Nós não somos ocidentais.
18 de Abril de 2013, 0:00 - sem comentários aindaA primeira vez que eu me deparei com esse problema foi em 83, na França, quando minha mãe, durante o doutorado, precisou preencher um formulário da universidade que perguntava “origem cultural”, ou algo assim. Ela marcou “ocidental”. O orientador dela reclamou:
- Você não é ocidental!
- Não? ela perguntou espantada. Mas então o que eu marco?
E as opções eram africano, árabe, próximo-asiático ou oriental. Não conseguiram descobrir o que ela era, deixaram em branco. Descobrimos o que nós éramos 10 anos mais tarde, no canadá, onde os formulários sempre tinham a opção: latino! (Alguns bem explícitos, “latino, mesmo que branco”). Não, definitivamente não éramos ocidentais, mas agora pelo menos éramos alguma coisa.
Daí em diante, sempre me deparo com esse problema. Outro dia foi um blog cético qualquer que falava sobre o oriente médio citando um livro do Pinker sobre a violencia: “o pinker mostra como nós passamos por um processo civilizatório que resultou em maiores direitos humanos”, e pombas, o pinker não fala de nós. Ele falava explicitamente: EUA e Europa Ocidental. E aí eu percebo que o blogueiro cometeu o mesmo erro da minha mãe e preencheu no seu formulário mental: “etnia: ocidental”. Não, o pinker não falou da gente, nós não passamos pelo processo civilizatório que ele cita, nós não somos ocidentais.
Tem horas que eu mesmo me confundo. Por mais que eu saiba que não sou ocidental, essa idéia nos permeia tanto que, se não prestarmos atenção, a gente se agarra nela. Quando estava grávido do Tomás, fui ler o livro da encantadora de bebês. E pombas, que mulher “caga regras”. Me revoltava a forma como ela tratava os bebês e os pais. E aí num belo momento ela me fala que numa casa onde ela trabalhou estava tudo errado: o bebê só acalmava no colo. E era tudo por causa de uma babá guatemalteca que sempre mantinha o bebê no colo, já que, no país dela, os bebês ficam sempre no colo e não no berço como deveria ser.
Nossa! Larguei o livro xingando: QUE MULHER XENÓFOBA RACISTA DO CARALHO! Que diabos, ela quer impor a cultura dela, desprezando a cultura da coitada da babá guatemalteca, que, se bobear, nunca tinha visto um berço antes de ir pros EUA. Bufei por uns bons minutos até parar pra pensar de novo: Pombas, porque eu tou puto? Ela nem desprezou a cultura da outra, só constatou como era! Mas então porque me pareceu que ela estava “cagando regras”? E aí cai a ficha de novo: Porque o livro dela não é pra mim! EU NÃO SOU OCIDENTAL! Ela não está cagando regras, ela está ensinando os pais a tratarem os bebês como se faz na cultura dela, na cultura ocidental! Ela não “caga a regra” de que criança não pode ir no colo, essa É a regra na cultura dela. Assim como criança ficar no colo é a regra na NOSSA cultura, mais parecida com a da babá guatemalteca do que da dela!
Aí chego no ponto atual, no meu ultimo conflito com a cultura ocidental: o texto que circulou no facebook traduzido como “A derrota do feminismo no Facebook“. Quando li, fiquei revoltado. POMBAS, que mulher “caga regras”, maldita preconceituosa! Culpando as coitadas das mães, que já não sofrem pouca pressão da sociedade, só porque cederam um pouquinho da sua personalidade em nome de serem mães, no maior estilo “blame the victim”. Me deu ódio, me meti em discussões acirradas sobre feminismo ser sobre dar poder pra essas mães se encontrarem fora dos estereótipos, e não culpá-las e estereotipá-las desse jeito.
Aí, discutindo com o Bruno ainda sobre o assunto, uma frase dele me deixou com a pulga trás da orelha: “Mas a minha avó, por exemplo, DEPENDE dos filhos pra tudo.” Pombas, se a avó dele, e as mulheres da geração das nossas mães em geral, é que se encaixam nesse estereótipo, porque diabos a Katie Roiphe me diz no texto que “Não posso deixar de pensar que nossos pais jamais teriam suportado tênis que apitam ou conversas que giram inteiramente em torno de crianças.” Não encaixava, como assim nossos pais jamais teriam suportado, se são exatamente nossas mães que mais se comportam assim?
