Neste espaço coletivo da rede social, você pode disponibilizar o seu conteúdo pessoal para dar mais visibilidade à sua produção e articular com os outros integrantes. Além de textos, você pode publicar fotos, ilustrações ou um arquivo audiovisual.
Como publicar aqui: Basta fazer uma publicação a partir do seu perfil, criando um post no seu blog pessoal ou um artigo e usar o recurso “divulgar”. Lá, escolha a comunidade Ponto por Ponto. A equipe recebe uma notificação da sua publicação e, em seguida, a redireciona para este espaço.
Até o dia 5 de agosto, a rede contava com blogues específicos para a publicação de imagens e arquivos audiovisuais. Como os formatos de mídias se complementam, acreditamos que seja mais produtivo conjugá-las todas num mesmo espaço. Mas, para que não haja perda de conteúdo, disponibilizamos as antigas publicações em:
Expedição do Patrimônio Vivo - 8°Dia - Bom Sucesso
18 de Agosto de 2009, 0:00 - sem comentários aindaAndressa Iza Gonçalves e Paulo de Morais. Fotos – Sansão Bogarim.
Texto concluído às 23h.
A quinta-feira começou quando saímos de Lavras, por volta das 8h30, com destino a Bom Sucesso. Preferimos um caminho alternativo, evitando a estrada asfaltada que passa por Ijaci e Macaia. Ouvimos falar de uma balsa que atravessa o lago do Funil, em Ijaci, e que dali poderíamos seguir por estrada de terra até Bom Sucesso. Fomos pedindo informação às pessoas que íamos encontrando em Ijaci e passamos novamente pela ponte de ferro que tínhamos atravessado ontem. Algumas pessoas que encontramos no caminho informaram que a balsa estava emperrada, mas fomos teimosos e resolvemos tentar a sorte. Chegamos no local da travessia e a informação era mesmo verdade. Ficamos uns 20 minutos esperando e não houve qualquer movimentação do outro lado do lago.
Então, voltamos no sentido de Ijaci e um morador local nos informou sobre uma balsa particular que poderia nos ajudar a atravessar o lago. Chegamos ao local indicado, um condomínio fechado com várias casas de veraneio em construção. Avistamos a balsa do outro lado do lago. Após buzinarmos e gritarmos, o senhor Amado Domingos da Silva, de 32 anos, que trabalha na Fazenda da Barra, nos deu uma agradável carona de balsa. Durante a travessia, puxamos papo com seu Domingos, como é chamado. Ele nos contou sobre como era o local antes do enchimento do lago. Disse que algumas casas foram transferidas do antigo distrito de Pedra Negra, que ficava em Bom Sucesso, para Ijaci. Depois da travessia, pegamos a estrada de terra que vai até a cidade de Ibituruna, de onde seguimos por asfalto até Bom Sucesso.
Primeira parada – 11h44 – Prefeitura Municipal de Bom Sucesso
Chegamos ao prédio da prefeitura e encontramos o senhor José Estadeu dos Santos, que, muito solicitamente, nos contou a história do prédio histórico de dois andares que hoje abriga a administração municipal. Ali funcionou, durante muitos anos, uma cadeia. Por isso, as paredes do local têm 80 centímetros de largura, o que nos impressionou. Ele nos levou até o auditório, uma ampla sala muito bem equipada, e, mostrando a galeria de ex-prefeitos, foi logo dizendo. “Aqui estão as fotos de todos os ex-prefeitos. Hoje, só tem dois vivos. O povo fala que depois das seis eles chegam pra trabalhar. É só colocar a foto na parede, que morre mesmo”, completou, sorrindo. Seu José Estadeu nos contou que Bom Sucesso já teve o nome de “Campanha de Trás da Serra de Ibituruna do Rio Grande Pequeno”.
Após uma saída para o almoço, voltamos à prefeitura, onde encontramos o senhor Rômulo Almeida (foto), funcionário da secretaria de Educação e Cultura, e David Carneiro, secretário de turismo. Juntos, os dois nos contaram sobre a história do município. A cidade teve início quando, em 1736, o então governador de Goiás, Antônio Luís de Távora, passava pelo local para resolver uma rixa entre mineradores. Sua esposa, grávida, começou a sentir as dores do parto. Eles se arrancharam em uma choupana de folha de pita às margens do Rio Pirapetinga, e o governador prometeu que, caso o parto fosse bem sucedido e a criança nascesse sadia, ele construiria uma capela em homenagem a Nossa Senhora do Bom Sucesso, com uma imagem que traria de Portugal. Ali começou a surgir o arraial, que durante muito foi subordinado ao município de São João Del-Rey.
Começamos a conversar sobre a cultura popular do município, que tem aproximadamente 17 mil habitantes. Eles comentaram que existe na cidade uma tradição muito forte de festas e bailes. Como exemplo, citaram o carnaval, que tem como ápice o desfile do bumba-meu-boi. Neste momento, David não conseguiu segurar a emoção ao se lembrar dos carnavais de antigamente. Comentou-se, ainda, a respeito da religiosidade e da forte presença das manifestações folclóricas da cultura afro-brasileira. Perguntamos a respeito de ofícios antigos e eles nos disseram a respeito de um antigo alfaiate ainda em atividade. Saímos da sala animados para ir a campo atrás de histórias.
Segunda parada – 14h39 – Casa de dona Elza Alves Machado
Chegamos na casa de Dona Elza meio que por acaso. Queríamos conversar com seu Belmiro Machado, filho dela, que mora na casa ao lado e é um dos responsáveis pelo bloco do bumba-meu-boi. Não o encontramos e sua esposa nos indicou dona Elza para contar a história desta bela manifestação folclórica. Quem nos recebeu foi sua filha, Nayara Elza Machado Costa, que manifestou grande entusiasmo com a chegada da equipe. Foi logo dizendo que seria ótimo conversarmos com sua mãe, que estava precisando de uma boa conversa.
Nascida em 16 de setembro de 1923, dona Elza é filha dos fazendeiros Zeferino Viana e Elvina Alves Ribeiro. Com uma memória impressionante, nos contou como era Bom Sucesso nos tempos em que um passeio de bonde até a estação ferroviária custava 400 réis. O que havíamos ouvido na prefeitura a respeito da tradição dos bailes que confirmou na narrativa de dona Elza. “Os bailes no Clube 70 eram muito chiques. Ele tem esse nome porque foi fundado por 70 sócios. Quando tinha baile as moças usavam vestidos longos maravilhosos. Tinha uma orquestra grande, que tocava marchinhas, samba, valsa...”
Logo entramos no assunto do bumba-meu-boi. Segundo Dona Elza, quem deu início à tradição foi seu Emídio, que resolveu fazer uma mulinha de jornal para brincar o carnaval. A brincadeira ganhou fama na cidade e vários seguidores deram continuidade nos anos seguintes. “Nunca mais acabou a mulinha. Só que hoje não faz como antigamente, é com armação de ferro e espuma”, lembrou. Dona Elza contou que as fantasias de boi também são antigas e que também fazem parte do carnaval local. São os filhos e netos dela que organizam o bloco do bumba-meu-boi. Alguns se fantasiam de toureiro, “igualzinho na Espanha. Faz cada roupa bonita. Minha família toda participa do boi e sai os quatro dias de carnaval”, disse.
A conversa seguiu animada e perguntamos a respeito dos tremores de terra que acontecem na cidade. Brincando, dona Elza insinuou que era tudo mentira e, em seguida, contou sobre o tremor mais forte que ela sentiu. “Eu estava estudando em casa, era na parte da tarde. Deu um tremor tão forte, que a mesa da sala deu um pulo e a melancia que estava em cima dela voou e espatifou no chão. Dá uma sensação muito ruim, primeiro um tremor forte, depois vai sumindo. O finalzinho parece esses carros que passam com o som alto e balançam as paredes de casa”, lembrou, sorrindo.
No final, dona Elza lembrou-se de algumas músicas de carnaval. “Esse boi é laranja; ê boi; esse boi é fulano; ê boi!”, cantou. A música da primeira mulinha também veio à mente: “Eu fiz uma mulinha pra brincar o carnaval; o rabo era de mola; e a orelha de jornal”. Depois de boas risadas, encerramos o bate-papo com um agradável cafezinho. Queríamos continuar a prosa por muitas horas, mas ainda tínhamos outras pessoas para visitar. Enquanto ficamos ali, perdemos a noção do tempo. Nos despedimos depois de conhecer a fantasia do bumba-meu-boi que estava no porão e seguimos pelas ruas da cidade.
Terceira parada – 16h16 – Alfaitaria do senhor Deusdete de Castro
Desde o início da expedição, estávamos curiosos por encontrar um alfaiate para conversar. Finalmente, a oportunidade chegou. Encontramos seu Deusdete em pleno serviço. Alfaiate desde os 13 anos, seu Deusdete, atualmente com 70, lembra que iniciou-se no ofício em sua terra natal, a vizinha São Tiago. O pai, José Maria de Castro, era lavrador e não queria que os filhos seguissem a mesma profissão, por considerá-la muito sacrificada. “Ele me pôs numa alfaiataria, do seu Miguel Bernardes de Assis, para aprender o ofício. Comecei como ajudante, fazendo chuleio, para a beirada não desfiar. O ponto do chuleio chama ponto de espinho. Hoje, isso faz com máquina overloque”, contou. Ele nos mostrou o dedal que usa (é furado na ponta, ao contrário do dedal de costureira, que é inteiriço) e disse que, no início, ficou dois meses com o dedo médio amarrado à mão para se acostumar com a posição de trabalho.
Depois de aprender o chuleio, começou a fazer casas para botões. Até hoje, ele faz este trabalho manualmente, e leva cerca de 20 minutos por casa. Quando já estava craque nesta parte, começou a trabalhar com a máquina de costura. Montou calças, casacos, paletós.
Seu Deusdete se lembra com saudades da época em que as encomendas na alfaitaria não paravam de chegar. Nos meses anteriores à festa da padroeira, os pedidos se acumulavam no balcão. Para dar conta do serviço, os alfaiates contavam com vários discípulos, formando praticamente uma linha de produção. Nos dias de hoje, entretanto, os mais jovens não tem paciência para aprender o ofício. “Hoje, o povo não quer saber de trabalhar como alfaiate. No dia em que eu morrer, não vai ficar nenhum em Bom Sucesso. Aqui, tinha mais de cinco alfaiates e hoje, só restou eu”, lamentou.
O alfaiate diz que torce para que a profissão não se acabe, pois ainda existem pessoas que gostam de fazer roupa sob medida. A roupa fabricada industrialmente, segundo seu Deusdete, exige que a pessoa se adapte ao molde da fábrica. Já no caso da roupa feita na alfaiataria, é o molde que se adapta à pessoa.
Ao fim da conversa, seu Deusdete mostrou-se muito agradecido por termos perguntado sobre a profissão que exerce há 57 anos. Ele lembrou que foi a primeira vez em que alguém quis saber detalhes do ofício de alfaiate. “Eu acho que no futuro a profissão de alfaiate vai acabar. Ninguém quer sentar com um alfaiate para aprender. Muitas pessoas não dão valor ao nosso serviço”, comentou. Saímos dali muito felizes por termos proporcionado um momento de alegria a este artista. “A gente tem uma profissão muito cansativa, porque é tudo artesanal. Mas ela foi a minha vida, foi com ela que eu tirei o sustento da minha família”, finalizou.
