Este é um clone do blog de Alexandre Oliva, Blongando por Liberdade
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26 de Abril de 2010, 17:55 - sem comentários aindaEntrevista com Richard Stallman e Brian Gough, do Projeto GNU
Alexandre Oliva e Joo Fernando Costa Jnior
Publicado na dcima-terceira edio, de abril de 2010, no primeiro aniversrio da Revista Esprito Livre.
Nesta edio de aniversrio da Revista Esprito Livre, o bate-papo com Richard Stallman e Brian Gough, ambos do Projeto GNU. A conversa foi conduzida por Alexandre Oliva, colunista da Revista Esprito Livre e membro da Fundao Software Livre Amrica Latina.
Revista Esprito Livre: Por que o mundo precisava de um sistema operacional, digamos, gnu [em ingls, soa como novo] nos anos 80?
Richard M. Stallman: O mundo precisava de um sistema operacional em software livre porque no existia nenhum. Portanto, eu decidi escrever um. Tomei, ento, decises tcnicas: decidi seguir o desenho do Unix para torn-lo portvel, faz-lo compatvel com o Unix para que os usurios de Unix pudessem migrar para ele facilmente, e dar suporte a mquinas de 32 bits ou superiores, para evitar o trabalho extra de suportar pequenos espaos de endereamento.
REL: Que papis vocs desempenharam, ou desempenham, no projeto GNU e por quanto tempo?
RMS: Eu lancei o projeto GNU em 1983 e tenho sido seu lder (Chief GNUisance) desde ento. Entretanto, recentemente eu envolvi o Comit de Aconselhamento do GNU em algumas decises e espero que ele v tomando conta das tarefas de liderana do GNU no futuro.
Brian J. Gough: Minha funo principal na codificao como mantenedor da biblioteca numrica do GNU, a GSL, qual comecei a contribuir como desenvolvedor em 1996.
Mais recentemente, fui organizador de vrios "Encontros de Hackers GNU" que temos tido na Europa nos ltimos anos e neste ano nos EUA, na Conferncia LibrePlanet da FSF. Esses encontros so uma oportunidade para os que contribuem para o GNU possam se encontrar e discutir seu trabalho em pessoa – assim como olhar para frente e ver como poderemos responder s novas ameaas liberdade.
No ano passado eu me tornei membro do Comit de Aconselhamento do GNU que promove teleconferncias regulares para ajudar a coordenar alguns dos assuntos do dia-a-dia do projeto GNU, tais como organizar esses encontros, por isso tenho dispendido um bocado de tempo nisso, hoje em dia.
REL: A GNU GPL considerada como uma das contribuies mais importantes do projeto GNU, mas GNU engloba muito mais: um sistema operacional completamente Livre. O que o GNU anda aprontando hoje em dia, e do que os desenvolvedores do projeto GNU podem se orgulhar nos ltimos anos?
BJG: Tecnicamente, o projeto GNU focado hoje na melhoria do software existente, como o GCC e o Emacs, para mant-los atualizados com os novos desenvolvimentos, e naquelas reas onde precisamos de programas totalmente novos – os "Projetos de Alta Prioridade" (http://www.fsf.org/campaigns/priority.html) como o Gnash, o projeto do GNU para substituio do Flash; GNU PDF, que tem por objetivo ser uma implementao completa do padro PDF tanto para leitura, quanto para escrita. GNUstep est atingindo um alto nvel de compatibilidade com o framework Openstep (Cocoa) e ajudar as pessoas a escapar da plataforma privativa MacOS.
Tambm estamos encontrando novas reas onde o software livre pode ser melhorado – por exemplo, recentemente o projeto GNU lanou uma nova iniciativa de acessibilidade (http://www.gnu.org/accessibility/accessibility.html) para assegurar que pessoas com deficincia tenham a mesma liberdade que outros usurios do software livre. Atualmente, muitos programas livres no so acessveis, e queremos que todo programa GNU seja acessvel e todo desenvolvedor tenha a acessibilidade em mente quando fizer um programa.
Olhando para alguns anos atrs, o trabalho do GNU Classpath e das equipes do GCJ so exemplos notveis do valor do trabalho pela liberdade e da substituio de software no livre que as pessoas aceitam por estar disponvel sem custo. Quando o Java foi finalmente liberado como software livre pela Sun em 2006, ele estava sob a mesma licena do GNU Classpath e agora temos um ambiente Java completamente livre nos sistemas GNU/Linux (com o nome de IcedTea). O GNU Classpath foi um dos projetos de alta prioridade por esse motivo, por causa do problema de programas livres em Java terem de depender de implementaes no livres de Java, s quais RMS chamou a ateno l em 2004.
Voc mencionou a GPLv2 e, claro, houve uma grande atualizao da GNU GPL (General Public License, ou Licena Pblica Geral) para a GPL verso 3 em 2007, seguindo um processo de consulta pblica mundial envolvendo vrios projetos de software livre, empresas e especialistas em legislao. A atualizao tornou a licena mais fcil de ser usada pelos desenvolvedores e removeu incompatibilidades desnecessrias com outras licenas de software livre semelhantes. Ela tambm deu aos projetos de software livre novas protees de patentes de software e tentativas dos fabricantes de contornar as liberdades das licenas utilizando dispositivos bloqueados e DRM (Digital Restrictions Management, ou Gerncia Digital de Restries). Naquela poca, algumas pessoas viram pouca necessidade de protees adicionais, mas agora vemos a nova gerao de dispositivos de computao privativos que so completamente bloqueados e usam a DRM para restringir seus usurios. Portanto eu acho que aquelas protees da GPLv3 provaro ter sido visionrias e agora so mais importantes do que nunca. Eu encorajo todos que desenvolvem software livre a se atualizarem para a GPLv3, caso ainda no o tenham feito.
Olhando para o futuro, ns queremos assegurar que todos tenham liberdade ao usar a Internet. RMS falou recentemente a respeito dos perigos do "Software como Servio" na Conferncia LibrePlanet da FSF. http://www.gnu.org/philosophy/who-does-that-server-really-serve.html Se utilizamos servios privativos na Web para executar tarefas que poderamos fazer em nossos prprios computadores com software livre, abrimos mo de nossa liberdade – isso algo que devemos evitar.
Para tarefas como processamento de textos, podemos simplesmente utilizar um software livre em nossos computadores. Para tarefas que necessitarem de servidores, precisaremos de alternativas. Uma maneira ter software livre suficiente para que as pessoas possam ter seus prprios servidores em casa ou na sua organizao.
