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Blongando por Liberdade

27 de Maio de 2009, 0:00 , por Software Livre Brasil - | Ninguém está seguindo este artigo ainda.

blogs/lxo/2009-05-20-linux-libre-dilema-dos-prisioneiros.pt

20 de Maio de 2009, 0:00, por Software Livre Brasil - 0sem comentários ainda

Saiu a edição de maio da [GNU/]Linux Magazine Brasil, com o artigo “Linux-libre e o Dilema dos Prisioneiros”. Confira!

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Linux-libre e o Dilema dos Prisioneiros

20 de Maio de 2009, 0:00, por Software Livre Brasil - 0sem comentários ainda

Linux-libre e o Dilema dos Prisioneiros

Alexandre Oliva <lxoliva@fsfla.org>

Publicado na edição #54, de maio de 2009, da [GNU/]Linux Magazine Brasil.
http://www.linuxmagazine.com.br/article/dilema_dos_prisioneiros

Apesar do dilema moral e dos riscos técnicos e jurídicos, diversas distribuições de GNU+Linux que valorizam a liberdade tendem a aceitar e distribuir o Software não-Livre integrado ao núcleo Linux, além de facilitar e encorajar seu uso. Por que decidem trair as liberdades de seus usuários e ajudar fabricantes de hardware a capturá-los?

Linux não é Software Livre

Quando foi lançado, em 1991, o núcleo Linux não era Software Livre. Tornou-se Livre no ano seguinte, através de relicenciamento, mas vem se tornando progressivamente não-Livre, ao aceitar “contribuições” de fabricantes de hardware que não têm interesse nem incentivo para respeitar seus consumidores.

Linux tem recebido Software não-Livre que roda em modo privilegiado (drivers) ou em dispositivos periféricos às CPUs principais (firmware), tendo acesso a todo o sistema: barramentos, memória, controladores de DMA e de interrupções, podendo assim causar toda sorte de interferência e problemas, desde acidentes como erros de travamento do sistema ou corrupção de informação, até problemas intencionais, como coleta e transmissão de informação do usuário.

Stux, bonitinho mas preso, de Lewis Laë

Stux, bonitinho mas preso, de Lewis Laë

Esses “contribuidores” ainda estabelecem armadilhas jurídicas. Alguns proíbem engenharia reversa, e fornecem documentação sob acordos de manter segredos (NDA). Alguns distribuem seus códigos, sob a GPL ou licenças compatíveis, mas sem fontes, induzindo à violação e portanto à revogação automática da licença do Linux.

Outros adotam licenças contraditórias: há um fabricante de cartões de rede que adicionou ao Linux um programa de 100Kb, na forma de código objeto, sob licença não-Livre e incompatível com a GPL (o que já é um problema), e depois adicionou outro driver, com mais 300Kb de código objeto não-Livre, que veda sua distribuição conjunta com software da mesma empresa que tenha sido disponibilizado sob licença diferente da GPL, como, por exemplo, o programa de 100Kb.

Não é irônico que Linux seja tomado por alguns como ícone maior do Software Livre, quando não o é? Por não ser Livre, todo mundo que distribui versões recentes do Linux está sujeito a ameaças jurídicas desses vilões, e, se já não perdeu, pode acabar perdendo o direito de distribuir, modificar e, no entendimento de alguns juristas brasileiros, até de executar o Linux!

Ficam assim usuários e redistribuidores à mercê dos caprichos dos fornecedores do hardware e suas amarras em Software não-Livre. Vale lembrar que, enquanto usuários poderiam preferir continuar usando o hardware que já possuem, mesmo com sistemas mais novos, os fabricantes de hardware estão mais interessados em que os usuários comprem seus novos produtos. Assim, descontinuam suporte ao hardware antigo, alegadamente para reduzir custos de manutenção, mas negam aos usuários e às distribuições a possibilidade de assumir essa manutenção, revelando sua estratégia de controle e aprisionamento.

Nasce o Linux-libre

Freedo, limpo e Livre, de Burnaron e Rubén Rodríguez Pérez

Freedo, limpo e Livre, de Burnaron e Rubén Rodríguez Pérez

Para tentar reverter essa tendência de poluição do Linux com Software não-Livre, e para propiciar a usuários e distribuições socialmente conscientes o núcleo Livre que necessitam, deu-se início ao projeto Linux-libre. Começou na distribuição gNewSense, passou a ser mantido pelo então mantenedor da distribuição BLAG, depois por mim, na FSFLA. Hoje é adotado por praticamente todas as demais distribuições com compromisso público de distribuir somente Software Livre: Musix GNU+Linux, Trisquel GNU/Linux e Dragora GNU/Linux, além de dyne:bolic e UTUTO XS que estão em processo de adoção.

Entre as distribuições mais populares, que até valorizam o respeito às liberdades dos usuários, mas não fazem disso um compromisso tão firme, a lógica que impera parece ser a do medo de perder usuários para as outras. Assim, quando uma adota um componente não-Livre, a fim de atrair uma determinada classe de usuários, as demais se vêem pressionadas para fazer o mesmo, sob o risco de perder potenciais colaboradores. Ao invés de perdê-los, perdem controle sobre o software que distribuem aos usuários, expondo a si mesmas e a seus usuários a riscos técnicos e jurídicos.

