O Fórum da Cultura Digital Brasileira é um espaço público e aberto voltado para a formulação e a construção democrática de uma política pública de cultura digital, integrando cidadãos e insituições governamentais, estatais, da sociedade civil e do mercado.
BNDES: o momento é crucial para o setor de games no Brasil
22 de Maio de 2014, 3:24 - sem comentários aindaClique para baixar o Relatório Final, a Proposição de Políticas Públicas e o Censo da Indústria Brasileira de Jogos Digitais. – Arquivos do Estudo
O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), apresentou recentemente os resultados da pesquisa Levantamento de informações sobre a indústria de games e políticas públicas para o setor.
O trabalho foi apoiado com R$ 1,3 milhão pelo Fundo de Estruturação de Projetos (BNDES FEP) e conduzido pela Fundação de Apoio à Universidade de São Paulo (FUSP), entidade selecionada por meio de Chamada Pública.
Concluído após 12 meses de pesquisa, o estudo apresenta o cenário mundial do segmento, sua importância estratégica para a economia e um panorama da indústria brasileira de jogos digitais (empresas, diagnóstico e ambiente institucional).
O trabalho — que ouviu 133 empresas nacionais de desenvolvedores de games — permitiu a formatação de um censo da indústria brasileira do setor e a elaboração de um glossário contendo o vocabulário de jogos digitais.
O estudo traz também propostas de políticas públicas para a indústria de games em relação à capacitação de recursos humanos, acesso a financiamentos, criação de ambientes de negócios e geração de demandas indutoras do consumo.
Para Fernanda Menezes, do BNDES, o banco entendeu que os games são cruciais para a geração de recursos econômicos, e por isso constitui segmento de interesse estratégico do para apoio. Mas ainda há muitas ações por fazer, dentre elas, o combate à informalidade. Veja abaixo entrevista realizada pela TV Convergência Digital disponível no YouTube:
Responsáveis pelo estudo patrocinado pelo BNDES sobre a indústria de Games no Brasil, os professores David Nakano e Luis Sakuda falam, em entrevista realizada pela TV Convergência Digital, sobre diversos aspectos da pesquisa. Destacam o momento de transição do mercado, onde projetos para tablets e smartphones, que exigem menor investimento, podem oferecer janela de oportunidade para empresas brasileiras.
Clique para ler o Relatório Final, a Proposição de Políticas Públicas e o Censo da Indústria Brasileira de Jogos Digitais.
Edital de ‘Acesso ao Patrimônio Afro-Brasileiro’ seleciona 20 projetos para digitalização e disponibilização de acervos interoperáveis
20 de Maio de 2014, 18:37 - sem comentários ainda
O Ministério da Cultura através da Coordenação-Geral de Cultura Digital da Secretaria de Políticas Culturais, a Pró-Reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação – PROPESQ e a Pró-Reitoria de Extensão – PROEXT da Universidade Federal de Pernamubco – UFPE, considerando o conjunto de propostas submetidas, avaliadas segundo o mérito, a relevância e a aderência destas aos objetivos do “Edital de preservação e acesso aos bens do patrimônio Afro-Brasileiro“, tornam público o resultado das deliberações de seu Comitê Avaliador:
Iniciativas selecionadas
NOMES DOS PROPONENTES |
PROJETOS |
CIDADE/UF |
NOTA |
Antônio Liberac Cardoso Simões Pires | Memória Fotográfica do negro Baiano |
Salvador/BA |
9,87 |
Ane Luíse Silva Mercenas Santos | Conflito e negociações no pós abolição: As relações de compadrio e dados populacionais em Sergipe. |
Aracajú/Sergipe |
9,81 |
Renata Cássia Andreoni de Souza | Imprensa negra no Rio Grande do Sul: Caminhos para preservação e divulgação do patrimônio Afro-Brasileiro |
Porto Alegre-Rio Grande do Sul |
9,58 |
Dayse Cabral de Moura | As memórias dos terreiros do Recife com instrumento de preservação do Patrimônio Afro Brasileiro: A construção dos acervos da casa de Santa Barbara e do Galpão de Ogum Mata. |
Recife/Pernambuco |
9,47 |
Maria Angélica Zubaran | O direito as memórias negras: Preservando o patrimônio Afro-Brasileiro nas coleções do jornal o exemplo ( 1892 – 1930) |
Porto Alegre – Rio Grande do Sul |
9,45 |
Maria das Graças Souza Texeira | A Sistematização da Documentação e Digitalização do acervo do Museu Afro-Brasileiro/UFBA |
Salvador, BA |
9,43 |
Francisca Helena Marques | Arquivo de som e imagem “Dalva Damiana de Freitas |
Cachoeira/BA |
9,37 |
Myrian Sepúlveda dos Santos | Museu Afro Digital Rio: Arquivos de expressões musicais de Matriz Africana/Grande Madureira. |
Rio de Janeiro/RJ |
9,34 |
Leandro Alves da Silva | Carta de Esperança Garcia: Uma mensagem de coragem, cidadania e ousadia. |
Porto Alegre,/RS |
9,31 |
Sergio Rangel Risso | Memórias da escravidão em Campos dos Goytacases: Digitalização dos documentos de escravos do arquivo Público Municipal Waldir Pinto de carvalho (séc. XVIII e XIX) |