H alguns projetos GNU novos que comeam a oferecer tais softwares, como o GNU FM para compartilhamento de msica e o GNU Social para redes sociais – eles esto procurando por mais voluntrios. A licena para eles a GNU AGPL (Licena Pblica Geral Affero) – ela similar GPL mas, se algum roda um programa sob a AGPL num servidor Web e permite que outros o utilizem, eles devem permitir que outros baixem o cdigo fonte. O microblog identi.ca (agora conhecido como Status.net) outro exemplo de um servio popular sob a AGPL que voc pode baixar e rodar no seu prprio servidor.
Na verdade, o projeto GNU e a FSF tm oferecido servios livres utilizando a AGPL h um bom tempo atravs do servio de hospedagem de projetos Savannah, que est sob a AGPL. H atualmente mais de 3.200 projetos de software livre utilizando o Savannah e cerca de 50.000 usurios. O Savannah utiliza apenas software livre e h um link de download em todas as pginas, atravs do qual qualquer um pode baixar o cdigo fonte completo do site. Tambm existem oportunidades para voluntrios ajudarem no desenvolvimento do Savannah e trabalhar nas solicitaes de suporte.
REL: Apesar disso tudo, vrias pessoas sugerem que o projeto no mais relevante, porque reconhecem o GNU apenas pelas ferramentas de desenvolvimento e pela GNU GPL.
RMS: Quando as pessoas esto familiarizadas apenas com uma pequena parte daquilo que fazemos e pensam que no muito, o problema est na ignorncia delas, no nas nossas realizaes. No importa quanto bem faamos, no nos ajudar a ganhar apoio se as pessoas o atriburem a outros.
REL: Claro, mas deixar essa percepo errada se espalhar prejudica o GNU e o Movimento Software Livre. O que voc recomenda para tentar corrigi-la?
RMS: Alm de explicar esse ponto para as pessoas como parte da explicao a respeito do software livre, devemos oferecer nosso tempo, esforo e nomes para atividades que do crdito ao GNU. H vrias delas que podem utilizar nossa ajuda, portanto no faltaro coisas teis para fazer.
REL: O Linux e a maior parte das distribuies GNU/Linux incluem Software no-Livre, o que significa que eles no entendem, ou no compartilham das metas e da filosofia do Software Livre. O que o GNU e a FSF fazem a respeito dessa questo?
RMS: Recomendamos apenas distribuies que tm uma poltica firme de no encaminhar o usurio para o software no livre, e explicamos a razo tica para isso.
BJG: No stio do GNU na Internet existe uma lista de diretrizes que uma distribuio deve seguir para ser chamada de livre e encorajamos as pessoas a utilizar as distribuies que as seguem (as diretrizes esto em http://www.gnu.org/distros/ assim como uma lista das distribuies).
As diretrizes so bastante simples – o ponto principal que deve haver uma poltica clara de somente distribuir software livre, e que ela seja aplicada a todo pacote de maneira consistente, sem excees para "casos especiais".
Algumas distribuies tm uma poltica de utilizar apenas software livre, mas no a aplicam totalmente porque ignoram as "bolhas" de software no livre em alguns drivers de dispositivos no kernel Linux. Isso uma vergonha, porque seria fcil para eles dar a seus usurios uma distribuio 100% livre usando a verso Linux-libre do kernel que no as contm.
REL: Como algum se torna um desenvolvedor do GNU?
BJG: H muitas maneiras de contribuir para o GNU e ser um desenvolvedor apenas uma delas. Escrever documentao, contribuir com tradues, testar e auxiliar no Savannah.gnu.org, o stio de hospedagem do GNU, tambm so importantes. Existe uma pgina na web que explica as disferentes formas de se envolver com o projeto em http://www.gnu.org/help/help.html.
Para quem for muito dedicado, existe uma lista dos projetos de alta prioridade em http://www.fsf.org/campaigns/priority.html. A lista tem sido reduzida gradualmente – recentemente, dois brasileiros, Rodrigo Rodrigues da Silva e Felipe Sanches, tm feito bons progressos em um item destacado h muito tempo, uma biblioteca para converter arquivos salvos no formato privativo do AutoCad para formatos livres. Isso essencial para permitir que as pessoas migrem para softwares CAD livres, devido grande disseminao do uso de arquivos AutoCad nessa rea.
REL: Agradecemos a vocs dois pelo tempo e pela dedicao ao GNU e Liberdade de Software. Algumas palavras finais para nossos leitores?
BJG: Estamos organizando encontros regionais dos contribuidores do GNU em todo o mundo, e ouvimos falar que Rodrigo e Felipe estaro organizando um na conferncia FISL (de 21 a 24 de julho) em Porto Alegre. Portanto, gostaria de incentivar a qualquer um que esteja interessado em contribuir para o GNU a juntar-se a eles neste inverno – os detalhes do evento sero divulgados na nossa pgina de eventos em http://www.gnu.org/ghm/.
RMS: Milhares de pessoas tm trabalhado para tornar possvel aos usurios de hoje utilizarem um computador e ter controle sobre o que ele faz. Em 1983 isso era quase impossvel, porque primeiro voc teria de escrever um sistema operacional livre. Ns o escrevemos, e atingimos um patamar no qual rejeitar o software no livre e o SaaS perfeitamente possvel com algum esforo. Entretanto, gostaramos de tornar isso fcil e indolor o tempo todo, e ainda tem cho at chegar l. Agradeo por nos ajudar a faz-lo.
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blogs/lxo/2010-04-19-flisol-campinas.pt
19 de Abril de 2010, 0:00 - sem comentários aindaConvido você a libertar sua mente e seu computador das amarras do software privativo, assistindo a palestras e instalando Software Livre no próximo FLISOL, Festival Latino-Americano de Instalação de Software Livre.
Software Livre é software que respeita você, que permite que você seja realmente dono de seu computador, ao contrário do software privativo, que lhe priva do controle sobre sua informática e faz seu computador trabalhar contra você, limitando e espionando suas atividades.
FLISOL é um evento anual, gratuito, que ocorre há vários anos, simultaneamente, em centenas de cidades da América Latina. Este ano, está marcado para sábado, 24 de abril.
Em Campinas, será no CEPROCAMP (Av. do Expedicionários, 145 - Centro). Veja o site para mapa e programação de palestras e oficinas.
Para quem tem filhos em idade escolar, destaco a palestra do educador Jaime Balbino “Sugar: Sistema operacional para crianças”, sobre a plataforma de ensino desenvolvida originalmente para o “laptop de 100 dólares”, do projeto “One Laptop per Child”. Leve-o para casa instalado em seu computador (sem remover o que você já tenha instalado!) ou leve uma cópia que roda a partir de CD! Peça “Trisquel com Sugar” e o também fantástico “GCompris”.