Curioso é que todos aqueles que possuem os dispositivos que precisariam daquele software para funcionar, sob controle do fabricante, já receberam uma cópia juntamente com o dispositivo, e poderiam facilmente obter outra diretamente do fabricante. Será que faz sentido esse comportamento das distribuições, de se poluírem e sujarem as mãos para ajudar a levar esse software a quem já o recebeu e já decidiu entre rejeitar esse software ou ceder ao fabricante o controle do computador?

Analisando o jogo

O dilema dos prisioneiros é uma observação curiosa da ciência econômico-matemática denominada Teoria de Jogos. Dois bandidos são presos por um crime grave, mas não há provas suficientes para condená-los à pena de 10 anos de prisão por esse crime, somente à penda de 1 ano, por porte ilegal de arma. Os investigadores gostariam de resolver o crime maior, por isso propõem a cada um dos bandidos, incomunicáveis entre si, um acordo: se testemunhar contra o outro na acusação mais grave, não será indiciado pelo porte ilegal.

A\B

Leal

Traíra

Leal

1\ 1

11\ 0

Traíra

0\11

10\10


Tabela de resultados entre prisioneiros A e B.

Se os dois se recusarem a trair seus parceiros, cada um vai preso por 1 ano. Quem trai o parceiro leal sai livre, enquanto o parceiro vai preso por 11 anos. Se os dois concordarem em trair um ao outro, cada um vai preso por 10 anos. Cada um, agindo de forma racional e egoísta, terá como estratégia dominante trair seu parceiro, pois, independente do que o outro faça, o resultado é melhor para si mesmo: 0<1 e 10<11. A constatação surpreendente da Teoria de Jogos é que, nesse arranjo, bastante comum na vida real, se cada um seguir a estratégia racional e egoísta, traindo seu parceiro em benefício próprio, os resultado é o pior possível: o tempo total de prisão dos dois é de 20 anos (10+10), que é mais que 11, e muito mais que 2, que seria o menos indesejável do ponto de vista de ambos.

Da mesma maneira, as distribuições populares têm a percepção, possivelmente correta, de que adicionar Software não-Livre necessário para o funcionamento de certos dispositivos atrai usuários, ou de que não adicioná-lo os afugenta. Seguindo essa estratégia dominante, traem umas às outras, assim como a seus usuários, ajudando os fabricantes de hardware, que fazem o papel da polícia, a manter todos menos Livres: controlados, apáticos e até mesmo inconscientes de que estão traindo uns aos outros ao usar Software não-Livre.

O dilema dos prisioneiros, quando iterado, tem como melhor estratégia determinista conhecida a reciprocidade cooperativa: cooperar na primeira iteração, e a partir dali trair quando houver sido traído e cooperar quando houver recebido cooperação. É forte, mas nem sempre é vencedora: num meio em que a traição é comum, a cooperação inicial será uma perda irrecuperável. Ainda assim, a cooperação otimista ocasional pode quebrar um ciclo de traição múltipla e levar a um resultado muito melhor para todos: é um pequeno sacrifício invidivual em prol do bem comum.

De fato, a tragédia do rossio, ou do bem comum (commons), é uma situação em que a estratégia dominante para cada participante racional, egoísta e imediatista é abusar do recurso comum, até seu desastroso esgotamento. É evitável através de um compromisso confiável entre os participantes para preservar, no longo prazo, o recurso compartilhado, seja um pasto, uma fonte de água, a atmosfera, o planeta.

Lamentavelmente, não vejo entre as distribuições GNU+Linux mais populares e desenvolvedores principais do Linux qualquer intenção de estabelecer ou fazer cumprir esse tipo de compromisso, a fim de evitar a progressiva erosão das liberdades dos sistemas que desenvolvem sobre uma base comum, que vem ocorrendo por influência de fabricantes de hardware.

Cooperar para superar

Não havendo razão ou esperança de que as distribuições tomem essa iniciativa, resta a nós, usuários, alterar o equilíbrio do jogo. Se dermos preferência às distribuições comprometidamente Livres e ao hardware que funciona com elas, sinalizaremos tanto para as distribuições quanto para os fabricantes de hardware que o respeito ao usuário servirá aos próprios interesses deles.

Quanto mais gente fizer isso, maior será a preocupação dos fabricantes de hardware em respeitar seus clientes, pois isso aumentará suas vendas, e maior será a preocupação das distribuições em respeitar seus usuários, pois isso aumentará sua comunidade de colaboradores.

G[e]nuíno pinguim religiosamente Livre, de Guillaume Pasquet, baseado no tux original de Larry Ewing.

G[e]nuíno pinguim religiosamente Livre, de Guillaume Pasquet, baseado no tux original de Larry Ewing.

É óbvio que isso requer um baita esforço de educação e conscientização de todos. É também óbvio que, ao agirmos assim, de forma cooperativa, abriremos espaço para que alguns nos traiam e levem vantagem no processo, em detrimento de todos. Ainda assim, esse compromisso parece ser o que tem mais chances de levar a um resultado positivo: evitar a tragédia do bem comum.

