Ir para o conteúdo
ou

Software livre Brasil

pm@paulomarcos.com | msg: 74.9110 4596
Jornalismo no Rádio, TV e Internet

http://www.dotpod.com.ar/wp-content/uploads/2008/06/sonico-logo.jpg

 

 

http://static.wix.com/media/1ff96be45122890f6b04ceeaa7dbd2d3.wix_mp

PM no Twitter

Invalid feed format.

Este perfil não tem posição geográfica registrada.

Paulo Marcos

Paulo Marcos
Pintadas - Bahia - Brasil
 Voltar a Paulo Marcos...
Tela cheia

Artigo de Toni Carvalho*: terra desconhecida onde atender a um ofício é política cultural

10 de Novembro de 2009, 0:00 , por Software Livre Brasil - 0sem comentários ainda | Ninguém está seguindo este artigo ainda.
Visualizado 2055 vezes

Leia as ideias de Toni sobre uma terra desconhecida que pratica uma política cultural parecida com a do Território do Sisal. Qualquer semelhança com a realidade de Coité é uma mera coincidência.

A terra desconhecida onde atender a um ofício é política cultural

Cultura Popular pode ser definida como qualquer manifestação cultural (dança, música, festas, literatura, folclore, arte, etc) em que o povo produz e participa de forma ativa. Essa é apenas uma das inúmeras acepções que podemos encontrar em publicações impressas e em outras mídias como a internet, e deve ter melhores. Atualmente a manutenção de muitas práticas culturais está condicionada à proposição e aprovação de projetos, conforme surgem editais lançados pelo estado ou por instituições sociais, principalmente fundações. É válido questionar a eficácia do simples repasse de dinheiro para manter “vivas” diversas atividades culturais? Que tipo de políticas são realmente necessárias para a manutenção de práticas da assim chamada cultura popular?

Numa terra desconhecida, a exemplo de outras não tão desconhecidas, a cultura popular tem uma forte presença no dia-a-dia da população e é, sem dúvida, um dos grandes pilares que sustenta a identidade do povo. Alguns municípios se destacam mais que outros quando se fala em determinadas manifestações culturais de raiz, como alguns poucos ainda se referem. Em um determinado aglomerado de casas, praças, bares e igrejas o destaque fica por conta da literatura de cordel, do repente e das cantigas de roda, e ambos contam com nomes e grupos conhecidos regionalmente. Em outro aglomerado de instituições públicas, privadas e residências, existem os famosos pífanos com suas melodias encabeçadas pelos flautistas. Outras populações têm a religião como uma forma de manutenção de sua cultura, é o caso do candomblé e dos padroeiros e padroeiras.

Práticas culturais como o reisado, a chula, a cantiga de roda, o boi roubado, o repente e a literatura de cordel são em muitos casos excluídas das políticas públicas municipais, um exemplo disso ocorre nessa terra desconhecida, que pode apresentar dados não muito diferentes dos vizinhos que com ela formam o território desconhecido. Não existem editais ou qualquer proposta do poder público local que apóiem de forma continuada ou ao menos adequada os diversos grupos e pessoas que tomam para si, a responsabilidade de manter diversas práticas cultura “vivas”.

Ações de incentivo – na maioria das vezes - se restringem a apoios financeiros para pagamento de passagens e convites para participações em eventos culturais. O ofício cujo texto quase sempre se refere a um pedido de ajuda financeira são bastante comuns, tanto nas mãos de quem vai para o evento, quanto dos organizadores, estes perdem as contas. O grupo de cantiga de roda desconhecido precisa ir até a cidade vizinha não tão desconhecida para o evento montado à base de ofícios e, pra chegar lá, tem que primeiro chegar no gabinete do prefeito, ou na mesa de algum secretário, depois do “recebido” no referido documento é só esperar pela – conhecida - van emprestada, ou a famosa “ordem de gasolina”, pronto, está garantida a ida para a cidade vizinha. Meia dúzia ofícios respondidos com um “OK” durante o ano inteiro podem ser chamados de política cultural? Ou pior, podem ser chamados de políticas públicas para a cultura?

Primeiro é preciso entender que política cultural pode ser posta em prática por qualquer grupo ou instituição, deve ser uma ação planejada, coordenada e continuada e, sempre que possível, atendendo as necessidades de uma coletividade, e não grupos privilegiados ou “achegados” como se costuma dizer. Já a política pública cultural tem o nome “pública” no meio, portanto, deve levar em conta a população como uma das instâncias ou etapas do processo de construção. Agora talvez fique mais fácil entender porque uma resposta positiva a um ofício não pode ser chamada de política cultural, e muito menos pública. Devemos lembrar que muitos daqueles que entregam o ofício nunca fizeram um ofício, quem dirá imaginar os possíveis papeis que pode assumir nessa jornada.