Também destaco “Copiar e Compartilhar em Legítima Defesa: Sociedade versus Indústria dos Estados Unidos do Pãnico”, palestra não técnica sobre direitos humanos em que conto um pouco da história do movimento social Software Livre e do projeto GNU (que muita gente incorretamente chama de Linux) e defendo, com apoio dos direitos humanos, os valores da ética, do compartilhar e do ajudar o próximo, que vêm sendo atacados, distorcidos e minados pelas indústrias editoriais, seus advogados e lobbies nacionais e internacionais. Falarei também sobre algumas ameaças para nossa autonomia e nossa privacidade, a que devemos ficar atentos na Internet, em “A Isca, o Anzol e a Grande Rede”, e sobre o Linux-libre, que combate a corrupção e co-optação do Linux, um dos maiores e mais importantes projetos que, por influência de indústrias opressoras, tem deixado de ser Software Livre.
Sistemas operacionais completos com GNU e Linux-libre, como Trisquel, gNewSense e vários outros, assim como aplicativos Livres para sistemas operacionais diversos, como o navegador Firefox e a suíte de escritório BROffice.org, poderão ser copiados para você ou instalados em seu computador durante o FLISOL! Traga seu computador ou mídias graváveis (pen-drives, CDR, CDRW, DVDR, etc) para levar liberdade de software para casa!
Leia mais sobre o FLISOL na entrevista que concedi a respeito para a Revista Espírito Livre, ou no site latino-americano do evento, onde você pode conferir as outras sedes.
Nos vemos lá neste sábado, 24 de abril!
Até blogo...
Mitologia Grega II: Guerra de Tróia
29 de Março de 2010, 0:00 - sem comentários aindaMitologia Grega II: Guerra de Tróia
Alexandre Oliva <lxoliva@fsfla.org>
Publicado na décima-segunda edição, de março de 2010, da Revista Espírito Livre.
É impressionante como ainda tem gente que nem pensa duas vezes antes de trazer um cavalo de madeira para dentro das muralhas da cidade, só porque o cavalo é dado. Como tiveram o infortúnio de descobrir os troianos, o presente de grego vinha com uma surpresa. Tivesse casca de chocolate, ao invés de madeira, poderia muito bem se chamar Kinder Hippo, ainda que os “soldadinhos” já viessem, digamos, armados e não estivessem ali para brincadeiras.
Presentes semelhantes vêm sendo oferecidos a cidades-estado em todo o mundo. São serviços ou software privativos, sem custos significativos para o doador, apesar dos vultosos valores nominais. Tal qual cavalo de madeira, aparentam não onerar quem os recebe, mas escondem segundas intenções inconfessáveis que põem em risco a soberania, a segurança e a economia dos estados que os trazem para dentro de suas muralhas virtuais.
Hoje em dia, cavalos e-lênicos não trazem mais soldados de carne e osso em seu interior, mas sim e-stratiotis, soldados eletrônicos. Alguns são espiões, que passam a receber e monitorar as comunicações internas da administração pública. Já imaginou, as comunicações estratégicas das forças armadas ou das relações exteriores nas garras eletrônicas de uma empresa que mantém para o governo estadunidense uma porta dos fundos aberta, descoberta e utilizada pelo governo chinês? Os troianos dos tempos de Helena tiveram suas próprias muralhas abertas pelos stratiotis infiltrados para o exército inimigo entrar, enquanto neotroianos ingenuamente usam os e-stratiotis infiltrados como mensageiros, que diligentemente armazenam cópias das mensagens no quartel general, para deleite de quem tem livre acesso pelos fundos. Não importa quão quente ou G.nial um serviço desses possa parecer: é fria, é do mal. Não caia nessa rede.
Alguns neotroianos escolados não mais convidam e-stratiotis a espionar as mensagens da administração pública, porém escambam a atenção, a privacidade e o futuro de seus docentes e discentes pelas algemas digitais que vão mantê-los, docentes e discentes, aprisionados, dependentes e impotentes. Duplo ganho para o ofertante, dupla perda para as vítimas. E quem deu a canetada, nada? Às vezes, nada! Outras, mergulha, voa de primeira classe, vai a festas, sem nem falar nas próximas eleições ou no próximo emprego. Deita-se sobre os louros de um problema mal resolvido, que custará às vítimas anos de análise (de sistemas?) para superar.
Um exemplo são vários estados e municípios que têm aceito as ofertas de serviços de correio eletrônico e anúncios comerciais para alunos e professores da rede (já escrevi essa palavra acima, não?) pública, direcionando os anúncios através da inspeção do conteúdo das mensagens eletrônicas.
Outros aceitam hipposoftware gratuito (afinal, os certificados de licença oferecidos têm custo de produção praticamente nulo) para adestramento de alunos, de modo que, ao chegarem ao mercado de trabalho, por causa da decisão que já tomaram por eles, tenderão a continuar usando as mesmas algemas, porém pagarão caro por esse discutível privilégio. Chama atenção a semelhança com a estratégia adotada por narcotraficantes até hoje, e por vendedores de outras drogas ainda legalizadas, que antigamente ofereciam gratuitamente seus bastões fumacentos a futuros dependentes nas saídas das escolas. Hoje, lamentavelmente, a escola traz arapucas semelhantes para dentro de suas muralhas, fazendo até convênio com fornecedores para que, valendo-se dos portões abertos, invadam, conquistem e destruam a educação, subjugando gerações inteiras.
Não seria difícil entender a aceitação desses abusos, mesmo na ausência de corrupção: os invasores usam de ardis enganosos para derrotar seus adversários e distorcer a história que escrevem, embelezando as feias estratégias bélicas. “Estratégia, do grego strategia”, intercede o Capitão Nascimento, sem mencionar (amo demais a vida para escrever “sem saber”) o quanto essa raiz pervade o vocabulário marcial helênico: stratiotis (soldado), stratiotika (militar), strategos (general)...
Na história assim escrita, posam, como heróis, crudelíssimos strategos de altas patentes e baixos golpes, como o Strategos Failure Reading e o Strategos Protection Fault, aquele da mortal Blue Screen of Death. Outros, valorosos e íntegros, como o Strategos Public License de GNU, grande craque do copyleft, podem ser pintados como vilões, por tão somente cumprirem seu papel heroico de defender os cidadãos das ameaças dos invasores. Ao estudar tão distorcida história, não surpreende que os leitores mais inocentes confundam heróis com heroína, craques com crack. “Lance a primeira pedra aquele que estiver livre!”, desafiam os invasores detrás da droga da cortina fumacenta. E tome injeção de dependência! “De graça, até injeção na testa!”, propõem. Que droga, né?
