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Meninas não só compilam como também fazem programa

27 de Maio de 2009, 0:00 , por Software Livre Brasil - | Ninguém está seguindo este artigo ainda.

Sou Patrícia, taurina, teimosa, persistente, chata também ;) Se alguem souber fazer mapa astral estou aceitando a oferta...

Desde pequena queria ser cientista, dominar o mundo e fazer algo de bom para a humanidade. Criança tem cada uma... vivia imaginando mil planos para criar um novo robo tipo os da Familia JETSON, me imaginava no barco do Jacques Cousteau descobrindo tesouros submersos, brincava no jardim da minha casa chamando as fadas e catando duendes embaixo das folhagens e pedras.

Quando alguém morria corria a contar para as abelhas, borboletas, moscas e tudo que era vivo.. tradições celtas perdidas e re-encontradas pelas mãos, braços, boca e coração de minha avó.

Com ela aprendi que mulher não é inferior aos homens. Aprendi que ela cultuava uma Deusa, mãe da natureza e de todos. Vó me dizia: são as mulheres que geram, que alimentam de sua própria carne a carne dos filhos que elas geraram e os que a elas se chegaram ou por falta de outra mãe zeloza ou pelo capricho da Deusa em querer nos ensinar a amar mesmo que não seja sangue da gente, mas assim mesmo sendo parte da gente.

Aprendi que a coletividade gera ação e reação. Que o individualismo nos deixa fracos.
E só os mais fortes sobrevivem, nem que seja juntando-se todos num abraço para se aquecer do frio do inverno, compartilhando as batatas dos porões; a fome que dói mais na alma que na barriga, a fartura das colheitas divididas entre os amigos e vizinhos.
As lágrimas são mais doces quando existe alguém que as enxugue. Palavras ao vento são palavra sem significado. Palavras ditas a alguém tem poder. Nunca deseje sem amor e coração pois os desejos podem ser atendidos.

Mulheres não são mais e nem são menos que os homens. E os homens não são mais e nem são menos que as mulheres. São todos seres gerados da Grande Mãe e como tal devem ser respeitados e se fazerem respeitar sem agressões. Existe um lugar para cada coisa gerada neste universo. E cada ser tem sua obrigação para a continuidade do todo.

Aprendi desde sempre que eu sou eu. E se eu sou assim deve existir algum bom motivo para isso. Nasci teimosa. Estudei de teimosa. Comi de teimosa. Amei de teimosa. Gerei meus filhos de teimosa que sou. E estou aqui pois sou teimosa mesmo. E de tão teimosa teimo em querer contar para todas as outras e todos os outros sobre as coisas que acredito, sobre as coisas que eu sei e sobre toda a infinidade de coisas sobre as quais nada sei mas quero aprender.

Meu pai me apelidou de Pi. Podem me chamar assim se quiserem. Pi por causa do número, desafio feito aos 4 anos quando aprendia os numeros. Teimosa queria aprender mais, mas ninguém tinha muita paciencia com a pestinha perguntadeira. Jogaram no ar o Pi.. "aprenda sobre ele... " disseram um dia.
Descobri que Pi é um número mágico.. adoro magias. Falava tanto no Pi que virei eu mesma Pi.. número irracional... misterioso.. profundo.. repetitivo.. elencado com a simetria do universo. Afinal, eu faço parte dele mesmo.

Também descobri que tinha uma verve "revolucionária" ou "contestadora". Na escola aprendi a fazer colagens de recortes de revistas jornais... achei tão lindo que resolvi decorar meu quarto assim.
Tranquei a porta e comecei a colar na parede tudo o que me lembrava alguma coisa, seja ela boa ou ruim. Escrevi na parede a minha pequena vida de 10 anos... o papel do chocolate que o coleguinha bonitinho da escola me deu de presente escondido da freira ... as fotos das amigas, amigos, parentes... desenhos das bonecas que queria e nunca ganhei.. as flores secas do jardim da avó, os rabiscos dos meus irmãos... recortes de noticias que achava interessante, letras de musicas escritas a canetinha hidrocor na parede.
Depois de uns dias, minha "obra de arte" quase terminada minha mãe abre o quarto e descobre.. levei uma surra de chinelos havaiana azul clarinho e a ordem de limpar a parede rápido, senão eu ficava sem comer.
Esperei a distração dela, roubei o chinelo, escrevi na parede bem grande (a mim, parecia enorme) " Cadê a minha liberdade de fazer o que eu quero?" e preguei com prego na parede, meio por cima da frase o chinelo de minha mãe.

