O decreto que isenta os serviços de banda larga do ICMS e garante pacotes a R$ 29,80, anunciado na manhã de ontem pelo governador José Serra, levanta uma série de questões sobre a universalização do acesso aos cidadãos. Se por um lado medidas que buscam reduzir o custo desse tipo de serviço são louváveis, por outro a ação deixa em dúvida a sua capacidade de enfrentar um problema muito mais profundo e amplo.
Para discutir um pouco a questão, convidei o curador do eixo infraestrutura do Fórum da Cultura Digital Brasileira, Diogo Moyses, para uma rápida conversa por Skype sobre o assunto:
O que representa a assinatura do programa de banda larga popular feito pelo governador?
Diogo: As iniciativas que buscam reduzir o custo do acesso aos cidadãos são positivas. De fato, a carga tributária que incide sobre o serviço de banda larga é grande e acaba tendo impacto no preço final cobrado do usuário. Mas sempre é importante lembrar que, embora interessante, a ação do governo de São Paulo não chega nem perto de suprir as necessidades que temos aqui no Brasil. Primeiro, porque o impacto no valor final ao usuário não será tão grande assim.
Segundo, porque a Telefônica é única empresa que deve praticar esses preços, e ela impõe aos consumidores a assinatura do telefone fixo, o que já impõe um custo adicional de no mínimo 40 reais ao usuário. Terceiro, porque somente as velocidades mais baixas, que sequer deveriam ser consideradas “banda larga”, é que vão sofrer a redução de impostos. Ou seja, embora considere a medida positiva, não é uma política pública ampla, que de fato ajude a superar o abismo digital que temos no Brasil. Além do fato da iniciativa estar localizada ao Estado de SP, que é o que possui as tarifas de banda larga mais baratas do país.
Ontem, o Serra afirmou que a ideia é expandir o convênio para outras operadoras. Isso abre espaço para uma queda nos preços desse serviço em função de uma disputa comercial por parte das operadoras? Ou representa alguma “armadilha” para o consumidor já que poderá haver fidelização?
Diogo: A Net, que é a segunda operadora de banda larga do estado, não deve aderir ao acordo. Isso porque ela só está interessada no filé do mercado, ou seja, nos consumidores de maior poder aquisitivo. Seus cabos nem passam pelos bairros mais pobres, mesmo aqui na capital do estado. Já as operadores móveis ainda cobram um preço astronômico para um serviço horrível, e mesmo com essa isenção ainda devem continuar com preços próximos à casa dos 100 reais para conexões de 1 Mbps. Ou seja, não vejo a possibilidade de uma guerra de preços nesse momento.
A questão da fidelização é sempre importante, mas nesse contexto me parece secundária. O mais importante aí é que quem paga mais pela mesma velocidade não entra automaticamente nos novos preços, mas terá que pagar 100 reais para isso, o que pode fazer com que muita gente desista de migrar e continue pagando mais caro pelo mesmo serviço, o que não faz sentido. A cobrança de uma taxa extra de 50 reais por eventuais danos causados pelo usuário também é uma forma de garantir retorno para as empresas, jpa que são elas que dizem se os problemas foram causados ou não pelo usuário. Não é difícil imaginar o que vai acontecer.
Acho que a intenção é trazer novos usuários e não facilitar para quem já paga. Evitando assim a perda de arrecadação. Não seria isso?
Diogo: É mais ou menos por aí. Depois que os usuários estão no sistema, é mais fácil fazer com que migrem para planos mais caros. E para isso existem estratégias conhecidas, como degradar a velocidade para que o usuário sinta que precisa de um plano mais caro. Um belo dia o desconto de imposto pode acabar, e os usuários que faziam parte desses planos acabam sendo induzidos a permanecer com o serviço, mesmo pagando mais. Ou seja, para a Telefônica é um ótimo negócio. De novo: a medida não é ruim, mas, repito, o Brasil precisa de muito mais do que isso.
E do que o Brasil precisa? Quais outras alternativas seriam mais eficientes na tentativa de garantir a internet como um direito fundamental aos cidadãos?
Diogo: A primeira coisa é de fato reconhecer o acesso a banda larga como um direito fundamental. E isso é um imperativo ético urgente. É com base nessa premissa que devemos pensar a ação do Estado. Eu, pessoalmente, acho que devemos combinar três estratégias.
A primeira, considerar o serviço de banda larga um serviço público, com todas as decorrências que isso implica administrativamente. Não faz mais sentido só a telefonia fixa ser considerada um serviço essencial. A segunda questão é desagregar a rede das concessionárias, ou sejqa, permitir que outros prestadores de serviço usem suas redes para ofertar banda larga ao cidadãos. A terceira é levar adiante a construção de uma rede pública, concorrente às redes privadas, que permita a oferta de última milha por outros prestadores de serviço e também a oferta de banda para projetos desenvolvidos por município e outras instituições sem fins lucrativos.
E você, o que achou do projeto anunciado ontem? Tem outras sugestões para universalizar o acesso à banda larga? Que medidas devem ser tomadas por parte do poder público? O debate continua nos grupos de discussão do eixo infraestrutura . Compartilhe a sua opinião!
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- Banda larga como serviço público
- Plano nacional de banda larga
- Grupos de discussão do eixo infraestrutura
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