Quando falamos de políticas culturais podemos dividi-las – dentre tantas outras – em duas formas de abordagem: as que garantem acesso às manifestações culturais e as que permitem a livre expressão delas, é o acesso ao público e viabilidades para os produtores. Na nossa cidade desconhecida só é possível ver manifestações como reisado e cantiga de roda, por iniciativa dos produtores autônomos e instituições da sociedade civil em raríssimos eventos, e quase nunca de caráter continuado, e nossos bravos guerreiros da cultura acabam sendo vistos como atrações de um mundo perdido. Essas manifestações nascidas no meio do povo, na feira, na roça ou em qualquer rua ou quintal vão parar em palcos mal iluminados e com um aditivo tecnicista chamado sonorização, quase sempre sem muita intimidade com aquele ambiente, eles fazem algo parecido, mas aquém de seu potencial, e alguns poderão dizer “antes isso do que nada”. O público, ou população da sede, tem raízes na zona rural, berço dessas manifestações, e é rodeada por ela, mas ele se vê como um produto muito distante dessa população que hoje o rodeia, em muitos casos lá estão seus avós, tios e primos, ou atrações de um mundo perdido.

Os poderes legislativo e executivo – ambos também desconhecidos – não parecem dar mostras de que o apoio deixará de ser restrito ao engavetamento de pedidos enviados via ofícios. Políticas públicas podem ser voltadas para ações de valorização e difusão, essas por sua vez, ou ao menos na maioria dos casos irá requerer orçamentos, despesas, prestações de contas e outros ônus para as várias partes envolvidas, mas agregar esse grupos a atividades culturais do município desconhecido, sem que eles pareçam atrações de um estranho circo que chegara na cidade, são desafios que só poderão ser vencidos ao implementar políticas de verdade.

Segundo a Declaração Universal da Diversidade Cultural,
“os indivíduos e grupos devem ter garantidas as condições de criar e difundir suas expressões culturais”, algo parecido consta na lei orgânica do município em questão. Se não vemos um único projeto que garanta esse direito – e garantir já é pedir demais - significa que uma parcela significativa da população não foi atendida conforme consta na declaração Universal e na própria lei orgânica do município, ambas também desconhecidas. A cantadora de roda e o repentista não sabem dos editais do governo do estado, e se soubessem não teriam como sozinhos correr atrás de projetos e, portanto, estão a mercê da concepções de quem está a frente do poder público municipal. A cultura popular brasileira se traduz como a mais legítima expressão de seu povo, mas ao que parece legitimidade não é garantia de muita coisa, nessa terra desconhecida então...

Diferente do que ocorre em diversas manifestações culturais, muitas delas exercidas por pessoas consideradas profissionais em sua áreas, na cultura popular o amadorismo não pode ser encarado como defeito, ou fator de qualquer tipo de desqualificação. É preciso entender suas fontes de estímulos e demandas, para compreender que eles não precisam apenas de dinheiro para a compra de adereços, transporte, lanches e pequenos cachês, popularmente chamados de agrados. O próprio termo cultura popular é entendido por muitos como algo que coloca as manifestações abarcadas por ele em um degrau abaixo de outras manifestações como a música clássica e o balé, mas como diria Mário Quintana, não há degraus entre os seres. Outro aspecto nefasto desse contexto é a síndrome do martírio do artista popular, se ele não sofre, se não gasta o dinheiro que não tem, se não vive desses ofícios, símbolos da subserviência nem sempre voluntária, não pode ser chamado de artista popular, porque pra ser popular tem que sofrer, e fazer isso muito bem feito. Prezado fulano de tal, venho através deste solicitar uma ajuda, sim, este é mais um ofício.


Valente, setembro de 2008
* Toni Carvalho - Estudante de Rádio e TV da UNEB. Texto publicado no Blogue Aió 2.0, uma  referência/fonte para quem quer encontrar conteúdo livre produzido no Território Sisaleiro da Bahia.


Tags deste artigo: bahia arte toni sisal cultura popular artigo cultural

0sem comentários ainda

Enviar um comentário

Os campos são obrigatórios.

Se você é um usuário registrado, pode se identificar e ser reconhecido automaticamente.