Rio de Janeiro/RJ |
9,28 |
Solange Pereira da Rocha | Patrimônio Afro-brasileiro no Nordeste oriental: Acervos digitais e experiências negras na Paraíba. |
João Pessoa/PB |
9,16 |
Moacir Rodrigo de Castro Maia | Senhores de suas casas: pesquisa e digitalização dos livros de testamentos de libertos e negros livres de uma cidade mineradora (Mariana-MG, 1732-1888) |
Mariana/MG |
9,12 |
Isabelle Braz Peixoto da Silva | Afro-memória digital: acervo do Museu Arthur Ramos |
Fortaleza Ceará |
9,06 |
José Luciano de Queiroz Aires | O semiárido paraibano também é afro-brasileiro: a produção de memórias dos terreiros de umbanda e candomblé da região. |
Campina Grande, PB |
9,04 |
Petronio José Domingues | O negro no pós-abolição em Sergipe (1888-1900): trabalho, Família e lazer |
Aracaju/ SE |
9,02 |
Isabel Cristina Martins Guillen | Movimento Negro Unificado de Pernambuco: redes e estratégias na luta contra o racismo (1980-2000) |
Jaboatão dos Guararapes/PE |
8,98 |
Marco Antônio Domingues Teixeira | Populações afro-amazônicas de Rondônia: identidade étnica, Social e Cultural. |
Porto Velho, RO. |
8,86 |
Bruno Rafael Veras de Morais | Memória e História de uma trajetória diásporica: M.G. Baquaqua – Escravidão e abolicionismo no Brasil e América do Norte |
Recife, PE |
8,84 |
Alessandra Paola Caramori | Dicionário de folhas do IlêAxêOpóAfonjá |
Salvador, BA |
8,83 |
Nivaldo Aureliano Léo Neto | Do buraco ao mundo: segredos, rituais e patrimônio de um quilombo indígena. |
João Pessoa, PB |
8,65 |
Iniciativas Habilitadas não selecionadas
São iniciativas que possuem propostas coerentes com as as cláusulas do Edital de preservação e acesso aos bens do patrimônio Afro-Brasileiro, porém que não alcançaram classificação entre as 20 (vinte) selecionadas pela Comissão de Avaliação. Havendo disponibilidade orçamentária e financeira a comissão poderá selecionar mais projetos de seguindo a ordem de classificação.
NOMES DOS PROPONENTES |
PROJETOS |
CIDADE/UF |
NOTA |
Miriam Furtado Hartung |
Quilombo: Acervo digital e guia Qualificado Acadêmico sobre a produção quilombola localizada nos acervos de instituições de ensino superior dos Estados de São Paulo, Paraná e Santa Catarina. |
Florianópolis, SC |
8,54 |
Ana Josefina Ferrari |
Arquivo e Memória Quilombola: construção do acervo de comunidades quilombolas de São Paulo, Paraná e Santa Catariuna. |
Matinhos, Paraná |
8,49 |
Alexandra Gouveia Dumas |
Memórias da Mussuca: Quilombo (en) cantos de Dona Nadir |
Aracajú, Sergipe |
8.40 |
Sandra Regina do Nascimento Santos |
Zul+Zumbi |
São Paulo/SP |
8,40 |
Luís Gustavo Molinari Mundim |
Salvaguarda da festa de Nossa Senhora do rosário dos homens Pretos de Chapada do Norte: Constituição de acervo |
Belo Horizonte, MG. |
8.38 |
Rubens Alves da Silva |
Museu itinerante Balaio da Capoeira |
Belo Horizonte, MG. |
8.30 |
Osvaldo Martins de Oliveira |
Jongos e Caxambus: culturas afro-brasileiras no Espírito Santo |
Vila Velha, ES. |
8.28 |
Eugenia Portela de Siqueira Marques |
Olhares decoloniais sobre as comunidades quilombolas no Mato Grosso do Sul: Contribuições para o conhecimento e a divulgação do patrimônio afro-brasileiro |
Campo –MS |
8.26 |
Cecília de Mendonça |
Acervo Djalma Correa: Culturas populares no Nordeste de 1970 1 2010 – Bahia, Pernambuco, Rio Grande do Norte. |
Rio de Janeiro/RJ |
8.29 |
Solange Sabino Palazzi |
Levantamento dos Dados históricos da irmandade de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos de Ouro Preto |
Ouro Preto, MG |
8.25 |
Antecedentes
O presente edital contempla objetivos e diretrizes do Plano Nacional de Cultura (PNC), criado pela Lei nº 12.343, de 2 de dezembro de 2010, e que aborda o tema dos acervos digitais em suas metas 40 – disponibilização na internet dos conteúdos que estejam em domínio público ou licenciados; e 41 – 100% de bibliotecas públicas e 70% de museus e arquivos disponibilizando informações sobre seu acervo no Sistema Nacional de Informações e Indicadores Culturais (SNIIC). O Plano tem duração de 10 anos, com validade até 2 de dezembro de 2020.
A escolha do tema tem como objetivo apoiar ações educativas pautadas na Lei nº 10.639, de 9 de janeiro de 2003, que inclui a obrigatoriedade do ensino da temática “História e Cultura Afro-Brasileira”. A interoperabilidade entre as diversas coleções no mesmo tema irá promover uma dinâmica qualificada de acesso, oportunizando a criação de conteúdos pedagógicos inovadores com base nos acervos disponibilizados.
As iniciativas selecionadas neste concurso público estarão contribuindo para a articulação e promoção de estratégias com vistas a implementação de um Programa Nacional sustentável para os acervos digitais brasileiros.
