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Cinema indígena e debate no Forumdoc.mg de Cambuquira

4 de Julho de 2011, 0:00 , por Software Livre Brasil - 0sem comentários ainda | Ninguém está seguindo este artigo ainda.
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O diretor huni-kui Zezinho Yube

O diretor huni-kui Zezinho Yube

O fim de semana reservou pelo menos uma boa opção para quem quis fugir do óbvio no Sul de Minas. Em Cambuquira, aconteceu a itinerância do Forumdoc.mg, a 4ª Mostra do Filme Documentário e Etnográfico, evento promovido pela Associação Filmes de Quintal, de Belo Horizonte. Como o nome sugere, trata-se de exibições de filmes que retratam o cotidiano de pessoas e lugares, suas formas de agir, pensar e ver o mundo.

Tivemos a oportunidade de assistir dois filmes. O primeiro, exibido na sexta-feira, foi Kene Yuxí, as Voltas do Kene, de Zezinho Yube. É uma obra do projeto Vídeo nas Aldeias, em que o diretor, da etnia huni-kui, do Acre, mostra-se preocupado com a perda das tradições de sua aldeia. Uma das mais marcantes formas de expressão do grupo são as formas presentes em pinturas e tecidos conhecidos como kene. Herança das mais antigas gerações, os desenhos tem nomes e significados que estão se perdendo pelo desinteresse de crianças e jovens em aprendê-los.

Por outro lado, índios de outras etnias se apropriaram das técnicas do kene para vender artesanato a turistas, independente de a tradição ter origem em outro grupo étnico. A mercantilização pura e simples da arte tradicional acaba colocando em risco a memória e o conhecimento que fazem parte da técnica. Yube, então, visita as três tribos huni-kui do Acre em busca da tradição oral que dá significado aos desenhos, em busca de um registre que torne o conhecimento permanente.

Este não é o primeiro trabalho do projeto Vídeo nas Aldeias com o qual temos contato. Recente apresentamos A Iniciação do Jovem Xavante no lançamento do Museu da Oralidade. É interessante notar que os índios cineastas colocam uma identidade própria na narrativa de suas obras. Desevolvem um trabalho autoral, em que revelam o tempo todo o interesse por trás da realização daquele filme. O diretor Zezinho Yube, por exemplo, aparece por duas ou três vezes no próprio filme, debatendo com outros índios e tentando convencê-los da importância do registro que está sendo feito.

Tudo isso revela que a ideia de índios filmando índios vai além da proposta comum de um diretor passivo, que apenas registra os fatos que vê pela frente. O autor propõe a transformação da sua realidade e deixa isso evidente em toda a obra. Isso fica ainda mais claro quando o filme mostra a presença da Assembleia de Deus em uma das tribos e a conversa entre o pastor indígena e o diretor, que pedia autorização para gravar um culto. É estranho e até mesmo constrangedor ver índios cultuando Jesus com o fervor típico das igrejas evangélicas. Como foi debatido após a exibição do filme, não se trata de deslegitimar a igreja, mas sim de questionar se a estratégia de incentivar índios jovens a negarem com veemência as tradições de sua tribo é adequada.

A presença da Assembleia de Deus em meio aos huni-kui não é o tema central do filme de Zezinho Yube, mas acabou sendo o que mais gerou discussão. Às vezes parece que o Brasil ainda repete erros de um passado distante, quando Couto de Magalhães, autor de O Selvagem, dizia sem nenhuma cerimônia que era papel do Estado brasileiro domesticar os índios selvagens para garantir a presença de Deus em nossa terra.

Porém, também foi discutido que as tradições podem perfeitamente conviver com as novidades. O exemplo maior disso está na própria produção audiovisual indígena. Não fosse o contato com o homem branco, o vídeo, ferramenta indispensável de sensibilização e mobilização nos dias de hoje, jamais teria chegado às mãos de jovens huni-kui. O audiovisual é a presença do moderno trabalhando pela preservação da tradição. A ideia de que o tradicional e o moderno se excluem é falsa: ambos podem viver em harmonia e se apoiarem para transformar a realidade para melhor. A discussão sobre o filme contou com a coordenação da pesquisadora Milene Migliano, da Associação Filmes de Quintal.

Cena de Zanzibar Musical Club

O segundo filme que assistimos foi Zanzibar Musical Club, dos diretores franceses Philippe Gasnier e Patrice Nezan. A obra mostra a vida de homens e mulheres que moram na ilha de Zanzibar, leste da África, na costa da Tanzânia, e fazem parte de um numero grupo musical. O que mais chama à atenção neste filme é a beleza das imagens, que mostram o dia a dia pacato da comunidade. Interessante notar que a forte presença muçulmana no lugar e a distância constante de homens e mulheres.

Também merecem destaque as letras entoadas pelo grupo musical, um tanto ingênuas se comparadas com sucessos mercadológicos do momento. As composições tratam de mulheres defloradas por homens desonestos e senhoras fofoqueiras que futricam sobre a vida alheia, dentre outros temas semelhantes. Isso, no entanto, não tira a beleza das melodias, cantadas sempre pelas mulheres, nem a curiosidade em torno dos instrumentos, tocados pelos homens da banda. Fica evidente também a resistência do grupo em manter a identidade pela música diante do crescente turismo e comércio na ilha.

A sessão do Forumdoc.mg de Cambuquira aconteceu no espaço Cine Elite, recentemente recuperado e onde acontece a Mosca – a Mostra de Cinema de Cambuquira. Em 2010, acontece a sexta edição do festival. Este ano, não haverá mostra competitiva como nos últimos seis anos. A Mosca também será itinerante e ganhou o apelido de Mosca 6 ½. A produção do evento é da Ananda Guimarães, que tem trabalhado constantemente para manter vivo o circuito audiovisual na região.


Fonte: http://viraminas.org.br/uaipod/2011/07/04/cinema-indigena-e-debate-no-forumdoc-mg-de-cambuquira/

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