Assim confirmou sentença proferida por magistrado do Tribunal Regional Federal da 3ª Região. A ação foi promovida pela empresa Target Engenharia e Consultoria Ltda contra a ABNT, buscando declaração judicial de seu "direito de uso e divulgação de normas técnicas brasileiras, mediante a abstenção da ré (ABNT) de qualquer prática que prejudique, dificulte ou impeça o acesso e utilização do conteúdo de tais normas".
Desde que comecei a realizar trabalhos acadêmicos, sempre me incomodou a ideia de ter que pagar para adquirir normas técnicas. Entretanto, o processo judicial em questão (Numeração única: 0010071-65.2006.4.03.6100) concentra-se no direito de terceiros - no caso, a empresa Target - de reproduzir tais normas e divulgá-las sem com isso estar violando propriedade intelectual da ABNT. Essa possibilidade foi confirmada pelo Exmo. Sr. Mauricio Kato, da 21ª Vara Cível Federal de São Paulo. Os excelentes fundamentos da sentença podem ser assim resumidos:
- Segundo a Lei nº 9.610/1998 (Lei de Direitos Autorais), "as idéias, procedimentos normativos, sistemas, métodos, projetos ou conceitos matemáticos como tais" não são protegidos por direitos autorais (Art. 8º, inciso I).
- As normas da ABNT não são criações do intelecto, pois são elaboradas por comissões de diversos profissionais, sendo impossível identificar a parcela autoral de cada um, e principalmente por serem fruto da experimentação de práticas e procedimentos técnicos, e não da criatividade.
- A exclusividade na divulgação, distribuição, no uso, enfim, conflita com a própria finalidade social da ré, que é associação civil, sem fim lucrativo, de utilidade pública, voltada à elaboração de normas, ao fomento do seu uso.
- As normas técnicas da ABNT são citadas no ordenamento jurídico nacional como suporte para diversas normas jurídicas, o que as torna obrigatórias e vinculantes. Assim, não faz sentido que uma lei fixe determinada ação ou omissão, com base em norma técnica, e o ordenamento jurídico, por outro lado, impeça ou dificulte o conhecimento do seu conteúdo, porquanto é essa padronização que esclarece a exigência de conduta ou abstenção legal. Um exemplo disso é o Código de Defesa do Consumidor, que exige do fornecedor a observância das normas técnicas na comercialização de produtos e execução de serviços.
- A delegação estatal para elaborar normas de padronização técnica não desnatura o interesse subjacente, é um serviço público, não se buscou com ela criar oportunidade de empreendimento ou fonte de lucro garantido para a ABNT, por isso a divulgação e o acesso ao conteúdo técnico normativo é impassível de monopólio.
O Consultor Jurídico divulgou detalhes do processo e também disponibilizou a íntegra da sentença acima referida. Atualmente, os autos estão conclusos, ao que parece, para julgamento de recurso, pelo que pude ver no andamento processual precariamente divulgado no sítio do TRF3.
Fiquei muito feliz com o entendimento esboçado nesse julgado e espero que se torne jurisprudência dominante. Normas técnicas são vitais para o desenvolvimento do país, servindo de guia para a construção de diversas obras do intelecto, devendo a sua livre divulgação ser autorizada e incentivada.
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