Beto Richa, e a Defensoria Pública?
1 de Março de 2013, 0:00 - sem comentários aindaOs aprovados e chamados no último concurso para o quadro de pessoal da Defensoria Pública do Paraná estão desesperados graças ao governador Beto Richa (PSDB).
A nomeação dos servidores da Defensoria Pública noticiada pelo próprio Carlos Alberto no dia 20 de fevereiro de 2013 foi cancelada por “falta de espaço na agenda do governador” e isso foi avisado aos aprovados apenas horas antes da cerimônia que ocorreria no Palácio Iguaçu. Depois de mais de uma semana do cancelamento até agora não há nenhuma nova data marcada para estas nomeações.
O problema é que como Beto Richa criou uma infinidade de cargos comissionados sem concurso público, para abraçar os demitidos da prefeitura de Curitiba, o estado do Paraná atingiu o limite prudencial nos gastos com pessoal da Lei de Responsabilidade Fiscal.
Ensino para os meus alunos que existia o patrimonialismo (confusão entre o que é público e o que é privado, nepotismo, clientelismo, corrupção) e que a Administração Pública burocrática (weberiana ou profissional) foi criada para acabar com o nepotismo e clientelismo no Poder Público. Foi a burocracia no sentido técnico que criou a figura do concurso público. O exagero de comissionados é símbolo do patrimonialismo, pois facilita o clientelismo e o nepotismo.
Depois veio a Administração Pública neoliberal-gerencial que sob o discurso falacioso da eficiência, acabou fazendo a Administração Pública brasileira retornar ao patrimonialismo.
Beto Richa é representante do gerencialismo e do neoliberalismo e a tendência é a precarização da Administração Pública.
Por favor 2014, chega logo!
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A Fundação de Ação Social de Curitiba está em boas mãos
1 de Março de 2013, 0:00 - sem comentários aindaAcabei de realizar uma entrevista exclusiva para o Blog do Tarso com a Presidente da Fundação de Ação Social de Curitiba, Marcia Oleskovski Fruet. A FAS é uma fundação estatal de direito público da Administração Pública indireta da capital do Paraná. A primeira-dama de Curitiba é jornalista e vem fazendo um belo trabalho na entidade.
Márcia, que prefere ser a “única dama” do prefeito Gustavo Fruet (PDT), disse que herdou R$ 6 milhões de dívidas da administração anterior, acumuladas no ano de 2012, principalmente após o ex-prefeito de Curitiba, Luciano Ducci (PSB), perder as eleições ainda no primeiro turno.
Várias empresas privadas e entidades sociais ficaram sem receber do Poder Público municipal. E o mais grave, o dinheiro das subvenções sociais também não foram repassados às ONGs sociais.
Fruet diz que não ouve transição na FAS, ninguém a recebeu para “passar as chaves” da FAS.
A FAS tem cerca de 1800 servidores públicos concursados, estatutários, sendo que desses aproximandamente 800 são cedidos da Administração direta, de secretarias. Lá há poucos terceirizados e comissionados, e cada vez mais voluntários.
As relações maiores da FAS são com o governo federal.
Segundo o art. 204 da Constituição, cabe à esfera federal fixar as normas gerais sobre Assistência Social, e a coordenação e a execução dos respectivos programas às esferas estadual e municipal, bem como a entidades beneficentes e de assistência social. Por isso a relação é maior com a União, que legisla sobre as normas gerais.
Ela diz que uma das suas principais ações na área de Administração Pública é profissionalizar a FAS, com servidores ainda mais motivados, profissionalizados, capacitados, que conheçam bem as políticas sociais e quais as atribuições da entidade para os trabalhos do dia-a-dia.
Isso é algo que sentimos falta no país. Administradores públicos, muitas vezes por incompetência ou mesmo por serem ideologicamente contrários ao Estado e à Administração Pública, ao invés de aplicarem a Constituição Social e Democrática de Direito de 1988, que prevê um Estado do Bem-Estar Social e uma Administração Pública profissionalizada, preferem precarizar as estruturas para que haja desculpa e sejam defendidas as inconstitucionais terceirizações e privatizações.
Márcia Fruet também informa que a população de rua em Curitiba cresceu 450% nos últimos 15 anos, por causa das drogas e demais problemas sociais, e 58% desse público vem da região metropolitana de Curitiba, do interior e das grandes cidades. São 3000 pessoas nas ruas de Curitiba e 1000 ficam em abrigos, sendo que 200 da própria prefeitura e o restante conveniados.