Assusta que se julgue razoável aceitar sem licitação esses presentes de grego, causadores de dependência, apenas porque sua primeira dose parece grátis. A lei de licitações não invalida o princípio constitucional da impessoalidade: dispensar de licitação um fornecedor quando outros poderiam oferecer produtos ou serviços similares pelo mesmo preço (aparentemente grátis) ou até preços menores (grátis e Livre, sem custos ocultos, ou até pagando para oferecer o serviço) falha no cumprimento desse princípio.
Vale ainda questionar, já que os inocentes que recebem e aceitam as ofertas parecem não se perguntar, por que raios companhias com fins de lucro ofertariam produtos gratuitos. Afinal, quando a esmola é muita, até o santo desconfia! Mas inocente nem sempre é santo, né? Valei-nos, São IGNÚcio!
Que interesses poderia ter qualquer dessas companhias em espionar as comunicações internas da administração pública? Em armazenar os dados da administração pública, de professores e estudantes em formatos e códigos que só essa má companhia saiba decodificar? Em tornar funcionários públicos, mestres e alunos dependentes de suas ferramentas? Em evitar, mediante dumping, o avanço de alternativas? Em usar esses “cases” para vender o mesmo problema a outros? Em usar a dependência assim estabelecida para cobrar daqueles que caíram no conto e descobriram, tarde demais, que só a primeira era grátis? Em usar uma pequena fração dos lucros assim auferidos para pagar as multas das condenações em processos anti-truste?
“É uma cilada, Bino!”
Parece até refilmagem de um “hit” das madrugadas de TV aberta da minha adolescência: “Pague para Entrar, Reze para Sair”. A diferença da adaptualização é que, na versão para .tv .net, a entrada do parque de diversões é grátis, atraindo ainda mais vítimas para o monstruoso vilão realizar suas fantasias pervertidas e desejos perversos.
Lembrem-se, .gov, .mil e .edu: alguém .com interesses e .com alguma estratégia para recuperar o investimento inicial da primeira grátis sempre estará envolvido nessas propostas indecentes. Tanto nos filmes como na vida real, o que ocorre com as vítimas poderia ser descrito muito bem usando termos de cunho sexual. Afinal de contas (que acabam sendo muitas), a palavra orgia também tem origem grega: festins sexuais a Dionísio, importado para Roma como Baco, deus do vinho e dos bacanais. (Não fique na mão! www.bacanais.orgy: festas quentíssimas, com muitos agrados para romanos, gregos e troianos! Acesse djá!)
Deu (ou deram?) para entender por que cautela e licitações são essenciais, mesmo quando o produto ou serviço parece dado? Ao contrário da oferta de Software Livre ou de serviços que respeitem a soberania e a autonomia dos clientes, inviabilizando estratégias de captura e aprisionamento que garantissem lucros obscenos posteriores, software e serviços privativos geram monopólios e impõem custos, ocultos como os stratiotis aqueus armados até os dentes no interior do cavalo de madeira dado a Tróia. São custos de saída e distorções de mercados futuros em razão de exclusividades (monopólios, artificiais ou não) na prestação de serviços sobre o presente de grego ofertado, que devem ser considerados parte de seu custo para fins licitatórios.
O princípio da impessoalidade é o calcanhar dos Aquiles invasores, pois vai bastante além das insuficientes práticas licitatórias atuais. Deve ser cumprido, ainda que, segundo o ditado, de cavalo dado não se olhem os dentes. Como alerta, ficaria melhor: de cavalo dado não se vêem os dentes. Não significaria que os dentes (ou quaisquer outras armas) não estivessem ali, nem que não se os deveriam procurar. Seria, ao contrário, um lembrete de que podem estar escondidos, e de que, conforme descobriram os troianos após uma noitada de comemoração e bebemoração pela pretensa oferta de rendição dos aqueus, mordida de cavalo traidor dói que é uma barbaridade!
Copyright 2010 Alexandre Oliva
Cópia literal, distribuição e publicação da íntegra deste artigo são permitidas em qualquer meio, em todo o mundo, desde que sejam preservadas a nota de copyright, a URL oficial do documento e esta nota de permissão.
http://www.fsfla.org/svnwiki/blogs/lxo/pub/guerra-de-troia
Entrevista à Revista Espírito Livre sobre FLISOL 2010
1 de Março de 2010, 0:00 - sem comentários aindaFLISOL na cabeça!
Alexandre Oliva <lxoliva@fsfla.org>
Publicado na décima-primeira edição, de fevereiro de 2010, da Revista Espírito Livre.
Está se aproximando o maior evento distribuído de Software Livre do mundo: o Festival Latino-americano de Instalação de Software Livre. Todos os anos, em centenas de cidades, reúnem-se militantes do Software Livre e, digamos, pessoas normais que querem aprender sobre Software Livre e tê-lo instalado em seus computadores. Em edições anteriores, algumas das sedes já reuniram mais de 5 mil pessoas cada uma. Este ano, o festival está marcado para 24 de abril. Ainda dá tempo de organizar uma sede em sua cidade!
Para falar um pouco sobre esse grande evento, convidamos o militante de Software Livre, membro do conselho da Fundação Software Livre América Latina, Alexandre Oliva, que tem participado do FLISOL nos últimos 3 anos.
- O que pretende o FLISOL?
Vejo um consenso nas comunidades que o promovem de que há dois grandes objetivos: a divulgação do Software Livre e sua filosofia, e a integração das comunidades de Software Livre da América Latina.
A integração se promove através da coordenação necessária para a organização de um evento desse porte, e pela regra de que não deve haver mais de uma sede do evento por cidade, de maneira que as comunidades locais somem esforços ao invés de se dividirem.
A divulgação se faz não só através da instalação de Software Livre a quem leve seus computadores, como diz o nome do evento, mas também através de palestras técnicas e filosóficas, tanto para ensinar os novos usuários a utilizar o software recém-instalado, como para “instalar” na cabeça das pessoas a filosofia do compartilhamento, da autonomia, do respeito ao próximo, da busca do bem comum e do enfrentamento às ameaças às liberdades de todos.
- Que software vocês instalam?
Depende da sede. Uma das regras mais marcantes do FLISOL é que não há regras. Cada sede se organiza de forma praticamente independente, embora existam coordenações nacionais e internacionais.