Quarta parada – 17h08 – Casa de Janot Ribeiro da Cruz
“Nasci aqui na cidade mesmo, meu umbigo está enterrado ali, debaixo de uma mangueira”. Assim começou a conversa com seu Janot Ribeiro da Cruz, de 55 anos, capitão regente do grupo de congado local e presidente da Associação Cultural Afro-Brasileira de Bom Sucesso. Seu Janot, com muita paciência para explicar e sem deixar de pitar um cachimbo, transformou o bate-papo em uma verdadeira aula sobre o congado. Ele nos contou que a festa local começou há mais de 150 anos, quando havia na cidade a Irmandade dos Homens Pretos, que deu início à tradição. Havia uma igreja desta irmandade, cujo zelador era o avô de seu Janot, José Domingos Ribeiro. “Meu avô morreu em 1965 e destruíram em 1967. Se ele estivesse vivo, com certeza a igreja estaria aí até hoje”, lembrou.
A tradição da festa do congado vem da família de seu Janot. O pai, João da Cruz Pereira, era mais adepto da folia de reis. A mãe, Izabel Ribeiro Pereira, hoje com 91 anos, é rainha conga de São Benedito há mais de 40. O reinado é passado de pai para filho, ou de mãe para filha, com a condição de que a pessoa mantenha a tradição. “Hoje está bem difícil manter, porque os mais novos estão perdendo o interesse”, revelou seu Janot, repetindo esta que tem sido uma constante na maioria das conversas da Expedição.
Seu Janot entrou nos detalhes da Festa de Congado, que começa com a alvorada, onde os ternos, ou guardas, saem pela manhã. Eles se encontram onde os mastros são levantados. São três guardas que fazem parte do congado de seu Janot: a de Moçambique, a do Catopé e a do Vilão. A primeira toca caixa, o patangome, campanha (espécie de um chocalho usado nas pernas) e guiso, usado exclusivamente pelo capitão. A guarda do Catopé usa duas caixas, reco-reco feito de bambu, sanfona e pandeiro. O capitão toca tamborim. Já o terno do Vilão é formado por um grupo de 16 pessoas, que se organizam em duas fileiras, e dançam ao som de caixa, tarol e sanfona.
O bastão representa a segurança do capitão. É ele quem determina onde será erguido o mastro. Após a visita aos mastros, os congadeiros visitam o rei e a rainha conga, que oferecem um café.
Seu Janot prosseguiu a “aula” falando da hierarquia do congado. Primeiro vêm a rainha e o rei congo, que homenageiam Nossa Senhora do Rosário e São Benedito. Depois vem o capitão-mor, que organiza a festa a mando da rainha e do rei. Em seguida, vem o capitão-regente, que segue ordens do capitão-mor. E depois vêm os capitães-da-guarda, responsáveis por tocar as guardas. Para incentivar os mais jovens, foram criados os “cargos” de príncipe e princesa congos, de caráter figurativo, com o objetivo de envolver os jovens com a tradição, incentivando a participação.
Ao fim, seu Janot lembrou um dos cantos da Festa do Congado, cantado ao fim das festividades:
Se a morte não me matar tamborim
Se a terra não me comer tamborim
Ai ai ai tamborim
Para o ano eu voltarei tamborim
O rosário vai comigo tamborim
A saudade vai ficar tamborim
Ai ai ai tamborim
Para o ano eu voltarei tamborim.
Saímos dali surpreendidos pela agitação cultural de Bom Sucesso. Encerramos a visita felizes por ainda encontrar ofícios e manifestações folclóricas que, apesar da modernidade, continuam sendo patrimônio vivo. A passagem pela cidade nos deu mais fôlego para os dois últimos dias da Expedição.
Acompanhe nesta sexta-feira a visita a Ribeirão Vermelho e Lavras.
Expedição do Patrimônio Vivo - 7°Dia - Ijaci
18 de Agosto de 2009, 0:00 - sem comentários aindaAndressa Iza Gonçalves e Paulo de Morais. Fotos – Sansão Bogarim.
Texto concluído às 23h.
Começamos o dia com a intenção de conhecer a pedra de Santo Antônio, cuja história tínhamos ouvido no dia anterior, na comunidade do Rosário. Saímos então de Itumirim às 7h30 em direção ao distrito e perguntamos sobre o caminho que leva ao local. A estrada de terra atravessa uma serra com belas paisagens. Do alto, pudemos avistar o Lago do Funil, represa que existe há apenas quatro anos, quando a cidade de Ijaci passou a sediar uma nova usina hidroelétrica. O lago chega até o município de Itumirim e cobriu, quando foi enchido, parte da gruta de Santo Antônio. Foi construída uma passarela para que os devotos possam chegar ao interior da gruta. Passeamos pelo local aproveitando a bela vista que o lago proporciona.
Depois da rápida passagem pela gruta, tivemos que nos despedir da expedicionária Sandra Coelho, que teve de voltar à cidade do Serro, onde desenvolve os trabalhos que contribuíram para o registro do Queijo Minas como patrimônio imaterial brasileiro. Passamos por dentro de Ijaci para deixá-la em Lavras, de onde embarcou para Belo Horizonte. Ali encontramos com a também turismóloga Liliane das Mercês Santos, gestora do Circuito Turístico Vale Verde e Quedas D’água, que passou a acompanhar a Expedição. Voltamos a Ijaci para começar o sétimo dia de trabalho.
Primeira parada – 13h01 – Prefeitura Municipal de Ijaci
Encontramos Reginaldo Alves Vilas Bôas, funcionário da Secretaria de Educação e Cultura da cidade. Explicamos os objetivos da expedição e ele logo se mostrou bastante interessado. Ele nos contou a respeito da história da cidade, que foi emancipada de Lavras em 1963. O nome vem do tupi, “Rio da Lua”, e o município tem cerca de 6 mil habitantes. Com uma energia contagiante, decidimos sair logo a campo e encontrar as pessoas que iríamos conversar naquela tarde.
Segunda parada – 13h35 – Casa do senhor Antônio dos Santos – Ijaci
Para começar a visita, não podíamos deixar de conversar com uma pessoa que soubesse a história da cidade. Por isso, encontramos seu Antônio, um ijaciense de 77 anos, que fez de tudo na vida. Ele já foi boiadeiro, carreiro, comerciante, dono de bar e padaria. Aprendemos que Ijaci começou quando o fazendeiro Vigilato Vilas Bôas doou parte de suas terras para a Igreja. Foi construída, então, uma capela ao redor da qual surgiu o arraial que pertencia a Lavras.
Órfão aos sete anos e criados pelos avós lavradores, José Messias Vilas Bôas e Liduína de Bastos Vilas Bôas, Seu Antônio lembrou dos tempos em que existiam poucas casas e as ruas eram de grama ou de terra. De lá para cá, a igreja,erguida em homenagem a Nossa Senhora da Conceição, foi reconstruída duas vezes. O motivo, segundo ele, vem do fato de a cidade ter sido construída sobre um lençol freático, o que provoca rachaduras nas construções e já chegou até a causar tremores de terra na cidade vizinha, Bom Sucesso. Perguntamos detalhes sobre a cultura local, ele se lembrou com saudade das festas de antigamente. As principais eram a Festa da Padroeira e o Carnaval. Os tempos eram de muita religiosidade e respeito, portanto, não havia registros de violência. Seu Antônio terminou a conversa nos indicando dona Geraldina para conversarmos, e seguimos até a casa dela.
Terceira parada – 14h25 – Casa de Dona Geraldina – Ijaci
Quando entramos na casa de Dona Geraldina Umbelina de Castro, encontramos um fogão de lenha ainda quente. Da cozinha, dava para sentir o cheiro de doce. Ela tinha feito doce de leite mole pela manhã. Nascida em Ijaci, filha de Joaquim Porfírio dos Santos e Idalina Umbelina dos Santos, Geraldina tem 85 anos, nove filhos, 15 netos e 13 bisnetos. É a única remanescente de uma família de cinco irmãos. Nasceu numa casa bastante simples, de adobe, onde começou a trabalhar na roça com 10 anos de idade.
Aprendeu a fazer doces com a mãe, que aprendera com a avó. Qualquer doce de fruta ela tira de letra, garante. A receita do de leite estava na ponta da língua: “quinze litros de leite, cinco quilos de açúcar, um pouquinho de pó Royal, deixa ferver e joga um pouquinho de maizena; depois deixa duas horas no fogo”. Dona Geraldina contou que o marido, João de Deus de Castro Filho, era serrador. Serrava madeira para a construção de casas, currais, paióis. No entanto, a profissão foi caindo em desuso e, sem alternativa de renda, seu João resolveu começar a produzir doces caseiros.
No início, a produção era vendida de porta em porta, tanto em Ijaci quanto em Lavras. Com o tempo, os doces de dona Geraldina ganharam fama, e ela começou a receber os compradores em casa. Atualmente, os filhos ajudam na produção e até netos e bisnetos começam a aprender as primeiras receitas. Diante de tantas opções, a doceira tem o seu preferido: a cocada morena. “Rala o côco, coloca o açúcar na panela até queimar, põe o fogo e mexe até dar o ponto”, explica dona Geraldina.
A conversa terminou com dona Geraldina lembrando que, apesar do serviço pesado nas lavouras, ela tem saudades dos tempos antigos. “A gente trabalhava muito, mas era todo mundo alegre”, recordou. Experimentamos doces de laranja, côco e goiaba e nos despedimos daquela simpática família.
Quarta parada – 16h12 – Atelier de Adevágner Antônio Rodrigues
Saímos da casa de dona Geraldina em direção à casa de um artesão que trabalha com cipós. No caminho, encontramos um embaixador de reis da cidade sentado em uma esquina sob a sombra de uma árvore. José Paulo da Silva, de 53 anos, mais conhecido como seu Pachola, conheceu a Folia de Reis com o pai, José Francisco da Silva, lavrador e tocador de cavaquinho que também era folieiro. Ele comentou sobre as dificuldades de os grupos de reis se manterem hoje em dia, pois os mais novos estão ficando mais desinteressados na tradição.
Duas esquinas adiante, chegamos à casa de Adevágner Antônio Rodrigues, apelidade pelo avô José Sebastião de Lico. Hoje com 37 anos, Lico nos contou que seu pai era de Feira de Santana, na Bahia, e se mudou para Minas Gerais em busca de emprego. Acabou se estabelecendo em Ijaci como ferroviário, onde conheceu a mãe do artesão. Ele nos relatou também que o talento para o artesanato vem da família, pois os avós paternos trabalhavam com palha de coco, sisal e barro, no interior da Bahia.
Usando apenas alicate, faca e canivete, Lico faz desde luminárias de teto até objetos decorativos. Ele lembrou que iniciou o trabalho artesanal com bambu, mas percebeu que era uma técnica já muito difundida e, buscando algo original, encontrou cipós no meio do mato e começou a manuseá-los. “E Deus abençoou meu dom”, explicou. Atualmente, o artesão vende muito para compradores de São Paulo e Rio de Janeiro. Devido ao grande número de pedidos, não consegue mais atender às encomendas em pouco tempo.
Lico descreveu os tipos de cipó que usa: cipó São João, cipó chiador e cipó-cravo. Ele explicou que a espécie é uma espécie de praga, que se multiplica largamente pela região e pode até matar algumas árvores. Em alguns casos, fazendeiros pedem que sejam retirados cipós, pois eles podem até enforcar bois no pasto. Para manuseá-los, é preciso deixar um dia submersos em água. Assim como o bambu, o cipó deve ser cortado na lua minguante, para evitar caruncho.