Desafios e Oportunidades
O tema dos acervos digitais apresenta um grande desafio para a política pública. Por um lado, serão necessários recursos significativos para infraestrutura tecnológica, envolvendo o hardware para digitalização, as plataformas de disponibilização, além do armazenamento e de arranjos para preservação digital. Por outro lado, também será necessário formar e manter recursos humanos especializados nas diversas etapas que envolvem digitalização, catalogação e publicação de conteúdos digitais. Em ambos os casos, é fundamental que exploremos o compartilhamento destes recursos entre as diversas instituições públicas mantenedoras de acervos, e por isso, importantíssimo que se estabeleça um Programa Nacional para integrar o setor.
Neste contexto, o objetivo mais amplo do edital “Preservação e acesso aos bens do patrimônio Afro-Brasileiro” é apontar caminhos e articular estratégias interinstitucionais para a concretização de uma política pública para a digitalização e a disponibilização de acervos arquivísticos, bibliográficos, documentais e museológicos, referentes ao patrimônio cultural, histórico, educacional e artístico brasileiros. Em seu aspecto de pesquisa, o edital busca formar expertise nacional nas metodologias e tecnologias que promovem a interoperabilidade entre acervos digitais de bibliotecas, arquivos e museus.
Na dimensão técnica, o edital propõe a definição de padrões e protocolos que irão permitir a interoperabilidade entre os diversos repositórios digitais, em diferentes formatos (textual, iconográfico, áudio, vídeo, objeto 3D), os quais irão também fomentar o desenvolvimento de aplicações e serviços que promovam a participação da sociedade na criação de novas modalidades de acesso, e de usos inovadores sobre os objetos digitais disponibilizados. A proposta é fomentar arranjos que promovam o compartilhamento de recursos, especialmente os de infra-estrutura tecnológica (plataformas de disponibilização e armazenamento de dados), com o objetivo de assegurar a preservação e manutenção, e o livre e permanente acesso aos ativos digitais gerados neste concurso.
Ao inserir no edital o recorte temático em “História e Cultura Afro-Brasileira”, a ideia é delimitar o escopo da seleção para criar melhores condições de potencializar o efeito demonstrativo do resultado em integrar acervos de diferentes domínios (bibliotecas, arquivos e museus), com ênfase no esforço de compatibilização dos diferentes modelos de catalogação, e no desenvolvimento dos vocabulários e ontologias demandados pelos novas arquiteturas de classificação para o acesso digital (dados interligados / linked data).
Velhos Piratas criam Novos Arranjos para o Mercado de Audiovisual
20 de Maio de 2014, 17:28 - sem comentários aindaOriginal em inglês: “Can former “pirates” fix a broken movie market?”,
por Evelin Heidel, Martin Ezequiel Acuña, Joe Karaganis (21 jan 2014).
Versão PT-BR: José Murilo
Para um país de 16 milhões de pessoas, com um PIB de US$ 100 bilhões, o Equador passa excessivo tempo na mira do governo dos EUA por conta de seus arranjos de proteção de propriedade intelectual considerados inadequados. O país é citado no relatório ‘Special 301 IP’ do governo dos EUA em todos os anos da última década, ao lado de reincidentes contumazes como a Rússia e a China.
O acesso a farmacêuticos tem sido o ponto de maior conflito com os EUA, mais recentemente devido à forte posição do Equador em relação ao licenciamento compulsório de medicamentos . Mas os mercados de disco pirata do Equador também aparecem regularmente nos relatórios da USTR e da indústria. Como registrado pelo IIPA em seu relatório Special 301 de 2013, “O nível de pirataria no Equador se agravou em 2012, e produtos de música pirata estão sendo maciçamente vendidos em shoppings, sem qualquer controle da polícia ou das autoridades locais.” A história não mudou muito desde 2003, quando o IIPA descreveu “reduções dramáticas na aplicação dos Direitos de Propriedade Intelectual”.
Ninguém espera que o Equador declare guerra com o mercado de CDs e DVDs piratas. Enquanto as multinacionais estabelecerem os preços de CDs, DVDs e software no país em níveis norte-americanos e europeus, os mercados legais serão pequenos e os mercados piratas grandes. Em um país onde o setor informal contribui com mais de um terço do PIB, a aplicação da lei nas ruas seria algo caro e impopular.
Mas os EUA, de qualquer forma, espera que o governo equatoriano funcione de acordo com a lógica da agenda política de IP norte-americana, que trata mercados fracos em termos de aplicação dos direitos de PI como um problema legal / policial, em vez de considerar o real problema do preço. Ou seja, trata-se de um problema do Equador, e não de Hollywood. A estratégia induz certa performance midiática nos esforços de aplicação da lei no Equador (e em muitos países de média e baixa renda, de acordo com esterelatório de pirataria da American Assembly), que são marcados por campanhas policialescas tão caras quanto ineficazes, por penalidades duras que raramente são aplicadas, e pela corrupção generalizada, já que a polícia e os vendedores negociam os termos de funcionamento deste mercado como rotina diária.
A questão para o Equador e para muitos outros países pobres, então, é como quebrar a relação entre a pobreza, a pirataria, e os preços elevados. E nesta frente, os equatorianos se mostraram extremamente criativos. Desde 2010, o Equador tem realizado experiências com modelos de licenciamento para DVDs que incorporam o setor informal, em vez de rejeitá-lo. Os vendedores de rua, os detentores de direitos locais e o governo começaram a trabalhar em conjunto para resolver os obstáculos ao acesso legal, e a preços acessíveis, aos conteúdos.