Então, você vai encontrar sedes que instalam de fato Software Livre: sistemas operacionais inteiramente Livres, como OpenBSD, UTUTO XS, Venenux, Trisquel, gNewSense, BLAG, Dragora, Kongoni, Musix, Dyne:bolic, Vegnux NeonatoX, RMS's Mostly Slax, Parabola, além de aplicativos Livres para sistemas operacionais diversos, como os expoentes OpenOffice.org (no Brasil, BROffice.org) e Mozilla Firefox.
Mas também vai encontrar sedes que instalam, distribuem e promovem software grátis, ainda que não seja Livre, promovendo a confusão que existe ao redor desses termos.
Software Livre respeita as liberdades essenciais dos usuários de executar, estudar, adaptar, melhorar e distribuir o software, inclusive comercialmente. Pode estar no domínio público ou ter seus direitos autorais licenciados de maneiras que permitam aos usuários gozar dessas liberdades, exigindo ou não que essas permissões sejam passadas adiante junto com o software.
Já software grátis, embora possa ser distribuído e executado sem ônus, normalmente não permite ao usuário, com ou sem ajuda de terceiros à sua escolha, estudar seu funcionamento ou adaptá-lo para que funcione como deseja. Serve como plataforma para o desenvolvedor impor suas escolhas sobre os usuários: justamente a antítese da autonomia defendida pelo movimento Software Livre.
Ocorre que muitas das distribuições mais populares de GNU/Linux, *BSD e OpenSolaris incluem muito Software Livre, mas também bastante software grátis privativo, que priva usuários das liberdades fundamentais. Muitos usuários, e por vezes as próprias distribuições, não fazem distinção. São distribuições grátis, mas não Livres, e propagam essa confusão. Mesmo as que fazem a distinção acabam transmitindo uma ideia de que o software privativo seja algo benéfico, ao invés de uma armadilha para capturar, subjugar e controlar usuários.
- Você se opõe à instalação dessas distribuições no FLISOL?
Não exatamente. Não tenho nada contra as distribuições, tenho algo contra o software privativo que elas distribuem.
Instalar um Debian GNU/Linux, para em seguida substituir o Linux que ela distribui pelo Linux-libre correspondente, do projeto Freed-ebian, resulta um sistema Livre. Instalar o Fedora, para em seguida instalar o Linux-libre correspondente do projeto Freed-ora, e aí remover os pacotes *-firmware não-Livres, dá no mesmo. Dá pra fazer algo parecido com Gentoo, que inclusive oferece em seus repositórios de pacotes um Linux-libre. Noutras distros que não separem as coisas tão claramente, pode ficar mais difícil.
Muito mais simples e seguro é já instalar uma distro Livre, em que o usuário nem vai correr o risco de ser induzido pelo sistema a instalar software privativo e cair na armadilha depois do evento. E ainda se reforçam as comunidades de Software Livre da América Latina, berço de mais de metade das distros Livres.
- Então por que tem gente que instala as não-Livres?
Só posso especular, mas minha impressão é de que prevalece um senso competitivo de comunidade, uma coisa de carregar a bandeira da sua distribuição favorita aonde for, de minimizar e relevar as falhas e discrepâncias do próprio “time”, maximizando e reverberando os boatos a respeito de dificuldades e erros dos times dos outros.
Acredito que a maior parte dos que defendem ferrenhamente algumas distros quase-Livres nunca sequer experimentaram as variantes Livres que existem delas, e guiam-se por boatos e suposições incorretas sobre suas limitações.
Por exemplo, há quem acredite que não dá para assistir a vídeos nos formatos mais comuns utilizando Software Livre. É uma confusão conceitual. Há Software Livre para executar praticamente qualquer formato, mesmo aqueles cobertos por patentes de software, porque as patentes são válidas em alguns poucos países. Há distribuições não-Livres que evitam esses Softwares Livres, não para serem menos privativas, mas para evitar riscos de processos pelos titulares das patentes nesses países. Já as distribuições Livres em geral incluem esses programas, pois não cedem as liberdades sem uma boa briga.
- Mas e as incompatibilidades de hardware?
Também há muito exagero nesse sentido. Ao contrário dos formatos de vídeo, aqui há um fundo de verdade: há, de fato, dispositivos cujos projetistas fazem questão de controlar a vida de seus clientes, desrespeitando seus direitos humanos e liberdades essenciais.
Para explicar isso a novos ou futuros usuários de Software Livre, começo com exemplos como o iPad, quase todos os telefones celulares, consoles de jogos, videocassetes digitais e por aí vai. São computadores disfarçados, configurados para controlar, espionar, restringir e tornar usuários impotentes e dependentes do fornecedor. Carregam valores diametralmente opostos aos que o Movimento Software Livre propõe. Você deve poder controlar sua própria vida e a tecnologia que usa. Ninguém deveria tirar essa liberdade de você.
Ainda que os computadores convencionais não sejam tão desrespeitosos assim, muitos de seus componentes, também computadores disfarçados, são. Placas controladoras de rede com e sem fio, de vídeo, áudio e disco, entre outras, têm seus próprios processadores e memória. São computadores, por vezes igualmente configurados para controlar, espionar, restringir e tornar usuários impotentes e dependentes de seus fornecedores. Pior: às vezes você nem sabe que seu computador tem componentes assim, que conseguem espionar tudo que acontece no seu computador e estão conectados diretamente à rede. Muita gente prefere nem pensar nisso, para deleite dos que querem que seja assim.
Os computadores que possuem componentes assim exigem que a gente abra mão de nossas liberdades para que funcionem. Esses computadores, deveríamos rejeitar, por solidariedade a todos que poderiam se tornar vítimas deles. É nosso dever de cidadão solidário combater esse abuso de poder e exigir o respeito à liberdade de todos. Todos podemos fazer essa exigência, levando esse fator em conta na hora de escolher quais equipamentos eletrônicos comprar.
Mas de repente você já tem um computador assim faz tempo. Não pode levá-lo ao vendedor para exigir de volta o pagamento pelo computador que, na verdade, nunca foi realmente seu.
Muitas vezes é possível substituir os componentes desse computador por outros que não sejam inimigos de nossa liberdade. Outras vezes, não, por raras questões técnicas ou porque seus projetistas as configuraram para que não funcionem mais se você substituir os componentes por outros que queira usar para se tornar Livre. Há registros de comportamento anti-ético assim de fornecedores de computadores com placas de rede sem fio, discos rídigos e outros componentes.
Ainda assim, quase sempre é possível conseguir um componente equivalente que funcione com USB ou outras portas de expansão de computadores: assim dá pra conectar um dispositivo de rede com ou sem fio, um disco rígido, ou até uma controladora de vídeo, mesmo em computadores configurados para servir não a você, mas ao seu projetista.
