Tramitam em conjunto no Congresso Nacional três projetos de lei que podem piorar sensivelmente o cenário da regulação do uso da Internet no Brasil: PL 215/2015, PL1.547/2015 e PL 1.589/2015. O texto estava na pauta de votação dessa terça (22) na CCJC da Câmara, mas não foi votado. Além disso, o Relator apresentou mudanças na redação. Mas nada está garantido, a proposta continua péssima e pode ser analisada já amanhã, quarta-feira (23), às 10h.
A proposta que aglutina os textos estava tão problemática que chegou a ser chamada de AI-5 Digital 2.0. Em resposta, uma forte mobilização online emergiu nesses últimos dias.
Publicaram críticas ao texto o Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro, o Centro de Tecnologia e Sociedade da FGV-RIO, a Carta Capital e nós, do IBIDEM. O “modo de fazer” da mobilização foi organizado pela Oficina Antivigilância do Coding Rights e no Twitter e no Facebook ganhou destaque a tag #PLespião.
O resultado da organização da sociedade civil veio rápido. Além da retirada da pauta de votação dessa terça-feira (22), houve a alteração no texto proposto pelo Relator dos projetos na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara. Em seu sexto (!) parecer, o Deputado Juscelino Filho (PRP/MA) apresentou uma versão pouco mais amena, quando comparada com o que estava sendo analisado.
A lista atualizada dos problemas do PL espião é a seguinte:
1) penas podem ser dobradas para qualquer crime contra a honra (calúnia, injúria, difamação) cometido pela internet ou outro meio de telecomunicação;
2) se desses crimes decorrer a morte da vítima, a pena será necessariamente de reclusão e não caberá fiança, ou seja, a pessoa acusada vai presa e não pode responder em liberdade;
3) para crimes online contra a honra, acaba com a necessidade de queixa, ou seja, o Ministério Público pode ajuizar o processo mesmo contra a vontade individual da vítima;
4) para crimes online contra a honra, sem necessidade de ordem judicial prévia, a “autoridades competentes” terá garantido pelo provedor de conexão o livre acesso a: a)registros de conexão à internet de qualquer pessoa (quando e onde se conectou); b)registros de acesso a aplicações de internet de qualquer usuário (quais sites, apps ou programas ele acessou na rede); c) dados pessoais de qualquer pessoa;
5) cria um direito de remover da internet qualquer conteúdo que associe o nome ou imagem de uma pessoa a: a) qualquer crime de que essa pessoa tenha sido absolvida em caráter definitivo (ainda que por falta da provas, por exemplo); b) qualquer fato (com ou sem julgamento) prejudicial à honra (calúnia, difamação ou injúria).
Muito provavelmente haverá ainda um sétimo parecer. No substitutivo de hoje há evidentes erros e incorreções. Por exemplo, o art. 7º ainda propõe alterar o art. 10 do Marco Civil, incluindo dois parágrafos. Mas na nova redação, o 2º § foi retirado, de forma que o primeiro deveria ser então parágrafo único. E somem-se as claras incoerências entre as justificativas (mantidas da quinta versão) e o que está escrito na redação proposta nessa sexta versão.
Vale lembrar que até hoje pela manhã, a versão para discussão tinha os seguintes problemas:
1. penas podem ser dobradas para qualquer crime envolvendo conteúdo publicado pela internet ou outro meio de telecomunicação;
2. para qualquer um desses crimes, não caberá fiança, ou seja, a pessoa acusada vai presa e não pode responder em liberdade;
3. crimes online contra a honra (calúnia, injúria e difamação) se tornam crimes hediondos se derem causa à morte da vítima;
4. para crimes online contra a honra, acaba com a necessidade de queixa, ou seja, o Ministério Público pode ajuizar o processo mesmo contra a vontade individual da vítima;
5. para crimes online contra a honra, sem necessidade de ordem judicial prévia, a “autoridades competentes” terá garantido pelo provedor de conexão o livre acesso a:
5.1. registros de conexão à internet de qualquer pessoa (quando e onde se conectou);
5.2. registros de acesso a aplicações de internet de qualquer usuário (quais sites, apps ou programas ele acessou na rede);
5.3. dados pessoais de qualquer pessoa;
5.4. conteúdo das comunicações privadas de qualquer pessoa (emails, mensagens inbox, ligações com voz, ligações com vídeo);
6. cria um direito de remover da internet qualquer conteúdo que associe o nome ou imagem de uma pessoa a:
6.1. qualquer crime de que essa pessoa tenha sido absolvida em caráter definitivo (ainda que por falta da provas, por exemplo);
6.2. qualquer fato (com ou sem julgamento) prejudicial à honra.