O ‘boom do filme’
O pano de fundo para esses desenvolvimentos é o esforço do governo equatoriano para a construção de uma indústria cinematográfica nacional. Como em outros países da América Latina, o mercado de filmes do Equador é pequeno e dominado por Hollywood . Ao longo da década de 1990, apenas cinco filmes nacionais foram produzidos.
O boom do cinema equatoriano começou com uma pequena comunidade de cineastas alternativos no início da década de 2000, Sebastián Cordero, Camilo Luzuriaga, e Tania Hermida — que começaram a fazer sucesso em festivais internacionais. A queda dos custos de produção foram os principais facilitadores deste novo trabalho, impulsionado pela adoção do vídeo digital e, mais tarde, das câmeras DSLR. O festejado filme de Víctor Arregui, ‘Fuera de juego’, por exemplo, foi gravado com uma câmera MiniDV e com um orçamento de US $ 4.000.
Depois veio a criação do ‘Conselho Nacional de Cinema’ em 2007, que pela primeira vez no país promoveu o fomento da produção e acordos de co-produção com cineastas locais. Estes mecanismos financeiros iniciaram uma onda de novos recursos e a produção de documentários. Entre 2007 e 2012, mais de 150 filmes foram produzidos (ou co-produzidos) no Equador.
Mas a produção não significa que os filmes são exibidos. A distribuição fraca é um problema crônico para a indústria nacional; e na última contagem, o Equador tinha apenas 225 telas de cinema, que mostram quase exclusivamente sucessos de Hollywood. Mesmo com os custos muito mais baixos do cinema equatoriano, a comunidade cinematográfica local entende que o boom de produção precisa de um boom de exibição correspondente, se for para construir audiências.
Aqui, também, o governo se mobilizou para criar mercados. Em junho de 2013, a Assembléia Nacional estabeleceu cotas de 40% de conteúdo nacionalpara as principais redes de televisão. Como em outros países que adotaram cotas, o objetivo não é apenas fortalecer a exposição, mas também deslocar o investimento estrangeiro de licenciamento para a produção doméstica. A desvantagem é que tais políticas podem rapidamente tornar-se restrições. O que os equatorianos querem assistir e o que podem produzir para preencher horários de cotas nem sempre coincide.
Mas a transmissão não é mais o único canal de distribuição no Equador. A penetração da Internet está crescendo rapidamente (o Banco Mundial colocam o número em 35% em 2012), mas para a maioria dos equatorianos, conexões de banda larga ainda são a tecnologia do futuro. Hoje, a experiência mais interessante é a regularização e legalização das redes de fornecedores “pirata” nas grandes cidades, o outro grande canal de distribuição para os produtos audiovisuais.
Aqui, as principais inovações ocorrem no âmbito social e político, mais do que no tecnológico. A partir de 2010, as associações de vendedores começaram a licenciar filmes domésticos diretamente dos produtores. A maioria dos vendedores se legalizaram com relação ao conteúdo local. Alguns foram mais longe para se tornar investidores na produção cinematográfica. Esses mecanismos estão ainda em processo de formulação e amadurecimento, e ainda não foram ‘testados’ em debate com os grandes estúdios estrangeiros — as Sonys, Paramounts e Disneys que dominam os mercados legais e ilegais no Equador.
O novo acordo
Entrevistamos Santiago Cevallos, diretor chefe de copyright do Instituto Equatoriano de Propriedade Intelectual (IEPI) e Omaira Moscoso, fundadora da Associação de Comerciantes de Productos Audiovisuales(ASECOPAC), para saber mais sobre o esforço. Moscoso nos contou como a relação entre os fornecedores e a polícia costumava funcionar em Guayaquil, a maior cidade do Equador:
“Foi pura encenação. No final do ano, todas as lojas seriam invadidas. Mas no dia anterior [a polícia] visitaria os proprietários para dizer: se você me der cinco mil dólares, você pode tirar os seus CDs e DVDs de antemão. Caminhões viriam durante a noite, arrumariam o estoque, e deixariam apenas os discos antigos e caixas. No dia seguinte, a polícia aparece em frente às câmeras de TV, junto com os prefeitos e funcionários do Instituto Equatoriano de Propriedade Intelectual (todo o dinheiro foi distribuído entre eles). Jogam os discos velhos na rua, e fazem um trator passar por cima.”
Com o lançamento do Conselho Nacional de Cinema em 2010, o governo Correa (e a nova liderança do Instituto Equatoriano de Propriedade Intelectual — IEPI) iniciaram uma ofensiva sobre o setor de vendedores de mídia..
“Em 2010, iniciamos ações policiais nas duas principais cidades do Equador: Quito e Guayaquil”, disse Cevallos. “A idéia era romper com o status quo em que comerciantes piratas tinha adquirido um véu de legalidade através do reconhecimento por parte das autoridades fiscais municipais destas cidades. Vendas informais, ou seja, os vendedores ambulantes e com lonas na rua, não são o problema. O problema são as vendas formais em mercados e centros comerciais, porque a sua principal e única atividade é a comercialização de reproduções não autorizadas de obras.”
Esta legalização das lojas, mas não do comércio, já vinha de longa data. Lojas tinham licenças municipais e pagavam impostos, e muitos delas também vendiam discos legais. Omaíra Moscoso foi uma desses vendedoras “formais”. Depois de passar 20 anos como produtora e realizadora de televisão, ela abriu uma loja de filme em 2008. “Eu percebi que não havia lugar na cidade onde você poderia encontrar bons filmes, os filmes que não vêm de Hollywood”, disse ela.
