No final de junho agora recente o @samadeu citou a noção do Bruno Latour de que todo laboratório é um contralaboratório. Ainda que eu não tenha entendido o sentido pretendido pelo Sérgio, a menção me fez lembrar que eu estava pensando em algo assim no contexto das conversas RedeLabs. Daí resolvi primeiro tentar sintetizar aqui uma noção de contralaboratórios para depois, se fosse o caso, pensar nessa relação. Era uma coisa pra ter saído logo na primeira semana de julho, mas… Enfim, está aqui agora.
Laboratórios são importantes locais de trabalho para cientistas e produtores de tecnologia, são os espaços onde se dá vida a fatos e artefatos. Dá pra pensar no contexto das produções de laboratórios associadas a muitas das coisas com as quais convivemos diariamente. Na microinformática, por exemplo, a Apple tem seu Ipad (totalmente fechado totalmente proprietário) que pode ser visto como uma produção de laboratório, no sentido de que é fruto de Pesquisa e Desenvolvimento.
Laboratórios são contralaboratórios no sentido de que o que produzem está sempre, de alguma forma, ao mesmo tempo, contestando propostas de outros laboratórios. Simplificando, na indústria da microinformática aqueles que acreditam e apostam no LIVRE (genericamente qualquer iniciativa afinada com a filosofia do software livre) seriam contralaboratórios dos que apostam no proprietário e assim por diante.
Pensar em contralaboratórios desta forma dá uma visão clara, boa pra perceber o cerne da questão, mas que tem um problema: o mundo já não se divide mais no bem e no mal e nos 10 mais elegantes. Provavelmente nunca se dividiu. Estamos todos ligados de alguma forma e é sempre muito complicado fazer distinções. E para complicar um pouquinho mais podemos ainda raciocinar naquela filosofia de HQ, em que os bandidos se originam de alguma forma a partir do herói e vice-versa.
Laboratórios e contralaboratórios não são empreendimentos de posição, postura, moral, práticas, óbvias e neutras. Laboratórios geralmente estão performando seus próprios contralaboratórios, que estão performando também seus próprios contralaboratórios em espiral infinito.
A antropologia das ciências propõe que nenhum fato ou artefato pode ter sua existência creditada à sua “natureza” ou superioridade frente a outros. O que ocorre na verdade é que são as associações entre as entidades que tornam vencedor esta ou aquela entidade. Se passarmos a pensar nas associações entre humanos e não-humanos vamos ver que nos laboratórios não discutimos um bom número de “realidades”. Lidamos com vários fatos e artefatos, que participam do processo de construção de outros fatos e artefatos, como entidades fechadas, definidas, de função determinada. Não questionamos quais as associações que a fizeram se estabelecer como vitoriosa. As entidades chegam a um ponto de estabilização tão amplamente aceito que parece não fazer mais sentido questioná-las.
Fatos, objetos, artefatos, que não questionamos mais tornam-se caixas pretas no processo de produção nos laboratórios. Recebem entradas e produzem saídas, mas ninguém sabe exatamente o que acontece no entre, os procedimentos do entre não mais discutidos, o importante é o que ela faz. E no caso da Ciência o não questionar desse fazer é um ponto importante do processo. Alcançar esse não questionar é fechar mais uma caixa-preta.
Referências
LATOUR, Bruno. Ciência em ação: como seguir cientistas e engenheiros sociedade afora. São Paulo: UNESP, 2000.
LATOUR, Bruno. Esperança de Pandora. Bauru, SP: EDUSC, 2001.
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