Caso seus amigos traiam você e a comunidade, aceitando ou recomendando Software não-Livre, ou comprando hardware que o exija, não os traia de volta: explique por que é importante cooperarmos, não só para evitar a tragédia, mas para alcançar o respeito que merecemos enquanto humanos e usuários de software. Sugira aos amigos que adotem distribuições 100% Livres assim que possível e que, em sua próxima compra, procurem adquirir hardware que funcione adequadamente com elas. É através dessa cooperação que temos chance de alcançar o melhor resultado para todos.

Referências

http://linux-libre.fsfla.org

http://pt.wikipedia.org/wiki/Teoria_dos_jogos

http://pt.wikipedia.org/wiki/Dilema_do_prisioneiro

http://pt.wikipedia.org/wiki/Tragédia_dos_comuns

http://www.gnu.org/philosophy/free-system-distribution-guidelines.html

http://www.gnu.org/links/links.html#FreeGNULinuxDistributions


Copyright 2009 Alexandre Oliva

Cópia literal, distribuição e publicação da íntegra deste artigo são permitidas em qualquer meio, em todo o mundo, desde que sejam preservadas a nota de copyright, a URL oficial do documento e esta nota de permissão.

http://www.fsfla.org/svnwiki/blogs/lxo/pub/linux-libre

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blogs/lxo/2009-05-17-nem-tudo-vale-a-pena.pt

18 de Maio de 2009, 0:00, por Software Livre Brasil - 0sem comentários ainda

Atendendo à chamada para a megablogagem do MegaNão ao AI-5 Digital, terminei (um pouco tarde, já passou de meia noite :-( um artigo que vinha ruminando faz uns dias.

É, pra todos os efeitos, também meu artigo de estréia no blog coletivo Trezentos, o início de uma multidão.

O artigo, intitulado “Nem Tudo Vale a Pena” (talvez merecesse um subtítulo “Aviso aos Navegantes de Alma Pequena”), discute os fundamentos do direito autoral, demonstra que os argumentos de que se justifica como meio de remuneração aos autores são uma grande mentira, e que a sociedade sempre sai perdendo.

Com vocês... “Nem Tudo Vale a Pena”.

Até blogo...

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Nem Tudo Vale a Pena

18 de Maio de 2009, 0:00, por Software Livre Brasil - 0sem comentários ainda

Nem Tudo Vale a Pena

Alexandre Oliva <lxoliva@fsfla.org>

Direito autoral, como tantas outras leis, foi introduzido para beneficiar a sociedade: um sacrifício temporário para incentivar a publicação de mais criações do espírito, que após um prazo integrariam o domínio público. Será que o sacrifício vale a pena?

Princípios do direito autoral

Até o século XVII, um cartel de editores de obras literárias não deixava de abusar de sua posição oligopolista. Sendo pouquíssimos os possuidores de máquinas tipográficas de imprensa, eram o único caminho dos escritores para a publicaçao de suas obras.

Escritores viam-se obrigados a aceitar o pouco que os editores ofereciam ou deixar suas obras sem publicação. Perdia a sociedade, tanto por não poder dispor de obras, se autores decidiam pela não publicação, quanto pela exploração do cartel, cujos membros não imprimiam obras adquiridas por outros membros.

Direito autoral surge como resposta a essa concentração de poder nas mãos dos poucos editores, tentando dispersá-lo entre os escritores, incentivando a publicação de mais obras, para benefício da sociedade.

Não funcionou. A indústria editorial continua controlando autores, obras e sociedade, pagando pouco aos autores e cobrando demais da sociedade. O monopólio sobre cada obra publicada, antes mantido através do cartel e da escassez natural dos meios de reprodução, agora, apesar do fim da escassez natural, se impõe por lei restritiva a toda a sociedade.

Remunerando obras culturais

Há quem acredite que direito autoral é necessário para remunerar o autor por seu trabalho criativo. É trivial mostrar que não. Antes de se introduzir direito autoral, no início do século XVIII, artistas já conseguiam obter remuneração por suas obras literárias, musicais, teatrais, esculturais, pictóricas etc.

Dentre as formas disponíveis aos autores para buscar remuneração, havia o mecenato, em que um nobre sustentava um artista, para ter prioridade na apreciação de suas obras; a contratação, em que se encomendava do artista uma obra específica, ou sua execução, e a execução de obras com cobrança de ingressos da audiência.

O autor, criativo que é, não precisa parar por aí. Antes da publicação da obra, tem algo que ninguém mais tem: a própria obra. Pode anunciá-la, publicar trechos para despertar interesse e pedir o preço que quiser. Em tempos de Internet, a divulgação e a publicação podem se dar praticamente sem custos e sem intermediários!

Ao exigir o “pagamento de resgate” para publicação da obra, o monopólio natural do autor, por ter acesso exclusivo à obra não publicada, faz frente ao monopólio de compra da sociedade, que tenderá a usar unida seu poder de barganha.

Se a sociedade não reunisse o montante pedido pelo autor, seria sinal que a obra não vale o preço pedido. Mas se qualquer conjunto de interessados conseguisse reunir esse valor, o autor receberia o resgate e libertaria a obra. Já tendo recebido a remuneração que pediu, não se justificaria qualquer outra medida para cercear usos da obra a pretexto de remunerá-lo.