Evangélico e pai de três filhos, Lico tem uma banda de música gospel. O artesão não tem dúvida de que dom da música vem do sangue baiano. Encerramos a conversa ouvindo de Lico que ele aprendeu sua técnica de artesanato toda sozinho. “Foi tudo dom de Deus”, finalizou.
Quinta parada – sítio de Maria Aparecida Vilas Bôas e Miguel Vilas Bôas
Fomos recebidos no sítio Bela Vista pelo casal, dona Maria logo nos contou que tinha nascido ali mesmo e que herdou do avô, José Balbino de Lima, o engenho tocado por animais, hoje substituído pelo elétrico. A modernidade não acarretou grandes mudanças no modo de fazer da rapadura, conforme podemos verificar pela fala de Aparecida. “Meu vô conta que teve uma época no passado que faltou açúcar na região. Ele nunca trabalhou tanto na vida dele, virava dia e noite na beira do tacho”, disse, referindo-se provavelmente no período da segunda guerra mundial, em que o açúcar foi racionado.
Naquele tempo, a vigilância sobre os produtores de rapadura era menos rigorosa. “Meu vô transportava rapadura para vender em Lavras, no carro de boi do mesmo jeito que leva tijolo, sem proteção nem nada. Hoje tem que ser tudo embaladinho, com etiqueta e tudo mais”, compara.
Começamos a conversar sobre o processo de fabricação da rapadura. Ele nos mostrou os três tachos onde ferve a garapa. “Primeiro tem que plantar a cana, ela demora um ano e meio para ficar no ponto. Depois, tem que tirar a cana na seca porque no tempo das águas a cana volta a ficar verde, e perde o teor de açúcar. Na seca, ela fica mais docinha”. Dona Aparecida disse que começa o processo moendo a cana. A garapa vai toda para o tacho grande. Ali vai apurando e sendo transportado para o tacho médio. Em seguida vai para o tacho pequeno até dar o ponto. No final vai para uma gamela e é repartido na forma. A forma comporta 60 rapaduras. Por semana, Dona Aparecida e seu Miguel. Nos despedimos com uma rápida passagem pelo canavial, onde Dona Aparecida fez a gentileza de partir a cana para nós chuparmos.
Terminamos o dia assistindo a um belo pôr do sol, no distrito da Macaia, localizado na beira do lago do Funil, e que fica muito próximo de Ijaci, mas pertence a Bom Sucesso.
Não perca amanhã a cidade de Bom Sucesso na Expedição do Patrimônio Vivo.
Expedição do Patrimônio Vivo - 6° Dia - Itumirim
11 de Agosto de 2009, 0:00 - sem comentários ainda
Andressa Iza Gonçalves, Paulo de Morais e Sandra Maura Coelho. Fotos – Sansão Bogarim.
Texto concluído às 23h02.
Mal acordamos e avistamos a Serra do Sofá, que circunda a cidade de Cachoeira Pequena. Não, não estamos nos confundindo. Cachoeira pequena é a tradução da palavra Itumirim do tupi guarani para o português. Mais curioso ainda foi descobrirmos que, nos tempos de arraial, Itumirim era conhecida como Coruja. Com a emancipação, a cidade chegou a se chamar Francisco Salles e depois recebeu a denominação atual. Com 6.500 habitantes, o município conta com dois distritos: Macuco de Minas e Rosário.
Primeira parada – 9h03 – Prefeitura Municipal de Itumirim
Fomos recepcionados de uma forma bastante profissional. Quem nos atendeu foi a futura turismóloga Waldelaine Antônia Domingos, de 21 anos, simpaticíssima itumirense que demonstrou estar aplicando com maestria seus conhecimentos adquiridos no curso que finaliza no fim deste ano. Muito pró-ativa, ela explicou sobre as potencialidades turísticas do município. Falamos do projeto Expedição do Patrimônio Vivo e ela, interessada sugeriu algumas pessoas que poderíamos visitar.
Segunda parada – 10h14 -Casa de Dona Maria Barbosa Barros
Chegamos à casa de Dona Maria Barbosa Barros, 59 anos, atraídos pela curiosidade em conhecer o famoso trabalho com retalhos de algodão. Dona Maria nos recebeu sorridente e já contando: “Eu aprendi tudo com minha mãe, Maria Agostinha da Silva, que costurava e bordava muito bem, desde pequena gostei muito de costurar, costuro desde os 12 anos de idade, aprendi vendo minha mãe fazer e isso foi o que me fez gostar tanto de trabalhos artesanais”.
Ela lembra que, nesta época, morava na cidade de Martinho Campos (MG), onde nasceu, num arraial onde o pai, Raimundo Barbosa da Silva, trabalhava na manutenção da linha férrea. O serviço de ferroviário era bem remunerado, o que garantia uma boa condição para a família, porém não livrava dos trabalhos em casa. A mãe se mudava com o marido e os irmãos todas as vezes em que a Rede Ferroviária transferia seu Raimundo de cidade, entre elas Pompéu, Azurita e Ribeirão Vermelho.
Há 20 anos morando em Itumirim, dona Maria já trabalhou pela comunidade em funções variadas, tais como na catequese, ministra da eucaristia e aula de crochê. Hoje, se esforça para colocar em funcionamento a Associação Ninho da Coruja, com a qual pretende transformar o ofício de costureira em geração de renda para as moradoras da cidade. Segundo dona Maria, o mercado de trabalho local é restrito para as mulheres, e a criação de uma entidade ajudaria a divulgar e vender os produtos fora do município. “É um trabalho muito minucioso, pois uma colcha demora mais ou menos um mês para ficar pronta. São dez pessoas envolvidas no projeto, e isso traz tranqüilidade, levanta a auto-estima dessas mulheres. O trabalho me distrai, e ainda dá pra ganhar um dinheirinho”, comentou.
Comentamos sobre a questão da identidade cultural do município no artesanato que elas produzem. Ela explicou que pretende adotar a coruja como um dos elementos da identidade no artesanato local. Algumas peças já estão sendo montadas com base neste conceito. “É um trabalho bonito e rentável, dá satisfação, desenvolve mente e mãos e a gente conversa bastante”, finalizou.
Terceira parada – 13h38 – Posto de saúde do distrito de Macuco de Minas – Itumirim
Após almoço, saímos da sede do município e seguimos pela estrada que liga até São João Del-Rey. Entramos no distrito de Macuco de Minas, nome que faz referência ao pássaro muito avistado no local, mas extinto na região. Fomos recebidos por integrantes da comissão organizadora da tradicional Festa do Carro de Boi, que no fim de semana passado teve a 22ª edição realizada.
Estavam nos esperando Magali Aparecida da Silva e Lúcio César Boueri. Eles nos contaram que a festa dura um fim de semana e que conta com desfile de carros de boi, concurso de rainha e princesa e um grande número de visitantes. Ficamos sabendo que o carreiro mais novo de Macuco se chama Ailton, de 27 anos, um dos poucos representantes das gerações jovens que ainda se interessa por carrear.
Magali tomou a iniciativa de pegar a Kombi do distrito e nos levou até a casa de seu Miguel Alfeu dos Santos. No caminho, ela nos contou, com empolgação, sobre a festa deste ano. Houve cobertura dos principais canais de televisão, o que ajudou a aumentar o número de visitantes. A preocupação atual, segundo ela, é conquistar a atenção dos mais jovens ao carro de boi para evitar que a tradição se perca. Notamos, portanto, que Magali tem a preocupação – justa, por sinal – de valorizar a cultura local. Ela nos mostrou o outdoor da festa, desenhado por um artista do distrito. “Já me falaram contratar alguém de fora para fazer o outdoor. Mas porque, se aqui a gente tem uma pessoa talentosa?”, questionou. Conversando com ela, vimos que a festa está em boas mãos e tivemos a certeza de que, com pessoas como Magali e os outros organizadores, a tradição será mantida.
Quarta parada – 13h50 – Sítio de seu Miguel Alfeu dos Santos – Itumirim
Nativo de Macuco de Minas, seu Miguel, de 64 anos, é carapina e ferreiro – ofícios que aprendeu com o pai, José Alfeu de Jesus. “Meu pai era mais artista do que eu. Era o melhor carapina da região, pois alguns faziam com madeira verde, mas ele caprichava, fazia com madeira boa. Naquele tempo, os filhos ajudavam o pai no trabalho e aprendiam a trabalhar”, lembra. Ele nos contou que sempre se dedicou à oficina de carpintaria e ferraria de sua casa nos meses de seca, pois no tempo das águas o trabalho era na lavoura.
Com a sensação de estarmos em um museu vivo, seu Miguel nos conduziu pelo rancho onde trabalha, descrevendo com detalhes as ferramentas e utensílios que usa para construir um carro de boi: fole, marreta, bigorna, craveira, enxó, plaina, entre outros. Jacarandá, amoreira, pereira, pau grande são exemplos de madeiras que ele utiliza. Essas espécies eram comuns no meio ambiente, mas já não são mais tão fáceis de encontrar. Além disso, ele nos contou que fica com medo de extrair a madeira da natureza, por causa da lei.
O carapina explicou que é ele quem determina a entonação da cantiga do carro de boi, dependendo da forma como o constrói e das madeiras que utiliza. De acordo com seu Miguel, a madeira tem que ser macia para uma bela cantiga e para evitar que o carro pule muito na estrada. “Carro que não canta não presta”, decretou. Ele conta que reconhece os carros que fez pelo canto, uma vez que cada um tem a sua cantiga própria.
Pai de três filhas, seu Miguel aposta nos genros para conseguir passar o ofício do carapina adiante. O neto também é outra esperança. “Isso não pode acabar. Tem que aprumar. Os mais novos não querem aprender”, disse. Outro sinal dos tempos que o carapina enfrenta é a queda no volume de pedidos. Ele lembra que o pai conseguia vender os carros que construía antes mesmo de terminar o serviço. Hoje, entretanto, não consegue comercializar a produção pelo preço que considera justo.
Quinta parada – 14h37 – Casa do senhor Domingo Alfeu dos Santos
Voltamos para a Kombi e seguimos para a casa de um dos idealizadores da festa do carro de boi, seu Domingos Alfeu dos Santos, irmão de seu Miguel, que completará 75 anos amanhã (30 de julho). “Eu sou o começo da festa. O primeiro passo aqui quem deu fui eu. Eu procurei o padre José, pois nossa comunidade foi toda construída no carro de boi. Ele concordou com a idéia e a festa foi crescendo de ano em ano”, recordou. Segundo seu Domingos, que aprendeu a carrear aos quatro anos, mais de 70 carros já desfilaram pelas ruas do distrito. O número caiu devido ao desinteresse dos mais jovens – “hoje em dia, os meninos não gostam mais de carrear.”
O primeiro boi que seu Domingos comprou veio com o dinheiro da colheita e venda de um alqueire de feijão, quando tinha 15 anos. A partir daí, ele começou a amansar bois para interessados, de onde tirava parte do sustento. “Tenho até diploma de amansação de boi”, gaba-se. Nos despedimos com satisfação e voltamos ao centro de Macuco de Minas, de onde seguimos para conhecer o distrito de Rosário.