Mas é claro! É porque NÓS NÃO SOMOS OCIDENTAIS! Esse texto não era pra mim, não era pra nós. A Katie Roiphe não está cagando regras, nem mesmo culpando as vítimas. Ela está constatando uma mudança cultural que, na opinião dela é negativa, e está apontando os agentes da mudança: as mães que trocam suas fotos no facebook pela dos filhos! Enquanto pra nós, latinos, postar essa foto é um reflexo da opressão do passado, pra ela, ocidental, é uma novidade, uma escolha de caminho futuro, um retrocesso! Não era pra eu ter raiva do texto porque o texto não foi escrito pra mim. Eu não sou ocidental!Similar Posts:
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Fuçando a transparencia paulista
16 de Agosto de 2012, 0:00 - sem comentários aindaAcabei de colocar no meu programinha de navegar pelos dados da transparencia os dados do estado de São Paulo. O principal problema com SP é que eles divulgam os valores, mas não dizem de quando eles são. Procurei por todo canto, mas nada… Acabei “chutando” que eram dados de julho, mas tenho certeza que errei no chute.
A sim, e preciso agradecer aos “hackers” que extraíram os dados do site, pois ele não é machine readable. Se alguém souber quem são, e eles quiserem ser identificados, me falem que eu coloco os créditos pra eles aqui.
Enfim, estão aí. Divirtam-se!Similar Posts:
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Nova versão
15 de Agosto de 2012, 0:00 - sem comentários ainda .Pra quem achou a versão anterior da aplicaçãozinha de consulta às estatísticas, aqui vai uma nova versão.
O código fonte, como sempre, no google code.Similar Posts:
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Fuçando a transparência no senado
10 de Agosto de 2012, 0:00 - sem comentários aindaSó pra constar aqui, os dados das tabelas agora incluem o Senado Federal (exceto nas tabelas que agrupam por “nome”, já que o senado não divulga o nome dos servidores). E a tabela cargos senado agrupa por cargos do senado federal. Divirtam-se com mais esta.Similar Posts:
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As mulheres, os militares e as mulheres militares.
10 de Agosto de 2012, 0:00 - sem comentários ainda
No meu ultimo post decente deixei no ar a pseudo-conclusão de que mulheres ganhariam menos que homens no serviço público federal. (“pseudo”, porque não tenho dados concretos pra embasar, e sim uma intuição a partir de dados preliminares). Depois fui cuidar de fazer tabelinhas bonitinhas com os dados pra postar no blog de novo, como quem não quer nada, achando que tudo continuaria como está. Baixei os dados no novo formato, fiz um novo programinha para calcular as estatísticas (dessa vez offline, postando os resultados já consolidados, vou tentar falar sobre ele depois).
Agora tinha dados pra maio e junho! ótimo! dá pra comparar os meses e ver o que mudou. Calculei os valores pra junho, tudo como esperado. Só pra conferir então, calculei os valores pra maio e… hein? caixa escrito frágil? Não tinha NADA a ver! Os Ricardos tinham sido desbancados pelas REGINAS! (pensado pelo lado bom, continuou na letra R). Recalculei, afinal no primeiro post usei os 100 mais comuns, agora eram os 200. Necas! Reginas batiam um bolão! Mas que diabos? Minhas contas antigas estariam erradas? Mas ai os valores de junho tinham de ser diferentes. Não, alguma coisa nos dados tinha mudado, e eu precisava saber o que!
NOME | QUANTIDADE | MEDIA |
---|---|---|
REGINA | 1769 | R$ 7.290,96 |
LUCIA | 1634 | R$ 7.253,19 |
DENISE | 1397 | R$ 7.095,79 |
SILVIA | 1309 | R$ 7.015,82 |
ELIZABETH | 905 | R$ 7.013,96 |
CRISTINA | 959 | R$ 6.979,49 |
CELIA | 874 | R$ 6.935,12 |
SERGIO | 5330 | R$ 6.900,84 |
ROSA | 901 | R$ 6.892,27 |
CELSO | 1310 | R$ 6.869,84 |
Maiores médias salariais por nome |
A dica veio quando ao testar os javascripts de reordenar as tabelas, ordenei por “quantidade de servidores” a tabela dos órgãos. E os vencedores de sempre, ministério da saúde e INSS tinham pulado, em maio, pra 3º e 4º lugar. E na frente de tudo vinham os calouros Comandos do Exército, da Marinha e da Aeronáutica. Fiquei pasmo! Será? Será que os MILITARES, aqueles geralmente considerados retrógrados, conservadores, apegados a rigidez hierárquica e sobretudo MACHISTAS eram os responsáveis por colocar as mulheres no TOPO da lista? Será que nas forças armadas as mulheres ganhavam TÃO mais assim? Não é possível… Rápido, um select aqui, um order by ali e… PASMÉN!
SIM! As mulheres ganham, em média, mais que os homens entre os militares!
