originalmente publicado aqui.
O projeto de pesquisa que tem levado ao desenvolvimento da solução que hoje chamamos SocialDB (para integração de acervos digitais de cultura) nasce de uma série de inquietações e reflexões sobre o encontro — mais do que contemporâneo e atual, e também uma questão de política pública na área da cultura — entre a necessidade de articular estratégias de produção de acervos digitais, preservação, memória e, ao mesmo tempo, fazer isso numa dimensão do que nos aporta a cultura digital como paradigma social, entendendo por isso seus desdobramentos técnicos, relacionais e, sobretudo, políticos.
Os primeiros esboços dessa reflexão foram documentados em post publicado aqui mesmo no CulturaDigital.br (“Estratégias de Apoio à Digitalização da Cultura“), procurando questionar que a maioria das soluções voltadas hoje para área de acervos é bastante voltada para cuidar da gestão e, por consequência, do gestor do acervo — tratamos como solução tanto os softwares para construção dos acervos, quanto as metodologias de apoio ao processo organizacional do trabalho. Trata-se de papel fundamental, pois a tarefa de organizar a informação e construir um espaço informacional que dê conta de viabilizar bons acervos não é tarefa trivial e que pode ser dada como resolvida.
No entanto, a perspectiva da cultura digital, tal qual é conduzida em sua concepção pelo Ministério da Cultura, permite fazermos questionamentos a essa centralidade da preocupação com a gestão das soluções atuais, ampliando o olhar e colocando no centro os aspectos que aparecem quando o foco passa a ser a inteligência coletiva. A questão da participação social, da colaboração e, sobretudo, dos fenômenos de rede passam a ganhar relevância e a serem dimensões que precisam ser consideradas quando pensamos em um acervo digital. Mais do que organização e representação da informação, estamos preocupados aqui com o processo social que isso gera, em como esse processo pode ser socializado e incorporar perspectivas de uma inteligência que se manifesta por outros caminhos e princípios que são hoje pouco incorporados no debate da área, e desdobrados em meios técnicos para experimentarmos outros modos de fazer.
Bem, colocada a questão que nos levou a conceber esse projeto e a buscar outros modos de fazer isso, produzimos um projeto de pesquisa que tem procurado encontrar caminhos para fazer essa reflexão ao mesmo tempo que também procura implementar o acúmulo de possibilidades que vislumbra em um objeto técnico, que é o que hoje chamamos de SocialDB.
Vale aqui explicitar que uma preocupação de partida do projeto era com seu modo de fazer, a maneira de documentar o que estava sendo feito, os padrões de desenvolvimento, entendendo que a forma de conceber a tecnologia deve ser coerente com a própria proposta da tecnologia, ou seja, aberta, participativa e procurando seguir padrões de desenvolvimento públicos e construídos de forma coletiva. As discussões e soluções que temos adotado para isso podem ser encontradas em outro post (Dos modos de documentação e das funcionalidades técnicas com ênfase social para repositórios de apoio à produção de acervos digitais) onde fazemos essa discussão de forma mais detalhada.
Outro ponto importante de partida do projeto foi fazer uma análise detalhada dos principais softwares livres que hoje existem para o apoio a construção de acervos digitais. O objetivo desta etapa era de fato confirmar se estávamos vendo o problema da maneira correta e se as questões que levantadas no início deste post de fato faziam sentido quando chegávamos perto dos sistemas já existentes. Fizemos uma pesquisa extensa de referências de literatura técnica/acadêmica da área e de uma série de estudos e documentos que fomos encontrando pela própria web.
Ao final da análise dessas referências, chegamos por aqui na conclusão de que os principais softwares livres que existem hoje de apoio a construção de acervos são o Dspace, Fedora, Greenstone, Eprints, Islandora e Phayndra. Essas são as referências que mais apareceram nos documentos listados em nossas referências, mencionados por projetos e grandes órgãos de fomento cultural, tal como um estudo da Unesco, que utilizamos de forma estratégica em nosso projeto. Vale ressaltar aqui a vocês que a maioria dessas referências e dos softwares pouco falam sobre inteligência coletiva, colaboração e redes sociais, chegando mesmo a termos dificuldade de encontrar funcionalidades de comentários em objetos digitais em muitos dos softwares pesquisados.
Uma vez identificados os softwares de referência fomos atrás de pesquisar métodos e critérios que poderiam nos embasar para fazer uma análise das principais funcionalidades desses softwares e comparar com aquilo que estávamos propondo de fato e, sobretudo, procurar responder a pergunta importante que tínhamos desde o início do projeto: vale a pena desenvolvermos/customizarmos algo novo ou seria melhor apenas adotar algo que já existe? As referências que usamos para construir o conjunto de critérios de comparação entre os sistemas pode ser encontrado no final da página de referências. O resultado deste estudo ainda não foi publicado por nós, o que pretendemos fazer logo mais, mas já posso compartilhar com vocês os resultados quantitativos da aplicação dos critérios, o que pode ser visto nesta planilha. Se quiserem entender melhor o significado de cada critério de comparação, podem olhar neste documento uma descrição detalhada.