Sexta parada – 15h54 – Casa de Dona Antônia Rosa de Assis – Distrito do Rosário – Itumirim
Chegamos na comunidade do Rosário intrigados pela história de devoção e fé por Santo Antônio. Por coincidência, a primeira pessoa que encontramos para contar a história do local foi uma simpática senhora, nascida no dia do Santo, dia 13 de junho - fato que motivou a mãe a batizá-la de Antônia. Hoje com 81 anos, orgulha-se dos 9 filhos, 38 netos e 14 bisnetos. Ela considera que, apesar de não ter estudado, teve uma vida boa, pois aprendeu com os pais os conhecimentos que usou no decorrer da sua vida.
Ela começou a conversa contando sobre a Gruta de Santo Antônio, que hoje é só uma pedra sobre as águas de uma represa. Segundo Dona Antônia, a antiga gruta, que tinha sete portas, abrigava uma imagem de Santo Antônio. Esta foi retirada do local pelos moradores e levada para o Rosário. Diz a lenda que a imagem reaparecia misteriosamente na gruta, o que originou a devoção pelos católicos da região. “Sou muito devota de Santo Antônio. O povo de hoje não tá para devoção. A gente vai na igreja e tem pouquinha gente, mas o bar fica cheio, né? Pode até ir pro bar, mas tem que ir à missa”. Sua religiosidade nos marcou no momento que ela finalizou a prosa dizendo: “ fui casa por 53 anos, nunca discuti com meu marido, graças a Deus não vou levar esse pecado para o céu”.
Encerramos a visita ao Rosário com um cafezinho na praça, tivemos numa rápida conversa com Dona Aparecida Sales, uma senhora de 73 anos, que nos convidou para a Festa do Rosário que acontece em agosto. Nascida no Rosário, lembrou com saudosismo dos tempos em que as famílias vinham para a festa de carro de boi. Com entusiasmo, nos relatou que na festa acontecem leilões, missas, procissões e, claro, os bailes animados.
Nos despedimos de Itumirim com a certeza de que há muito patrimônio a ser valorizado e tranqüilos de que pessoas competentes estão a frente dessa grande missão. Acompanhe amanhã a visita da Expedição do Patrimônio Vivo a Ijaci.
Expedição do Patrimônio Vivo - 5° Dia - Ingaí
11 de Agosto de 2009, 0:00 - Um comentário
Esse simpático senhor, vaidoso, perguntou se deveria tirar o chapéu e pentear seus cabelos grisalhos. Sorrindo, aconselhamos a ficar como estava. Iniciamos a conversa perguntando sobre a história de Ingaí e percebemos que estávamos diante da pessoa certa para tratarmos do assunto. Filho de uma dona de casa e pai pedreiro, seu Heitor simpaticamente conta que trabalhou numa fábrica de queijo e foi boiadeiro. Ele lembra que transportava até 400 bois para o interior do Rio Janeiro com mais sete homens, em viagens que duravam até 30 dias: “Era tudo a pé, por ordem do patrão. Nós gastava até quatro alpercatas pra chegar até lá. Levava berrante, arroz, feijão e toicinho na comitiva (burros de carga). Nós voltava de trem, subia em Teodoro e descia em Paulo Freitas. De Paulo Freitas, vinha a pé pra Ingaí”. Dona Rita foi professora durante 20 anos, e em outros cinco foi diretora da escola. Visivelmente emocionada, ela detalhou seus tempos de professora, quando a oferta destes profissionais era escassa. Ela ressaltou que os alunos tinham muito mais respeito pelo educador e que alguns escreviam na borda de jornais tamanha a dificuldade em comprar caderno. Nas salas, os estudantes usavam a pena para escrever e lousinha de pedra para as operações matemáticas. “Meu caderno era a memória, porque a lousa apagava”, lembra. A contato com os filhos e netos de Dona Rita confirmou que estávamos mesmo na casa de uma professora, tamanha era a educação de todos. O cafezinho e o bolo de fubá encerraram o bate-papo com chave de ouro. Terceira parada – 14h07 – Casa de Sebastiana Iza de Morais Dona Tianinha nos presenteou com deliciosos chup-chups, de kiwi, céu azul, doce de leite e leite condensado, que tomamos sentados sob a sombra de uma frondosa árvore atrás da igreja. A conversa foi bastante agradável e rendeu a indicação de uma ex-lavadeira, que ensinou Tianinha a lavar roupa. Quarta parada – 15h04 – Casa de Manuela Gabriela Filomena Dona Manuela lembrou que aprendeu a lavar roupa com a mãe. As duas e os irmãos iam para a beira do córrego, onde batiam roupa. O sabão, naquele tempo, era feito artesanalmente. No barreleiro, juntava gordura de frango, porco ou vaca para fazer o sabão de cinza. A dona de casa contou que ainda produz sabão e, diante de nossa curiosidade, foi buscar um exemplar de seu produto, que tinha feito no último fim de semana com sebo de galinha. Ela comentou sobre a diferença de costumes entre a geração da qual fez parte e a de hoje: “De primeiro, num certo ponto era fácil. Hoje, tem tudo para comprar. Antigamente, quem plantava tinha tudo”. Depois de um bate-papo revelador, nos despedimos de Ingaí e partimos para a pernoite em Itumirim.
Fomos recebidos pelos funcionários Silas e André e pela prefeita Teresinha Angélica de Paiva, que nos contou sobre a principal atividade econômica do município, a agropecuária. Com cerca de 3 mil habitantes, a cidade sedia no dia 23 de junho, dia de São João, sua principal festa, quando é queimada a maior fogueira junina do estado.A Prefeitura trabalha também na organização da Festa do Milho, que acontece no mês de maio desde 2001.
Segunda Parada – 10 h – Casa de Heitor Miranda e Rita do Carmo Junqueira de Miranda
Chegamos à residência do casal e percebemos a presença de filhos, netos e bisnetos, demonstrando que ali morava uma família numerosa. Deixamos Dona Rita fazendo o almoço e fomos até o quintal para ouvir as histórias de Seu Heitor, ingaiense de 85 anos, filhos de Ana Bernardo e Severino Rodrigues.
Ele nos contou como era a cidade antigamente: “a igreja antiga era de adobe e oitão (telhado partido ao meio), foi construída em homenagem a São Sebastião. O arraial era campo, tinha pouca casa e tudo de sapé, agora mudou, foi juntando gente e agora é casa de telha”. Neste momento, lembrou de como surgiu a famosa Festa da Fogueira: “ Era 3 horas da tarde e caiu um raio na igreja que pegou fogo. Ai o povo fez promessa para nunca mais cair raio e então todo ano no dia de São João, 23 de junho agente faz a fogueira. Cada ano a fogueira aumenta, hoje ela tem mais de 20 metros de altura”. Seu Heitor continua a prosa lembrando que aos 14 anos já ajudava como todos na montagem da fogueira, carregando nas costas as toras de madeira. Só parou há alguns anos por causa da idade porem ate hoje continua participando como observador da festa.
Ao fim da conversa, seu Heitor contou que, por causa da idade, não consegue mais andar de bicicleta. Por isso, ele encomendou a adaptação de uma bicicleta para um triciclo, com o qual ele costuma visitar o filho na única agência dos Correios da cidade. Terminando o papo, ele se mostrou grato pela conversa e emendou: “Calma, gente, é muito cedo, a prosa tá boa”. Era hora de irmos conversar com a esposa, dona Rita.
Fomos para a sala da casa, onde conhecemos mais sobre Rita do Carmo Junqueira de Miranda, de 83 anos, nascida em Ingaí e criada em Lavras. Neta do oleiro Antônio Luís Brás, a altiva senhora contou que foi matriculada em uma escola muito rigorosa de Lavras, mantida por padres. Na época, teve de aprender latim, exigência dos párocos para que os alunos pudessem acompanhar as missas. Estudou até o equivalente à sétima série e, então, foi convocada pela comunidade para dar aula na antiga Casa da Instrução de Ingaí. “Era um prédio antigo, muito bonito. Não tinha banheiro, o banheiro era atrás da bananeira. Foi uma pena terem derrubado a casa, porque ela era patrimônio histórico da cidade”, lamenta a educadora.
Chegamos à casa desta cozinheira de mão cheia e agradavelmente fomos recebidos com uma bandeja de bolo de milho com côco que derretia na boca. Tínhamos acabado de almoçar, mas aqueles pedaços foram irresistíveis. Tímida, dona Tianinha, como é conhecida, contou sobre a receita que a deu o título de campeã da Festa do Milho deste ano: os pavês doce e salgado. À medida em que ela ia enumerando suas especialidades, nosso apetite ia se reabrindo aos poucos: pão de cebola, pão doce, pão de milho, bolo de frango, salgado, canjica, salpicão, estrogonofe e feijoada. “Tudo tem segredo”, garante.
Entrando pela casa de Dona Manuela, fomos direto para a cozinha, o coração da casa, cenário ideal para uma boa prosa. No alto de seus 84 anos, contou que nasceu da fazenda do senhor Ramiro, no município de Ingaí. Desde criança, era levada pela mãe, Maria Filomena Cândida de Jesus, para a lida na roça. Dos nove irmãos que teve, apenas um está vivo. Não estudou, pois os pais não deixavam pela falta de um acompanhante que pudesse levá-los à escola. “Eu não sei leitura, não sei escrever meu nome. Mamãe criava a gente tudo junto, ela não deixava a gente andar sozinho”, contou.
Não perca amanhã a visita da Expedição do Patrimônio Vivo a Itumirim, incluindo os distritos de Macuco e Rosário.
Expedição do Patrimônio Vivo - 4° Dia - São Thomé das Letras
11 de Agosto de 2009, 0:00 - 3 comentários
Primeira parada – 10h – Sobradinho – Distrito de São Thomé das Letras (MG)
A primeira coisa que fizemos em Sobradinho foi tomar um café em frente à Igreja do distrito. Observamos três senhores sentados no banco da praça e resolvemos começar nossa abordagem por ali. Eles ficaram satisfeitos por verem um grupo de jovens interessados em resgatar histórias e conhecimentos do povo antigo. Eles nos indicaram a casa da dona Maria da Conceição Resende, uma senhora de 75 anos, legítima nativa de Sobradinho.
Segundo ela, Sobradinho começou a se formar nas terras do avô, Bento Gonçalves Leite. Ali foi erguida uma capela em homenagem a Nossa Senhora da Guia, ao redor da qual se construiu a comunidade. “A igrejinha era pequena, foi destruída e construíram essa que está aí”, nos revelou dona Conceição. Percebemos que esta é uma tendência constante nos locais por onde passamos. Com o crescimento da população, as comunidades sentiram necessidade de ampliar as igrejas e, por isso, derrubaram as capelas originais.
Mãe de doze filhos, nove deles nascidos pelas mãos da sogra Maria José de Melo, dona Conceição começou a conversa falando das brincadeiras dos tempos de infância, Estudada até a terceira série do primário, ela nos contou que todos os brinquedos eram feitos em casa, porque naquela época a família não tinha dinheiro para comprar. “Minha mãe fazia as bonecas de pano e nós fazia casinha de barro, mas hoje modificou tudo”, comparou.
Ela se lembrou do casamento aos 16 anos, com Geraldo Batista e relembrou os tempos em que ele era tropeiro. “Ele levava três a quatro dias para chegar em Baependi. Toda semana ele ia lá vender milho, queijo, feijão. Dormia nos rancho, tinha as panelas, fazia comida, levava arroz, feijão, toucinho, café e coador”, disse. Perguntamos o que o marido levava para os dias de frio e Dona Conceição nos respondeu que ele usava mantas tecidas por tecedeiras de Sobradinho, o que nos levou a questionar a respeito do ofício de tecer.