Dividir para conquistar

O trunfo do qual a indústria tem conseguido se aproveitar é a divisão da sociedade que o direito autoral viabiliza em larga escala. Com direito autoral, quebra-se o monopólio de compra da sociedade, enfraquecendo seu poder de barganha conjunta.

O monopólio de venda passa a poder oferecer a cada indivíduo a tentação de comprar sua própria cópia da obra. Ao invés de somar forças com seus semelhantes, no que depender da indústria não poderá compartilhar sua cópia com ninguém mais. Induz cada um à traição ao próximo, ao pior resultado para ambos, num cenário tipíco de Dilema dos Prisioneiros, da ciência econômica Teoria de Jogos.

Para o autor experiente, que consegue estimar com razoável precisão quanto lhe custaria criar uma obra e quanto a sociedade estaria disposta a pagar por ela, faz pouca diferença. Se acha que vale a pena, cria a obra, pede o preço que a sociedade está disposta a pagar, recebe seu pagamento e liberta a obra, sem precisar se valer de qualquer direito autoral. Senão, nem a cria.

Mas com a redução do poder de barganha da sociedade, dividida pelo direito autoral, cada interessado paga mais do que pagaria se cooperasse com seus semelhantes. Assim, obras que de outra forma não valeriam a pena criar passam a valer, porque a sociedade, dividida, é induzida a pagar mais do que cada obra vale. Este é o incentivo do direito autoral, para que mais obras sejam publicadas.

Içando penas e custos

Mas quem acaba as explorando é a mesquinha indústria editorial, que adiciona custos para distorcer a opinião pública, para preservar jurídica e tecnicamente a escassez artificial das obras e dos meios de publicação e para lucrar e manter essa estrutura funcionando. Paga mal aos autores, mas gasta mais elegendo e remunerando legisladores para que endureçam as leis, contra a sociedade.

Assim, as penas para violações dos interesses da indústria e os custos para que cada obra seja publicada, impostos à sociedade, ficam cada vez mais salgados, como o “Mar Português” de Fernando Pessoa:

 Ó mar salgado, quanto do teu sal
 São lágrimas de Portugal!
 [...]
 Valeu a pena?  Tudo vale a pena
 se a alma não é pequena.

Dentre as grandes almas, vale lembrar Thomas Jefferson:

Não importa quantas pessoas a compartilhem, a idéia não se reduz. Quando escuto sua idéia, ganho conhecimento sem diminuir nada seu. Da mesma forma, se uso sua vela para acender a minha, eu me ilumino sem escurecê-lo.

Em se tratando de criações de espíritos pequenos e mesquinhos, e da indústria editorial desalmada e desumana, a conclusão é clara:

 Direito autoral...  Será?  Vale a pena?
 Não, se a alma é pequena!
 
 Autores de bem, ascendam as velas,
 se lhes chama a navegar
 no ciberespaço, nossas janelas,
 na Internet, o nosso mar!

Copyright 2009 Alexandre Oliva

Cópia literal, distribuição e publicação da íntegra deste artigo são permitidas em qualquer meio, em todo o mundo, desde que sejam preservadas a nota de copyright, a URL oficial do documento e esta nota de permissão.

http://www.fsfla.org/blogs/lxo/pub/nem-tudo-vale-a-pena

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blogs/lxo/2009-05-15-entrevista-manuela-andreoni.pt

16 de Maio de 2009, 0:00, por Software Livre Brasil - 0sem comentários ainda

Manuela Andreoni, estudante de jornalismo na UFRJ, me entrevistou para uma matéria sobre copyleft, cibercrimes, cultura livre, software livre e temas relacionados. A matéria da qual ela vai pescar trechos da entrevista só sai lá pra fim de junho, mas combinamos de eu publicar a entrevista na íntegra aqui, desde já. Lá vai...

Em 12 de maio de 2009, Manuela Andreoni escreveu:

1. A Free Software Foundation alerta para o surgimento de diversas licenças em seu site, aconselhando as pessoas a saberem se existe alguma licença que supre suas necessidades antes de criar uma. O que você pensa da diversidade de licenças que existem hoje disponíveis? Desnorteadoras ou inspiradoras? Por quê?

Excesso de licenças cria um problema prático, particularmente para o software. Cada licença oferece um conjunto de permissões, sujeitas a algumas condições. Quando se cria uma obra derivada, como por exemplo um software que utiliza trechos de outros programas, modificando-os ou não, é necessário cumprir com as condições de todas elas. É comum que as condições entrem em conflito, de forma que, ainda que os autores dos programas utilizados não se oponham em princípio à modificação e à distribuição das obras derivadas, a combinação das permissões condicionadas resulta insuficiente para que isso seja permitido.

Infelizmente, as licenças de Software Livre disponíveis hoje não foram criadas com o cuidado para que fossem compatíveis entre si. De fato, lamentavelmente houve um tempo em que alguns grupos introduziram incompatibilidades intencionais, a fim de dividir a comunidade e minar a força da licença mais popular, que tem o copyleft mais forte: a GNU GPL.