Talvez não seja tão conveniente quanto usar o dispositivo que foi embutido na máquina para controlar você. Talvez lhe pareça mais conveniente aceitar o abuso, ao invés de dizer aos projetistas e vendedores quem você faz questão que controle seu computador.
Se você aceita o abuso, vão continuar abusando de você e de todos. Se rejeita, se não compra o que tentam impor, e se mais gente age assim, vão perceber que lhes custa e passar a respeitar a todos, não porque façam questão de nos respeitar, mas porque querem vender.
Por isso, não configuro componentes privativos do computador quando instalo Software Livre para um amigo. Sugiro e ajudo a que providencie um componente compatível com seu computador e com sua liberdade, ainda que lhe custe e não lhe resulte tão conveniente.
Se instalasse o software privativo que o componente exige, meu amigo ficaria confortável com o resultado e provavelmente se esqueceria do problema. Quando chegasse a hora de comprar outro computador, compraria outro que não o respeita, dando mais poder aos projetistas que tentam nos controlar a todos. Instalá-lo seria um favor não ao amigo, mas ao fornecedor, que ganharia ou manteria um escravo.
Não o instalando, meu amigo se lembra do problema todas as vezes que o uso do substituto lhe pareça menos conveniente. Quando chega a hora de comprar o próximo computador, vai tomar cuidado para que não lhe imponha essa inconveniência. Fará um favor a si mesmo e a todos.
Se alguém prefere evitar a inconveniência agora, ao invés de instalar toda uma distribuição Livre no computador, instalo alguns programas Livres no sistema que já está lá. O usuário continua com as inconveniências com as quais já se acostumou, mas sei que vai gostar dos programas, e que numa próxima oportunidade, quem sabe num futuro FLISOL, virá com outro computador, comprado com cuidado para que Software Livre funcione 100% nele. Claro que me disponho a ajudar na escolha.
Pra quem preferir, instalo ambos: os aplicativos no sistema já em uso, e as distros Livres, de modo que o usuário possa escolher qual iniciar a cada vez que ligar o computador. E quanto alguma incompatibilidade dificultar o uso de algum componente, o usuário lembrará que o projetista do componente lhe quer como escravo e nos impede de ajudá-lo a ser Livre enquanto use aquele computador.
- O que você sugere para quem quer colaborar com o FLISOL?
Visite http://flisol.net, veja se já há alguma sede em cidade próxima, entre em contato e ofereça seus esforços. Se não houver, procure outras pessoas do Software Livre nas redondezas e registrem uma sede!
Aproveitem para baixar distros Livres para oferecer (ou vender cópias) para os participantes. Não esqueça de baixar e oferecer também os fontes, algumas licenças de Software Livre exigem pelo menos a oferta deles.
Para os que carregam a bandeira de alguma distro não inteiramente Livre, procure descobrir o que há de não-Livre na sua distro favorita, para evitar instalar esses componentes no FLISOL. Isso fica fácil instalando uma distro Livre baseada nela: compare as funcionalidades e os pacotes instalados e disponíveis. Experimente usar a versão Livre por um tempo, para saber orientar melhor os participantes em relação às diferenças, e até para quebrar mitos que existam a respeito. Até 24 de abril tem tempo! Se gostar, vá ficando. Aproveite pra dar uma força pra comunidade da distro Livre!
Sua familiaridade vai permitir transmitir uma mensagem mais coerente com a do FLISOL, na hora de instalar e distribuir software, sem deixar de promover sua distribuição favorita. Se você gosta do Debian, instale e diga que está instalando o gNewSense 3, uma versão Livre do Debian. Se lhe agrada o Fedora, vá de BLAG. Se é fã do Ubuntu, escolha Trisquel, Venenux ou gNewSense 2.3. Para os fãs de Slackware, Kongoni e RMS's Mostly Slax. Do Arch, Parábola. Do Gentoo, UTUTO XS é um descendente distante.
Dentro da proposta do FLISOL, também cabe instalar a distro quase-Livre e remover ou substituir os componentes não-Livres por outros Livres, enquanto explica ao participante como evitar cair nas armadilhas. A mensagem fica um pouco menos coerente, mas por outro lado vai ter mais tempo pra explicar.
Prepare também sua palestra, para ajudar os iniciantes a começar a usar os sistemas Livres, entrar em contato com as comunidades, e aprender a filosofia que nos move. Lembre que a instalação do software a gente faz no computador, mas a liberdade é o usuário que precisa instalar na própria cabeça, na própria vida.
- E pros participantes?
Visitem http://flisol.net, localizem a sede mais próxima, e apareçam lá dia 24 de abril! Isso, se não quiserem ajudar a organizar. Não precisa saber de Software Livre pra ajudar a organizar um evento.
Levem seus computadores e faça questão que instalem somente Software Livre neles, de preferência mais de uma distribuição, pra poder conhecer e escolher melhor. Havendo dificuldades, peçam dicas para comprar seus próximos computadores.
Mais importante, liberem suas mentes para conhecer a filosofia de liberdade, solidariedade e respeito ao próximo do Movimento Software Livre. Assistam às palestras, façam perguntas e mantenham contato.
Sejam bem-vindos à imensa comunidade de Software Livre da América Latina!
Copyright 2010 Alexandre Oliva
Cópia literal, distribuição e publicação da íntegra deste artigo são permitidas em qualquer meio, em todo o mundo, desde que sejam preservadas a nota de copyright, a URL oficial do documento e esta nota de permissão.
http://www.fsfla.org/svnwiki/blogs/lxo/pub/flisol-2010
blogs/lxo/pub/flisol-2010.pt
1 de Março de 2010, 0:00 - sem comentários aindaFLISOL na cabeça!
Alexandre Oliva <lxoliva@fsfla.org>
Publicado na décima-primeira edição, de fevereiro de 2010, da Revista Espírito Livre.
Está se aproximando o maior evento distribuído de Software Livre do mundo: o Festival Latino-americano de Instalação de Software Livre. Todos os anos, em centenas de cidades, reúnem-se militantes do Software Livre e, digamos, pessoas normais que querem aprender sobre Software Livre e tê-lo instalado em seus computadores. Em edições anteriores, algumas das sedes já reuniram mais de 5 mil pessoas cada uma. Este ano, o festival está marcado para 24 de abril. Ainda dá tempo de organizar uma sede em sua cidade!
Para falar um pouco sobre esse grande evento, convidamos o militante de Software Livre, membro do conselho da Fundação Software Livre América Latina, Alexandre Oliva, que tem participado do FLISOL nos últimos 3 anos.
- O que pretende o FLISOL?