Dona Conceição disse que não tecia, mas lembrava do modo de fazer pois observou o trabalho da cunhada a vida inteira. “Tirava o lã do carneiro e tinha que lavar e cardar (desfiar com um pente próprio). Depois, fiava na roda e tingia. Pra amarelo, usava a quaresminha do campo. Azul era pinheiro; rosa, urucum do campo”, lembrou. Para terminar, perguntamos sobre os bailes da roça de antigamente. Com muito saudosismo, Dona Conceição comentou que havia os mutirões de limpar pasto e que, depois, os fazendeiros ofereciam festas com sanfona até o sol raiar.
Resolvemos entrar no assunto da extração de pedras. “Há muito tempo que ranca pedra aqui. Antes vinha com marreta e tirava as pedra no poder dos braço. Hoje, ta mais fácil”, disse. Por fim, Dona Conceição comentou sobre o orgulho do neto, Nivaldo Neves, que, além de ser professor na escola do distrito, é o companheiro de morada. Todos os demais netos tiveram que se mudar, pois não há empregos no local como antigamente, em que a lavoura oferecia trabalho para todos.
Segunda parada – Olaria na estrada entre Sobradinho e São Thomé das Letras – 11h50
Nos despedimos da simpática dona Conceição e seguimos rumo a São Thomé. No caminho, eis que aparece uma olaria de tijolo artesanal. Lá encontramos Renato Arantes Ribeiro trabalhando com o barro. Ele nos contou que aprendeu o ofício com o pai, João Inácio Ribeiro, e, hoje, faz mil tijolos por dia no tempo de seca, pois no tempo das águas a produção fica comprometida. O barro é jogado na forma, “untada” com areia para evitar que o barro grude. As duas ferramentas usadas são a forma e o arco, usado para tirar o excesso.
Terceira parada – 14h35 - Atelier do escultor Anderson Costa
Após sermos recebidos pelo funcionário do Departamento de Turismo e Cultura Edvaldo, seguimos para uma conversa com Anderson Costa, artesão mais conhecido como Brôa, que faz esculturas em madeira de cedro. Nativo de São Thomé das Letras, e, desde os 12 anos, herdou a responsabilidade de cuidar dos seis irmãos, devido ao falecimento do pai e da mãe, Nedir Costa Brasil. É pai de dois filhos e casou-se aos 21 anos. Até esta idade, ele trabalhou com extração de pedra São Thomé. “Eu tirava 2.200 metros de pedra por mês, acordava às cinco da manhã e ficava na pedreira até as sete da noite. O dia que eu ganhava, ficava tudo para a alimentação dos meus irmãos”, lembrou ele, que, devido à responsabilidade que assumiu cedo, não teve a oportunidade de completar os estudos. Nascido a 1º de novembro de 1971, dia de todos os santos, ele saiu da pedreira quando se casou e comprou um trailler para vender lanches a turistas.
Desde o início da conversa, estávamos impressionados com a qualidade das esculturas que nos cercavam. Perguntamos quando aquele talento tinha se despertado, e a exatidão e a rapidez de sua reposta, dos deixou boquiabertos. “ Foi em primeiro de janeiro de 2003 que eu tive meu primeiro sonho, até então nunca tinha esculpido na minha vida. Sonhava que estava andando no meio da floresta, procurando madeiras do meu tamanho.” Durante os 40 dias seguintes, o mesmo sonho voltou a se manifestar. Inspirado, ele tentou desenhar a imagem de São Tomé em um pedaço do tamanho de um palmo, tentativa que levou 10 dias. Ao comparar a imagem que tinha feito com a da igreja, Anderson se decepcionou. “Pedi desculpas a Deus por não conseguir fazer direito, tentei esquecer, mas o sonhos voltaram mais fortes e fui me entregando à madeira e visualizando as imagens que sempre se manifestam em sonho.” Nos contou que foi evoluindo na arte e em espírito. A evolução, inclusive, nos pareceu evidente, à medida em que comparávamos as primeiras peças com as atuais.
Sua definição para o momento que esculpe as peças que vê em sonhos, é a seguinte: “Quando estou esculpindo, navego em águas calmas. Minhas peças são confeccionadas de acordo com a minha emoção, o que toca meu coração naquele momento eu transfiro para a madeira”. Brôa disse não esperar que um dia chegue a perfeição, pois, segundo ele, ela não existe. Sobre as ferramentas que utiliza, o artesão enumerou: formão em v, coiva, enxó, serrote, madeira e talento. As peças maiores demoram até 11 meses para ficar prontas. Há até pouco tempo, Anderson não vendia o que produzia, pois se apegava às esculturas. Entretanto, recebeu de Deus um sinal que o encorajou a comercializar as peças. Apesar disso, até hoje ele vive da churrascaria que funciona no mesmo local que o ateliê. Encerramos o bate-papo certos que estávamos diante de um artista que será reconhecido mundialmente pelo talento diferenciado.
Quarta parada – 16h02 – Ruínas da primeira padaria de São Thomé das Letras
Para conversar com o casal Jaci de Oliveira, de 70 anos, e Idalina Cândida das Graças, de 67 anos, escolhemos as ruínas da primeira padaria da cidade como cenário. O que nos levou ao dois foi o fato de eles serem os responsáveis pelo grupo das Pastorinhas. A tradição atualmente conta com dois homens e dez mulheres e sai à rua nos mesmos dias da Folia de Reis. Durante algumas décadas, a tradição ficou adormecida, mas há quatro anos foi reativada, graças a iniciativa de dona Tomelina Nunes, irmã de dona Idalina. O pai de seu Jaci, João Angelino de Oliveira, viveu nos tempos que o município era chamado de Arraial de São Thomé, foi embaixador de reis e contava que a origem das Pastorinhas vem dos quilombos. Atualmente, as participantes se apresentam uniformizadas com a saia branca ou azul e uma camiseta estampada com o rosto de Jesus Cristo – um dos homenageados ao lado de Nossa Senhora.
Casados desde os tempos que a moeda era réis, conheceram-se nos bailes da roça. Dona Idalina contou que engravidou dez vezes, mas apenas quatro filhos vingaram. Essa informação nos fez pensar a respeito da alta mortalidade infantil que atingia as mães daquele tempo. Hoje, o casal tem oito netos e dois bisnetos.
Aos sete anos, seu Jaci fez os primeiro acordes na sanfona e ensaiou os primeiros passos de dança. Ele nos contou sobre o Terço de São Gonçalo. “É um terço dançado, é para frente e para trás, para frente e para trás. Não pode rir e nem chorar, não pode ignorar, tem que haver respeito. O embaixador dança e os outros acompanha”, explicou.
Ouvimos do casal que a Tradicional Festa de Agosto, hoje o principal evento turístico do município, era comemorada de outra maneira. “A gente vinha de carro de boi, trazia quitanda colchão e tudo. Todo mundo que morava na roça passava seis dias aqui na cidade rezando para São Tomé”, recordou.
Seu Jaci finalizou a agradável conversa lembrando a São Thomé de outros tempo. “Aqui era diferente, não tinha luz. Era tudo pedra solta, os sapatos vivia tudo desgastados nas pontas de tanto a gente topar nas pedras”.
Quinta parada – 18h10 – Escritório de seu Tatá
Não podíamos sair de São Thomé sem falarmos sobre o misticismo que paira no ar da cidade. Neste instante fomos instruídos a buscar informações com Oriental Luiz Noronha, mais conhecido como Seu Tatá, um senhor de 70 anos que não aceita ser chamado de ufólogo, mas sabe tudo a respeito de discos voadores.
Nascido em Cruzília, o estudioso veio para São Thomé pesquisar arqueologia e historia há 43 anos. Autodidata com livros publicados, seu Tatá conta a história de que São Thomé foi descoberta por um escravo fugido da Fazenda Campo Alegre chamado João Antão. Este foi se esconder em uma gruta, onde encontrou inscrições e símbolos que pareciam letras e uma imagem de São Thomé. Daí o nome de São Thomé das Letras.
Seu Tatá garante que em São Thomé são vistos constantemente objetos voadores não identificados, inclusive revela que é possível avistá-los tanto durante o dia quanto à noite.
O estudioso finalizou destacando que a economia local não depende das pedreiras, como alguns pensam, mas sim do turismo, que começou na década de 80 com a chegada dos primeiros hippies. Atualmente, segundo seu Tatá, a atividade turística é mais seletiva, ou seja, o município recebe visitantes com maior poder aquisitivo.
A noite de sexta-feira nos reservava alguns percalços na mística São Thomé. Fomos a um barzinho em busca de uma boa música e uma noite agradável. No entanto, fomos surpreendidos com o furto de nossa maquina fotográfica, o que nos desmotivou a fazermos no sábado (como havíamos programado) um encontro com um senhor que trabalhou a vida inteira na extração de pedra.