2. Há diferença conceitual entre copyleft para softwares e obras artísticas?

Copyleft é um conceito que surgiu no software: é usar o poder de exclusão do direito autoral não para cercear as liberdades dos outros com relação a uma obra, mas sim para preservar essas liberdades, não concedendo permissão para distribuição de formas que cerceariam as liberdades.

O mesmo conceito pode ser utilizado para outros tipos de obras, mas pode variar o conjunto de liberdades consideradas essenciais. Para obras com finalidades práticas, que eu chamo de obras funcionais, como software, manuais, receitas, livros texto, as 4 liberdades do Software Livre se aplicam perfeitamente: a de acionar a finalidade prática da obra para qualquer propósito, a de estudar como ela desempenha essa finalidade prática e adaptá-la para que o faça de forma diferente, a de copiar, publicar e distribuir cópias da obra, e a de melhorar a obra, publicar e distribuir as melhorias. Há justificativas éticas, morais e sociais para cada uma dessas liberdades, assim como para o conjunto delas, no que diz respeito a software e outras classes de obras com finalidades práticas.

As mesmas ideias não se aplicam a obras destinadas a entretenimento. Estas não geram o mesmo tipo de dependência que as obras com finalidades práticas podem gerar, portanto nem todas as justificativas éticas, morais e sociais se aplicam. De fato, há quem defenda que as únicas liberdades essenciais para obras artísticas para entretenimento sejam as de apreciar e de compartilhar, isto é, distribuir sem fins de lucro. Já outros propõem uma analogia mais completa com as 4 liberdades do Software Livre, mas não se limitando a obras artísticas para entretenimento, estendendo a proposta a todas as obras culturais.

Dado esse embasamento, um copyleft para outros tipos de obras, isto é, um mecanismo de licenciamento que vise a não apenas respeitar, mas também a defender as liberdades essenciais, pode variar de um tipo de obra a outro, de acordo com a variação nas liberdades consideradas essenciais para aquele tipo de obra, mas conceitualmente é a aplicação da mesma técnica jurídica.

3. O que você pensa do Creative Commons? Qual é a sua importância?

Tenho opiniões divergentes a respeito. De um lado, é bom levantar questões de liberdades e respeito ao próximo para um público mais diverso que usuários de software, estendendo a discussão para outros tipos de obras culturais.

De outro, faltou ao Creative Commons por muito tempo uma fundação ideológica moral, ética e social para justificar as opções de licenciamento, não só do ponto de vista do conjunto de licenças disponíveis, como também do ponto de vista de orientação aos titulares a respeito de como escolher o licenciamento adequado para respeitar as liberdades essenciais em cada tipo de obra. Assim, limitava-se a oferecer um conjunto de opções de flexibilização das restrições estabelecidas pelo direito autoral.

Hoje, com a evolução do embasamento ideológico dos movimentos de Cultura Livre, Creative Commons descontinuou algumas das formas de licenciamento recomendadas anteriormente. Todas as licenças hoje recomendadas respeitam, no mínimo, as liberdades de apreciar e de compartilhar. Isso pode ser suficiente para alguns tipos de obras, mas certamente não para outros, como software. De fato, para software, o CC recomenda licenças que respeitam as 4 liberdades essenciais para software.

Falta ainda (e não só da parte do CC) chegar a algum consenso sobre as liberdades essenciais, para daí criar guias que as levem em conta para orientar autores no licenciamento ético de suas obras.

Chama-me a atenção uma distinção importante entre CC e SL, Software Livre. Embora nos dois haja toda uma gama de licenças disponíveis, no caso do SL todas elas têm como característica mínima respeitar as liberdades essenciais, enquanto no caso do CC, há licenças que não respeitam liberdades que muitos consideram essenciais para determinados tipos de obras, sem que CC deixe de recomendá-las. Isso é um ponto fraco.

Apesar de todos esses pontos, considero CC extremamente positivo, por levar a discussão aonde ela não estava. Meu maior receio era de que se perdesse a distinção entre tipos de obras, e que se acabasse por recomendar indiscriminadamente um licenciamento insuficiente livre para os tipos de obras com que mais me preocupo. Após algum realinhamento ideológico do CC internacional, esse receio já não mais existe, e fico feliz de recomendar o uso de licenças CC adequados a cada tipo de obra.

Mas ainda alerto contra a prática de dizer “sob licença CC”. Há no projeto tantas licenças, com características tão diferentes entre si, e praticamente sem nenhum ponto em comum, que “sob licença CC” não carrega o significado que se poderia esperar do termo “Commons”.

4. Quando discutimos copyleft, sempre caimos na questão “tudo bem, temos que aumentar o acesso aos bens imateriais, mas como fica o bolso dos autores?” Em relação ao software livre, diz-se que o dinheiro pode vir do suporte e de consultorias. De onde viria a renda dos artistas?

De onde sempre veio: shows, palestras, trabalhos desenvolvidos sob contrato, mecenato, venda direta ao consumidor ou a conjuntos de consumidores, e serviços associados às obras. Não é diferente do software.

