BOM, BARATO E LIVRE
Bruno Lopes
No final do mês passado, Abdul Kalam, presidente da Índia, surpreendeu o mundo high tech ao defender em um discurso a adoção do software livre em seu país. Foi a primeira vez que um chefe de Estado propôs abertamente o uso de programas de código aberto, algo que já havia acontecido em escalões mais baixos de outros governos. No Brasil o presidente Lula não fez nenhuma declaração como a de Kalam, mas seu braço direito, o ministro da Casa Civil, José Dirceu, já definiu o rumo da política de tecnologia do governo. E ela se aproxima do Linux e de outros programas de código aberto.
O software livre mais conhecido é o sistema operacional Linux, baseado no antigo Unix e apontado como o maior concorrente do Windows. Como o código-fonte do sistema está disponível gratuitamente na internet, qualquer pessoa com conhecimento técnico pode adaptá-lo as suas necessidades e até revender a nova versão, como especificado em algumas licenças de software livre. Nesse tipo de negócio, ganha-se mais dinheiro com a venda de soluções e serviços do que com o programa propriamente dito.
Atualmente, o governo federal ainda utiliza pouco o software livre, mas seus planos são ambiciosos. Seu uso será intenso no programa Governo Eletrônico, que tem por objetivo disponibilizar todos os serviços estatais na internet e que, por isso, renovará boa parte dos computadores das repartições públicas.
No dia 14 de maio, quando o comitê executivo do Governo Eletrônico se reuniu, o ministro José Dirceu afirmou que o desenvolvimento da indústria de Tecnologia da Informação brasileira deve se basear preferencialmente em ''softwares abertos e não-proprietários''.
- A tecnologia da informação e comunicação se vincula mais à temática do desenvolvimento e do combate à pobreza do que ao mero debate sobre soluções de informática - afirmou Dirceu.
A primeira grande migração para os programas de código aberto envolverá o portal governamental de compras, o Comprasnnet. Hoje, o serviço depende do programa Adabas, que opera num mainframe, e que será substituído por um cluster com Linux. Um cluster é um conjunto de máquinas comuns que, trabalhando em conjunto, operam em capacidade igual a de um supercomputador.
- Já escolhemos o Linux como sistema operacional e ainda estamos definindo o banco de dados que será utilizado. Nossa intenção é usar também um software livre, mas ainda não sabemos se os disponíveis no mercado agüentam o volume de dados exigido pelo Comprasnet - explica o secretário de logística do Ministério do Planejamento, Rogério Santanna.
Até agosto o Governo Eletrônico promete fazer um levantamento de todos os softwares de código aberto já utilizados pelo governo, e então elaborará um plano de migração, de acordo com as possibilidades e necessidades de cada órgão.
Outro projeto no alvo do software livre está sendo desenvolvido pelo Ministério da Ciência e Tecnologia. Roberto Amaral, titular da pasta, anunciou, na semana passada, durante um seminário realizado no Rio de Janeiro que até o final do governo Lula, cada escola de nível médio terá um laboratório de ciências. As escolas terão pelo menos um computador, e até o final do ano será realizado um projeto piloto com os primeiros 400 laboratórios.
- É importante que os micros estejam equipados com produção nacional e por preços menores, e o uso de software livre é uma das maneiras de conseguir isso. No entanto, o software livre pode não ser usado se atrasar nosso projeto - afirmou Amaral.
Dentro do planejamento do governo federal, a opção pelo software livre foi tomada pela economia proporcionada. No entanto, ela não deve ser entendida apenas pelo impacto no orçamento governamental, mas principalmente em nível macroeconômico.
- Embora seja produzido globalmente, o software livre desobriga o pagamento de royalties ou licenças para empresas estrangeiras. Ao mesmo tempo, ele permite a apropriação local, pois empresas brasileiras podem vender serviços e soluções baseadas nele - diz o presidente do Instituto Nacional de Tecnologia da Informação (ITI), Sérgio Amadeu.
MICROSOFT EXIBE CÓDIGOS AOS GOVERNOS
Empresa espera medidas mais concretas do Brasil para se manifestar sobre uso estatal de software livre
O ITI é subordinado à Casa Civil, que coordena o programa Governo Eletrônico, e Sérgio Amadeu foi escolhido por José Dirceu como o principal conselheiro para a implantação do software livre no governo. O objetivo do consultor é, a partir do pontapé governamental, desenvolver o interesse dos usuários pelos programas e dos técnicos pelo aprendizado e formação profissional.
- A inclusão digital é prioridade do governo Lula. Se formos bem-sucedidos, mais 17 milhões de pessoas terão acesso a computadores. Se cada uma delas pagar R$ 100 por software e pacote de escritório, estaremos enviando ao exterior R$ 1,7 bilhões para o pagamento de licenças. Sem o software livre é impossível fazer uma política de grande porte de inclusão digital - explica.
Amadeu garante que os usuários de computadores com Windows continuarão a interagir com todos os serviços eletrônicos do governo. No entanto, programas como o da declaração de imposto de renda, que hoje só está disponível para Windows, também ganharão versões para Linux.
A prática ainda mostra que o uso do software livre continua limitado dentro do governo. Um exemplo é a Investplan, uma pequena empresa que se dedica à montagem de computadores e que já venceu muitas licitações públicas. A empresa acredita no software livre e desenvolveu uma solução parecida com a adotada nos telecentros de São Paulo - usar o Linux para substituir os PCs por terminais que acessam um servidor. Mas vende computadores com Windows quando atende o governo.
- O software livre é o grande caminho, mas sua cultura não está difundida e hoje quase todas as licitações pedem o Windows - afirma o gerente comercial, Paulo Trindade.
A Microsoft, através de sua assessoria de imprensa, afirma que não se manifesta em relação ao projeto do governo brasileiro porque medidas concretas não foram tomadas. Mas a empresa não ignora o interesse de empresas e países como Índia, China e Brasil sobre o software livre, e, por isso, criou a iniciativa Shared Source, em 2001. A Microsoft permite que técnicos governamentais avaliem o código-fonte do Windows XP, Windows 2000 e Windows Server 2003, para que eles se certifiquem da segurança e estabilidade dos sistemas candidatos a hospedar aplicações estatais críticas.
Até o momento, Reino Unido, Áustria, Rússia, China e a Otan assinaram contratos para examinar o código do Windows. A iniciativa existe há dois anos, mas está disponível apenas para governos 'confiáveis'. O Brasil está qualificado para o Shared Source desde o início, mas só este ano a China pôde participar dele. A Microsoft afirma já ter entrado em contato com o governo brasileiro, mas o acordo ainda não foi fechado.
O Shared Source, no entanto, não significa que a Microsoft transformou o Windows em um software aberto. Os especialistas só têm acesso a um exame do código do Windows e ao uso de um debugador, programa que ajuda a encontrar defeitos em programas. Alterações no código, que permitiriam a realização de testes extensos, não são permitidas.
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