No final da semana passada a Oracle me surpreendeu ao anunciar a intenção de mover o OpenOffice.org para o modelo de projeto comunitário – ou seja, nas palavras do próprio anúncio, ser administrado por uma organização em uma base não-comercial.
A história do OpenOffice é longa: começou em 1984 com o StarWriter, para micros de 8 bits. A partir de 2000, após uma aquisição pela Sun, o seu código passou a ser aberto, mas o gerenciamento do projeto continuou nas mãos de uma empresa comercialmente interessada no produto resultante.
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O modelo adotado pelo OpenOffice em anos recentes já esteve um pouco próximo disso que agora a Oracle diz desejar, mesmo considerando que nos tempos em que o OpenOffice era da Sun (ou seja, antes que a Oracle adquirisse esta empresa) o produto em si era administrado com mão de ferro e vários atritos com os interesses comunitários.
Ocorre que naquela época havia um grande grupo de desenvolvedores extra-Sun gravitando ao redor do OpenOffice, mantendo e distribuindo código adicional, montando versões modificadas (e enriquecidas de várias funcionalidades rejeitadas no produto oficial, reunidas no repositório Go-OO e similares) para inclusão nas versões empacotadas pelas distribuições oficiais, e mais.
Mas veio a aquisição da Sun pela Oracle, e assim que ela foi completada, a empresa já foi avisando: o produto OpenOffice continuaria a existir, mas cheio de novos focos: versão on-line, integração a produtos de Business Intelligence e gestão de conteúdo, entre outros. A versão comunitária seria mantida, mas logo se percebeu que a comunicação entre a empresa e o conselho de desenvolvedores comunitários estava variando entre difícil e inexistente.
A ruptura em 2010
Conforme a situação foi se tornando mais grave, ficou evidente que o modelo de coexistência praticado na época da Sun não serviria mais, e essa constatação foi seguida da criação da Document Foundation, para gerenciar o LibreOffice, um fork do código open source do OpenOffice.
A Document Foundation nasceu com o apoio de várias organizações conhecidas: Google, Red Hat, Novell, Canonical, GNOME Foundation, Open Source Initiative e mais. A Oracle, cujo interesse comercial no OpenOffice aparentemente não seria abalado pela existência da versão comunitária em outras mãos, desejou sucesso mas avisou que não iria participar do grupo – e alguns dias depois acrescentou a essa cortesia um convite para que os desenvolvedores que estivessem participando do LibreOffice abandonassem posições que estivessem ocupando na direção do OpenOffice original – uma medida de bom senso, mas que não ocorreu sem atritos entre os integrantes “históricos” do OpenOffice que eram empregados da Oracle e os que não eram e migraram para o LibreOffice.
Essa dinâmica ocorreu ao redor do mês de outubro do ano passado, e desde então os 2 projetos foram tendo suas existências em paralelo, cada um lançando suas novas versões independentemente.
Os desenvolvedores que anteriormente gravitavam ao redor da Sun, várias das versões nacionais (incluindo o BROffice) e as mais populares distribuições de Linux aderiram ao LibreOffice, oferecendo a este visibilidade e impulso.
Enquanto isso, a Oracle continuava procurando o que faria com o OpenOffice original.
Reminescências da Guerra Fria
Quem viveu os anos 80 talvez lembre que, antes da chegada da abertura (na forma das políticas denominadas glasnost e perestroika) promovida por Gorbachev na então União Soviética, muitas vezes os comunicados entre os EUA e o chamado “bloco soviético” se dava por notas quase crípticas publicadas pelas agências estatais, cuja interpretação exigia muito feeling e altas doses de subjetividade – e a certeza só surgia depois de ver as interpretações serem confirmadas pelos fatos.
Foi disso que lembrei ao interpretar o texto da nota publicada no final da semana passada: aparentemente a Oracle finalmente descobriu a saída para este produto herdado da Sun: ele não vai gerar faturamento mesmo, e embora nenhum nome seja mencionado, a (tardia?) conclusão da empresa é que o OpenOffice estará melhor nas mãos de uma organização (como a não-mencionada Document Foundation!) orientada a atender as demandas de quem deseja uma suíte de aplicativos de escritório, em uma base não-comercial.
Embora não cite nomes, o comunicado afirmou que a Oracle iria começar imediatamente a “trabalhar com membros da comunidade para dar continuidade ao sucesso do OpenOffice”.
No momento em que escrevo, não há certeza se isso realmente significa que a Oracle começou a conversar com a Document Foundation, ou com alguma outra instituição de finalidade similar, ou mesmo se está tentando criar sua própria organização, ou apontando mísseis balísticos transcontinentais para a sede da organização.
Para tornar tudo ainda mais vago, a diretoria da Document Foundation também publicou seu próprio comunicado, igualmente vago, sem citar o nome da Oracle e dizendo estar sempre interessada em agregar novos parceiros.
Nos próximos dias devemos descobrir as peças que faltam deste quebra-cabeças. Enquanto isso não acontecer, vou torcendo para que o resultado seja positivo para os desenvolvedores (inclusive os que atuam no OpenOffice e hoje são funcionários da Oracle), para o software e para os formatos de arquivos ODF, dos quais o OpenOffice e o LibreOffice são provavelmente as implementações mais reconhecidas!
* fonte: TechTudo
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