Esse foi o início de El Coleccionista, uma entre as cerca de 60 mil lojas no Equador que vendem filmes copiados. Logo, El Coleccionista se tornou ponto de encontro dos intelectuais de Guayaquil a procura de filmes de Godard, Bresson, Jodorowski, e similares, que Moscoso copiava de sua coleção pessoal.
“El Coleccionista me fez perceber que, como um estado, nós estávamos realmente fazendo as coisas da maneira errada porque estávamos negando às pessoas o acesso à cultura”, disse ela.
No momento em que o IEPI começou a fechar lojas em 2010, Moscoco tratou de organizar a ASECOPAC — uma associação de vendedores ambulantes que vendem mídias audiovisuais — em uma tentativa de legalizar o mercado.
Os primeiros dias não foram fáceis. Um dia, em 2011, 50 policiais apareceram em sua loja para confiscar DVDs piratas. “Eles queriam me dar uma lição definitiva”, disse ela. Após o ataque, ela e seu marido, David Grijalva, junto com outros comerciantes, começaram a desenvolver oprojeto de lei para a “legalização e regulamentação do mercado audiovisual no Equador.”
“Reunimo-nos com cerca de 1.000 comerciantes”, disse ela. “Eles já estavam fartos desta situação. A maioria estava dizendo: ‘Queremos acabar com esta situação. Nós não temos nenhum problema em pagar os direitos de propriedade intelectual, mas diga-nos:.. Como é que vamos pagar? Onde devemos ir para pagar?’ O IEPI não tinha respostas para essas perguntas. Isso me levou a desenvolver este projeto.”
Para o topo
Moscoso e seus sócios decidiram levar o projeto diretamente para o presidente do Equador, Rafael Correa.
“Levamos 3.000 comerciantes para Quito. Nós mobilizamos vários ônibus para reunir os interessados e entregar o projeto diretamente ao presidente, porque sabíamos que nenhum funcionário intermediário iria ajudar. E o nosso presidente é tão inteligente, e nós o amamos, por isso fomos direto para ele e entregamos a proposta. Quando ele olhou para o projeto, ele adorou a idéia. No dia seguinte, quando voltamos para Guayaquil, ele enviou uma carta para a minha casa, em que ele indicou que ele havia dado ordens ao IEPI e ao Ministério da Cultura para nos escutar.”
O plano ganhou adeptos entre cineastas, começando com o amigo de Moscoso, o conhecido diretor Camilo Luzuriaga. Luzuriaga concordou em distribuir seus filmes através da rede de lojas. A iniciativa logo atraiu outros cineastas e, eventualmente, uma outra rede de fornecedores, a Áudio e Vídeo Merchants Association (ASAVIP). Existem hoje cerca de 80 títulos nacionais licenciados através destes canais, incluindo grandes filmes recentes como ‘En el nombre de la hija’ , de Hermida, e ‘A Espaldas tus’ de Tito Jara.
“Como produtora, eu sempre estive consciente da necessidade de respeitar a propriedade intelectual. Mas 99 por cento dos meus colegas no negócio não tinham a menor idéia sobre o significado do conceito. Muitos deles me diziam: ‘Mas eu não estou fazendo nada de errado, eu tenho as notas de compra dos CDs, eu pago impostos, eu pago a prefeitura — por que eles continuam nos perseguindo?’ Eu percebi que eles não sabiam nada sobre direitos autorais. Nenhum dos comerciantes tinha aberto sua loja para roubar nada de ninguém. Eles só estavam tentando levar o pão de cada dia para suas famílias.”
Após a intervenção do presidente Correa, o IEPI adotou o programa de licenciamento. O IEPI posicionou-se como um intermediário entre os vendedores, os detentores de direitos, e — o mais importante — as sociedades de gestão de direitos coletivos, as quais os acordos diretos de licenciamento tinham começado a contornar. De fato, por vários motivos, este processo inicado no Equador segue sendo um trabalho em andamento.
Segundo Cevallos, o esquema enfrentou muitos desafios, incluindo a falta de conhecimento sobre o sistema de direitos de autor, e a falta de apoio à iniciativa por parte dos tradicionais grupos de detentores de direitos.
“Eu posso dizer que a maior parte do cinema equatoriano distribuído em DVD através destes canais é autorizado. Mas tem sido muito difícil conseguir que os detentores de direitos internacionais autorizarem licenças locais. Apesar disso, estamos agora finalizando os primeiros acordos para obras audiovisuais estrangeiras e também para áudio (música). Esperamos ter os mesmos resultados que tivemos com o cinema nacional.”
Moscoso descreveu uma das reuniões entre o seu grupo de vendedores e as organizações de direitos coletivos.
“Eu me lembro da primeira reunião, onde nos foi dito que ocorreria um desastre caso o estado desse status legal para a nossa associação, ASECOPAC, porque éramos piratas. Se isso fosse permitido, na manhã seguinte teríamos uma associação de ladrões de carro ou assaltantes. Eles nos chamaram de ladrões.”
Então, mudando a estratégia, os vendedores procuraram os produtores.
“Tivemos muita sorte. Porque eu tinha atuado como produtora por muitos anos, e a maioria dos cineastas eram meus amigos, e portanto eles me apoiaram. Quando começaram a observar que estávamos vendendo lotes de filmes, outros se juntaram.”