Crimes contra a honra em redes sociais
A despeito do texto que venha efetivamente a ser analisado pelo Congresso Nacional, é necessário considerar qual o melhor caminho para lidar com os crimes que ocorrem por meio da Internet.
Cyberbulling, Pornografia de vingança e outras formas de assédio são um problema grave, comojá discutimos antes. Levar esse tema a sério significa buscar soluções que garantam a proteção de sujeitos vulnerabilizados sem, no entanto, violar sistematicamente direitos fundamentais de outras pessoas. A Câmara dos Deputados se mostra insensível à complexidade do tema quando elege a via da criminalização e do vigilantismo para, supostamente, dar uma resposta aos anseios sociais por segurança.
O PL 215/2015, apresentado em 05/02/2015, pelo deputado Hildo Rocha (PMDB/MA), com o objetivo de incluir no art. 141 do Código Penal uma punição mais dura para os crimes contra a honra praticados pelas redes sociais. A mudança simplesmente incluiria a “utilização das redes sociais” como mais uma das hipóteses que aumentam em um terço a pena para crimes de calúnia, injúria e difamação. Segundo a justificativa que acompanhou a proposição, o objetivo da mudança seria resguardar a honra das pessoas contra crimes praticados com utilização de redes sociais. Os PLs 1.547/2015 e 1.589/2015 seguem a mesma linha de tentar resolver um problema ligado à profunda estrutura machista e patriarcal da sociedade com instrumentos do Direito Penal.
O PL 1.589/2015 traz ainda um grande risco a uma importante conquista do Marco Civil da Internet, o controle judicial como condição para a requisição de registros de dados pessoais dos usuários de Internet. A proponente do PL, a Dep. Soraya Santos (PMDB/RJ) quer permitir de forma genérica que, mesmo sem ordem judicial, a polícia e o Ministério Público tenham acesso aos dados de conexão e navegação. Com esse propósito, o PL 1589/2015 muda até o nome de uma parte do Marco Civil, retirando o termo Judicial do nome da Seção IV “Da Requisição Judicial de Registros”, que fica apenas “Da Requisição de Registros”, e cria um o art. 23-A, para regulamentar especificamente essa prerrogativa.
A mudança é especialmente grave pois retira uma importante garantia dos direitos dos usuários. Hoje, para que a polícia ou o MP tenha acesso aos registros de conexão e navegação na internet de alguém, é preciso a autorização de um juiz, que deverá avaliar a legalidade e legitimidade do pedido. Esse procedimento não é algo novo no nosso direito – trata-se do mesmo tipo de proteção conferida às comunicações telefônicas. Pela mudança sugerida pela Deputada, não haveria mais um controle judicial prévio sobre a atividade investigativa, abrindo caminho para diversas formas de abuso e violação da privacidade dos usuários.
Além disso, a pretexto de garantir um “direito ao esquecimento”, também alterando o Marco Civil, o PL 1.589/2015 inclui no art. 19 o § 3º-A, com uma previsão específica para que possa ser requerida judicialmente, “a qualquer momento, a indisponibilização de conteúdo que ligue seu nome ou sua imagem a crime de que tenha sido absolvido, com trânsito em julgado, ou a fato calunioso, difamatório ou injurioso”. Cria-se a possibilidade de que denúncias realizadas contra pessoas públicas sejam apagadas da memória social.
O PL Espião é um ataque frontal contra as garantias estabelecidas pelo Marco Civil da Internet, que (não obstante pudesse ser mais protetivo) constitui uma conquista da sociedade civil. Para saber mais sobre o que está acontecendo e acompanhar a mobilização, procure pelas hashtags #PLESPIAO e #ContraPL215.
Compartilhem, divulguem e participem. A internet é de todos e precisamos defendê-la como um ambiente livre, neutro e igualitário, com pleno respeito aos direitos fundamentais, tais como a privacidade e o sigilo de comunicações.
0sem comentários ainda