Essa é a segunda parte do texto A free digital society de Richard Stallman, traduzido aqui no Cibermundi. Esse texto discute as ameaças de uma sociedade digital e o que podemos fazer para contorná-las. Nesta segunda parte, Stallman aborda outras duas ameaças que estão presentes na nossa sociedade: a censura e os formatos de dados que restringem os usuários.
Leia aqui a primeira parte deste texto: Uma sociedade digital livre – Parte 1
Censura
A segunda ameaça é a censura. A censura não é nova, já existia muito antes dos computadores. Mas 15 anos atrás, nós pensávamos que a internet nos protegeria da censura, que a derrotaria. Então, China e algumas outras tiranias óbvias não mediram esforços para impor a censura na internet, e nós dissemos: “bem isso não é surpreendente, o que mais governos gostariam de fazer?”
Mas hoje vemos censura imposta em países que não são normalmente pensados como ditaduras, como, por exemplo, o Reino Unido, França, Espanha, Itália, Dinamarca…
Eles todos têm sistemas de bloqueio de acesso a alguns sites. Dinamarca criou um sistema que bloqueia o acesso a uma longa lista de páginas web, que era secreto. Os cidadãos não deveriam saber como o governo os censurava, mas a lista foi divulgada e publicada no Wikileaks. Depois disso, a Dinamarca adicionou a página do WikiLeaks à sua lista de censura.
Assim, todo o resto do mundo pode descobrir como os dinamarqueses estão sendo censurados, mas os dinamarqueses não deveriam saber.
Há alguns meses atrás, a Turquia, que afirma respeitar alguns direitos humanos, anunciou que todos os usuários da internet teriam que escolher entre censura e mais censura. Entre quatro diferentes níveis de censura! Mas a liberdade não é uma das opções.
A Austrália quis impor filtragem sobre internet, mas isso foi bloqueado. No entanto, a Austrália tem um tipo diferente de censura: tem censura de links. Ou seja, se um site na Austrália tem um link para algum site censurado fora da Austrália, o que está na Austrália pode ser punido.
Electronic Frontier Austrália, que é uma organização que defende os direitos humanos no domínio digital, na Austrália, postou um link para um site estrangeiro de política. Ela recebeu ordens para excluir o link ou então enfrentaria uma multa de US $ 11.000 por dia. Então eles apagaram, o que mais poderiam fazer? Este é um sistema muito dura de censura.
Na Espanha, a censura que foi adotada no início deste ano permite às autoridades fechar um site arbitrariamente no país ou impor filtragem para bloquear o acesso a um site fora da Espanha. E eles podem fazer isso sem qualquer tipo de julgamento. Essa foi uma das motivações para os Indignados, que foram protestar na rua.
Houve protestos nas ruas na Turquia também, após o anúncio, mas o governo recusou-se a mudar sua política.
Temos de reconhecer que um país que impõe a censura sobre a Internet não é um país livre. E não é um governo legítimo também.
Formato de dados restritos
A próxima ameaça à nossa liberdade vem de formatos de dados que restringem os usuários.
Às vezes é porque o formato é secreto. Existem muitos softwares que salvam os dados do usuário em um formato secreto, que se destina a impedir que o usuário pegue esses dados e utilize-os em algum outro programa. O objetivo é evitar a interoperabilidade.
Agora, é claro, que se o programa implementa um formato secreto é porque ele não é software livre. Portanto, este é um outro tipo de recurso malicioso. A vigilância é um tipo de recurso malicioso que você encontra em alguns softwares não livres, usar formatos secretos para restringir os usuários é um outro tipo de recurso malicioso que você encontra também em alguns programas não livres.
Mas se você tem um software livre que tem suporte a um determinado formato, ipso facto que o formato não é secreto. Este tipo de recurso malicioso só existe em um software não livre. Recursos de vigilância poderiam teoricamente existir em um software livre, mas você não vê isso acontecendo. Porque os usuários iriam consertá-lo. Os usuários não iriam gostar disso, então eles iriam consertar.
Em todo caso, também podemos encontrar formatos de dados secretos em uso para a publicação de obras. Você encontra formatos de dados secretos usados por áudio, tais como a música, por vídeo, por livros … E estes formatos secretos são conhecidos como Digital Restrictions Management, ou DRM, ou algemas digitais (numériques les menottes).
Assim, as obras são publicadas em formatos secretos de modo que apenas softwares proprietários podem executá-las, e então esses softwares proprietários podem ter o recurso malicioso de restringir os usuários, impedindo-os de fazer algo que seria natural fazer.
E isso é utilizado até mesmo por entidades públicas para se comunicar com as pessoas. Por exemplo, a TV pública italiana disponibiliza seus programas na rede em um formato chamado VC-1, que supostamente é um padrão, mas é um padrão secreto.
Agora eu não consigo imaginar como qualquer entidade que tenha apoio público poderia justificar o uso de um formato secreto para se comunicar com o público. Isso deveria ser ilegal. Na verdade, eu acho que todo o uso de Digital Restrictions Management (DRM) deveria ser ilegal. Nenhuma empresa deveria ser autorizada a fazer isso.
Há também formatos que não são secretos, mas é quase como se fossem, como, por exemplo, o Flash. O Flash realmente não é secreto, mas a Adobe continua a fazer novas versões, que são diferentes entre si, mais rápido do que qualquer um possa mantê-las e torná-las software livre, de modo que ele tem quase o mesmo efeito dos formatos secretos.
Depois, há os formatos patenteados, tais como o MP3, para áudio. É ruim distribuir áudio em formato MP3! Há software livre com suporte ao formato MP3, que pode executá-lo e gerá-lo, mas pelo fato de ser patenteado em muitos países, muitos distribuidores de software livre não se atrevem a incluir esses programas, assim se eles distribuírem o sistema GNU+Linux, seus sistemas não incluem um leitor de MP3.
Como resultado disso, se alguém distribui alguma música em MP3 isso está colocando pressão sobre as pessoas para não usar o GNU/Linux. Claro, se você é um especialista pode encontrar um software livre e instalá-lo, mas existem muitos não-especialistas, e eles podem ver que instalaram uma versão do GNU/Linux que não tem esse software e não reproduzirão arquivos MP3, e eles podem achar que a culpa é do sistema. Eles não percebem que é culpa do formato MP3. Mas este é o fato.
Portanto, se você quer apoiar a liberdade, não distribua arquivos MP3. É por isso que eu digo, se você está gravando o meu discurso e quer distribuir cópias, não faça isso em um formato patenteado como MPEG-2 ou MPEG-4, ou MP3. Use um formato amigável ao software livre, como o formato Ogg ou WebM. E, a propósito, se você for distribuir cópias da gravação, por favor, coloque-a sob uma licença Creative Commons-No derivatives. Esta é uma declaração de minhas visões pessoais. Se fosse uma palestra para um curso, se fosse algo didático, então deveria ser livre, mas declarações de opinião são diferentes.
0sem comentários ainda