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FNDCA divulga Manifesto sobre escuta de crianças

1 de Setembro de 2009, 0:00 , por Software Livre Brasil - 0sem comentários ainda | Ninguém está seguindo este artigo ainda.
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Brasília sediou na semana passada o 1º Simpósio Internacional Culturas e Práticas Não-Revitimizantes de Tomada de Depoimento Especial de Crianças e Adolescentes em Processos Judiciais, iniciativa da Childhood Brasil e da Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República. O objetivo do encontro foi promover um debate sobre os métodos de tomada de depoimentos de crianças e adolescentes, propondo alternativas ao modelo atual.


No mesmo período, o Fórum Nacional DCA divulgou um Manifesto sobre as escutas de crianças e adolescentes. A seguir a íntegra do Manifesto.

EM DEFESA DOS DIREITOS HUMANOS INFANTO-JUVENIS

O Fórum Nacional DCA, espaço democrático da sociedade civil dedicado à articulação e mobilização da sociedade e luta pela efetiva implementação do Estatuto da Criança e do Adolescente e a efetivação do controle social, se articula com 27 Fóruns Estaduais e mais de 50 entidades filiadas que atuam em nível nacional, envolvendo quase mil entidades, entre organizações de atendimento, de defesa, conselhos de classe, sindicatos, sendo hoje a maior coalizão do Brasil na área da criança e do adolescente. Somos plurais. Nem sempre conseguimos os consensos em todas as discussões. Isto porque o fórum é democrático por natureza e origem e reflete diferentes pensamentos. Desde a sua origem, o Fórum Nacional estabeleceu como estratégia política e operacional de articulação, os chamados “eixos comuns de trabalho”, definidos como: monitoramento das políticas públicas, fortalecimento do CONANDA e garantia das conquistas do ECA e da Constituição Federal.

Assim, no processo histórico de luta no país pelos direitos de crianças e adolescentes o Fórum Nacional DCA vem sendo sujeito significativo na incidência política, na medida em que reúne entidades que, em que pese seus diferentes matizes conceitual-jurídico e técnico-operativo, situam-se num campo de referência ética comum que é o da promoção e defesa de direitos humanos de crianças e adolescentes. De tal modo que ao longo de sua existência, desde o final dos anos 1980, vem se manifestando publicamente ante o diagnóstico perverso, retratado em números e indicadores e imposto à realidade brasileira, de intenso processo de violação de direitos da infância/adolescência. Uma situação e condição que se contrapõem ao comemorado Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), completados seus 19 anos em julho de 2009.

Ainda que prática antiga, ganhou lugar no debate público, nos últimos anos, uma possível necessidade de implantação de mecanismos judiciais para escuta de criança/adolescente vítima de abuso sexual, o que fez colocar na agenda brasileira posições opostas instalando uma polêmica de seu significado como metodologia a ser implantada no sistema de justiça brasileiro. É nesta direção que se parte de um consenso no Fórum da importância de aprofundar essa reflexão problematizando-a e elegendo como foco a criança, entendendo que devem ser discutidos os mecanismos de promoção e proteção dos direitos em primeiro plano.

Perguntamos se ao se elevar como objeto de preocupação a responsabilização do abusador, não se corre o risco de um deslocamento da discussão, uma vez que ao remeter à idéia de resolutividade ao sistema de justiça, perde-se de horizonte o maior interesse pela proteção da criança/adolescente, em nome da produção de prova. Priorizar os trâmites judiciais como melhor resposta para enfrentar a problemática que envolve a violência praticada contra crianças/adolescentes, significa não apenas encontrar uma solução parcial, mas, inclusive, equivocada de enfrentamento.

À luz da proteção integral o direito de ser ouvida é diametralmente oposto de uma exigência de depoimento de uma pessoa em condição peculiar de desenvolvimento exigente de total respeito e cuidado na preservação da dignidade que detém a criança/adolescente. Na realidade a prática da oitiva que tem feito parte do sistema de justiça brasileiro já há muito não se apresenta como um mecanismo que coaduna com a doutrina da proteção integral e todos os princípios a ela referidos, sendo inúmeros os exemplos em que se podendo levar em consideração outros instrumentos auxiliares para apreender os fatos em sua amplitude, como o estudo social e a perícia, busca-se encontrar a prova por meio da oitiva, boa parte das vezes sem levar a efeito a égide da proteção e da prioridade absoluta.

É fato que a rede de proteção está fragilizada na sua estruturação, articulação e integração das instâncias públicas governamentais e da sociedade civil, portanto deve ser analisada na sua totalidade, e no que diz respeito a ela toda é sempre preciso pensar nas implicações, seja de serviços, seja do ponto de vista procedimental, para a criança, para a família e, neste caso, também para o próprio abusador. Por outro lado, deve-se pensar a escuta em todos os espaços da rede e de modo geral em todas as políticas sociais públicas, assim como todos os profissionais, garantidas as atribuições específicas, devem estar preparados para lidar com crianças e adolescentes qualquer que seja o espaço que ocupe na rede de atendimento, no sistema de justiça e proteção legal ou no controle das ações de promoção e defesa de direitos.


Por isso entendemos que o debate não pode ser reducionista, pois não se deve encontrar alternativas tópicas em razão das inconsistências ou incoerências hoje verificadas no Sistema de Garantia de Direitos (SGD). Do mesmo modo o problema da violência não se resolve com instalação operacional para garantir eficácia ao aprisionamento. Em nome da eficácia da instrução processual não se pode gerar outros e novos danos, uma vez que em vez de ser vista propriamente como sujeito de direitos em peculiar estágio de desenvolvimento, crianças/adolescente passam a ser fontes de informação, de forma que todo o processo penal acaba voltado mais para a penalização do acusado do que para a vítima, não reparando – ou minimizando – os danos sofridos pela mesma.

O Fórum Nacional DCA, como espaço de controle social, vem cotidianamente realizando um sistemático investimento em nome da efetivação da política voltada para os direitos da criança/adolescente, seja pela defesa de implementação da Política, dos Planos e Programas para este segmento, seja pelas manifestações públicas em defesa do interesse maior da criança/adolescente, a exemplo das posições assumidas contra a redução da maioridade penal, o trabalho infantil, a exploração sexual.

O ECA é instrumento político-normativo que ainda precisa de base concreta para efetuar uma política pública que garanta a proteção integral e faça tornar realidade o Sistema de Garantia de Direitos por ele preconizado. É, sobretudo, instrumento de direitos humanos; mas não se pode negar que iniciativas bem intencionadas nos revelam, senão por oposição ao menos pela contradição, as tensões entre as práticas político-jurídicas, sociais, culturais e econômicas e em vez de buscar garantir a proteção ante as variadas formas geradoras e/ou mantenedoras da desigualdade social, opressão e violência, podem reafirmá-las.

Finalmente, compreendemos que a sociedade civil deve participar deste debate, de modo efetivo, o que não elimina as tensões, mas garante uma abertura na sua percepção na medida em que deve envolver os vários segmentos e as várias instâncias do SGD em todas as dimensões e eixos estratégicos de Promoção, Defesa e Controle da Efetivação. É dessa forma que os direitos da criança/adolescente inscrito na moderna agenda dos direitos humanos no país pode ganhar lugar efetivo na realidade.

Fonte: Fórum Nacional DCA


Tags deste artigo: direitos brasil adolescente criança bahia

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