Vejo um consenso nas comunidades que o promovem de que há dois grandes objetivos: a divulgação do Software Livre e sua filosofia, e a integração das comunidades de Software Livre da América Latina.
A integração se promove através da coordenação necessária para a organização de um evento desse porte, e pela regra de que não deve haver mais de uma sede do evento por cidade, de maneira que as comunidades locais somem esforços ao invés de se dividirem.
A divulgação se faz não só através da instalação de Software Livre a quem leve seus computadores, como diz o nome do evento, mas também através de palestras técnicas e filosóficas, tanto para ensinar os novos usuários a utilizar o software recém-instalado, como para “instalar” na cabeça das pessoas a filosofia do compartilhamento, da autonomia, do respeito ao próximo, da busca do bem comum e do enfrentamento às ameaças às liberdades de todos.
- Que software vocês instalam?
Depende da sede. Uma das regras mais marcantes do FLISOL é que não há regras. Cada sede se organiza de forma praticamente independente, embora existam coordenações nacionais e internacionais.
Então, você vai encontrar sedes que instalam de fato Software Livre: sistemas operacionais inteiramente Livres, como OpenBSD, UTUTO XS, Venenux, Trisquel, gNewSense, BLAG, Dragora, Kongoni, Musix, Dyne:bolic, Vegnux NeonatoX, RMS's Mostly Slax, Parabola, além de aplicativos Livres para sistemas operacionais diversos, como os expoentes OpenOffice.org (no Brasil, BROffice.org) e Mozilla Firefox.
Mas também vai encontrar sedes que instalam, distribuem e promovem software grátis, ainda que não seja Livre, promovendo a confusão que existe ao redor desses termos.
Software Livre respeita as liberdades essenciais dos usuários de executar, estudar, adaptar, melhorar e distribuir o software, inclusive comercialmente. Pode estar no domínio público ou ter seus direitos autorais licenciados de maneiras que permitam aos usuários gozar dessas liberdades, exigindo ou não que essas permissões sejam passadas adiante junto com o software.
Já software grátis, embora possa ser distribuído e executado sem ônus, normalmente não permite ao usuário, com ou sem ajuda de terceiros à sua escolha, estudar seu funcionamento ou adaptá-lo para que funcione como deseja. Serve como plataforma para o desenvolvedor impor suas escolhas sobre os usuários: justamente a antítese da autonomia defendida pelo movimento Software Livre.
Ocorre que muitas das distribuições mais populares de GNU/Linux, *BSD e OpenSolaris incluem muito Software Livre, mas também bastante software grátis privativo, que priva usuários das liberdades fundamentais. Muitos usuários, e por vezes as próprias distribuições, não fazem distinção. São distribuições grátis, mas não Livres, e propagam essa confusão. Mesmo as que fazem a distinção acabam transmitindo uma ideia de que o software privativo seja algo benéfico, ao invés de uma armadilha para capturar, subjugar e controlar usuários.
- Você se opõe à instalação dessas distribuições no FLISOL?
Não exatamente. Não tenho nada contra as distribuições, tenho algo contra o software privativo que elas distribuem.
Instalar um Debian GNU/Linux, para em seguida substituir o Linux que ela distribui pelo Linux-libre correspondente, do projeto Freed-ebian, resulta um sistema Livre. Instalar o Fedora, para em seguida instalar o Linux-libre correspondente do projeto Freed-ora, e aí remover os pacotes *-firmware não-Livres, dá no mesmo. Dá pra fazer algo parecido com Gentoo, que inclusive oferece em seus repositórios de pacotes um Linux-libre. Noutras distros que não separem as coisas tão claramente, pode ficar mais difícil.
Muito mais simples e seguro é já instalar uma distro Livre, em que o usuário nem vai correr o risco de ser induzido pelo sistema a instalar software privativo e cair na armadilha depois do evento. E ainda se reforçam as comunidades de Software Livre da América Latina, berço de mais de metade das distros Livres.
- Então por que tem gente que instala as não-Livres?
Só posso especular, mas minha impressão é de que prevalece um senso competitivo de comunidade, uma coisa de carregar a bandeira da sua distribuição favorita aonde for, de minimizar e relevar as falhas e discrepâncias do próprio “time”, maximizando e reverberando os boatos a respeito de dificuldades e erros dos times dos outros.
Acredito que a maior parte dos que defendem ferrenhamente algumas distros quase-Livres nunca sequer experimentaram as variantes Livres que existem delas, e guiam-se por boatos e suposições incorretas sobre suas limitações.
Por exemplo, há quem acredite que não dá para assistir a vídeos nos formatos mais comuns utilizando Software Livre. É uma confusão conceitual. Há Software Livre para executar praticamente qualquer formato, mesmo aqueles cobertos por patentes de software, porque as patentes são válidas em alguns poucos países. Há distribuições não-Livres que evitam esses Softwares Livres, não para serem menos privativas, mas para evitar riscos de processos pelos titulares das patentes nesses países. Já as distribuições Livres em geral incluem esses programas, pois não cedem as liberdades sem uma boa briga.
- Mas e as incompatibilidades de hardware?
Também há muito exagero nesse sentido. Ao contrário dos formatos de vídeo, aqui há um fundo de verdade: há, de fato, dispositivos cujos projetistas fazem questão de controlar a vida de seus clientes, desrespeitando seus direitos humanos e liberdades essenciais.
Para explicar isso a novos ou futuros usuários de Software Livre, começo com exemplos como o iPad, quase todos os telefones celulares, consoles de jogos, videocassetes digitais e por aí vai. São computadores disfarçados, configurados para controlar, espionar, restringir e tornar usuários impotentes e dependentes do fornecedor. Carregam valores diametralmente opostos aos que o Movimento Software Livre propõe. Você deve poder controlar sua própria vida e a tecnologia que usa. Ninguém deveria tirar essa liberdade de você.
Ainda que os computadores convencionais não sejam tão desrespeitosos assim, muitos de seus componentes, também computadores disfarçados, são. Placas controladoras de rede com e sem fio, de vídeo, áudio e disco, entre outras, têm seus próprios processadores e memória. São computadores, por vezes igualmente configurados para controlar, espionar, restringir e tornar usuários impotentes e dependentes de seus fornecedores. Pior: às vezes você nem sabe que seu computador tem componentes assim, que conseguem espionar tudo que acontece no seu computador e estão conectados diretamente à rede. Muita gente prefere nem pensar nisso, para deleite dos que querem que seja assim.
