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Sobre um assassinato na Lapa

27 de Setembro de 2014, 21:31 , por Márcio Moretto Ribeiro - 0sem comentários ainda | Ninguém está seguindo este artigo ainda.
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Licenciado sob CC (by-nc-nd)

"Esta é a lei. Mas há alguma coisa que, se me faz ouvir o primeiro e o segundo tiro com um alívio de segurança, no terceiro me deixa alerta, no quarto desassossegada, o quinto e o sexto me cobrem de vergonha, o sétimo e o oitavo eu ouço com o coração batendo de horror, no nono e no décimo minha boca está trêmula, no décimo primeiro digo em espanto o nome de Deus, no décimo segundo chamo meu irmão. O décimo terceiro tiro me assassina — porque eu sou o outro. Porque eu quero ser o outro."

Mineirinho - Clarice Lispector

 

(SPOILER ALERT!!!!)

Em uma famosa passagem de um não tão famoso filme (Questão de Honra - 1992), ao ser provocado pelo advogado, interpretado por Tom Cruise, sobre se havia ordenado a morte de um soldado, o coronel estadunidense, interpretado por Jack Nicholson, grita furiosamente: "Vocês querem a verdade! Vocês não aguanteam a verdade! (...) Meu filho, nós vivemos em um mundo com muros e esses muros precisam ser protegidos por homens com armas. Quem irá fazê-lo? Você? Eu tenho responsabilidade maior do que você pode ao menos imaginar. (...) Vocês tem a luxuria de não saber o que eu sei. (...) Minha existência, apesar de grotesca e incompreensível para você, salva vidas! Vocês não querem a verdade porque lá no fundo vocês me querem naquele muro. Vocês precisam de mim naquele muro. (...) Eu não devo satisfação a pessoas que acordam e dormem sob os lençois da liberdade que eu provenho e questiona a forma como provenho. Eu prefiro que você me digam apenas 'obrigado' ou então pegue uma arma e tome o cargo." Traduzi livremente e aconselho, mesmo ao que não falam inglês, a assistirem o trecho no original.

 

 

Nós vivemos em um mundo com muros e para manter os privilégios daqueles que moram do lado de lá foram necessárias muitas guerras e mortes. O coronel tem razão, o "self made man" em busca do "american way of life" não quer a verdade. Prefere acreditar que, como no filme, no fim das contas a justiça é soberana. Enquanto esses dormem sob o lençol da liberdade, seus concidadãos para quem o "trabalho sujo" foi delegado, morrem e matam nas batalhas do lado de lá dos muros. Essa experiência inenarravel é o cerne do argumento do coronel que não admite ser questionado por um civil. Porém, se é verdade que nunca a experiência da guerra foi equivalente dos dois lados, desde 92 essa distância se afastou enormemente até o limite ilustrado pelo famoso vídeo "dano colateral" vazado pelo wikileaks. A sensação que o vídeo passa é que a vida daquelas pessoas fora decidida por alguém a kilômetros de distância jogando um video-game no conforto do seu sofá. Paradoxalmente, é quando o argumento se esvasia que se fortalece suas consequências. Se no filme o coronel é preso ao assumir que ordenou o crime, no mundo dos drones nenhuma retaliação àqueles que reconhecem o uso de drones para matar concidadãos (o que suponho ser para eles um crime maior). 

Se aqui embaixo esse medo do estrangeiro é novidade, afinal estamos só começando a experimentar o imperialismo, o discurso do coronel não. Acontece que os muros aqui estão mais perto. Alguns, como os construídos em volta das favelas "pacificadas" no Rio são de concreto, mas a maioria, como aqueles em volta dos shoppings no centro, das universidades públicas etc. são apenas concretos. Para proteger esses muros se "institucionaliza, normaliza e naturaliza uma 'gestão' policial da vida social de trabalhadores informalizados, normalizados à base de precarização, desempregados etc." Para proteger esses muros admitimos a instituições que reproduzem a grotesca existência de capitães Nascimento e somos coniventes com a impunidade deles. Numa paródia grotesca imagino o Coronel Telhada gritando enfurecidamente que no fundo queremos ele protegendo esses muros e me pergunto quantos tiros teremos que ouvir para sermos o outro.

P.S. Esse texto foi escrito no contexto do assassinato em público de Carlos Augusto Muniz, cujo algoz foi liberado poucos dias depois de preso.


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