Expedição do Patrimônio Vivo - 3° dia - São Bento Abade
11 de Agosto de 2009, 0:00 - sem comentários aindaPor Andressa Iza Gonçalves, Paulo de Morais e Sandra Maura Coelho. Fotos: Sansão Bogarim. Texto concluído às 2h30 de sexta-feira. O sol mal nascia e já estávamos de pé. Às oito horas, saímos de Carmo da Cachoeira para mais um dia de descobertas, agora na cidade de São Bento Abade. No trajeto, vislumbramos paisagens de uma vegetação diversificada: pastagens, eucalipto e ainda a predominância de plantações de café. Neste trecho, observamos ainda um número significativo de casarões históricos à margem da estrada, provavelmente construções do século XVIII e IX. A estrada de que liga o município à rodovia Fernão Dias apresenta boas condições. Apenas no final do trecho a pista apresentou alguns leves obstáculos e ondulações. Prevaleceu o fato de o Palio Adventure Locker ser um carro preparado para a prática de off-road. Primeira parada – 09h30 – Prefeitura Municipal de São Bento Abade Durante o bate papo, descobrimos que estávamos no quinto menor município de Minas Gerais, com apenas 80 km², onde residem 4.400 habitantes. O nome da cidade se deve ao seu fundador Padre Bento Ferreira, um devoto do santo homônimo, sua emancipação é recente, datada de 1963. Tomados pela curiosidade, foi inevitável a pergunta sobre a intrigante história do são-bentense Januário Garcia – o temido Sete Orelhas. Objeto de estudo de mestrado do promotor de justiça Marcos Paulo Miranda, o personagem foi a figura central de uma história de crime e castigo que começou na Fazenda Tira Couro, nome este associado à morte do irmão de Januário , João Garcia, brutalmente dependurado vivo sob uma figueira, após ter tido a pele arrancada. O motivo do crime foi a disputa de terras, e a morte fez Januário jurar vingança, prometendo executar os sete irmãos da família rival. Após a fuga dos irmãos Silva, Januário iniciou uma caçada pelo interior de Minas. A promessa foi cumprida e de cada irmão assassinado ele arrancava uma orelha, da qual fez um colar. Hoje, a saga do Sete Orelhas é comparada à historia de Lampião, o Rei do Cangaço. Segunda parada – 10h 10 - Casa do Senhor Vicente de Paula – fundador do grupo de catira A partir dali, saímos para descobrir histórias na cidade e percebemos que, de uma forma ou de outra, o número sete sempre aparecia. O seu Vicente de Paula, por exemplo, é pai de sete filhas moças. Nascido na vizinha Luminárias, logo no início ficamos sabendo que seu Vicente é irmão do Raimundo Lima, que conhecemos ontem no Palmital do Cervo. Começamos o bate-papo falando sobre o ofício do carapina, que ele aprendeu com o pai. Ele explicou que o carapina era quem fazia carros de boi, currais e porteiras. Entretanto, hoje, com a modernidade, não há mais encomendas de carro de boi, e o ofício encontra-se em processo de extinção. “Fazia muito (carro de boi). Era a única condução da época. O mundo teve uma mudança muito grande, e eu acompanhei tudo. Hoje tem tudo, antigamente não tinha nada. Os antigos falavam que de mil passará, a dois mil não chegará. É verdade, aquele mundo deles acabou”, comentou. Entramos na história da família de seu Vicente. Ele nos relatou com orgulho que tem 15 netos e emendou que ensina a catira para cinco deles: “Com o meu avô, Sabino José de Lima, conheci a catira. Ele me contava como surgiu a catira. Naquele tempo, os peões tocavammuita boiada e as viagens eram muito longa. Um ou dois sempre levavam uma viola, e os outros só ficavam escutando. Então, eles inventaram um jeito de participar, batendo palmas e os pés junto com o violeiro”. Ele destacou que na catira são usados apenas uma viola e dois cantadores, um com a primeira voz e outro com a segunda. A bota dos catireiros tem que ser de sola de couro, para emitir o som adequado. Existem vários tipos de catira, entre eles a goiana, a mineira e a paulista. Elas se diferem pelas batidas, ritmos e jeito de dançar. Os avós catireiros de seu Vicente tocavam a moda campeira, hoje conhecida como moda de viola. “Hoje, dançamos também o cururu e o pagode caipira. Eu modifiquei um pouco, porque o mundo modificou”, contou o catireiro, demonstrando que a cultura é dinâmica e sempre se apropria do ambiente onde está inserida. O grupo de seu Vicente se apresenta com mais freqüência em festas caipiras na região. Nove dos 14 catireiros são crianças. Ele contou que já tentou montar um grupo formado só por crianças, mas que não deu certo. “Para a criança aprender, tem que estar junto com gente experiente. É igual o bezerro, pra aprender tem que estar no meio dos bois”, comparou. Terceira parada – 11h48 – Casa de Dona Ana Ribeiro Costa – professora aposentada Aos sete anos, dona Ana Ribeiro Costa começou a trabalhar. Fazia sapatinhos de tricô para vender. Nascida em 1937, é filha de José Tomé Ribeiro e Maria Inácia Costa. Os três, mais as duas irmãs de dona Ana, moravam em uma casa de apenas dois cômodos: o quarto, onde todos dormiam amontoados, e a cozinha, feita de pau-a-pique. São-bentense fervorosa, dona Ana sempre esteve por dentro da política local. Ela conta que combinou com o funcionário do cartório de trocar a data de nascimento para 1936. O motivo: ela tinha 17 anos e queria votar. O jeito foi ficar um ano mais velha, pelo menos no documento. Contadora de histórias habilidosa, dona Ana nos guiou pelos causos de São Bento Abade, destacando a saga do Sete Orelhas. Perguntamos se havia na cidade alguma parteira, pois estávamos curiosos para conhecer uma. Ela se lembrou prontamente de Dona Ilda. Quarta parada – 13h40 – Casa de Dona Ilda Pinto – ex- parteira Dona Ilda inicia a prosa logo avisando – “Toda parteira tem que ter carteira, mas eu não tenho”. Ela preocupa-se em explicar que, nos tempos antigos, não precisava apresentar, a carteira profissional, que hoje é exigida. A fala dessa senhora simples e cheia de carisma demonstra que, aos 75 anos, guarda na lembrança momentos inesquecíveis de sua vida de parteira. Ela completa relatando que não tem noção de quantas crianças pôs no mundo. “Todas as pessoas que eu coloquei no mundo me chamam de vó. Tenho ‘netos’ a perder de vista. Minha mãe nem gostava que eu fizesse isso porque é uma profissão de muita responsabilidade. Sou muito devota de Santa Catarina, graças a Deus nunca uma mãe morreu no parto.” O assunto rende quando começamos a falar sobre remédios caseiros que ela receitava. Azeite de mamona ajudava a apimentar (esquentar) a barriga para acelerar o parto. Chá de canela e chá de erva cidreira eram para aliviar a dor. Tabaco e azeite de mamona eram para curar o umbigo do neném. Depois do parto, a mãe tomava sopa de farinha e ficava os próximos quarenta dias de resguardo, sem fazer tarefas pesadas ou ter contato com água fria. Um detalhe curioso prendeu nossa atenção: o mal de sete dias. Trata-se da superstição segundo a qual o bebê não pode receber visitas no sétimo dia de vida. Dona Ilda contou que em São Bento o costume ainda persiste, fato comprovado logo em seguida, quando Elisenilde Rodrigues chegou com os quatro filhos. Coincidentemente, ela contou que o caçula estava com apenas oito dias de vida. Carlos Eduardo, no colo, não tinha recebido visitas no dia anterior, confirmando o que a ex-parteira acabara de contar. Quinta parada – 14h50 – Igrejinha do Tira Couro – José Tomé Garcia - Pintor Seguimos com curiosidade para a Fazenda do Tira Couro, paramos numa igrejinha para pedir informação. Para nossa surpresa, o artista José Tomé Garcia estava pintando o altar da igrejinha construída em homenagem a Nossa Senhora Aparecida. Ele contou que a igreja vinha sendo alvo de vandalismos e que resolveu voluntariamente pintá-la. Continuou a prosa recordando que era pintor de parede e sempre gostou de desenhar. De repente, descobriu que tinha dom para a coisa. Hoje pinta quadros utilizando materiais reciclados, como restos de construção. Ele nos convidou para conhecer suas obras em sua casa, no centro da cidade. No entanto, já estávamos atrasados para o último encontro, então nos pediu para divulgarmos seu telefone de contato: (35) 3236-1497. Ainda deu tempo dele nos contar que São Bento, nos tempos de arraial, já teve o nome de Eremita e depois Campo Belo de São Bento. Sexta parada – 15h20 – Sítio do senhor Benevuto Santana Chegamos no sítio de seu Benevuto Santana Filho, o seu Bené. Pensamos que não tinha ninguém mas resolvemos procurar. Quanto mais adentrávamos em sua propriedade, mais ficávamos admirados pela quantidade de coisas que tinha ali. Passamos pela casa simples, por uma cabana de bambu cheio de utensílios da roça, por uma ninhada de cães, por patos e galinhas, por uma horta, por uma moenda de cana, por um moinho d’água e por um pomar carregado de laranjas e mexericas. Ouvimos vozes ao longe e encontramos o seu Tião, dentro de um bambuzal, fabricando um balaio para o seu Bené, proprietário do sítio. Estávamos diante de um patrimônio vivo. Seu Sebastião Antônio Xavier, de 78 anos, aprendeu o ofício de fazer balaios de bambu com uma senhora chamada Geralda Isabel aos dez anos de idade e desde então tomou gosto. “ No mês que não tem R, a colheita do bambu pode ser feita todos os dias e nos outros só na lua minguante, senão caruncha.” Enquanto fazia o balaio, seu Tião nos contou que é neto de carapina e filho de um trançador de couro. Seu pai, Antônio Francisco Teófilo, teve quatorze filhos: sete homens e sete mulheres. Tião, por sua vez, teve treze: sete homens e seis mulheres. “Minha irmã mais velha tem 106 anos.” Outra curiosidade foi a última fala de Tião, para finalizar aquela boa prosa debaixo do bambuzal: "Eu tive que mudar meu registro quando fui casar porque minha mulher era um ano mais velha do que eu e, naquele tempo, isso não era aceito”. Após um dia de muito trabalho, nos despedimos de São Bento Abade e partimos para pernoite em Luminárias, cidade que a Expedição do Patrimônio Vivo ainda vai passar. O que levamos de São Bento Abade, principalmente, foi a coincidência de que, em todos as histórias, a presença do numero sete era constante, seja ele na intrigante historia do Sete Orelhas ou nas narrativas dos personagens que encontramos. Em Luminárias, fomos recompensados com um pôr-do-sol que a foto abaixo já diz tudo. Não perca na próxima segunda-feira, dia 28 de julho, a próxima cidade da Expedição do Patrimônio Vivo, São Thome das Letras – MG – Circuito Vale Verde – Quedas D água
Expedição do Patrimônio Vivo - Dia 2 - Carmo da Cachoeira
11 de Agosto de 2009, 0:00 - Um comentário