Ela se deparou com populações de rua que perguntam: “o que vão fazer com a gente durante a Copa do Mundo do Brasil de 2014?”. Essas pessoas acham que a política de “higienização” realizada por gestões passadas e por outras cidades vai se repetir na atual gestão, o que é um equívoco. A visão da atual gestão, pelo o que percebi, é bastante progressista e humanitária.
Os Conselhos de Políticas Públicas sob responsabilidade da FAS, dos direitos da criança e da adolescência, dos direitos do idoso, das pessoas portadoras de deficiência e da Assistência Social, serão mais divulgados para a população, para que os curitibanos possam participar mais desses conselhos paritários (meio Estado, meio sociedade civil), importantes instrumentos do controle social e que lidam com somas altas de dinheiro público em seus fundos.
Informa que Instituto Pró-Cidadania de Curitiba (IPCC), uma ONG que se utiliza de prédio dentro da FAS, teve sua nova presidente escolhida por Márcia nesta semana, a arquiteta Francisca Cury. A proposta de Márcia e deixar o IPCC mais transparente.
Não foi Márcia Fruet que me informou, mas o Blog do Tarso tem informações de que no IPCC trabalham com salários altos parentes de famosos políticos do Paraná, e era mais uma caixa-preta da prefeitura de Curitiba. Afirmação de minha responsabilidade: esse tipo de ONG, de entidade do Terceiro Setor, é utilizada para fins de fuga do regime jurídico administrativo, como diz a jurissta Maria Sylvia Zanella Di Pietro, com o intuito de gastar dinheiro público sem a realização de concurso público, licitações, fiscalização do Tribunal de Contas e da sociedade e demais controles existentes nas entidades estatais.
Por fim, Márcia diz que ser primeira-dama e ser presidente da FAS é uma dupla responsabilidade, mas que ela, no governo, responde apenas pelas questões sociais.
A minha primeira impressão foi ótima com relação à atual gestão da FAS. O Blog do Tarso estará a postos para auxiliar e também cobrar, quando necessário, para que a entidade continue nesse bom caminho.
Essa foi a primeira entrevista de uma série de debates que o Blog do Tarso fará com alguns secretários e dirigentes de Curitiba, sobre a Administração Pública municipal e controle social e, para finalizar a série, o bate-papo será com o prefeito Gustavo Fruet. Aguardem!
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Reitor da UFPR é favorável às fundações estatais de direito privado, mas não para gerir o Hospital das Clínicas
1 de Março de 2013, 0:00 - sem comentários aindaO reitor da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Zaki Akel Sobrinho, disse hoje que a Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (Ebserh), uma empresa pública (estatal) criada pelo governo federal, para assumir a gestão de hospitais mantidos por universidades federais, é uma ideia muito boa. Mas ele defende que a Ebserh assuma apenas hospitais com problemas financeiros.
O Reitor defende que o Hospital de Clínicas continue sendo gerido pela UFPR, pois segundo ele o HC é uma referência e serve para fazer assistência as pessoas da classe baixa e também para treinar os estudantes de medicina.
As empresas públicas ou as fundações estatais de direito privado são um meio termo entre a gestão da saúde pública ser realizada pela Administração direta ou por autarquias, com servidores estatutários; e as chamadas organizações sociais – OS, que significam a privatização da saúde.
A legislação das OS foi criada por governos neoliberais/privatizantes, pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) no âmbito federal, pelo governador Beto Richa (PSDB) no Paraná e pelo ex-prefeito Cassio Taniguchi (DEMO) em Curitiba. Com um simples intuito: fuga do concurso público, fuga das licitaçÕes, fuga do controle social e fuga do regime jurídico-administrativo. As OS podem ser consideradas inconstitucionais pelo STF ainda em 2013.
As empresas e fundações estatais são pessoas jurídicas de direito privado, mas fazem parte da Administração Pública indireta e devem realizar concurso público e licitação para suas contratações.
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Concursos públicos: é só não fazer perguntas imbecis!