A principal diferença em relação ao mercado convencional para DVDs é, evidentemente, o preço. Os vendedores precisavam vender as cópias a preços muito mais próximos do produtos piratas, a fim de construir um mercado legal. Muitos produtores estavam dispostos a aceitar a redução dos preços em troca de uma melhor distribuição e algum retorno em termos de royalties. Moscoso estabeleceu então o plano de negócios:
“Nós vendemos os DVDs por US $ 3 e US $ 5, e nós pagamos um dólar para os cineastas por cada cópia. Nós pagamos a eles mais do que pagam Sony e MGM. Nós pagamos mais do que qualquer outra grande empresa de cinema; Woody Allen ganha cerca de 10 a 20 centavos de dólar. Qual é o segredo? Nós não temos o que eles chamam de “custos industriais.” As empresas cinematográficas comem 90 por cento do custo do filme. Para o marketing, para as mansões, para estender o tapete vermelho. Nós não gastamos dinheiro com isso. Falamos diretamente com os realizadores, produtores e diretores.
Claro que temos ações marketing, mas isso é porque somos a maior rede de distribuição no país. Nossa rede de distribuição é maior do que a Coca-Cola do. Para cada cem de nós, existe um distribuidor local de Coca Cola.”
Em última análise, o IEPI, como os vendedores, vê o programa como uma forma de sair do dilema da aplicação das regras internacionais no país. “Cidadãos equatorianos consomem produtos ilegais por nenhuma outra razão que o preço”, disse Cevallos. “Muitas vezes [os vendedores] são os únicos meios de acesso a esses tipos de conteúdo. Estamos também dando às pessoas que se dedicam à venda comercial de produtos não autorizados a oportunidade de se converter para um modelo completamente legal. Estamos fazendo isso porque estes vendedores organizados são, sem nenhuma dúvida, o maior canal de distribuição no país.”
Expansão
Moscoso está otimista sobre o acordo. “Agora já não há cópias ilegais de produtos nacionais”, disse ela. “Nós já legalizamos mais de 80 títulos em dois anos. Acho que na América Latina, o Equador é o país com o maior número de filmes originais pagando royalties, e estamos no processo de legalização dos filmes internacionais.”
O Equador não é o primeiro país a ter tentado realizar o licenciamento de baixo custo direto aos vendedores. Grupos bolivianos em La Paz tentaramum acordo semelhante em 2006 . O acordo se desfez quando as organizações de gestão de direitos coletivos se voltaram contra a ‘pirataria legalizada’, e vendedores não alinhados seguiram vendendo a preços mais baixos.
Mas a experiência do Equador tem algumas vantagens em relação à da Bolívia, começando com uma cultura cinematográfica nacional mais dinâmica no universo de produtores e consumidores. O Equador é um país “absolutamente cinéfilo”, disse Moscoso. “O primeiro negócio popular em um bairro costumava ser um armazém geral, seguido por uma farmácia e uma padaria. Agora, o armazém geral vem em primeiro lugar, mas em segundo aparece a loja que vende filmes. “
A combinação de ampla distribuição e preços mais baixos também começou a influenciar as práticas de financiamento. “Neste momento, os comerciantes estão se tornando investidores”, disse Moscoso.”Grandes varejistas estão se tornando produtores, os distribuidores estão fazendo filmes, e, portanto, eles não dependem apenas do estado para a produção de filmes. Aqui, realizar um filme costumava ser como escalar o Everest de sandálias e camiseta. Você tinha que ter sorte se quisesse exibir o seu filme no cinema. Você tinha que ter contatos ou vir de uma família com uma boa posição social. Se você não tem nada disso, você deveria ficar feliz em ter seu filme exibido uma vez em um centro cultural. Mas agora você tem a opção de vendê-lo nos mercados e centros comerciais, onde sua obra seguirá sendo vendida.”
Moscoso está planejando as próximas etapas da iniciativa, que incluirá o licenciamento direto de filmes da Colômbia e da Argentina, e a venda de livros de baixo custo. “Nós também queremos distribuir software livre, e estamos tentando entrar no mercado de jogos de vídeo com alguns desenvolvedores locais que estão desenvolvendo jogos para PlayStation”, disse ela.
Ela continuou:
“Nós estamos firmes no princípio de que os discos tem que ser acessíveis. Nossos DVDs eram vendidos inicialmente a US$ 6 dólares por unidade, em seguida, caiu para US$ 5. Em breve você será capaz de comprá-los por US$ 3. Por que os preços mais baixos? Devido ao número de DVDs sendo vendidos agora. Antes, talvez você só vendesse 8.000 DVDs de um grande título em um ano. Agora você pode vender 45 mil unidades de um único título em trinta dias. Aqui no Equador, há dois dias na semana que os comerciantes vão ao mercado e compram os seus discos. Somente em Guayaquil, cinco milhões de cópias podem ser vendidas nesse período. Nossa estratégia é vender um monte de discos a preços baixos.”
É fácil imaginar outros cineastas latino-americanos se juntando à iniciativa, uma vez que muitos deles enfrentam problemas semelhantes com modelos fracos de distribuição. É muito mais difícil imaginar os estúdios de Hollywood fazendo isso. Eles podem não gostar do velho cenário de baixa aplicação dos direitos de PI somado à pirataria galopante, mas um desafio bem-sucedido ao seu poder global de precificação poderia sair muito mais caro.