(só pra constar que essa é uma pseudo conclusão também, já que não tenho informação de sexo, só de nome, e não fiz uma pesquisa exaustiva, mas apenas entre os nomes mais comuns). Essa foi a segunda coisa mais contra intuitiva que eu ja tinha visto em toda minha vida, perdendo só pra Rua do Amendoim!
NOME | QUANTIDADE | MEDIA |
---|---|---|
MARIA | 438 | R$ 6.141,24 |
LUCIANA | 300 | R$ 5.716,87 |
ANA | 830 | R$ 5.390,72 |
ADRIANA | 254 | R$ 5.300,57 |
RENATA | 386 | R$ 5.275,04 |
PATRICIA | 347 | R$ 5.249,83 |
FERNANDA | 358 | R$ 5.010,69 |
JULIANA | 375 | R$ 4.748,59 |
MARCO | 1335 | R$ 4.664,48 |
SERGIO | 1838 | R$ 4.572,13 |
Maiores salários médios entre os militares |
Minha cabeça já estava de ponta cabeça. Mas peraí! Os maiores salários das militares não são das Reginas, muito menos das Lúcias, Denises e Sílvias. Tudo bem as Militares ganharem mais, mas não são elas que colocaram as Reginas na frente! Tem mais alguma coisa acontecendo! E eu acho que sei o que é: eu nunca vi uma soldada!
Sério, conheço mulheres tenentes, capitãs, majores e até coroneis (coronelas?), mas nunca vi uma soldada! E menos ainda uma recruta: não existe serviço militar obrigatório para mulheres! Agora sim a coisa começa a fazer sentido. Fui conferir e.. os Ricardos que ganhavam altos R$ 8.329,88 na primeira leva dos dados, agora ganham “míseros” R$ 6.463,87. Já as Camilas pouco mudaram, de R$ 4.270,70 pra R$ 4.303,93. A ficha caiu. As forças armadas não puxam pra cima o salário feminino. Puxam pra baixo o masculino.
Tudo bem, o exército puxa pra baixo o salário dos homens por causa de recrutas e soldados. Vá lá, mas as mulheres continuam ganhando mais que os homens! Os números não mentem. É verdade, não mentem. Mas metade dos números só diz meia verdade. E a verdade verdadeira só vai aparecer quando se compara entre iguais. Mais selects, mais order bys e voilà. Meu senso comum restaurado, firme e forte: Entre os oficiais militares, quem ganha mais são os Walters. As Ritas, melhores colocadas entre as oficialas, só aparecem bem longe, na 94ª posição. E quando falamos de número de pessoas a coisa também não fica bem pras Marias (ou pras Anas, que é o nome mais comum entre as mulheres militares). Pra 1053 josés, o nome mais comum, temos apenas 411 anas (ou 264 marias).
ORDEM | NOME | QUANTIDADE | MEDIA |
---|---|---|---|
1 | WALTER | 45 | R$ 10.612,44 |
2 | GERSON | 47 | R$ 10.133,28 |
3 | ALVARO | 82 | R$ 10.036,26 |
4 | ORLANDO | 31 | R$ 9.970,77 |
5 | MARCO | 282 | R$ 9.931,24 |
6 | SERGIO | 373 | R$ 9.898,51 |
7 | CLAUDIO | 304 | R$ 9.895,78 |
8 | WILSON | 60 | R$ 9.891,97 |
9 | MAURO | 122 | R$ 9.860,34 |
10 | NILSON | 37 | R$ 9.848,68 |
. . . | |||
95 | RITA | 30 | R$ 8.395,57 |
Maiores médias salariais entre oficiais |
É, caiu por terra toda a esperança de feminismo militar. Na pratica, são poucas mulheres e apenas em em áreas de nicho. E elas só ganham mais, na média, do que os homens, porque não tem acesso aos cargos mais baixos. Quando a comparação é entre iguais, elas continuam no prejuízo.
O jeito é correr pras universidades, onde ainda impera um espirito progressista. Por lá, as Veras ganham dos Sebastiões, e as Reginas, Lúcias e Sônias disputam uma vaga nas quartas de finais.
NOME | QUANTIDADE | MEDIA |
---|---|---|
VERA | 162 | R$ 11.058,40 |
SEBASTIAO | 85 | R$ 10.679,09 |
NELSON | 118 | R$ 10.518,53 |
VICENTE | 56 | R$ 10.410,07 |
REGINA | 186 | R$ 10.302,47 |
ARMANDO | 63 | R$ 10.272,78 |
LUCIA | 203 | R$ 10.096,62 |
SONIA | 222 | R$ 10.046,67 |
WILSON | 103 | R$ 10.022,98 |
ALFREDO | 66 | R$ 9.954,97 |
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