1 de Março de 2013, 0:00 - sem comentários aindaPor Lenio Luiz Streck, no Conjur
A luta pelas batatas
No romance Quincas Borba, Machado de Assis apresenta o Humanitas, peculiar sistema filosófico desenvolvido pelo personagem homônimo. Uma das características é o extremo pragmaticismo, somado a certo realismo extremado do tipo: “as coisas são assim porque são assim”. Por exemplo, não existe um problema ético nas tuas tribos que vão se enfrentar na batalha em torno das batatas. Talvez seja melhor contar um pouco mais da estória. Para explicar o significado paradigmático do Humanitas, que esconderia em si uma verdade universal, Quincas Borba constrói uma hipótese fictícia. Pede ele para seu interlocutor supor um campo de batatas e duas tribos famintas. As batatas apenas são suficientes para alimentar uma das tribos, que assim adquire forças para transpor a montanha para e ir a outro campo com batatas em abundancia. Mas, segundo a hipótese, se as tribos dividissem as batatas do campo um (aquele que está antes da transposição da montanha), não teriam energias suficientes para chegar até a fartura e provavelmente morreriam de inanição. Quincas, então, lança a premissa de que a paz, em um caso como esse, representaria a destruição e a guerra, a salvação. Assim, uma das tribos extermina a outra, recolhe os despojos e celebra a vitória. Como a tribo vencedora poderia se alimentar totalmente das batatas do campo um, ela teria forças para ultrapassar a montanha, chegar ao campo dois e possuir batatas estáveis pelo resto de suas vidas. Por isso, o nobre filósofo arremata: ao vencedor, as batatas!
Despiciendo dizer que as batatas são “a Viúva”, “o serviço público”. E o utilitarismo da guerra de extermínio é representado pela fórmula dos concursos públicos e daqueles que ganham fortunas vendendo “armas” para essa batalha. Poderíamos expandir, portanto, a fórmula de Quincas Borba, que, no romance, não cogitou do fornecimento dos recursos bélicos para as tribos envolvidas na luta pelas batatas.
As batatas e os concursos
Pois bem. Há anos denuncio a fórmula dos concursos públicos. Há anos denuncio a indústria que se formou alrededor dos concursos públicos. Venho dizendo, com a maior explicitude possível, que parcela considerável dos concursos públicos se transformou em quiz show, como se fosse um conjunto de pegadinhas para responder coisas que só assumem relevância porque são ditas pelos professores de cursos de preparação para ingresso nas diferentes carreiras do serviço público (mormente na área jurídica).
É um círculo vicioso e não virtuoso. Os concursos repetem o que se diz nos cursinhos, um conjunto de professores produz obras que são indicadas/utilizadas nos cursos de preparação, que por sua vez servem de guia para elaborar as questões que são feitas por aqueles que são responsáveis pela elaboração das provas (terceirizados — indústria que movimenta bilhões e os próprios órgãos da administração pública).
Eis que, em boa hora, a FGV-Direito Rio e a UFF divulgaram importante pesquisa (Estudo aponta falhas e propõe mudanças nos concursos públicos) apontando “problemas nos concursos públicos federais.” Segundo divulgado, os pesquisadores descobriram/constataram que as provas a que são submetidos os candidatos dos mais diversos certames para as mais diversas carreiras do serviço público federal tornaram-se um “fim em si mesmo” e não um “meio para o acesso à carreira desejada”. Ainda segundo a pesquisa, o concurso não está atingindo a “finalidade para o qual foi criado, que é selecionar um profissional adequado para cargo na administração pública.” Bingo. Quem já leu livros meus ou as colunas aqui da ConJur, já sabia disso. De todo modo, sempre é bom termos pesquisas empíricas para comprovar aquilo que para nós é autoevidente.
Na mesma linha, por ter se tornado um “fim em si mesmo”, o atual modelo de prova acabou por criar concursos que selecionam “pessoas que têm mais aptidão para fazer prova de concurso” em detrimento de pessoas com aptidões reais para o desempenho da função. “Temos uma ineficiência de fiscalização de competências reais”, afirma um dos autores da pesquisa. Ou seja, segundo a pesquisa, passam mais nos concursos os que são treinados para os concursos e não aqueles que tem capacidades reais para exercer a função pública.
Esplêndida a pesquisa. Parabéns aos professores da FGV e da Federal Fluminense. Cumprimentos ao professor Fernando Fontainha, que coordenou a pesquisa. Desde os anos 80 há pesquisas apontando para isso. Mais: há pesquisas importantes — eu mesmo cito algumas em Hermenêutica Jurídica e(m) Crise – mostrando que esse modelo de concursos é fruto da crise do ensino jurídico e da crise de paradigmas que atravessa o Direito. Ensino jurídico prêt-à-porter implica atender demandas de concursos prêt-à-porters. Círculo vicioso, que José Eduardo Faria, Tercio Ferraz Jr., Luis Alberto Warat, entre outros, já denuncia(va)m há trinta anos.