No final, os vendedores do Equador e seu governo estão tentando fazer algo que muito poucos países em desenvolvimento têm sido capazes de fazer: corrigir o anêmico mercado de bens de mídia. O objetivo, de acordo com Moscoso, é realizar “um mercado com custos acessíveis para as pessoas. Acesso não é apenas um conceito, uma idéia. Acesso significa a possibilidade das pessoas poderem comprar os bens de mídia.”
Joe Karaganis dirige projetos de cultura digital na American Assembly da Universidade de Columbia, e Evelin Heidel e Ezequiel Acuña Martin integram aVía Libre Foundation .
Tecnologia para quê?
8 de Maio de 2014, 19:26 - sem comentários aindaTexto de Felipe Fonseca
Originalmente publicado na revista “A Rede”
Imagem da Capa: via “The Day We Fight Back“
Como grande parte dos desenvolvimentos contemporâneos, as tecnologias da informação chegam em diferentes ritmos e disposições a grupos sociais diversos. Para alguns, parecem significar a libertação das amarras de uma sociedade pós-industrial cuja nova configuração é fragmentada e baseada nos fluxos em múltiplas direções. Estes privilegiados acreditam que, a partir do uso instrumental das novas tecnologias, podem chegar a criar espaços de liberdade e autonomia, ao mesmo tempo em que valorizam novas formas de sociabilidade e de criação do comum. Para eles, o horizonte é repleto de oportunidades inovadoras, com a promessa de mercados à espera de boas ideias e que ao mesmo tempo produzem conhecimento que é generosamente oferecido à sociedade. Para outros, a chamada era da informação não passa de um conjunto de expectativas relativamente nebulosas que usualmente são traduzidas somente no incremento de suas oportunidades de consumo (preferencialmente com um simultâneo aumento em sua capacidade de endividamento). Com frequência, nem isso acontece: a tecnologia costuma ser usada somente como instrumento de controle, monitoramento e contenção de desvios.
O complexo que faz girar a internet comercial trata estes dois extremos da mesma forma: como combustível indiferenciado de uma máquina baseada na exploração do valor das relações sociais, inclusive as comunicações particulares que acreditamos serem privativas. Para essa articulação entre as corporações de TI, a indústria da publicidade e do entretenimento (que compõem uma só área integrada, não esqueçam) e, implicitamente, o setor militar e de “inteligência”, qualquer uso das tecnologias que proponha transformações profundas na sociedade deve ser neutralizado o mais rapidamente possível.
Esse contexto é cada vez mais evidente em uma época que já testemunhou manifestações de rua – em grande parte articuladas pela internet mas posteriormente instrumentalizadas pela mídia corporativa -; revelações de nomes como Julian Assange e Edward Snowden que sugerem a ampla utilização de redes sociais para informar instituições dedicadas à espionagem e controle de informação em nível internacional; além das incessantes tentativas de controlar as liberdades fundamentais à internet como instrumento de comunicação humana.
No mês passado, um post de Anahuac de Paula Gil [http://www.anahuac.eu/?p=335] levantou uma discussão importante a respeito do possível esvaziamento do movimento software livre brasileiro. Ao longo da última década e meia, o país alcançou destaque internacional decorrente do apoio institucional ao software livre e à cultura livre. O tempo mostrou que grande parte desse apoio era mera retórica ou oportunismo midiático, mas a comunidade de usuários e desenvolvedores tinha de fato potencial, entre outros motivos por conta de sua articulação com movimentos sociais cuja referência básica não era o mercado. Entretanto, as diversas camadas de ferramentas que facilitam ao máximo os relacionamentos, a publicação na web e o empreendedorismo tecnológico têm como consequência a neutralização desse potencial. À medida em que menos pessoas dedicam-se a aprender e dar forma a novas ferramentas de comunicação, e ao mesmo tempo surgem oportunidades rápidas de prestar serviços a um mercado em crescimento, é supostamente natural que haja menos desenvolvimento de tecnologias realmente transformadoras. Quando alguns dos nossos maiores talentos dedicam seu tempo a preencher espaços do mercado comercial, a sociedade tem muito a perder.
Tudo isso aponta para a necessidade de repensar as bases nas quais se situam os projetos e programas de inclusão digital. Historicamente, essas iniciativas partiam de um princípio de compensação. Ou seja, entendiam que as novas tecnologias de informação oferecem oportunidades de inclusão, principalmente por conta da articulação de novas habilidades de comunicação pessoal com um tipo de sociabilidade que poderia subverter hierarquias. Mas essas oportunidades chegavam à sociedade de maneira desequilibrada. Os projetos de inclusão digital propunham-se, então, a oferecer infraestrutura tecnológica àquelas camadas da população que não tinham acesso a tal infraestrutura por seus próprios meios, de maneira a equilibrar a equação. Essa é uma visão que no mínimo deve ser interpretada como conservadora, porque vê a sociedade como estável em torno de construções determinadas – o trabalho, a escola, a comunidade local, a família – e no topo destas construções o digital surgiria como simples aspecto adicional. Ou seja, as pessoas precisariam adaptar-se às novas possibilidades criadas pelas tecnologias para continuarem ocupando o mesmo papel na sociedade. Seriam, assim, mais vítimas do que atores da revolução digital. Entretanto, um dos maiores potenciais da comunicação digital reside justamente na capacidade de engendrar arranjos sociais que escapam a estas configurações conservadoras. Não se trata mais de garantir a manutenção de determinado papel social, e sim de criar novos e inovadores papeis.
