No ninho gelado dos pingüins, debates quentes André Machado Enviado especial PORTO ALEGRE
Um caldeirão de idéias em perpétuo debate. Assim se poderia definir o burburinho que tomou conta do Centro de Eventos da PUC-RS durante os três dias do III Fórum Internacional de Software Livre, na capital gaúcha, no início do mês. Gnus e pingüins desfilaram à vontade (houve mesmo quem se vestisse a caráter de pingüim para apresentar sessões internacionais na sala 41A). Falou-se de tudo: uso de software aberto em telecom, sistemas livres para gerenciamento de conteúdo na internet, evolução de interfaces gráficas como KDE e Gnome e seus respectivos ambientes de desenvolvimento, arquiteturas de rede mais velozes e até projetos em Linux nas Forças Armadas. Mas dois temas, em especial, proporcionaram debates quentes: a questão do Fust e a (in)segurança na urna eletrônica.
Microsoft e monopólio na mesa de discussões
A eterna questão da inclusão digital teve como luminares na mesa o deputado federal Sérgio Miranda (PC do B-MG), atuante no Congresso na questão do edital da Anatel, o professor Wagner Meira, do Departamento de Ciências da Computação da UFMG, universidade onde se desenvolveu o micro popular, e o empresário Carlos Rocha, da Samurai. Este último deu ao presente repórter um depoimento para lá de contundente:
A única razão de ainda existir qualquer polêmica sobre o Fust (até porque já há uma lei federal determinando que nele sejam usadas soluções que dêem acesso a SOs alternativos) são os interesses econômicos violentíssimos por trás disso, conduzidos de maneira pouco ética diz. E infelizmente há setores do governo que não tratam assuntos de interesse nacional com a devida transparência e os devidos cuidados legais. A Justiça bloqueou o processo várias vezes, acatando recursos de parlamentares e cidadãos, e a Anatel tentou derrubar isso sucessivamente. Depois os técnicos do TCU deram pareceres favoráveis às teses dos deputados que questionaram o edital da Anatel. Em suma, sem que eu precise entrar no mérito da questão, a Justiça e o TCU já julgaram, em diversas instâncias, que o processo, no mínimo, merece censuras e que preceitos legais foram atropelados pelo caminho.
Para Rocha, se um órgão público tem uma aplicação que roda melhor num software proprietário e não há outra alternativa, tudo bem.
Agora, quando você está montando um sistema novo que influenciará milhões de jovens na próxima década, ver isso ser tratado com a superficialidade e a leviandade que se viu no MEC, na Anatel, no governo federal como um todo, é um absurdo dispara. Isso só acontece porque o governo não tem, como teve no passado, um órgão de discussão de planos estratégicos para a área de tecnologia da informação no longo prazo. O Brasil tem obrigação legal de manter o Conselho Nacional de Informática e Automação, com a representação de diversos segmentos da sociedade e vários órgãos públicos. Nos EUA, há o PTAC (Presidents Technology Advisory Committee), que assessora diretamente o presidente do país. Lá, o comitê conta com representantes de órgãos do Departamento de Estado, reitores de universidades, presidentes de empresas, representantes de entidades de classe e associações de usuários. Assim, obtém-se num amplo debate a definição de políticas de longo prazo para o país. Já no Brasil, por determinação legal que o governo não cumpre, o Conin deveria propor ao Congresso planos nacionais de informática e automação planos trienais a serem discutidos e atualizados anualmente na Comissão de Ciência e Tecnologia da Câmara dos Deputados.
E isso tudo, segundo ele, sem se tocar na controversa questão do monopólio MS:
Primeiro, a Anatel se propõe a fazer 14 licitações, em vez de tratar a coisa de modo mais uniforme. E aí esse negócio vai ao MEC e, em vez de ser tratado de maneira integrada, o que se procurou fazer foi privilegiar uma empresa que por acaso, no seu país de origem, na Europa e na Ásia, vem sendo sucessivamente processada por práticas ilegais de monopólio. No Brasil, a Secretaria de Defesa Econômica tem uma ação contra a Microsoft por práticas ilegais de monopólio aqui. Não vou entrar no mérito se o produto dela é bom ou ruim. Inclusive acho que deve haver acesso a seus programas e soluções nas escolas, pois os alunos têm de conhecê-las. Agora, como brasileiro, não posso admitir que se consolide um monopólio que prive nossos milhões de futuros cidadãos de conhecer as alternativas.
Durante o debate, uma das questões levantadas foi justamente a do dual boot , que permitirá acessar, nas escolas, tanto Windows quanto Linux. Os adeptos do pingüim perguntaram: por que não ficou só o software aberto? O deputado Sérgio Miranda respondeu:
Negociamos com a Anatel e conseguimos garantir a inclusão da expressão PREFERENCIALMENTE software livre no texto da lei disse. É claro que vai haver pressão da Microsoft sobre as escolas. Mas deve-se levar em conta que o percentual de estudantes a serem atingidos corresponde àqueles que nunca tiveram acesso a nada, portanto estarão mais propensos a experimentar o Linux. Fizemos todo o possível, e defendemos: o Linux tem que estar lá, mesmo que não seja usado!
Segundo Wagner Meira, a MS não esperava que, nas negociações no Congresso, os defensores do software livre pedissem o dual boot:
Praticamente preparamos uma armadilha para eles. Não imaginavam que pediríamos os dois sistemas na mesma tela contou. E no fim das contas, as máquinas vão acabar rodando Linux. O Windows vai ficar lento com o boot remoto via terminal server ( risos ) e os alunos vão perceber que a web, os programas, tudo é mais rápido com o Linux. E aí haverá uma seleção natural.
Flashcard e terminal versus microcomputador pessoal
Além do micro popular desenvolvido pela UFMG, foram discutidas outras soluções. Rocha defendeu com fortes argumentos a idéia de terminais públicos com flashcards:
Compare o acesso à informação com o transporte público pede. Se você quer dar transporte à população, não distribuirá uma motocicleta para cada um, mas aumentará o número de ônibus. E como você compartilha essa infra-estrutura? Eu saio daqui, entro num ônibus qualquer entre dezenas que passaram à minha frente, ocupo um assento qualquer e pronto: contratei a função transporte. Para voltar, a mesma coisa, num ônibus diferente, num outro assento. É indiferente que ônibus pego, em que lugar sento, ok? Com a informação digital, a solução é equivalente: eu terei centenas ou milhares de servidores de aplicações, e em cada servidor haverá dezenas de seções para uso de aplicações possíveis. Cada vez que uso o sistema, acesso uma seção de trabalho qualquer num servidor de aplicação qualquer. Isto é compartilhamento de infra-estrutura. O equipamento da ponta deixa de ser um computador pessoal e passa a ser uma estação de acesso multi-serviço. E o custo será por uso, por pessoa. Já temos pontos em produção nesse sentido. Um em São Paulo, em Santo Amaro, num projeto com o governo do estado chamado Povo na Internet. É uma rede de acesso público compartilhado de 20 estações que já está atendendo 600 pessoas por dia. Tudo baseado em software livre.
O flashcard entraria nesta equação para suprir a personalização do ambiente.
Não é preciso um micro inteiro para armazenar a identificação, o perfil de uso e o conteúdo pessoal do usuário. Basta um flashcard, o que reduz o custo do acesso à informação em mais de 20 vezes pondera