A crise (interminável) do Direito
O que quero dizer é que, enquanto os livros mais vendidos e mais utilizados nas salas de aula forem os manuais simplificadores (para dizer o menos) e compêndios quetais, não se pode esperar melhoras nos concursos públicos. A ligação é umbilical (na verdade, a crise do ensino e dos concursos são gêmeos xifópagos, para usar um personagem sempre presente nas salas de aula e nos concursos). Como venho repetindo: parcela considerável dos livros utilizados hoje nas salas de aulas das faculdades de direito e nos cursinhos de preparação para concursos deveria ter uma tarja como as das carteiras de cigarro, algo do tipo “o uso constante desse material faz mal à ciência jurídica e ao seu utente”, acompanhado de uma fotografia, na contracapa, de um aluno com cara de imbecil, dizendo “li e fiquei assim”…
Portanto, o furo é mais embaixo. É de fundamento. Nesse “mercado jurídico”, bobos são os que escrevem livros mais sofisticados, pensando que algum dia os concursos podem “pedir” questões sobre teoria do direito ou uma dogmática mais aprofundada. Na metáfora fundamental de Quincas Borba, estes estão perdendo a guerra pelas batatas. E o espólio já tem dono.
Daí o gancho. Diz a pesquisa, também, que os concursos alimentam um mercado milionário (claro que não há novidade nisso). Para se ter uma ideia, o valor movimentado pelos concursos (isto é, o valor que a Viúva dispende para os terceirizados) é, diz a pesquisa, de R$ 30 bilhões. Não sei se nesse valor estão incluídos “aqueles que vivem em torno dos castelos” (ou seja, os cursos de preparação para os concursos). Penso que não. Além disso, “Os dados vão além e apontam que os salários ofertados são estipulados conforme a complexidade do certame, e não com base no nível acadêmico ou na competência do candidato. Quanto mais difícil e maior o número de provas, maiores as remunerações”.
Para reverter o cenário, a pesquisa propõe medidas, como o fim das provas objetivas (múltipla escolha). De acordo com o levantamento, cerca de 97% das provas aplicadas em 698 seleções, entre 2001 e 2010, seguiam o modelo. A proposta é o uso de questões escritas discursivas que abordem situações reais a serem vivenciadas pelos futuros contratados.
Acabar com a prova objetiva?
Embora a pesquisa seja meritória, a sugestão de acabar com a prova objetiva pode significar atirar fora a água juntamente com a criança. Prova objetiva não é um mal em si. Sua substituição apenas servirá para esconder o problema. E o problema se agravará. É possível elaborar questões ditas objetivas sem lançar mão de questões idiotas e argumentos imbecis, como se Caio e Ticio, gêmeos xifópagos, brigam… qual é o tipo penal… Ou se o constitucionalismo começou com os hebreus… Ou o que é inconstitucionalidade “fulgurante” (ou algo assim), conforme o autor fulano (que, por sua vez, venderá milhares de livros para os candidatos). Se dez mil candidatos se inscrevem, como fazer questões subjetivo-discursivas? E quem vai corrigir? Quais os critérios? Os da cabeça do avaliador?
Veja-se que sempre voltamos ao ponto de partida. Por que chegamos a esse ponto? Alguém acha que nos concursos da área jurídica é possível fazer algo diferente se não alterarmos o ensino jurídico e a produção doutrinária-jurisprudencial? Como alterar a superestrutura se a infraestrutura está, toda ela, tomada por esse imaginário concursista (que envolve os concursos lato sensu e o exame da OAB)? E a constatação dessa estandardização da educação jurídica, repito, já era conhecida desde a década de 1980.
Em vários textos, refiro um trabalho de um aluno de pós-graduação na Faculdade de Direito da USP, do longínquo ano de 1981, que já então denunciava: “O ensino do Direito como está posto favorece o imobilismo de alunos e professores. No esforço de renovação, uns atingem o grau de doutrinadores e o prestígio da cadeira universitária. Os outros, além do mítico título de ‘doutor’, obtêm a habilitação profissional que lhes permite viver de um trabalho não braçal (white collar). A tarefa do ensino para o aluno é cumprida nestes termos: aprendido o abc do Processo e do Direito Civil, já está habilitado a viver de inventários e cobranças sem maior indagação. [...]”
Diz ainda a pesquisa: “É claro que este operário anônimo do Direito é necessário, mas por que deve ser inconsciente? [...] Sua atividade passa a ser meramente formal, sem influência no processo de tomada de decisão e no planejamento.”