Às oito horas, saímos de Três Pontas rumo à vizinha Carmo da Cachoeira. Nos despedimos da cidade contemplando a serra que dá nome ao município. A paisagem alternava entre enormes cafezais e pastos, e grandes fazendas centenárias, provavelmente dos tempos áureos do ciclo do café, iam se sucedendo uma à outra. A estrada de terra, de cerca de 30 quilômetros, está em bom estado de conservação, apesar do grande fluxo de veículos, sobretudo caminhonetes. A sete quilômetros da chegada, a placa decretava: estávamos em Carmo da Cachoeira. Primeira parada – 10h45 – Centro Cultural Fomos recebidos pela funcionária da secretaria de cultura Sônia Mantovane, que nos apresentou ao presidente da câmara municipal, Walmir Caldeira. Ele nos contou a respeitos dos desafios que os gestores da cultura e do patrimônio enfrentam no dia-a-dia. Dali, fomos para a igreja matriz. Ali, descobrimos nosso primeiro patrimônio vivo. Conhecemos pinturas que retratam a Carmo da Cachoeira de outros tempos. Quem nos deu detalhes foi a senhora Leonor Rizzi, uma descendente dos Alpes suíços que nasceu em Itu (SP) e se mudou para o município em 1991, quando se aposentou. Ela mantém um blog com informações históricas locais, que atualiza com ajuda do filho. Segunda parada – 11h10 – Casa de Dona Zilá. Saindo da igreja, Leonor avistou Dona Zilá Reis Vilela, ilustre moradora da praça que rodeia a matriz. Dona Zilá proseava com a irmã Maria Teresa dos Reis, conhecida como Bahia. As duas simpáticas senhoras esbanjavam carisma do auge dos 88 e 86 anos, respectivamente. Coincidentemente, Zilá relatou ter feito o retrato falado que inspirou a pintura de um dos quadros que havíamos visto na igreja. Ouvindo seu relato, parecia que estávamos voltando no tempo e viajando para dentro da grandes fazendas históricas que tínhamos avistado na estrada. Nascida na fazenda Capitinga e criada por uma família tradicional, viveu cercada pelo ambiente rural. O pai, Gabriel Justiniano dos Reis, conhecido como Seu Bié, era boiadeiro e dono de tropas. A mãe, Dona Ana Reis, ou Naninha, era muito religiosa e brava, e mandou as três filhas para o internato em Varginha. Apesar de formada no curso normal e apta para ser professora, Zilá nunca exerceu a profissão, pois o marido, Percílio de Oliveira, com o qual se casou aos 19 anos, nunca a deixou lecionar. Um dos momentos marcantes do bate-papo aconteceu quando ela contou a respeito da Festa da Padroeira, Nossa Senhora do Carmo. “Nossa família toda vinha da fazenda para a cidade e tinha três carros de boi: um com as malas, outro com empregados e colchões e outro só com a lenha. A gente levava a casa inteira pra cidade. Na festa tinha missa, procissão e baile que durava a noite toda”, lembra. Com o terço na mão, dona Zilá contou ainda sobre a tradição católica da família. Ela nos falou que reza quatro terços toda manhã: o do Contemplado, o da Misericórdia, o da Divina Providência e o de São José. “Minha mãe e minha avó eram muito devotas da divina providência. Tudo que eu pedi, São José me atendeu”, finalizou. Terceira parada – 14h – Casa do senhor Raimundo Lima – Distrito Palmital do Cervo Acompanhados por Walmir, pegamos uma estrada de terra de 22 quilômetros para chegar ao distrito, que tem cerca de 900 habitantes. Assim que chegamos, uma igreja e uma pracinha central deram à comunidade o ar tradicional do interior de Minas. Fomos à casa do senhor Raimundo Oliveira Lima, um artesão de 69 anos natural de Luminárias, que trabalha no quintal de casa na produção de selas, arreios e trançados de couro. Idealizador da festa de São Jorge desde 1978, ele nos contou como a iniciativa dele e de outra moradora local, conhecida como Tôca do Manuel Rosendo, fez surgir uma das mais importantes tradições locais. “Começou com 13 pessoas e depois aumentou. De lá pra cá, nunca mais faiô”, comentou. Vamos deixar o seu Lima falar: “Meu pai era carapina. Fazia carro de boi, armário, casa. Ele aprendeu com o seu Aristóbolo, de Luminárias. Todos os meus irmãos seguiram a profissão do meu pai. Eu não segui, não era muito de trabalhar. Depois que eu fiquei grande, meu pai falou que eu tinha que dar um rumo na vida e me pôs pra trabalhar com o seu Anastácio Barbosa em São Bento, que era o seleiro mais afamado da região. Foi aí que eu aprendi a trabalhar com o couro”. Na oficina dos fundos da casa, fomos apresentados às ferramentas de trabalho: faca, alicate, fiadeira, furadeira, troquês. O couro, seu Lima ganha de vizinhos, quando um boi é sacrificado. “Para fazer o serviço de trança, tem que acompanhar o tempo das águas, senão o couro fica muito duro pra trançar”, explicou. O mais curioso foi ver uma peça inteira de couro secando pendurado à arvore. Uma armação de bambu a mantém esticada, para que marimbondos e urubus façam a limpeza da pele do animal. A peça fica de 10 a 20 dias exposta no tempo para chegar ao ponto ideal de raspagem do pêlo e manuseio para a produção das peças. Nos impressionou o fato de estar à nossa frente um dos poucos mestres desse ofício, uma vez que, nos dias de hoje, o processo industrial de tratamento do couro quase extinguiu este método artesanal. Após muitos conhecimentos transmitidos e causos e histórias contados, percebemos que o seu Lima é o tipo gente que não se vê mais por aí. Quarta parada – 16h10 – Casa de Seu Congo – Estação Ferroviária de Carmo da Cachoeira Chegamos no local onde fica a antiga estação ferroviária da cidade, atualmente inativa. No local, se formou um pequeno bairro, em que um casarão com a inscrição 1920 no alto deixou claro para nós que ali era um lugar cheio de histórias para contar. Até então, pensávamos que iríamos conhecer um morador do local que iria falar sobre a sua vivência de quando os trens de passageiros por ali passavam todos os dias. Aproximamos de uma casa onde um senhor idoso cortava lenha cercado da criação de porcos e galinhas. Percebendo nossa presença, revelou sua hospitalidade tipicamente mineira: “Vamo chegá?” A conversa não era nada daquilo que a gente imaginava. Ainda bem. Quando José Miguel Damiciano, mais conhecido como seu Congo começou a falar, nos revelou que estávamos diante de um genuíno representante da fé. Natural de Nepomuceno, ele é filho de um ex-soldado do exército, de quem herdou o dom de benzer, e chegou a Carmo da Cachoeira com dez anos de idade, montado num cavalo pampa. Junto com o pai, morou na fazenda de um senhor conhecido como Zico Silvério. Mudou-se para os arredores da estação em 1969, a partir de quando começou a benzer vizinhos, amigos e até desconhecidos. Hoje, aos 81 anos, tem quatro filhos. “Trabalho com o anjo da guarda de Deus para curar”, relatou. Depois de uma conversa sobre histórias de pessoas que ele curou pela força da bênção, seu Congo conquistou a atenção de todos. Casos de cura de doenças como paralisias, vícios, verminoses e desmaios e situações de desilusões amorosas e juras de morte foram se sucedendo na narrativa do benzedor e provocando nossa curiosidade, sem que tivéssemos ao menos tempo de perguntar. Com um entusiasmo contagiante e um orgulho visível, ele descrevia o ritual de “bater a carteira”. Perguntamos o que era aquilo. Ele então nos levou para seu quarto, quando a conversa tomou uma dimensão tão grande quanto a fé que ele demonstrava. Um cenário surreal nos surpreendeu. Era um espaço bem apertado, disputado a cada metro quadrado por uma cama de casal, um armário e uma penteadeira repleta de imagens de santos. De repente, uma pergunta deixa a todos sem resposta: “Vocês sabem me dizer quantas pessoas têm neste quarto?”. Ingenuamente, contamos uns aos outros e respondemos prontamente: seis. “Nada disso. Tem mais de três milhões de pessoas aqui”, disse seu Congo, no momento em que abriu uma pasta, de onde tirou centenas de fotografias de pessoas, as quais esparramou pela cama. Uma a uma, seu Congo foi destrinchando a história das pessoas que estavam nas fotos. Nossos sentimentos se confundiam diante daquilo que assistíamos, pois a sabedoria daquele senhor, sua fé e sua precisão nos relatos provocavam momentos de medo, tensão, angústia e, ao mesmo, satisfação por estar ali. Para nos dar sua bênção, pediu que estendêssemos os braços com as mãos para cima e passou uma carteira nos mesmos, abençoando com dizeres do tipo “... Santa Mãe Chica, Santa Mãe Rosa, Santa Terezinha, Santa Inês, Santa Cecília, Nossa Senhora da Alegria, te dá saúde, alegria, uma boa bênção de Deus, pra sua mãe, pro seu pai, seus irmãos, só peço caridade. Jesus Cristo ta aqui comigo, ele entra comigo dentro do meu coração pra falar pra vocês”. Saímos da casa de seu Congo gratificados pela história que se revelou ali, através de um legítimo patrimônio vivo de Carmo da Cachoeira. Quinta parada – 17h50 – Casa da senhora Cristina Filomena Félix Uma cerca de bambu bem simples em frente a uma casa igualmente singela nos convidava a conhecer 102 anos de histórias. Estávamos diante de Cristina Filomena Félix, nascida na fazenda do seu Bié em 1906. Descendente de escravos, a centenária senhora nos contou, em poucas palavras, lembranças de antigamente, dos tempos em que as pessoas tomavam banho na gamela com sabão caseiro, feito com gordura de porco e cinzas. Tempo em que tudo era plantado em casa, as roupas eram tecidas com sacos de açúcar e feijão, carro de boi era o principal meio de transporte e as parteiras eram as responsáveis pelos nascimentos. Encerramos a visita com orgulho de ter conhecido uma pessoa tão especial. Sexta parada – 18h20 – Casa do poeta Carmo Caldeira Nascido em 1928, o senhor que estávamos conhecendo tinha pais tão apaixonados pela cidade que resolveram batizá-lo com o nome da padroeira. Filho do administrador de fazendas Sebastião Caldeira e da professora Maria de Lourdes Carvalho Caldeira, seu Carmo estudou apenas até a quarta série, mas se expressa com um linguajar erudito de fazer inveja aos mais estudados. Adepto da vida boêmia e das serenatas, seu Carmo escreveu a primeira poesia, “Essa Mulher”, ainda solteiro, quando tinha 20 anos. “Aqui em Carmo da Cachoeira, os festejos carnavalescos era muito bom, tinha carnaval de rua e de bloco, o senhor Odilon Ribeiro da Silva era quem organizava”, lembrou. Poeta nato, seu Carmo exibe com orgulho o certificado que recebeu pela participação honrosa na categoria literatura do Prêmio Talentos da Maturidade, do Banco Real, em que ele concorreu por três anos seguidos. Tem poesias publicadas pela editora Guemanisse, no livro Elos & Anelos – Volume 1 – Contos e Poesias. Nas comemorações de 150 anos de emancipação da cidade, em 2007, seu Carmo compôs a seguinte poesia, homenageando a cidade que lhe deu o nome. Carmo da Cachoeira Carmo da Cachoeira, meu rincão querido, Terra linda e altaneira, com seus jardins floridos. (..) Não te esqueço um só instante, Foste o deserto dourado desbravados pelos bandeirantes. Carmo da Cachoeira, de ribeiras e cafezais, Recordo de seus dias de festas, suas noites de serestas, de seus doces carnavais. Carmo da Cachoeira, minha flor, meu bem me quer, Vou te amar a vinda inteira, mesmo se distante estiver. Carmo da cachoeira, é como Minas Gerais, Quem tem conhece não esquece jamais. Não perca amanhã, a próxima cidade da Expedição do PatrimônioVivo, São Bento Abade.
Por Andressa Iza Gonçalves, Paulo de Morais e Sandra Maura Coelho. Texto concluído à 1h35 de quarta-feira. Fotos: Sansão Bogarim.
Tem festa em Olímpia - SP
7 de Agosto de 2009, 0:00 - sem comentários ainda A tradicional festa do folclore começa amanha. O 45º Festival do Folclore acontece de 8 a 16 de agosto, em Olímpia, cidade do interior paulista.
A origem do Festival do Folclore de Olímpia encontra-se nas pesquisas e exposições empreendidas pelo Prof. José Sant’anna e seu alunado, na década de 50, hoje o festival – que em suas etapas iniciais privilegiava o folclore local e regional – é reconhecido como o maior do Brasil, no gênero, notabilizando-se por preservar e celebrar a cultura brasileira, reunindo grupos folclóricos e parafolclóricos provenientes de diversos pontos do país em meio a outras atividades paralelas.
A Comissão Organizadora do 45º Festival Nacional de Folclore promete algumas inovações que o público encontrará na programação. Além da presença confirmada de mais de 60 grupos, de quase 20 Estados brasileiros, e dos 30 grupos folclóricos do Encontro de Reis, o público poderá participar de diversas atividades, tais como seminários e palestras, Salão de Pinturas e Artes Folclóricas, Olimpex, Rally do Folclore, Campeonato de Malha e Truco, Pavilhão Turístico Cultural, Oficinas de Artesanato, Folclorança e Literatura, Gincana Folclórica, Mini-Festival, Desfiles diários no Recinto, Desfile de Encerramento com mudanças também de roteiro (concentrando-se no centro da cidade), Peregrinação, Visita ao Museu e aos Distritos de Ribeiro dos Santos e Baguaçu, lançamento em breve do Anuário (a cargo do fiel seguidor do criador do Fefol, José Sant’anna, o advogado André Nakamura) e Missa em Ação de Graças.
45 Festival Folclore de Olímpia, SP - Mais informações pelo site oficial www.festivaldofolcloredeolimpia
Expedição do Patrimônio Vivo - Dia 1 - Três Pontas
6 de Agosto de 2009, 0:00 - sem comentários ainda<!-- @page { margin: 2cm } P { margin-bottom: 0.21cm } -->
Andressa Iza Gonçalves, Paulo de Morais, Sandra Maura Coelho. Fotos: Sansão Bogarim.
