À primeira vista, fazer turismo em Cuba pode parecer uma coisa de comunista ou de alternativos. Mas quem visitar o único país socialista das Américas pode mudar a visão americanizada e estigmatizada que se tem da ilha dos irmãos Fidel e Raul. A maior ilha do Caribe é, hoje, um lugar que mistura o moderno e o tradicional, que agrega simplicidade e elegância. A visita a Cuba não será propriamente uma experiência comunista, como vocês verão nos próximos posts.
Estive em Cuba por uma semana, em lua de mel. A viagem é rara entre brasileiros, o que foi muito fácil de perceber logo que pegamos a conexão Panamá – Havana: estávamos cercados de chilenos, uruguaios e, principalmente, argentinos, quase todos casais também celebrando as bodas. Optamos pelo pacote tradicional: três dias na capital Havana e quatro no balneário de Varadero. Com exceção da CVC, que é norte-americana, provavelmente qualquer agẽncia de turismo brasileira tem pacotes para Cuba.
Antes de falar sobre a viagem em si, vamos tratar um pouco da preparação. Com pelo menos um mês de antecedência, a melhor compra é o guia visual da Publifolha. Embora não seja lá tão barato (custa quase 100 reais), é muito completo e dedica várias páginas a cada bairro de Havana e às principais cidades do interior, além da história do País, dicas de hospedagem, alimentação, transporte e comportamento. Dependendo da livraria em que você comprá-lo, poderá vir de brinde um pequeno guia exclusivo de Havana, editado como brindes para assinantes da Folha. Não se dê o trabalho de lê-lo. Prefira usá-lo como peso de papel, calço de pé de mesa ou acendedor de fogão a lenha, pois é uma porcaria.
Outra dica que acho importante na preparação (serve para qualquer viagem) é adquirir um celular com Android e GPS integrado. Este tipo de aparelho já não é mais tão caro, com cerca de R$ 300 é possível adquirir um modelo básico da LG ou Samsung. Com um brinquedinho desses no bolso, você pode se deslocar para Havana tranquilamente usando o Google Maps. O aplicativo permite que você salve o mapa da cidade para uso offline. Assim, com o guia na mochila e o celular na mão, você identifica com imensa facilidade o local onde se encontra e a distância que está de cada uma das atrações, deslocando-se com facilidade pelas ruas, principalmente a pé.
A viagem a Cuba é feita por conexão com o Panamá, em voo da Copa. Até o Panamá, os companheiros de avião serão turistas com destino a Miami, Nova York, Cancún e outros lugares da América do Norte. Assim que entrar no voo para Havana, ninguém mais falará português. Provavelmente nenhum brasileiro terá dificuldade de se comunicar. Basta pedir a atendentes, mensageiros, comissários, taxistas, vendedores ou quem quer que seja que fale pausadamente. 80% do idioma será plenamente compreendido. Os outros 20% incompreensíveis são completamente desnecessários ou exatamente ao contrário: informações fundamentais como horários ou pontos de encontro. Por isso, é bom ficar ligado para não se perder nem perder dinheiro.
Por falar em dinheiro, uma recomendação é importante. Para trocar dinheiro em Cuba, prefira levar euros ao invés de dólar. É que a moeda americana tem uma sobretaxa de 10% nas casas de câmbio. Os guichês de troca de moeda ficam nos aeroportos ou no centro de Havana, em estabelecimentos oficiais conhecidos como Cadeca. Nos hoteis a troca também é fácil e garante comodidade, apesar de uma pequena taxa, de cerca de 1%. Pela facilidade, acredito que valha a pena. A moeda cubana é o peso, que tem dois tipos: o peso nacional, exclusivo dos cubanos residentes, e o conversível (CUC), usado pelos turistas. Numa conta rápida, superficial e sem levar em consideração flutuações diárias, é possível calcular 1 CUC por 2 reais.
Nossa chegada em Havana teve suas coincidências. Enquanto imaginávamos ouvir de cara uma legítima música caribenha, fomos pegos de surpresa com um Chora, Me Liga saído do toque de celular de um cubano que estava atrás de nós na fila de imigração e aprendeu a gostar de sertanejo universitário pelas novelas do Globo que passam por lá. Chegando no hotel, a tevê do lobby transmitia o amistoso Brasil e Egito, do futebol. E, quando a fome bateu, resolvemos experimentar a comida cubana, mas o restaurante que encontramos chamava-se Sabor do Brasil, servia churrasco e outras especialidades tupiniquins, e tinha uma bandeira do Coritiba hasteada ao lado da entrada da cozinha. O garçom nos informou que o antigo gerente do local era um brasileiro, por isso o nome e o cardápio eram tão familiares.