Mais: “O jurista formado por escolas, convém lembrar, não será apenas advogado: será também o juiz que fará parte, afinal de contas, de um dos poderes políticos do Estado. A alienação do jurista, deste modo, colabora também na supressão das garantias de direitos. É que o centro de equilíbrio social (ou de legitimação) é colocado na eficiência, não no bem do homem. Começa-se a falar em um bem comum que só existe nas estatísticas dos planejadores, mas que a pobreza dos centros urbanos desmente. E, em nome desse bem comum, alcançável pela eficiência, sacrificam-se alguns valores que talvez não fosse inútil preservar”.[1]
Pergunto: o que mudou de lá para cá?
Atualmente, a situação é ainda mais dramática em decorrência da massificação do curso de Direito. Não são muitas as faculdades que possuem estrutura — institucional e humana — para formar quadros qualificados de juristas. E vejam que os fatores que levam a isso podem ser ampliados se considerarmos outras tantas distorções que estão presentes hoje na graduação em direito. Não precisamos discorrer aqui sobre todos. Nem espaço haveria para isso. Todavia, um ponto diretamente relacionado ao problema apresentado, diz respeito à indexação da qualidade do curso oferecido aos índices de aprovação no Exame de Ordem. Em muitos casos, esse fator acaba por levar a uma espécie de “vestibularização do direito”.
Empresa pública para fazer concursos?
Por fim, a pesquisa em tela discute se não seria necessária a criação de uma empresa pública especialmente encarregada de elaborar os concursos (ipsis literis: “O levantamento detectou a presença majoritária de sete institutos e centros responsáveis pela elaboração das provas, entre eles o Centro de Seleção e de Promoção de Eventos da Universidade de Brasília, que detém a maior fatia do mercado” — como dito, o mercado movimenta 15 bilhões de dólares).
Pois é. Se entendi bem, a UnB faz parte da máquina pública e vende esse “produto” para a própria máquina? Sem fazer juízo de valor, penso que falar em constituir uma empresa pública para tomar conta dos concursos não terá muito sentido, considerando a notícia de que é uma instituição pública que detém a maior fatia do mercado dos bilhões de reais. Seria a Viúva brigando contra ela mesma… Não sei se haveria batatas para todo mundo. Quem conseguirá chegar até o campo dois? Será necessário exterminar a outra tribo?
Em conclusão
No modo como os concursos públicos estão alojados na cultura de Vera Cruz-Santa Cruz-Pindorama não é exagero afirmar que hoje o conhecimento acerca das estruturas que compõem o nosso Estado passa por um aprofundamento dessa questão. Algumas leituras weberianas sobre o Brasil, como a obra de Faoro, poderiam nos ajudar nessa tarefa de destrinchar os mistérios… Ensino jurídico, concursos públicos, crise do Direito: tudo está interligado. Não devemos nos surpreender com o que ocorre no cotidiano das práticas jurídicas, quando advogados, ao invés de buscaram a liberdade de clientes, pedem a prisão (veja-se, v.g., Defensor Público pede a prisão de administradores de Hospital Federal do Rio — a moda pode pegar, pois no RS advogado também pediu recentemente a prorrogação da prisão temporária de seu cliente), sentenças são anuladas porque não tem fundamentação, a estagioariocracia em franca ascensão, livros jurídicos quase sem citação de fontes e a proliferação da praga contemporânea chamada embargos declaratórios, além do uso da pedra filosofal da hermenêutica, denominada “ponderação”. Nada disso nos deve surpreender hoje em dia… Nem as perguntas/pegadinhas que são feitas nos concursos públicos… Por isso, já iniciaríamos uma mudança se as perguntas sobre Caio e Tício, gêmeos xifópagos, Mévio, enfiteuse, constitucionalismo pré-medieval etc, fossem banidas dos concursos. Se não for por nada, pelo menos para dar um bom efeito simbólico!
De todo modo, se quisermos compreender o Brasil, sempre é bom recorrer aquele que ainda hoje é um dos seus melhores intérpretes. Vamos à personagem do romance O Primo Basílio, de Eça de Queiroz, e à criação de um espécime típico da fauna brasileira: o Conselheiro Acácio. Uma de suas frases se aplica perfeitamente ao caso aqui discutido e descoberto pela pesquisa em pauta: “as consequências vêm sempre depois”. Era um gênio esse Conselheiro, pois não?
[1] Consultar Faria, José Eduardo. A reforma do ensino jurídico. p. 37.
Lenio Luiz Streck é procurador de Justiça no Rio Grande do Sul, doutor e pós-Doutor em Direito. Assine o Facebook.
Revista Consultor Jurídico, 28 de fevereiro de 2013
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