O artista tem algo que ninguém mais tem antes da publicação de uma obra: a própria obra. Pode se recusar a entregá-la se não lhe pagarem o preço que pede. Claro que pode acabar não vendendo a obra, se ninguém estiver disposto a pagar o preço estabelecido, ou a formar um grupo suficiente para reunir o preço pedido. Se a sociedade como um todo não considera que a obra valha o que pede o autor, por que deveríamos oferecer-lhe uma maneira de conseguir o que quer?

Há que se lembrar que direito autoral surgiu não para privilegiar o autor, mas a sociedade. Ambos eram ameaçados pelo cartel constituído pela indústria editorial do século XVII/XVIII, quando máquinas de imprensa eram caríssimas, mas não havia empecilho legal para copiar ou publicar. A sociedade viu por bem buscar reduzir o poder desses cartéis, que compravam as obras dos autores por preços baixos, pois eles não tinham a quem mais vendê-las. Por isso conferiu aos autores um controle maior sobre a exploração das obras pelos cartéis. O objetivo era com isso incentivar a publicação de obras, cujos autores muitas vezes deixavam de publicar por não encontrarem condições favoráveis. O objetivo do incentivo à publicação era que, ainda que após um curto período de sacrifício da sociedade, todos passassem a poder se beneficiar da obra para sempre.

Não funcionou. A indústria conseguiu anular o poder conferido aos autores de obras literárias, pois eles ainda não tinham a quem mais vender as obras, e passou a se valer desse poder para coibir o uso pela sociedade dos avanços tecnológicos na imprensa. Depois conseguiu estender o mesmo modelo para obras musicais, audiovisuais, software e todas as demais criações do espírito. Passou a buscar estender o prazo de exclusividade, negando à sociedade o usufruto das obras. Passou a usar medidas tecnológicas para impor exclusividade até mesmo sobre os direitos que a lei excluía do sacrifício. E continua explorando os autores e a sociedade, agora não mais porque detém uma exclusividade quase natural dos meios de reprodução das obras, mas porque cria uma escassez artificial através de medidas jurídicas e técnicas, e tem poder suficiente para subverter a lei fazendo-a funcionar contra os interesses da sociedade, ameaçando o potencial de publicação e acesso democráticos que a tecnologia atual oferece.

5. O Partido Pirata é hoje o terceiro maior partido da Suécia. Ou seja, a questão do copyleft já inspira movimentos políticos oficiais. O que você pensa disso? Era esse um dos objetivos no momento da criação do novo tipo de licenciamento?

Não tenho conhecimento de que o Partido Pirata defenda o copyleft como se o entende na comunidade do Software Livre, onde surgiu esse conceito. Copyleft não é a anulação do copyright, é o *uso* do copyright em benefício da sociedade, e não de forma mesquinha. Mas, baseado no copyright (direito autoral), é ainda uma manifestação da vontade do autor, a quem a lei confere esse poder injusto.

A posição desse Partido, segundo a entendo e compartilho, é de que esse poder de exclusão é injusto e anacrônico, e deve ser anulado, ou ao menos severamente limitado, para deixar de servir a poucos em detrimento de quase todos, para servir ao bem comum, como deveria fazer toda lei.

Enquanto ele permanece, podemos criar e manter, através de recursos como copyleft, um corpo de obras culturais dos quais todos que quiserem podem se valer, quase como se não houvesse o direito autoral. Digo “quase” porque a natureza do copyleft é justamente condicionar esse valer ao respeito às liberdades essenciais: obras derivadas de outras obras copyleft, caso divulgadas, devem ser divulgadas sob os mesmos termos, de modo que acrescentem ao corpo de obras livres.

O Movimento Software Livre é um movimento de cunho político, não técnico, e o copyleft é uma inovação jurídica de profundo cunho social. A única surpresa que tenho é que essas ideias maravilhosas demorem tanto para ganhar larga aceitação popular. Certamente contribui para essa demora o controle dos meios de publicação e divulgação pela indústria editorial, antagônica a esses modelos democráticos e sem intermediários que a tornam obsoleta.

6. Quando inventamos alguma coisa, podemos colocar qualquer licença no que criamos, ou simplesmente colocá-la em domínio público. Posso escolher colocar minha obra em copyright e ter os direitos de sua comercialização até 70 anos depois da minha morte. Na Suécia, o Partido Pirata quer mudar isso, limitando a exploração comercial exclusiva da minha obra para cinco anos. O que você pensa dessa proposta. Acha que ela poderia se aplicar ao Brasil?

Deixa eu primeiro mencionar que “inventar” é um termo que tem a ver com patentes, que nada têm a ver com obras de direito autoral. Patentes têm a ver com uso exclusivo de ideias em aplicações industriais, enquanto direito autoral tem a ver com expressões de ideias (e não às próprias ideias), com a exclusividade em sua modificação, distribuição, publicação e execução pública. São não só conceitos diferentes, como também são reguladas por leis que nada têm em comum entre si. Não convém alimentar a confusão que a indústria editorial semeia empacotando essas duas e outras ideias na contraditória noção de propriedade sobre o imaterial, o não-rival, que pode ser compartilhado por multiplicação, ao invés de por divisão.

