar os bancos nesse momento não irá apenas impedir que ocorra um efeito dominó que afete todo o sistema financeiro, mas também impedirá o colapso em especial dos bancos menores, o que levaria a uma concentração ainda maior do sistema bancário na mão de poucas instituições financeiras.

Auxiliar o sistema financeiro por meio da aquisição de títulos privados e públicos, no entanto, não implica que esse processo possa ou deva ser realizado sem contra-partidas. Pelo contrário: dado que situações excepcionais exigem medidas excepcionais, deveríamos aproveitar o momento atual, em que o sistema financeiro se encontra em apuros, para exigir dele a maior de todas as contra-partidas.

O ideal é aproveitarmos o momento atual para reformular o sistema de remuneração dos títulos no Brasil, trocando o sistema abusivo baseado juros compostos por um sistema mais acessível e amigável baseado em juros simples.

Precisamos achatar a curva dos juros

Entre as diversas afirmações atribuídas a Einstein está a de que “Os juros compostos são oitava maravilha do mundo. Aqueles que a compreendem, ganham com isso, mas aqueles que não, pagam por isso”. Embora ele provavelmente não seja o autor da frase, a força dela busca demonstrar a incrível força e trajetória que os juros compostos podem apresentar ao longo do tempo

Para não entrarmos em um debate desnecessariamente técnico, hermético e cheio de fórmulas, vamos resumir a comparação entre os juros simples e compostos a partir do gráfico abaixo, que mostra a comparação das curva de crescimento de um montante de 100 reais aplicados a uma taxa de juros de 8% ao ano sob um regime de juros simples versus juros compostos.

De maneira resumida, enquanto a curva azul de juros simples apresenta um crescimento mais estável, a curva vermelha de juros compostos cresce de maneira exponencial, apresentando um comportamento explosivo ao longo do tempo.

Parece familiar? Talvez seja porque a cuva de expansão do corona vírus também apresenta o mesmo comportamento explosivo associado a uma curva exponencial, e toda a lógica por trás da quarentena e do isolamento social que estamos praticando atualmente se baseia exatamente na ideia de “achatar a curva”, fazendo com que a expansão da doença – que seria explosiva no curto prazo – passe a apresentar um nível de expansão menor diluído por um período de tempo maior, como resume a imagem abaixo, largamente reproduzida por aí:

A ideia por trás do gráfico acima é a de que as duas curvas, tanto aquela com comportamento mais explosivo e acentuado quanto aquela mais “achatada” apresentam a mesma área, ou seja, apresentam o mesmo número de casos de pessoas infectadas. A diferença é apenas na duração do processo que, seguindo a lógica de “achatamento da curva”, passa a correr em um período mais prolongado.

O que vale para o controle da doença, no entanto, também é aplicável para títulos, pois o valor de um título no presente nada mais é do que a soma de todos os fluxos de pagamento de juros que ele irá receber no futuro.

Portanto, se os títulos privados (debêntures) que foram negociados para durar um tempo menor, com juros compostos, forem adquiridos pelo governo em troca da emissão de títulos com uma duração mais longa, mas aplicados sob um regime de juros simples, esses títulos passarão a apresentar o mesmo valor de hoje sem prejudicar e nem afetar negativamente os balanços dos bancos que os adquiriram.

Com essa medida, até mesmo as medidas atuais de cancelamento dos dividendos dos bancos ,que foi ordenado pelo Banco Central, poderiam ser revistas ao acomodar o horizonte de pagamento desses títulos por um período mais longo, permitindo que esses bancos possam agir de maneira mais agressiva e participativa no processo de reconstrução e retomada do crescimento da economia – o que será necessário após a passagem da pandemia.

Além disso, o principal problema, que é a dúvida sobre a remuneração desses títulos ,cai drasticamente em importância pois embora pequenas variações de juros compostos possam implicar em grandes variações no valor total desses títulos, variações bruscas na remuneração nos juros simples acabam não apresentando um impacto tão significativo.

Por fim, uma vez que já há uma brusca interrupção prevista dos fluxos financeiros e investimentos internacionais prevista para durar pelo menos dois anos, que é o tempo necessário para a ciência desenvolver uma vacina, ao permitir que haja um alongamento dos títulos privados, passa a ser possível que isso possa ser replicado para os títulos públicos.

Diferente da conversão dos títulos privados, no entanto, essa conversão de títulos públicos não precisaria ocorrer toda de uma única vez, mas poderia ser feita de maneira gradual, a medida que intervenções do Banco Central na aquisição de títulos públicos se tornasse mais necessária, permitindo que esse processo de adaptação ocorresse em um ritmo previsível de modo que as expectativas do mercado pudessem ser adaptadas gradualmente, exatamente como ocorreu durante a conversão monetária na implementação do Plano Real.