Havana tem muitas opções de hotéis. Alguns são 100% estatais, como o Capri, o Nacional e o Ambos Mundos. Em sua maioria, foram construídos por mafiosos italianos e norte-americanos antes da Revolução. Cuba, aliás, era um enorme antro de jogatina, drogas, lavagem de dinheiro e prostituição antes da tomada do poder pelo grupo de Fidel, o que não é de se duvidar dada a imponência dos prédios das décadas de 30, 40 e 50. Uma outra leva de hotéis foi erguida depois da crise dos anos 90, conhecida como Período Especial. Com a queda da União Soviética e a consequente perda de parceiros comerciais, o governo cubano adotou o turismo como fonte de renda e convidou redes de hotéis para se associar à administração estatal, numa relação de 51% para o Estado e 49% para os investidores. Grandes redes hoteleiras europeias toparam a empreitada e são sócios de Cuba com hotéis cinco estrelas para turistas e diplomatas.
A capital cubana é uma metrópole de pouco mais de 2 milhões de habitantes. O bairro histórico, tombado como patrimônio cultural da humanidade fica ao leste. As ruas estreitas e casas em estilo colonial, com sacadas voltadas para as ruas onde os moradores secam as roupas ao sol. É engraçado perceber que os cubanos não são retraídos como os brasileiros e deixam a porta e as janelas de casa abertas. Qualquer um pode tranquilamente bisbilhotar o comportamento dos moradores da rua. Várias construções não são bem conservadas, embora esteja em curso um grande esforço de restauração.
Algumas casas abrigam galerias de arte de pintores independentes, sobretudo na rua Empedrado, que liga o Museu da Revolução à Praça da Catedral. Ali você encontra obras abstratas e muito bonitas, pintadas em tela com tinta acrílica, que podem ser enroladas e trazidas na bagagem. Existem também algumas galerias de souvenirs, com quadros que retratam ambientes folclóricos e estereotipados de Havana: charutarias, bares, ruas de Havana antiga e dançarinas de salsa. Estes últimos não fazem meu estilo.
Caminhando pelo centro de Havana, você será abordado por diversos cubanos que te vão te oferecer charutos, rum ou passeios. O assédio é grande e constante. Muito provavelmente você será abordado por pessoas ou casais jovens, simpáticos e bons de prosa, que, ao descobrirem que você é brasileiro, dirão coisas superficiais sobre futebol ou novelas. Confesso que caímos na conversa de um casal desse naipe. Eles são o que se pode chamar de malandros, não são mal intencionados, mas querem te agradar o tempo todo para levar alguns dólares de propina.
O casal que nos “recepcionou” no primeiro dia em Havana nos abordou assim que descemos do ônibus Havana Tour, que circula pelos hotéis e pega os turistas para um passeio pela cidade ao custo de 5 CUCs. O tíquete do ônibus vale pelo dia inteiro, por quantas vezes o visitante quiser. Lázaro e Elza são moradores de Havana e nos abordaram freneticamente em frente ao Teatro Nacional, acabando por nos levar a um bar onde vendia-se um mojito muito gostoso, mas ao custo de 6 CUCs (provavelmente o mais caro da ilha). Ofereceram-nos charutos, primeiro por 80 e depois por 50 CUCs, mas recusamos (descobrimos depois que oferecer charuto a turistas é uma prática corriqueira de vários cubanos). Escreveram num guardanapo nomes de vários pontos turísticos e eventos da capital cubana.
Depois de um papo alegre e divertido e vendo que não conseguiriam nos vender nada, começaram com o drama sobre o embargo, a dificuldade de se viver com tíquetes de alimentação, etc. Para nos liberarmos e poder curtir a cidade mais à vontade, deixamos alguns CUCs e a partir dali combinamos que seríamos alemães que não falam uma palavra de espanhol, evitando assim o assédio dos demais vendedores de charutos ambulantes.
O passeio em Havana antiga revela boas surpresas em museus, casarões históricos e igrejas, mas dos quais irei dizer no post da semana que vem. Acompanhem.
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