Desde esse dia fui "alojada" no quartinho dos fundos da casas pois eu era muito "antisocial" rsrrs. Amei o castigo e continuei a me escrever nas paredes. Santa liberdade!

Cresci (mas não muito... sou baixinha), resolvi estudar computação.
Não pelo poder do código como dizem os nerds de plantão, mas para entender como aquelas palavras escritas na telinha preta podiam se transformar em ações. E descobri que essas ações geram reações. Algumas boas, algumas nem tanto.

Criei IAs malignas controladoras que o exercito queria conhecer... entendi o poder da palavra Liberdade e Controle de uma maneira muito mais ampla. Entendi melhor quando a vó dizia que todos são iguais... os direitos.. a cidadania, a moral e a ética. E joguei a IA fora, perdi "a chande da minha vida de ficar rica e famosa segundo meu pai" mas não perdi a dignidade e durmo muito bem com meus fantasmas super camaradas, obrigada.

Gosto de Software Livre. Gosto da filosofia por trás de tudo isso.
O compartilhamento, o poder de decisão sobre o que quero e o que não quero. A alternativa de criar meu próprio mundo, meu próprio software, minha própria história. Gosto dessa coisa de juntar gente... gente de todo tipo, de todo lugar.. de toda opinião. Gosto do gosto disso. De aprender, de retrucar, de bater boca, de concordar e discordar. Mas ainda assim manter os amigos. Amigos gostam de controvérsias. Gostam de você. Em caso contrário não são seus amigos. E por serem amigos brigam com você, te dizem não e te dizem sim. Aceite a vida.

Vivo "passeando" nos eventos que são relacionados a tecnolgia. FISL, Latinoware, ENSL, Campus Party (esses são "famosos" mas também vou e organizo eventos menores.. install fest... menores porque não são famosos mas é ali que você vê o povo, que somos nós compartilhando o que os bambambams apregoam) e a cada ano que passa percebo mais mulheres nos eventos.
Algumas acompanham os namorados, algumas por curiosidade, trabalho ou pra reencontrar os amigos como eu :) (tudo bem, vou a trabalho tb).

No campus party 2009, altas horas da madrugada, rodinha linda de gente linda bebendo escondido e conversando sobre tudo e sobre nada, começo a tecer ideias sobre a compilação de um sistema qualquer ai com a Alyne.
Um menino ouviu, correu pra rodinha e questionou: "o quê? você sabe compilar? Nunca vi uma mulher que compila!!!"

Ai me lembrei dos anos tantos e tantos que estou nessa area maluca... das piadas de hoje, ontem e sempre que ouvi e que espero não ouvir mais, da discriminação, do salário muito mais baixo que homens com mesma posição e muitas vezes menos estudo que eu. Lembrei das amigas que desistiram sem nem começar direito. Lembrei dessas tantas mulheres que nunca chegaram a mexer num micro, a criar um blog, a mandar um email. Lembrei das mulheres que querem aprender mas não encontram local sem discriminação pelo simples fato de serem mulheres.

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Atuo na àrea de TI desde 198 e poucos.... tipo, criança que ganhou do irmão da amiguinha do andar de cima um micro que ele trouxe da inglaterra e não queria mais usar... era uma caixinha preta e esquisita, mas era meu, só meu e todo meu!!! E eu podia criar coisinhas esquisitas que ninguem mais entendia, mas olhavam com espanto e respeito para a guria minuscula e sua caixinha de criar "programas" (Super-hiper-ego de nerd = eu faço algo que você nem imagina pra que serve, mas se eu disser que e bom para você acredite, pois EU sou o nerd e você é apenas um reles mortal).

Basic, Fortram, Cobol, C, Assembly, Unix... as primeiras coisinhas que aprendi. Vim de um mundo onde não existiam janelas!!!! E confesso que era bem legal.

Depois, curso de Dos, Windows 1.0 e outros mais... (epoca boa, quando se ganhava dinheiro pra ensinar como formatar um disquete) e se penava muito pra alocar memoria e dividir programas maiores que 256k!!! em mais de um disco e fazê-los rodar (quase) perfeitamente.

Curso Tecnico de Processamento e Analise de Sistemas (unica menina da turma), faculdade de Software Básico na Unisinos (de novo, me sentindo o Bendito Fruto dentre os homens), faculdade de Sistemas de Informação em Floripa (tinha umas meninas, mas elas desistiram... aliás, da minha turma original só eu e um colega homem se formaram), Especialização em Redes e Sistemas Distribuídos na UFPR (agora sim, UMA colega!!!!) e Mestrado em Tecnologia na UTFPR. Futuro? Andam me sondando pra doutorado em Biotecnologia...

