É hora de desenvolver uma política de acesso amplo aos bens culturais
Durante anos o governo federal entendeu que uma única lei bastava como Política Cultural. Por meio de incentivos fiscais, foram injetados bilhões na produção e na difusão.
Os resultados dessa política estão aí. De um lado, o enorme crescimento da atividade cultural. Shows, Cinema, Teatro, exposições de todos os portes.
Livros, circo e dança. Uma verdadeira indústria cultural. De outro, os preços dos ingressos elevados e um enorme contingente da população sem acesso à Cultura.
Como quase todo o recurso destinado ao fomento cultural está na produção, os artistas realizam suas obras, porém encontram desafios para chegar ao público. Os aluguéis dos teatros e o custo de lançamento de um filme, por exemplo, são altos. Portanto, os ingressos são caros.
Em pesquisa, a “nova classe C” diz que o acesso a produtos culturais é sua maior carência. Claro, um trabalhador que recebe R$ 1,5 mil terá dificuldade em gastar R$ 60 para ir ao cinema. Considerando dois ingressos a R$ 20, estacionamento e pipoca, esse é o custo para um casal. O valor sobe se o desejo for ir ao teatro.
Ora, se a quase totalidade da produção cultural do país é feita com recursos públicos, precisamos garantir que a população tenha acesso a ela.
Essa seria a intenção do Vale-Cultura. O Projeto, bem-vindo, deve frustrar as expectativas, já que apenas uma parcela restrita terá acesso ao Vale. Como as empresas têm de pagar parte do valor, isso deve fazer com que somente as grandes companhias utilizem o benefício. Assim, essa iniciativa deve resultar em uma pequena classe de “com Vale” ao lado de uma enorme quantidade de “sem Vale”.
Da maneira como está previsto, o uso dos vales será em bens culturais de massa: os blockbusters de Hollywood, os megashows, os espetáculos da Broadway. Faz sentido usar recursos públicos para aumentar ainda mais a renda de atividades altamente lucrativas? Temos que estimular a Diversidade Cultural, e não concentrar ainda mais os recursos.
E, não menos importante, não por preconceito, mas por conceito, acredito que recursos públicos não podem fomentar espetáculos estrangeiros.
Iniciativas testadas mostram que é possível investir no subsídio direto do consumo cultural. Um exemplo: aos cinemas que exibam filmes nacionais a R$ 3, o Estado paga outros R$ 3.
Dessa forma, aquele casal gastaria R$ 26. Feito em larga escala, essa ação levaria enormes plateias de volta aos cinemas. O aumento geométrico de público compensaria a redução do preço dos ingressos. Com outros números, isso pode ser aplicado ao Teatro, à dança, ao circo etc.
Outra questão que merece atenção é o acesso à diversidade. Com altos preços, o público tende a ser conservador nas escolhas, já que quer satisfação garantida. Assim, grande parte da produção cultural não é vista. Com preços baixos, quem já consome arriscaria mais. E, mais importante, milhões de cidadãos tornar-se-iam consumidores culturais de fato.
É hora de desenvolver uma política de acesso amplo aos bens culturais, incluindo milhões de pessoas nesse mercado consumidor. É hora de mudar o foco para o público. Na sua formação e fruição, oferecendo diversidade e qualidade.
*ANDRÉ STURM, cineasta, é coordenador de Fomento e Difusão da Secretaria da Cultura do Estado de São Paulo.
0sem comentários ainda