O Golpe Militar e a Imprensa
O golpe militar de 1964 e, posteriormente, o Ato Institucional nº5, de dezembro de 1968, “o golpe por dentro do golpe”, foram o caldeirão repressivo no qual e do qual se produziu o fenômeno da “imprensa alternativa”, como é conhecida hoje a imprensa que se instituiu para dizer não ao regime. Já em junho de 1969, surge nas bancas do Rio de Janeiro O Pasquim. O jornal terá uma trajetória de sucesso junto ao público, mas também de conflito direto com os generais. Por mais de uma vez a equipe ou parte dela foi presa, com o jornal tendo sua circulação garantida, sem interrupção, face à onda de solidariedade tanto de leitores quanto de jornalistas e escritores, que impediram que, mesmo com seus redatores presos, o jornal deixasse de circular. E foi como ocorreu em novembro de 1970, embora este não tenha sido o único exemplo desta onda solidária, mas o primeiro e mais emblemático: a redação do jornal estava presa no Dops, mas O Pasquim estava nas bancas. O jornal era discutido nas faculdades e nos colégios secundaristas e praticamente todo o meio intelectual o conhecia e o lia também.
Na segunda metade dos anos 70 inúmeras publicações “alternativas” proliferaram nas principais cidades brasileiras, coincidindo com o retorno às ruas dos movimentos de massa, tanto de estudantes reivindicando verbas e melhores condições de ensino, e desta forma, na prática, refundando a União Nacional dos Estudantes, quanto de operários e trabalhadores que começam a paralisar fábricas e empresas na região do ABC, em São Paulo, em busca de melhores salários, fim da exploração e liberdade sindical.
Exemplos dessas publicações são os jornais Opinião e Movimento, e, posteriormente, o Em Tempo, que obtiveram algum tipo de circulação e reconhecimento nacional. No Rio de Janeiro, passam também a circular jornais voltados para um público popular e trabalhador, como no caso dos jornais Berro e Hora Extra, ou jornais também “alternativos”, mas voltados para a cultura, como o Bagaço, ou questões de gênero, como o Lampião de Esquina, dedicado à discussão das homossexualidades.
O final dos anos 1970 e o início da década seguinte vão demarcar o surgimento de uma gama de publicações, que se multiplicam na razão direta do avanço da organização e das mobilizações populares. Fortalecem-se os sindicatos e, com isto, ganha tônus uma nova imprensa, a sindical. Movimentos diversos que pululam na sociedade brasileira também lançam publicações, dos Comitês pela Anistia aos movimentos negros e de moradores das periferias e favelas. O enfraquecimento dos grilhões do regime militar marca o início da derrocada da ditadura, de tal modo que a reorganização político-partidária já é uma realidade na primeira metade dos anos 1980, quando surgem, ressurgem e se constroem partidos políticos de esquerda, do PCB, PCdoB ao PT, mais as organizações de centrais sindicais, entre elas a Central Única dos Trabalhadores (CUT), a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), o Movimento dos Trabalhadores sem Terra (MST), todos eles movimentos políticos e sociais que vão demandar uma imprensa, isto é, outras mídias para veiculação e transmissão das novas idéias, novas propostas, novas falas e discursos, tudo isso impulsionando uma outra comunicação no país, paralela à mídia hegemônica e, em alguns casos, contra ela e apesar dela, dando a voz a quem não a tinha como voz própria, com sua própria sintaxe e fala. E é disso que se trata, em última instância.
Os avanços políticos e organizativos dos movimentos sociais incorporaram outras mídias, além da imprensa escrita, que não tinham, até então, qualquer tradução do que fosse “alternativo” às emissões e transmissões hegemônicas. A partir dos anos 1990 começam a surgir “mensagens alternativas” nas ondas do rádio, com a transmissão de programas populares pautados por outros interesses que não os de largo domínio na radiodifusão sonora. É criado, no âmbito do Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase), no Rio de Janeiro, o Centro Radiofônico de Informação Alternativa (Cria), que durante anos se especializou em produzir programas que, gravados em fita cassete e com invejável qualidade sonora, eram distribuídos para mais de 40 emissoras espalhadas pelo país.
No mesmo período surgem programas radiofônicos patrocinados por entidades dos movimentos sociais, que alugam horários nas grades das programações de emissoras como a Rádio Guanabara (hoje Bandeirantes) e a Rádio Carioca. Alguns desses programas existem até hoje, como Faixa Livre e Boca Livre. Outros, como o Rádio Ligado, transmitido entre 1993 e 1994, produzido pelo Cria e patrocinado pelo Ibase e outras organizações não-governamentais, embora tenha saído do ar devido à falta de suporte financeiro deixou em seu rastro a organização do próprio Cria, enquanto organização não-governamental independente do Ibase.
Por Nilo Sergio S. Gomes, jornalista, pesquisador, professor, doutorando da Escola de Comunicação da UFRJ.
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