Engordei a lista de linguagens: pascal, C++, java, javascript (td bem, isso não dá pra considerar linguagem de programação), delphi, Kylix, PHP, bancos de dados diversos (ate oracle eu aprendi - mas ja esqueci tb). Muitas outras ferramentas e coisas que não se usam mais, ou não me interessam mais e mais um monte de tralhas que não lembro agora. Trabalhei muitos anos com Inteligencia Artificial, Sistemas Distribuidos e Redes.

Aprendi a mexer no linux a um século atras. Parei, voltei, parei de novo, ganhei dinheiro fazendo programas rodantes na plataforma Windão (e o leitinho das crias sai de onde?) e faz algum tempo que decidi e optei por ganhar menos e me divertir mais. Voltei pro Linux e fiquei por aqui mesmo.

Hoje não programo mais (só em casa, nas horas vagas e coisas que ninguem mesmo vai querer conhecer), atuo com gerenciamento de projetos e equipes de desenvolvimento em Software Livre.

Ajudo a organizar eventos (Software Freedom Day, FreeFESP, eventos esporádicos do PSL-PR, Congressos nacionais e internacionais de Tecnologia e Sociedade, alguns IEEE Latino-America e bla bla bla).

Sou diretora de TI do PSL-PR, adoro educação e vivo metendo o narizinho em projetos voltados pra inclusão digital e social.

Crio projetos malucos para socialização de crianças carentes com a caixinha preta que é o computador (Natal Livre), ajudei a desenvolver um software frances de E-learning (alias, migrei a versão win pro Linux... foi divertido) numa transferencia tecnológica com a UTC onde eles mandavam a versão do software, a gente desmontava e montava de novo e eles levavam de volta. Ficou aqui só o conhecimento, nada de salario nem bolsa de auxilio, 20 horas de trabalho diarias mas consegui convencê-los da necessidade de criar o sistema como plafatorma aberta, livre e GPL!!!

Estou começando a ajudar no OO4Kids (vocês ainda vão ouvir falar muito disso)

Participo de várias comunidades de SL, Debian-PR, GUBRO-PR, PSL-Brasil. Criei o Debian For Dummies com dois amigos, para ajudar iniciantes no linux.
Metareciclagem (porque depois que o micro fica ultrapassado, ainda assim é possivel o reaproveitamento! e porque gosto de apropriação tecnológica, não só de códigos ou sistemas).

Tenho marido nerd (um dos primeiros programadores da Conectiva Linux), filho nerd (o palestrante mais novo da America Latina em SL - instala Debian desde os 9 anos... FISL passado aprendeu QT com o Kevin Ottens, testou uma das primeiras versões do OLPC e hackeou a mesma - em menos de 24 horas já era root da maquininha e estava mudando as configurações e querendo instalar o Debian nele, o que não deixamos pois a maquina era emprestada) e uma filha que não é nerd, mas tem seu micro com linux e usa com muita desenvoltura, inclusive quando reclama na banca de revistas que tem mais revistas com cds de jogos para win do que para linux.

Cansada de ver as meninas discriminadas pelos nerds de plantão, tem o TEAR DIGITAL que propõe a apropriação tecnologica e social para mulheres. Aliás, saibam que tecnologia não é apenas um computador, um sistema, um código, um SO. É muito mais do que isso.

Então, quando virem uma menina num evento de SL, não perguntem se ela veio com o namorado... questionem qual a distro que ela usa, peçam ajuda pra configurar aquele modem 3G que não funcionou legal no seu lápitópi pois meninas usam e mexem sim com linux!

E conheço várias delas, mães, namoradas, amantes, solteiras e afins que estão por ai, disseminando o linux tanto quanto todo mundo. Que estão amando a liberdade do código, a liberdade de expressão e o tux de pelucia fofo que ganharam de alguem ou compraram por ai ;)

Mulheres não precisam deixar de ser meigas, fofas e femininas para se tornarem atuantes em TI. Elas precisam é ter paciência e jogo de cintura para aguentar o tranco das piadinhas de alguns bobinhos que se acham muitoooo especiais :(

Então meninos, meninas não só compilam como fazem programa!!

Vocês duvidam?


OFF por enquanto...

18 de Janeiro de 2010, 0:00, por Software Livre Brasil - 0sem comentários ainda

Ando com algumas mudanças de vida, novos projetos (em SL claro) e mudança de casa.

Por isso, estou ‘meio OFF’ mas em breve retorno com novidades!

Abraços a todos e que 2010 seja um ano verdadeiramente livre!



Tags deste artigo: mulheres linux sl