A discussão sobre liberdade e privacidade tem se acalorado recentemente com o lançamento do livro "Cypherpunks – Liberdade e o Futuro da Internet", capitaneado pelo jornalista e hacker Julian Assange, um dos principais nomes por trás da Wikileaks. Assange, vive em "prisão domiciliar" no consulado do Equador em Londres, cercado pela polícia londrina. Lá, ele continua seu ativismo político pela liberdade da Internet e privacidade, tocando à frente o lema dos Cypherpunks: "privacidade para os fracos e transparência para os poderosos". Os Cypherpunks defendem o uso da tecnologia, especificamente a criptografia, através do Software Livre para que as pessoas comuns possam proteger sua privacidade contra a espionagem de grandes corporações e governos (o que já é uma realidade entre os grandes países).
Mas a pergunta que não quer calar, é se hoje a sociedade está preparada para esta luta, além dos movimentos sociais já conhecidos em prol do Software Livre. Richard Stallman, fundador e militante da Free Software Foundation (FSF), já alertava desde os anos 80 sobre o perigo de estarmos presos a tecnologias proprietárias, dominados e vigiados por empresas ou grupos que nos diriam de qual forma deveríamos usar a tecnologia, e obviamente usariam a tecnologia a seu benefício. Graças a este movimento, que começou com o desenvolvimento do sistema operacional GNU (projeto que foi completado com o desenvolvimento do Linux), pudemos ver surgir ao longo do tempo todo um ecossistema de Softwares Livres entorno no sistema GNU/Linux, desenvolvidos por toda uma comunidade aberta pelo mundo: pessoas, entusiastas, hackers, empresas públicas e privadas.
O marketing sugerido pela Open Source Initiative (OSI), que popularizou o termo "Open Source" (que na sua opinião soava melhor entre as empresas que "Software Livre"), conseguiu agregar grandes empresas, e a partir delas vimos surgir grandes Softwares Livres como o Firefox (surgido a partir da abertura do código-fonte pela Netscape) e o OpenOffice.org (surgido a partir da liberação do código-fonte do StarOffice, da Sun Microsystems). Neste último software citado, podemos exemplificar como o Software Livre é um processo descentralizado e um bem comum. A Sun foi comprada pela Oracle, que como primeira iniciativa fechou a porta para vários projetos de Software Livre que a Sun apoiava, como o OpenOffice.org. A resposta da comunidade foi a criação da "The Document Foundation" e do LibreOffice, a partir do código-fonte livre do OpenOffice.org. Tudo isso é possível graças às licenças que são distribuídas (especificamente a GNU GPL) com o Software Livre, que usam os termos do copyright para garantir a liberdade do código-fonte em vez de cerceá-lo (numa técnica que foi apelidada por Stallman de copyleft).
É importante lembrar, que a importância do desenvolvimento de um Software Livre não se dá apenas pelos desenvolvedores de código. Temos uma imensa comunidade de usuários, que mesmo sem a habilidade do desenvolvimento de código contribuem de várias formas, participando de fóruns online, eventos, disseminando a cultura livre, distribuindo, informando erros (bugs), contribuindo ativamente no processo de crescimento de um Software Livre em si. O usuário toma consciência de que ele não é apenas um usuário de um produto, percebe que aquele Software Livre pertencente à sociedade, fruto de um conhecimento disponível à humanidade, e cabe a ele zelar pelo que também é seu e contribuir para o seu progresso.
Com o sucesso do Ubuntu (a grande distribuição do GNU/Linux que se popularizou por investir pesado na usabilidade dos usuários finais) mantida pela empresa Canonical e uma imensa comunidade crescente de usuários, e com o amadurecimento dos principais softwares usados pela maioria das pessoas (suíte de escritórios, navegador, editor de imagens, etc), podemos dizer que hoje temos a maturidade suficiente para largar de vez o aprisionamento de softwares e padrões proprietários, relegando seu destino a pequenos grupos que necessitem ocasionalmente de um software ou outro que ainda não possuem similares de qualidade no “mundo livre”. Mas isso se daria a um pequeno grupo de profissionais específicos, e não para os 90% de usuários que usam softwares corriqueiros, como os citados acima. Com a popularização de dispositivos móveis, em parte graças ao grande sucesso do Android (que usa o núcleo Linux), surge uma necessidade de interoperabilidade entre os vários dispositivos que sigam padrões abertos e nos ofereçam liberdade tecnológica sobre nossos dados e informações.
Ceder à "Síndrome de Estocolmo Digital" e ignorar a importância da tecnologia como fator político central na nossa sociedade, demonstra uma grande falta de visão por parte desta mesma sociedade. Não dá para pensar em uma Internet livre sem o apoio a tecnologias livres. Pensar que grandes corporações que dominam a tecnologia respeitarão a privacidade e necessidade dos usuários é ser, no mínimo ingênuo e não enxergar os fatos políticos que estão ocorrendo hoje, tendo como ator central a tecnologia e privacidade dos dados e informações.
Apoiar o Software Livre não é simplesmente optar por um modelo de tecnologia, é optar pela sociedade tomando a frente desta mesma tecnologia e ditando seus rumos de acordo com sua necessidade cultural e social.
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