À pergunta. Quando, numa conferência sobre direito autoral, Richard Stallman (o pai do Software Livre e do copyleft) propôs a redução do prazo de exclusividade nos usos de obras autorais a 10 anos, um autor de ficção científica relativamente conhecido chamado Cory Doctorov protestou imediatamente: “É um absurdo! Qualquer coisa além de 5 anos é um roubo!”

De fato, as obras são exploradas comercialmente em prazos muito curtos, de um a dois anos, às vezes três, em raríssimos casos mais que isso. Cercear o uso da obra por mais 70 anos além da vida do autor é um contrasenso, ainda mais considerando que o objetivo do direito autoral era justamente trazer mais obras para o domínio público, para que todos as pudessem usar. Mas a indústria editorial, de alguma forma, consegue convencer legisladores a estender o direito autoral por mais 20 anos a cada vez que o primeiro filme com o camundongo Mickey está para cair no domínio público nos EUA. Como isso tornaria Walt Disney retroativamente mais criativo para fazer jus a esse incentivo adicional é uma dúvida que há muito me atormenta.

7. Qual é a posição da FSF em relação ao caso do PirateBay?

Isso é algo que você teria de perguntar à FSF. Sou ligado a uma organização irmã da FSF original, a FSF América Latina. Mesmo que sua pergunta se referisse à FSFLA, uma organização independente, não tenho autoridade para falar por ela, e não discutimos o assunto a ponto de termos uma posição consolidada.

De todo modo, pelo que conheço da posição ideológica de seus membros e das liberdades que defendemos, em todas as FSFes, não arrisco muito em afirmar que estamos todos em favor do livre compartilhamento.

8. Richard Stallman não gosta de se associar ao termo "pirata". Como você define a pirataria?

É a invasão de navios para roubar a carga e sequestrar, escravizar ou assassinar a tripulação. Nada parecido com copiar e compartilhar.

9. O que você pensa das licenças mais permissivas, como a "copie", criada pelo Partido Pirata Brasileiro?
http://www.partidopirata.org/?q=node/31

Não a conhecia. Adorei o protesto, mas não recomendaria seu uso, por ter sérias dúvidas sobre seu valor jurídico.

Por exemplo, ela não concede explicitamente permissão para distribuição, reprodução e derivação, que, pela lei de direito autoral, exigem permissão explícita do titular. Apenas estabelece condições para permissões que parecem não ser concedidas em lugar algum. Levando em conta que, segundo a lei, licenças de direito autoral devem ser interpretadas de maneira restritiva, temo que talvez a licença não tenha o efeito pretendido, o que é uma pena. Mas não sou advogado, apenas um estudioso do assunto.

10. A Lei Azeredo é vista pela maioria dos entendidos como um retrocesso. Qual seria a alternativa a ela para a inclusão da internet na legislação brasileira de forma mais atual e realista?

Não entendo a necessidade das alterações propostas no projeto. Dos crimes que o projeto confessa pretender prever, todos já estão previstos na lei vigente. Falsidade ideológica, fraude, estelionato e violação de segredo comercial e de privacidade já são crimes.

Estão chovendo no molhado tentando empurrar pra frente um projeto delineado a partir de um “acordo” assinado por uma dúzia de países ainda sob os ecos do 11 de setembro de 2001, para prever de forma redundante os mesmos crimes, enquanto tentam inventar jeitos de regulamentar o intangível, com consequências daninhas que negam.

O problema maior são os interesses inconfessáveis e a redação plena de problemas. Buscam atender aos interesses (i) dos bancos de empurrar para a sociedade os custos provenientes de transações eletrônicas fraudulentas, mantendo exclusivamente para os bancos as vantagens econômicas das transações sem receber os clientes nas próprias agências, e (ii) da indústria editorial, negando sempre que têm algo a ver com isso, exceto quando a verdade escapa em atos falhos.

Valem-se, para este último, de uma redação ambígua que torna um pedaço de papel um dispositivo de comunicação, sobre o qual se criminalizam a obtenção e a divulgação da informação nele contida, caso ocorra sem a concordância de seu titular. Mesmo que a informação seja pública, mesmo que seja obtida de outra fonte, mesmo que seja de interesse público. É o fim da liberdade de imprensa, a nova censura. Daí chamá-lo de AI-5 digital.

Estabelecem, ainda para promover esses interesses, um clima de terror e de vigilantismo através da violação paulatina da privacidade na Internet, substituindo redes abertas e democráticas por burocráticas redes vigiadas, antagônicas à inclusão digital. Para justificar esses abusos, não deixam de se valer da desculpa do combate à pedofilia, apesar de projeto de lei no mesmo sentido já ter sido aprovado nas duas casas do congresso nacional, um deles na mesma madrugada em que se aprovou o projeto Azeredo no Senado. É uma vergonha sem tamanho.

11. Você citaria o governo de algum país como tendo lidado melhor com a questão da internet na legislação?

A Internet não é um mundo à parte que exige legislação diferenciada. Os crimes são cometidos por pessoas reais, no mundo real: dinheiro é tomado, pessoas são ofendidas, informação sigilosa vai parar onde não era pra estar, e tudo isso já tem previsão em lei. Ninguém precisou redefinir todo o código penal quando inventaram o telégrafo, o rádio, o telefone ou o celular, para que fraudar, ludibriar, enganar, extorquir ou chantagear continuassem sendo crimes quando praticados através desses meios de comunicação. Por que seria diferente no caso das redes de computador?