Os computadores que possuem componentes assim exigem que a gente abra mão de nossas liberdades para que funcionem. Esses computadores, deveríamos rejeitar, por solidariedade a todos que poderiam se tornar vítimas deles. É nosso dever de cidadão solidário combater esse abuso de poder e exigir o respeito à liberdade de todos. Todos podemos fazer essa exigência, levando esse fator em conta na hora de escolher quais equipamentos eletrônicos comprar.
Mas de repente você já tem um computador assim faz tempo. Não pode levá-lo ao vendedor para exigir de volta o pagamento pelo computador que, na verdade, nunca foi realmente seu.
Muitas vezes é possível substituir os componentes desse computador por outros que não sejam inimigos de nossa liberdade. Outras vezes, não, por raras questões técnicas ou porque seus projetistas as configuraram para que não funcionem mais se você substituir os componentes por outros que queira usar para se tornar Livre. Há registros de comportamento anti-ético assim de fornecedores de computadores com placas de rede sem fio, discos rídigos e outros componentes.
Ainda assim, quase sempre é possível conseguir um componente equivalente que funcione com USB ou outras portas de expansão de computadores: assim dá pra conectar um dispositivo de rede com ou sem fio, um disco rígido, ou até uma controladora de vídeo, mesmo em computadores configurados para servir não a você, mas ao seu projetista.
Talvez não seja tão conveniente quanto usar o dispositivo que foi embutido na máquina para controlar você. Talvez lhe pareça mais conveniente aceitar o abuso, ao invés de dizer aos projetistas e vendedores quem você faz questão que controle seu computador.
Se você aceita o abuso, vão continuar abusando de você e de todos. Se rejeita, se não compra o que tentam impor, e se mais gente age assim, vão perceber que lhes custa e passar a respeitar a todos, não porque façam questão de nos respeitar, mas porque querem vender.
Por isso, não configuro componentes privativos do computador quando instalo Software Livre para um amigo. Sugiro e ajudo a que providencie um componente compatível com seu computador e com sua liberdade, ainda que lhe custe e não lhe resulte tão conveniente.
Se instalasse o software privativo que o componente exige, meu amigo ficaria confortável com o resultado e provavelmente se esqueceria do problema. Quando chegasse a hora de comprar outro computador, compraria outro que não o respeita, dando mais poder aos projetistas que tentam nos controlar a todos. Instalá-lo seria um favor não ao amigo, mas ao fornecedor, que ganharia ou manteria um escravo.
Não o instalando, meu amigo se lembra do problema todas as vezes que o uso do substituto lhe pareça menos conveniente. Quando chega a hora de comprar o próximo computador, vai tomar cuidado para que não lhe imponha essa inconveniência. Fará um favor a si mesmo e a todos.
Se alguém prefere evitar a inconveniência agora, ao invés de instalar toda uma distribuição Livre no computador, instalo alguns programas Livres no sistema que já está lá. O usuário continua com as inconveniências com as quais já se acostumou, mas sei que vai gostar dos programas, e que numa próxima oportunidade, quem sabe num futuro FLISOL, virá com outro computador, comprado com cuidado para que Software Livre funcione 100% nele. Claro que me disponho a ajudar na escolha.
Pra quem preferir, instalo ambos: os aplicativos no sistema já em uso, e as distros Livres, de modo que o usuário possa escolher qual iniciar a cada vez que ligar o computador. E quanto alguma incompatibilidade dificultar o uso de algum componente, o usuário lembrará que o projetista do componente lhe quer como escravo e nos impede de ajudá-lo a ser Livre enquanto use aquele computador.
- O que você sugere para quem quer colaborar com o FLISOL?
Visite http://flisol.net, veja se já há alguma sede em cidade próxima, entre em contato e ofereça seus esforços. Se não houver, procure outras pessoas do Software Livre nas redondezas e registrem uma sede!
Aproveitem para baixar distros Livres para oferecer (ou vender cópias) para os participantes. Não esqueça de baixar e oferecer também os fontes, algumas licenças de Software Livre exigem pelo menos a oferta deles.
Para os que carregam a bandeira de alguma distro não inteiramente Livre, procure descobrir o que há de não-Livre na sua distro favorita, para evitar instalar esses componentes no FLISOL. Isso fica fácil instalando uma distro Livre baseada nela: compare as funcionalidades e os pacotes instalados e disponíveis. Experimente usar a versão Livre por um tempo, para saber orientar melhor os participantes em relação às diferenças, e até para quebrar mitos que existam a respeito. Até 24 de abril tem tempo! Se gostar, vá ficando. Aproveite pra dar uma força pra comunidade da distro Livre!
Sua familiaridade vai permitir transmitir uma mensagem mais coerente com a do FLISOL, na hora de instalar e distribuir software, sem deixar de promover sua distribuição favorita. Se você gosta do Debian, instale e diga que está instalando o gNewSense 3, uma versão Livre do Debian. Se lhe agrada o Fedora, vá de BLAG. Se é fã do Ubuntu, escolha Trisquel, Venenux ou gNewSense 2.3. Para os fãs de Slackware, Kongoni e RMS's Mostly Slax. Do Arch, Parábola. Do Gentoo, UTUTO XS é um descendente distante.
Dentro da proposta do FLISOL, também cabe instalar a distro quase-Livre e remover ou substituir os componentes não-Livres por outros Livres, enquanto explica ao participante como evitar cair nas armadilhas. A mensagem fica um pouco menos coerente, mas por outro lado vai ter mais tempo pra explicar.
Prepare também sua palestra, para ajudar os iniciantes a começar a usar os sistemas Livres, entrar em contato com as comunidades, e aprender a filosofia que nos move. Lembre que a instalação do software a gente faz no computador, mas a liberdade é o usuário que precisa instalar na própria cabeça, na própria vida.
- E pros participantes?
Visitem http://flisol.net, localizem a sede mais próxima, e apareçam lá dia 24 de abril! Isso, se não quiserem ajudar a organizar. Não precisa saber de Software Livre pra ajudar a organizar um evento.
Levem seus computadores e faça questão que instalem somente Software Livre neles, de preferência mais de uma distribuição, pra poder conhecer e escolher melhor. Havendo dificuldades, peçam dicas para comprar seus próximos computadores.
Mais importante, liberem suas mentes para conhecer a filosofia de liberdade, solidariedade e respeito ao próximo do Movimento Software Livre. Assistam às palestras, façam perguntas e mantenham contato.
Sejam bem-vindos à imensa comunidade de Software Livre da América Latina!
Copyright 2010 Alexandre Oliva
Cópia literal, distribuição e publicação da íntegra deste artigo são permitidas em qualquer meio, em todo o mundo, desde que sejam preservadas a nota de copyright, a URL oficial do documento e esta nota de permissão.
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