Como funciona isso na prática?

Obviamente toda essa operação proposta precisaria ser devidamente 1) elaborada de uma maneira muito mais sofisticada e 2) calculada de uma maneira muito mais transparente e técnica do que está exposto aqui, mas a viabilidade conceitual da proposta pode ficar mais clara se expusermos graficamente como ocorreria esse processo de conversão de títulos privados na prática.

Para tanto vamos por partes, explicando como era antes, o que foi proposto inicialmente e, por fim, como funciona o desenho da proposta final.

Parte 1 – antes: Como funciona a criação de uma debênture?

A emissão de uma debênture é um processo que ocorre no chamado mercado secundário (ou mercado de balcão), geralmente feito pelo telefone e que envolve apenas o registro da emissão do valor nominal ou valor de face de um determinado título de dívida. Apesar da emissão ser realizada por um fundo, a maior parte dos fundos estão associados, diretamente ou indiretamente, a um determinado banco. Assim, podemos simplificar essa transação da seguinte maneira:

Ou seja: a empresa emite um título de dívida privado (debênture) para um fundo associado a um banco, que em troca recebe dinheiro equivalente a um empréstimo e passa a se tornar responsável por pagamentos de juros em parcelas até cobrir o valor acertado. Nas debêntures, esse valor não é registrado. Em caso de uma interrupção econômica, como ocorre agora, a empresa não consegue honrar seus compromissos e os títulos passam a ser “papéis podres”.

Passo 2: Qual foi a solução proposta inicialmente no Congresso?

A proposta inicial do Congresso e que foi aprovada na Câmara dos Deputados envolve uma autorização do Banco Central para comprar e vender títulos públicos, de modo que o Banco Central passe a incluir dentro do seu próprio balanço esses títulos, que podem ou não ser pagos, fazendo com que ele assuma o risco originalmente criado pelos fundos associados aos bancos.

O principal risco desse tipo de operação envolve não apenas o Banco Central assumir diretamente o risco de falência dessas empresas, como também fazer algum tipo de compensação aos bancos que seja em um valor maior do que o originalmente registrado.

Essa solução pode ser resumida de acordo com seguinte organograma abaixo:

Mesmo considerando a solução alternativa aprovada na Câmara – da obrigatoriedade de autorização do Ministério da Economia e da obrigatoriedade de aporte de 25% do volume do título diretamente na empresa pelo Tesouro Nacional -, esse risco ainda não é diluído, pois em um momento de risco de falência generalizada como esse que estamos vivendo existe o risco desse aporte adicional em uma empresa que venha a falir possa afetar diretamente o balanço do Banco Central, reduzindo sua capacidade de operar equilibrando o mercado.

Passo 3: Qual é a solução alternativa?

Seguindo a sugestão do debate realizado na TV GGN com a participação da economista Mônica de Bolle do instituto Peterson, Fernando Nogueira da Costa da Unicamp e Gabriel Galippo do Banco Fator, uma possibilidade muito interessante seria a de que a aquisição dos compromissos gerados pelas debêntures fosse executada tendo como contra-partida a emissão de ações que passariam a estar sob controle direto do BNDESPar, braço de participação acionária do BNDES, fazendo com que o BNDES se tornasse temporariamente acionista dessas empresas.

Longe de representar uma estatização de empresas privadas ou de um caso sem precedentes, essa solução também ocorreu nos Estados Unidos após a crise de 2008, quando o governo americano se tornou temporariamente acionista direto dos maiores bancos dos Estados Unidos como Citibank e o Bank of America.

Essa solução no entanto é parcial, pois ela envolve apenas a contra-partida que passaria a ser exigida apenas das empresas, mas não a dos bancos envolvidos na operação.

Essa contra-partida, como já explicitado anteriormente, poderia envolver a troca de títulos com base em juros compostos por títulos lastreados em juros simples, que passariam a apresentar o mesmo valor, mas com um horizonte maior para a sua execução.

Essa solução faria com que o BNDESPar se tornase uma espécie de grande banco gestor de diversas empresas privadas e para que o risco envolvido nessa operação fosse diluído, o ideal é que o BNDESPar fosse municiado com título públicos pelo Banco Central, de modo a engordar seu balanço e garantindo a ele maior resiliência, assim como ajudando a diluir riscos contra eventuais falência de uma parte das ações que ele passaria a ter em sua carteira.