Quando surgiram os telecentros, uma de suas características mais relevantes não era o fato de oferecerem mero acesso a computadores ou à internet, mas fundamentalmente sua capacidade de atrair cidadãos a utilizarem novos formatos de espaços públicos. Não somente como transeuntes – aqueles que circulam por um lugar -, mas como membros da sociedade que ocupavam aqueles espaços. E ocupavam espaços cuja função ainda não estava totalmente determinada. Ao contrário de outros espaços públicos – a escola, a biblioteca, a repartição, a praça -, a função objetiva do telecentro não estava clara. Era espaço de formação para o mercado, mas também era espaço de sociabilidade, de formação geral, de experimentação e aprendizado sobre artes. E essa indeterminação pode ter sido justamente o que fomentou o alto nível de inovação que estes espaços possibilitaram ao longo da última década.
O fato de que mais e mais iniciativas de inclusão digital tenham aberto mão dos espaços compartilhados em favor de uma lógica – consumista e individualista, a meu ver – do acesso doméstico à internet parece ser mais um indício negativo das tendências atuais. Somando-se ao alerta feito por Anahuac e à rendição quase total às redes sociais corporativas, o quadro é bastante obscuro. Como fazer para escapar a essas armadilhas?
O telecentro precisa ser repensado. Já passou-se quase uma década e meia desde que eles se estabeleceram como modelo [Ver http://blog.redelabs.org/blog/para-que-serve-um-telecentro]. Hoje em dia, pensar em laboratórios experimentais comunitários enquanto espaços em branco, espaços nos quais novas formas de sociabilidade podem emergir e se desenvolver, parece ser o mínimo. Hacklabs e Makerspaces sugerem novos caminhos, nos quais a apropriação crítica de tecnologias torna-se mais importante do que o mero acesso à rede. O importante é perceber que, se queremos espaços que proponham transformação social efetiva, não podemos nos contentar com uma lógica de ocupação de vagas, de estatísticas de atendimento ou mesmo de mero empreendedorismo comercial. Precisamos pensar nos futuros que queremos criar, e dedicar nosso tempo a criá-los. Voltar a pensar na importância de insistir no livre, no aberto e na cultura ao mesmo tempo questionadora e acolhedora que envolve esses adjetivos.
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Felipe Fonseca é coordenador do núcleo Ubalab [http://ubalab.org]. Foi um dos fundadores da rede MetaReciclagem [http://rede.metareciclagem.org]. Vive em Ubatuba/SP, onde organiza o Tropixel [http://tropixel.ubalab.org] e leciona na Escola Técnica Municipal Tancredo de Almeida Neves. Acabou de terminar sua dissertação de mestrado pelo Labjor/Unicamp, focada nos laboratórios experimentais em rede.
“Encontros de Conhecimentos Livres”: um marco em 10 anos de política pública de cultura digital no Brasil
8 de Maio de 2014, 18:54 - sem comentários aindaApresentamos aqui o artigo “Cultura Digital: 10 anos de política pública no Brasil“, de Thiago Novaes, antropólogo e ativista no campo da Cultura Digital e do Software Livre. Com experiência específica na implementação de políticas públicas em seu campo, Thiago apresenta neste artigo sua perspectiva sobre o conceito de Cultura Digital adotado no governo brasileiro desde 2004, com ênfase na participação dos grupos da sociedade civil na elaboração e execução da política pública Pontos de Cultura.
O artigo coloca foco especial no trabalho da equipe que organizou e ministrou as oficinas de capacitação dos Pontos de Cultura, em eventos que foram chamados de Encontros de Conhecimentos Livres. Thiago argumenta que, ”a despeito da parca produção intelectual sobre essa formação, trata-se de uma metodologia de iniciação técnica que obteve reconhecimento internacional e, embora bem sucedida nos dois primeiros anos do Programa, foi abandonada com o crescimento exponencial do número de Pontos de Cultura”.
Quando refletimos sobre os aspectos de sucesso do Programa Cultura Viva, é incontestável que os ‘Encontros de Conhecimentos Livres’, em seu formato original, destacam-se como o principal aspecto de inovação. Thiago ilustra bem o cenário:
“Muito além de hackers e experts em tecnologias, a equipe de capacitação das Oficinas de Implementação do Kit Multimídia se empenhava em promover um ambiente de troca de conhecimentos, de maneira livre e horizontal, combinando os saberes tradicionais, como sobre sementes e ritos religiosos ao ensino da linguagem dos computadores. Evitando os jargões consolidados de inclusão social e, no caso das tecnologias, de inclusão digital, a proposta metodológica se voltava para a valorização da auto-estima, de compartilhamento, convidando a todos os participantes da Oficina cultural a livre manifestação do pensamento, tornando o discurso radical do ministro músico uma realidade vivenciada por onde passava a Cultura Digital do MinC.”
Neste momento em que buscamos atualizar as políticas de inclusão digital, articulando os projetos que envolvem espaços públicos de inovação, experimentação e formação no âmbito das políticas públicas de cultura, as reflexões e provocações de Thiago Novaes neste artigo aportam insumos pertinentes. Vale conferir a íntegra, clicando no link: ”Cultura Digital: 10 anos de política pública no Brasil“.
Para os interessados em pesquisar outras referências sobre este período de 10 anos de políticas públicas de cultura digital do Brasil, vale conferir a ‘Linha do Tempo da Cultura Digital‘.