O trabalho de tradução na ambiência do Software Livre geralmente é relegada a segundo plano. Aqueles versados na área de programação normalmente se engajam na parte de desenvolvimento e os demais usuários/integrantes da comunidade consideram ou como uma atividade inferior, ou incapazes de fazer traduções pela falta de conhecimento do idioma estrangeiro (muitas vezes até pela falta de conhecimento do próprio idioma materno...). Também existe no imaginário nerd tupiniquim que quem usa Software Livre tem que ler tudo em inglês. E o que vemos é um exército de analfabetos funcionais no idioma gringo.
Particularmente, acho tudo isso uma bobagem e um desserviço não só ao Software Livre, mas também à sociedade como um todo. Traduzir aplicativos e documentação significa, de maneira mais ampla, proporcionar a todas as pessoas que lêem e falam seu idioma natal oportunidade para conhecer, estudar, entender e usar aquelas ferramentas de software, o que pode fazer a diferença na dita "inclusão digital".
Ultimamente tenho me dedicado à tradução do sistema operacional Haiku, do Synfig Studio e do Tupi 2D Magic. É uma experiência bastante enriquecedora. Através deste trabalho voluntário - não recebo um centavo pra isso - posso conhecer mais profundamente cada um desses aplicativos, seus desenvolvedores e colaboradores, bem como reforçar meus conhecimentos em línguas estrangeiras. Atualmente faço um curso de inglês pago pela empresa onde trabalho e as traduções servem como atividade complementar para reforçar o entendimento da língua. É através de traduções que compreendi, por exemplo, como diferenciar um escritor nativo de um estrangeiro com conhecimentos medianos do inglês. Sim, eu não sou um "bambambam", mas os equívocos alheios muitas vezes são perceptíveis.
Apesar de não ganhar dinheiro, às vezes o tradutor é recompensado de alguma forma pelo mantenedor da tradução, geralmente o próprio desenvolvedor do aplicativo/sistema. Na tradução do pacote de treinamento do Synfig, por exemplo, ganhei acesso grátis ao curso em inglês. A versão paga custa $40. Mas, muito mais do que isso, traduzir o curso me permitiu contato diireto com Konstantin Dmitriev, líder do Morevna Project e uma das cabeças do Synfig Studio. Não que ele seja inacessível por outros meios, mas traduzir me faz sentir parte da equipe de desenvolvimento.
Nas oportunidades que tive de traduzir o Synfig e o Tupi, observei que os trabalhos eram iniciados por alguns colaboradores mas, algum tempo depois, eram abandonados, sem continuidade por outras pessoas. É a síndrome da empolgação inicial: no início tudo são flores, mas depois de algum tempo a vida pessoal fala mais alto e o utilitarismo toma conta: "Não estou ganhando nada com isso. Melhor eu ir cuidar da minha vida". Uma triste mas real constatação.
Não se engane: não estou fazendo isso apenas porque sou bonzinho. Claro que tenho intenções com esse trabalho. Primeiro, traduzo geralmente projetos cujos produtos vou utilizar. Nos casos citados, estou focando minha carreira para um projeto com meu irmão e um amigo que é experiente no mercado de animação. Portanto, conhecer ferramentas de animação 2D e 3D em Linux é fundamental. Nosso projeto também visa a capacitação de crianças e jovens nas ferramentas citadas, dando oportunidades a elas no mercado aquecido da animação. O próprio projeto Morevna faz algo semelhante na Rússia. Assim, dispor de ferramentas e documentação traduzidas para o português é absolutamente necessário.
Quanto ao Haiku, trata-se de uma alternativa promissora ao Linux, com uma performance muito boa em equipamentos antigos e atuais. No futuro, espero poder usar o Synfig e o Tupi no Haiku, o que seria uma combinação perfeita. Assim, estou construindo hoje tanto o meu futuro como o de tantos outros que pensem semelhantemente.
Assim, se você não é um programador e deseja ajudar o movimento de Software Livre, ajude na tradução da sua ferramenta de software favorita, facilitando o acesso de quem não domina a língua inglesa. Ganham você, a comunidade e toda a sociedade lusófona - sim, portugueses, angolanos e até galegos se beneficiam das traduções para o Português, ainda que no nosso "sotaque" brasileiro. Pense nisso.