Isso reduziria drasticamente o risco assumido pelo Banco Central, que estaria saneado de eventuais riscos e ainda poderia atuar indiretamente fornecendo novos recursos e ferramentas para impedir problemas tanto no BNDESPar quanto permitindo a ele se concentrar nos problemas envolvendo o restante do Sistema Financeiro.

A solução pode ser resumida de acordo om o organograma abaixo:

Essa solução, que é muito semelhante àquela recomendada por George Soros durante a crise da União Européia, como explicado pelo professor Perry Mehrling no seguinte link, também permitiria uma transição das debêntures baseado em juros compostos e levaria o BNDESPar a emitir títulos baseados em juros simples, evitando com que o Banco Central fosse obrigado a emitir títulos públicos em troca de títulos privados, além de garantir um alongamento geral da dívida.

Uma vez que a prática de títulos com taxas de maturidade mais longa e com aplicação de juros simples fosse aplicada em todo para todos os títulos privados, naturalmente haveria uma maior recepção para emissão de títulos públicos da mesma maneira, pois os balanços dos fundos e demais instituições financeiras passariam a se adaptar com essa mecânica em seus fluxos internos.

Esse processo, no entanto, ocorreria de maneira muito mais rápida e dinâmica caso fosse aprovado pelo Congresso que o Banco Central pudesse operar um “sistema de depósitos remunerados”, medida que só não foi aprovada, como comentado pela imprensa, devido à oposição dos partidos de esquerda porque “eles não querem permitir que o Banco Central pague dinheiro pros bancos”. O que é irônico, pois 1) os títulos já fazem isso, só que de uma maneira muito menos eficiente e 2) os governos de esquerda foram aqueles que mais destinaram dinheiro para os bancos durante os governo Dilma e Lula.

A História dos Juros Compostos no Brasil

As pessoas poderiam se perguntar: “ok, mas se essa solução é tão boa, por que ela nunca foi implementada antes? Por que afinal os títulos da dívida pública no Brasil são remunerados com base em juros compostos e não com base em juros simples, como já ocorre com os títulos da dívida dos Estados Unidos?”

A explicação mais simples e direta para isso é: por causa do nosso longo e histórico relacionamento com uma inflação alta. Uma herança antiga, que começou com a construção de Brasília e, com ela, da implantação de um regime de correção monetária (como bem explicado no livro “A Moeda e Lei”, de Gustavo Franco).

Uma exposição apropriada desse tema levaria muito tempo, mas, resumidamente, a partir da construção de Brasília o Brasil passou a conviver sistematicamente com uma inflação recorrente e cada vez mais crescente e explosiva. Os juros compostos, vistos desde a idade média como pecado de usura ou anatocismo, foram proibidos tanto no código comercial de 1850, quanto na reforma sistema bancário efetuado por Getúlio Vargas durante o governo transitório de 1933, através do decreto 22.626 de 7 de abril de 1933, conhecido como Lei de Usura.

Em 1963, o Supremo Tribunal Federal vai mais além ao adotar a Súmula 121, afirmando: “É vedada a capitalização de juros, ainda que expressamente convencionada.” Naquela época o Brasil estava marcado por um forte desequilíbrio fiscal e inflação, um dos fatores que marcaram a forte insatisfação social da época.

Em 1964, no entanto , juntamente com a implantação do Banco Central e a rápida sofisticação do sistema financeiro decorrente disso, a Súmula 121 instaurada pelo Supremo acabou tornando-se letra morta. Essa decisão só foi oficialmente alterada quando o STF adotou, em 1976, a Súmula 596 estabelecendo que o Decreto 22.616 não se aplica a operações realizadas por instituições financeiras.

Naquela época estávamos em pleno Governo Geisel, quando houve a implantação do II PND e com ela a explosão da dívidas em moeda estrangeira adotadas como decorrência da crise internacional gerada pelo choque do petróleo. Foi esse endividamento explosivo, explosão dos juros estrangeiros gerados pela política Volcker, que, em ultima instância, levaram à conflagração da moratória de 1982, um dos principais elementos que alimentaram a insatisfação popular que alimentaram as manifestações populares a favor do fim do Regime Militar.

Enquanto que a conversão da nossa dívida externa expressa em dólares para uma dívida em reais só foi completada no começo dos anos 2000, a inflação passou a ser controlada a partir do Plano Real, que trocou um regime de inflação alta por um regime de taxas de juros altas.

Ainda assim, mesmo após anos de um regime de metas da inflação, ela só foi completamente debelada por meio da aprovação da PEC do Teto dos Gastos. Apesar do mérito de ter conseguido estancar a inflação, essa continua sendo uma medida muito mal formulada pois, metaforicamente falando, só resolveu o problema da goteira da inflação após tacar uma betoneira cheia de concreto sobre a pia da cozinha do orçamento público.