Diversos países europeus têm tomado o caminho correto: privilegiar os direitos civis, os direitos humanos, as liberdades e a presunção da inocência, introduzindo leis de proteção à privacidade. Ao invés de condenar o provedor que não vigia seus clientes, condena aquele que coleta e armazena informação que identifique os clientes. Provedor não é polícia.

Já pensou condenar a companhia telefônica porque não grava todas as suas ligações, para o caso de a polícia precisar ouvir as ligações que você fez antes de alguém denunciá-lo por alguma suspeita de crime? É isso que estão querendo fazer no Brasil, só que não pras telefônicas, mas pra provedores de Internet, donos de cybercafés, administradores de sítios, telecentros, redes municipais e abertas.

E não é só porque você não está fazendo nada de errado que qualquer um, mesmo que seja da polícia ou tenha interesses comerciais enquanto provedor, pode sair vasculhando toda a sua vida digital. A privacidade é um direito de cada um, existem leis injustas sendo compradas por interesses contrários à sociedade, e a desobediência civil é um recurso legítimo e necessário para combatê-las.

E, assim como tem gente que se vale de ferramentas de informática para exercer liberdade de expressão e de imprensa para enfrentar ditaduras e escapar das garras de governos injustos, podemos um dia precisar novamente combater um governo autoritário por aqui. Se ele tiver o poder de um Grande Irmão (1984, George Orwell), que uma lei como essas tenta estabelecer, que faremos?

Vale lembrar que essas mesmas ferramentas hoje são usadas por aqui, tanto por quem quer legitimamente defender sua privacidade quanto por criminosos que se escondem da lei. O resultado do estabelecimento de uma lei como essas é que aqueles que têm seus computadores controlados por criminosos à distância, sem seu conhecimento ou consentimento, seriam acusados, transtornados e possivelmente até condenados por crimes que não cometeram, enquanto os verdadeiros criminosos continuariam à solta. Lei penal que pune inocente e deixa o criminoso livre é pior que lei nenhuma.

12. Quando abrimos qualquer coisa na internet, nosso computador cria umarquivo temporário para ela –– faz uma cópia. Ou seja, qualquer conteúdo protegido por copyright na internet tem sua licença sistematicamente violada. Pode o copyright sobreviver na internet? O copyleft seria a única resposta para esse problema? É possível conter os avanços contra o copyright?

Primeiro, deixa eu reclamar do termo “protegido”. Copyright não protege informação, ele a aprisiona. Informação é pra ser livre, até porque é um direito humano “procurar, receber e difundir, sem consideração de fronteiras, informações e ideias por qualquer meio de expressão”.

Além do mais, nem copyright nem direito autoral são um poder absoluto sobre as obras. Lembre que não é um direito natural, é uma concessão da sociedade, um sacrifício limitado e temporário. Também são direitos humanos “fruir as artes” e “tomar parte livremente na vida cultural da comunidade”.

Historicamente, direito autoral respeitou esses direitos humanos: nunca foi necessária permissão para apreciar uma obra cultural a que se tenha acesso, ou para compartilhá-la com seus amigos.

Nem bibliotecas nem ninguém precisa de permissões especiais para emprestar cópias de obras a quem queira, nem quem as empresta necessita permissão para poder apreciá-las.

Não é necessária permissão para fazer cópias temporárias de obras para apreciá-las depois; o direito de gravar programas de TV para assistir depois já foi reconhecido até nos EUA.

Não é necessária permissão para assistir a um DVD a que se tenha acesso, embora isso envolva inúmeros processos de decodificação, descompressão, cópia temporária e transferência entre dispositivos. Por que faria diferença se a tela está ao lado ou a quilômetros do computador que faz a leitura da mídia, seja o computador de propósito geral ou programado exclusivamente para executar DVDs? Essas cópias e transformações não são reguladas por direito autoral, são parte do processo de apreciação da obra, que é um direito humano de todos, não um direito exclusivo concedido ao seu autor.

A indústria editorial quer nos fazer crer que não temos esses direitos, a ponto de ir às escolas, com permissão de governos, para ensinar às crianças que compartilhar, que ser solidário com os amigos, é o equivalente moral de invadir navios, saquear sua carga e assassinar sua tripulação. Enquanto isso, nos rouba nossos direitos, nossa cultura, e usa o fruto do roubo para comprar legisladores e nos tornar criminosos.

Escrevi mais sobre esses e outros direitos humanos relacionados a obras culturais no sítio da Fundação Software Livre América Latina: http://fsfla.org/texto/copying-and-sharing-in-self-defense

Copyleft, estando apoiado no copyright, não é uma solução, é apenas um remendo que tenta tornar a vida num mundo contaminado por copyright menos intolerável. A solução ideal talvez seja extinguir o copyright, ou algo próximo disso, mas hoje já temos preocupação suficiente apenas tentando conter seu avanço sobre e contra os interesses da sociedade.


Valeu, Manuela!

Até blogo...

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