A terça-feira mal começara e já estávamos com o pé na estrada. Saímos de Três Corações por volta das 7h15 . Lá pelas 8h, saímos de Varginha e entramos no trecho que liga a cidade a Três Pontas. A placa já indicava que íamos chegar na cidade do café e as plantações a perder de vista confirmavam a informação. Foi inevitável, e pode até ser psicológico, mas naquele momento dava pra sentir o cheiro do café no ar. Tudo inspirado pelas belas paisagens que a estrada sinuosa, cercada de cafezais, montanhas e casarões históricos de fazendas, nos proporcionava.
Primeira parada – Fazenda Pedra Negra e Museu do café – 8h50
O que era apenas uma primeira impressão, foi se revelando em sua essência a partir do momento em que desambarcamos na Fazenda Pedra Negra. Fomos recebidos pelos proprietários Izaura Maria de Resende e Gustavo Roberto Casas. Izaura é herdeira da fazenda, que foi inaugurada pelo avô Domingos Monteiro Resende em 1890. Ele é argentino de Buenos Aires e largou a profissão de engenheiro eletricista para trabalhar com a fazenda. Os dois se conheceram em Salvador.
Com uma chave de ferro que por si só parecia guardar toda a história a ser desvendada, Gustavo abriu as portas do Museu do Café. Trata-se de um antigo armazém de beneficiamento que ganhou, em seu interior, uma coleção de objetos e utensílios que, juntos, remetem a toda a linha de produção do café, desde o plantio até a mesa de casa. Painéis explicativos esmiuçavam a memória da fruta que no início do século passado era o principal produto de exportação brasileiro e que até hoje é o motor da economia regional. Segundo Gustavo, o museu foi uma iniciativa do casal, que virou realidade graças a doações de amigos. “Hoje, nossa fazenda é um museu vivo. Este tipo de ambiente encanta os visitantes da cidade grande. Eu recebo aqui principalmente paulistas e muitos estrangeiros também. Tem aqueles que vem não como turistas, mas como negociadores de café”, contou o empresário.
Da saída do museu, ouvimos vozes femininas vindas do cafezal. A curiosidade nos guiou até onde elas estavam. Lá conhecemos Claudinéia Carola Girondelli, 36 anos, catadora de café desde os 17, conhecida como Néia. Ela conta que a época da panha é a única do ano em que ela e a família têm emprego. O que eles ganham com a colheita, em torno de 20 reais por dia, é poupado durante todo o restante do ano. Normalmente, o trabalho começa em maio e termina em agosto. “Este ano, as chuvas começaram atrasadas e por isso a safra vai ser menor”, comentou.
Dali partimos para conversar com a companheira dela, Marizete Ferreira Vasco, de 52 anos. “Hoje a gente nem traz mais menino pra cá. Minha mãe também catava café e trazia os filhos todos no balaio aparador pra acompanhar. Aí ela tinha que cantar o tempo todo pra acalmar os meninos”, lembrou. Neste momento, Néia nos convidou para conhecer o pai dela, seu Antônio Pereira Carlota, de 74 anos, que mora ali mesmo na fazenda. Catador de café desde os onze anos e viúvo há três, ele nos contou muitos causos dos tempos idos, enquanto enrolava um cigarro de palha no sofá de casa. “No baile do meu casamento, meu sogro ofereceu pinga pra todo mundo. Naquele tempo, o forró era só com sanfoneiro e durava até o sol raiar. Quando era de manhã, o pessoal começou a ir embora. Eu lá ia com eles quando me lembraram era eu que tinha acabado de casar”, recordou o ex-catador, arrancando risadas de todo mundo.
Segunda parada – Art Café Design – 11h
Saímos da fazenda de alma lavada e com a bateria carregada para continuar a Expedição. Começamos com o pé direito. Fomos conhecer a empresa Art Café Design. Quem nos recebeu foram os irmãos Gustavo e Marcelo Vilela Boechat e Carolina Garcia Diniz, que estavam em plena produção de artesanato. A técnica que eles usam tem como matéria-prima a palha do café, que é rejeito da produção, e foi criada pelas mães deles. “Nosso artesanato é sustentável, porque a palha ia ser jogada fora de todo jeito. Além disso, o trabalho ainda gera emprego para umas 20 pessoas no bairro”, conta Marcelo, que vende parte da produção em feiras fora do Estado e já chegou até a exportar algumas peças.
Terceira parada – Casa de Cultura – 13h30
Depois de um almoço revigorante e uma rápida parada no hotel, chegamos na Casa de Cultura da cidade. A turismóloga Keiry Mariano nos apresentou o diretor do Conservatório Municipal de Música Heitor Villa Lobos, Clayton Prosperi de Paula. A entidade completou este anos duas décadas de fundação e conta com cerca de 400 alunos em cursos de flauta doce, flauta transversal, piano, teclado, saxofone, canto, bateria, violino e violão, além de manter uma orquestra experimental com 60 integrantes.
À medida em que Clayton nos contava sobre o panorama musical, pudemos perceber o quanto se trata de uma tradição riquíssima da cidade. E não dá para falar desse assunto em Três Pontas sem falar do filho mais ilustre da terra, Milton Nascimento, que veio para o município ainda criança e encontrou uma forte tradição familiar ligada à música. Clayton apontou as famílias Tiso, Schiavon e Prosperi como exemplo de pessoas que formaram o ambiente musical efervescente. “A família Tiso, por exemplo, sempre homenageia seus familiares mortos fazendo uma serenata, uma vez por ano, em frente ao cemitério”, contou o professor. Sim, este Tiso a que Clayton se refere é mesmo do compositor e arranjador Wagner Tiso, companheiro do Milton Nascimento no saudoso Clube da Esquina.
Keyre nos apresentou também o senhor Paulo Costa Campos, ex-bancário e professor de matemática e contabilidade, que se apaixonou pela história de Três Pontas quando começou a investigar as origens de sua família. Aos 83 anos e com uma memória invejável, tornou-se historiador pela paixão e conta histórias da cidade com uma precisão matemática. “O povo comemora o aniversário da cidade como se fosse em 1857, mas na verdade ela começou quando foi publicada a provisão do bispado de Mariana para a construção da capela de Nossa Senhora D’Ajuda de Três Pontas, em 5 de outubro de 1768”, explicou o professor, que se revelou uma enciclopédia viva.
Quarta parada – Memorial do Padre Victor - 16h20
“Três Pontas é cidade da música, do café e da fé”, comentou Keyre enquanto nos acompanhava até o Memorial Padre Victor. Quem nos apresentou o local foi a professora de história Maria Rogéria de Mesquita, de 74 anos, que cresceu ouvindo histórias de admiração da família pelo pároco que ficou conhecido como milagroso. “O meu avô foi sacristão na época do Padre Victor e por isso a devoção veio de família”, contou. O memorial, criado e mantido pela associação da qual Maria Rogéria é voluntária, é a principal referência dos romeiros que visitam a cidade especialmente no dia 23 de setembro, data da morte do padre. Ela foi peça fundamental para o processo de beatificação do religioso, ao participar das pesquisas que foram feitas na cidade para registro de graças e milagres, tratados hoje como sigilosos.
Quinta parada – Casa do senhor José Dias dos Reis – 18h30
Seu José tem Reis até no nome. Figura típica do folclore local, Seu Dias, como é conhecido, é embaixador da mais tradicional companhia de Folia de Reis da cidade, a Folia da Família Dias. Ele nos contou que quem fundou a companhia foi seu bisavô Joaquim Dias, que a passou para seu avô, Antônio Dias, que, por sua vez, a passou para seu pai e tios. Seu dias estampa um sorriso de admiração e orgulho a cada frase que conta sobre a tradição. “É muito bonito! É bonito!”, repetia a cada verso que recitava. “Louvado seja meus Deus, menino de Deus nascido, no ventre da virgem pura, nove meses andou escondido. Maria mãe de Deus, moça pura e de fé, vivia entre as montanhas, na vila de Nazaré. Ela é a mãe de Deus, de São José é adotivo, no dia 25 de março, o rei encarnou vivo”.
Depois de muita prosa, nos despedimos às 19h10. Saímos dali com a sensação de dever cumprido e certos de que há muito patrimônio vivo a ser descoberto em Três Pontas. Viemos para o hotel, onde ficamos até 0h47 redigindo esta primeira anotação do diário de bordo. Não perca amanhã neste mesmo blog o relatório da expedição em Carmo da Cachoeira.
Quem baixa música não é pirata, é divulgador!
4 de Agosto de 2009, 0:00 - sem comentários aindaFonte: http://blog.colunaextra.com.br/2009/07/quem-baixa-musica-nao-e-pirata-e.html
Circula desde o dia 8 de julho na internet e já soma mais de 900 assinaturas, o manifesto do movimento Música para Baixar, criado com a finalidade de “debater e agir na flexibilização das leis da cadeia produtiva, para que estas não só assegurem nossos direitos de autor, mas também a difusão livre e democrática da música”. “Quem baixa música não é pirata, é divulgador!”, afirma o manifesto. A iniciativa partiu do blog Música Líquida, do cantor e compositor Leoni (@Leoni_a_Jato) e do designer Marcelo Pereira e foi encampada por outros artistas.
Leia o manifesto completo.
Manifesto movimento Música para Baixar
É a partir do surgimento da democratização da comunicação pela rede cibernética, que a conjuntura na música muda completamente.
Um mundo acabou. Viva o mundo novo!
O que antes era um mercado definido por poucos agentes, detentores do monopólio dos veículos de comunicação, hoje se transformou numa fauna de diversidade cultural enorme, dando oportunidade e riqueza para a música nacional – não só do ponto de vista do artista e produtor(a), como também do usuário(a).
Neste sentido, formamos aqui o movimento Música para Baixar: reunião de artistas, produtores(as), ativistas da rede e usuários(as) da música em defesa da liberdade e da diversidade musical que circula livremente em todos os formatos e na Internet.
Quem baixa música não é pirata, é divulgador! Semeia gratuitamente projetos musicais.
Temos por finalidade debater e agir na flexibilização das leis da cadeia produtiva, para que estas não só assegurem nossos direitos de autor(a), mas também a difusão livre e democrática da música.
O MPB afirma que a prática do “jabá” nos veículos de comunicação é um dos principais responsáveis pela invisibilidade da grande maioria dos artistas. Por isso, defendemos a criminalização do “jabá” em nome da diversidade cultural.
O MPB irá resistir a qualquer atitude repressiva de controle da Internet e às ameaças contra as liberdades civis que impedem inovações. A rede é a única ferramenta disponível que realmente possibilita a democratização do acesso à comunicação e ao conhecimento, elementos indispensáveis à diversidade de pensamento.
Novos tempos necessitam de novos valores. Temas como economia solidária, flexibilização do direito autoral, software livre, cultura digital, comunicação comunitária e colaborativa são aspectos fundamentais para a criação de possibilidades de uma nova realidade a quem cria, produz e usa música.
O MPB irá promover debates e ações que permitam aos agentes desse processo, de uma forma mais ampla e participativa, tornarem-se criadores(as) e gestores(as) do futuro da música.
O futuro da música está em nossas mãos. Este é o manifesto do movimento Música Para Baixar.
Para assinar, clique aqui
http://www.petitiononline.com/mpb/petition.html
Texto extraído do Portal Música Para Baixar:
http://musicaparabaixar.org.br