É chegada a hora da redenção

A Bíblia, no livro de Ezequiel 18:20, afirma: “A alma que pecar, essa morrerá; o filho não levará a iniquidade do pai, nem o pai levará a iniquidade do filho. A justiça do justo ficará sobre ele e a impiedade do ímpio cairá sobre ele”. Dessa afirmação podemos deduzir que os filhos não são responsáveis pelos pecados dos seus pais

À primeira vista, a afirmação acima pode parecer totalmente desbaratada e fora de contexto, mas não é. De acordo com o antropólogo David Graeber em seu livro “Dívida, os primeiros 5.000 anos”, diversos dos termos que são usados de maneira recorrente no comércio, na economia e no dia a dia são derivados diretamente de termos relacionados com o mundo religioso. Isso porque a própria Economia, que surgiu inicialmente como um campo da filosofia moral nas mãos de Adam Smith, tinha acima de tudo uma preocupação com a questão do “valor”. E o campo originalmente usado para debater o valor das coisas e das pessoas era o campo da Religião.

Assim, termos como “pecado” originalmente significam “dívida”, sacrifício era o termo referido pelos sacerdotes como o “tributo pago com a morte” e mesmo termo passageiro como “Obrigado” está relacionado com a ideia de que “eu sou obrigado a lhe pagar uma dívida” e “de nada” implica em uma declaração de a pessoa não lhe deve nada.

Por fim, o conceito de “Redenção” está relacionado com a ideia de “quebrar os registros de dívidas passadas”, que rotineiramente ocorreram junto com a queda dos Impérios. O Brasil passou por um processo semelhante quando Rui Barbosa em 1892 mandou montar uma grande fogueira no centro do Rio de Janeiro e queimou os documentos que comprovavam a quem tinha pertencido cada escravo em comemoração aos dois de abolição da escravatura no Brasil.

Verdade seja dita, os limites e correntes que impediam o Brasil de adotar um regime de juros simples e alongar sua dívida de maneira mais sustentável e confortável já se desfizeram há muito tempo. Ainda assim, por algum motivo, continuamos a insistir nos mesmos erros e carregar nossos antigos pecados nas nossas costas, pois ninguém se preocupou em avisar que já estamos livres.

A inflação não vai voltar. Nisso concordam a maioria dos economistas de mercado, incluindo o antigo presidente do Banco Central Henrique Meireles, que recentemente já anunciou que o governo pode imprimir dinheiro a vontade, sem qualquer risco da inflação voltar, mas também agentes de mercado, como disse recentemente em entrevista o presidente da XP, Guilherme Benchmol.

A única possibilidade da voltarmos a ter inflação, na verdade, é caso os grande atores do mercado financeiro continuem insistindo em operações de “Carry Trade”, apostando conjuntamente na desvalorização da taxa de câmbio. Fora isso, o problema da inflação já foi resolvido, mas, ainda assim, continuamos agindo e procedendo da mesma maneira, como se movidos por algum tipo de medo irracional e inconsciente.

Ainda assim, caso se pergunte aos especialistas e analistas de mercado financeiro sobre a viabilidade de se adotar um regime de juros simples no Brasil, provavelmente ninguém se manifestará a favor. Listarão uma série de impeditivos, como o fato de o Brasil representar um mercado de alto risco para investidores estrangeros e de que eles não se interessarão em investir no Brasil caso passemos a oferecer títulos com juros simples e com uma maturidade maior.

No entanto, isso apenas representa um vício antigo de comportamento do Brasil de sempre esperar que a solução venha de fora, por meio do investimento estrangeiro. Num momento em que o mundo se vê marcado pela sombra de uma futura crise econômica global, diferente do que a maioria insiste em acreditar, os Estados Unidos e a Europa se encontram em uma situação muito mais frágil do que a nossa, exatamente porque eles estão muito mais alavancados financeiramente.

O prognóstico de uma nova crise como a de 2008 se repetir por lá, que já era alto antes do início da Pandemia, agora é quase certo – e dessa vez com uma gravidade muito maior. Portanto, a ideia de que poderemos resolver problemas com base em dinheiro vindo do exterior, antes já frágil, agora perdeu qualquer sentido, mesmo num horizonte de longo prazo.

Exatamente por isso, não há nenhum motivo para que não possamos fazer a transição para o regime de juros simples, o que não apenas irá favorecer a revitalização da economia em um cenário pós-pandemia, quanto vai ajudar a evitar futuros cenários de estagnação econômica como o que estamos vivendo hoje, provocada, acima de tudo, pelo alto nível de endividamento que continua a atingir a maior parte das famílias brasileiras.



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