Ao verem os resultados, vai ficando claro que se confirma o problema que coloquei no início deste email: as principais soluções técnicas para a produção de acervos digitais dialogam muito pouco com os valores da cultura digital. Bom, posto isso, a questão então se torna como fazer isso. Como criar um ambiente que de fato procure incorporar preocupações fundamentais e necessárias para a gestão dos acervos, da preservação e da memória, mas que também sejam mais abertas, flexíveis, votadas a um público leigo? Como facilitar com que esse público leigo dos aspectos de gestão, mas potencialmente implicado, conectado e potente em sua área de atuação possa produzir espaços de acervos que promovam a participação social, sejam ambientes de fácil ativação de redes sociais e espaços onde diferentes dimensões de colaboração em torno da construção do acervo possam se dar?
Uma das primeiras preocupações que tivemos aqui era de não inventar a roda e começar a criar uma solução do zero, o que levaria um tempo enorme, alto custo e uma grande chance de não conseguirmos chegar no ponto necessário a um prazo razoável. Para isso, olhamos ao lado e nos questionamos o que é uma plataforma que traz com facilidade os valores de cultura digital que desejamos promover. Bem, aqui foi fácil chegar no WordPress como uma plataforma poderosa na produção de ambientes flexíveis, ágeis e poderosos na usabilidade, colaboração, produção de redes. Outro motivo que fortalecia a própria adoção do WordPress era ele já ser uma solução importante no âmbito da política de cultura digital do MinC, sendo sua mais importante ferramenta de relacionamento social, o CulturaDigital.BR, nessa tecnologia. A questão era se seria razoável usar o WP como base para um ambiente de produção de acervos digitais.
Ao começar a pesquisar sobre o uso do WP para repositórios, encontramos referências muito interessantes e atuais que pareciam de fato confirmar que há aí um caminho que parece ser o ponto encontro possível entre gestão da informação e cultura digital. Deixo aqui algumas referências caso queiram olhar mais atentamente para isso (livro 1, livro 2, livro 3). Nessas referências vamos encontrando argumentos que derrubam alguns mitos que giram em torno do WordPress: é uma solução que não escala, possui modelagem limitada de base de dados, serve apenas como blog, entre outras.
Uma vez que já tínhamos uma boa pesquisa sobre critérios de comparação entre sistemas de repositórios, já sabíamos que os softwares livres atuais não nos atenderiam de forma satisfatória nessa demanda, o WordPress se configurava como uma base potente para o desafio a que tínhamos nos proposto, a questão era, portanto, criar um plano de trabalho detalhado para a implementação das principais funcionalidades técnicas já descritas nos critérios que mencionei acima para a produção de um ambiente adequado para o que queríamos. É isso o que temos feito nesses últimos meses de trabalho nesta pesquisa. Vocês podem ver nosso plano de trabalho detalhado, bem como as atas de nossas reuniões e encaminhamentos que estão sendo feitos pela equipe técnica e de consultores especializados no tema que fazem parte de nossa equipe, além de uma série de estudos parciais que já fazem parte dos primeiros produtos desta pesquisa.
Por último, mas não menos importante, gostaria de salientar que tem sido central para nossa pesquisa a questão de permitir que a solução desenvolvida seja o mais flexível possível em seu desenho de rede. Queremos dizer com isso que ela deve ser interoperável de várias maneiras, permitindo que na ecologia web dos repositórios possamos incluir instâncias locais mantidas e operadas por instituições de forma descentralizada e também instâncias centralizadoras, como por exemplo uma possível instalação no âmbito do Ministério da Cultura tal qual funciona hoje o próprio CulturaDigital.BR. Para isso, entendemos que a possibilidade de federar diferentes sistemas de informação que podem compor essa ecologia (ICD, Drupal, Joomla, entre outros) é algo fundamental, sobretudo interoperando em soluções mais sofisticadas de trânsito de metadados e objetos completos que soluções mais simples como o RSS, tais como OAI-PMH e ORE, que além de permitirem fácil interoperabilidade de sistemas já também estão sendo preparadas no SocialDB como padrões e protocolos abertos para novas funcionalidades em direção a websemântica, como a adoção de RDF e OWL, gerando novos serviços em potencial de mixagem e remixagem de informação. Além disso, é fundamental para o diálogo com o público que queremos conectar um forte interoperabilidade com as mídias sociais, lembrando que muitas instituições culturais, sobretudo as de maior fragilidade no quesito tecnologia da informação, lançam mão de espaços como Flickr, Instagram, Youtube, Vimeo, entre outros para hospedar seus objetos digitais e garantir um acesso razoável aos seus conteúdos. Hoje, o SocialDB foi construído e já tem disponível funcionalidades para interoperar com essas redes importando coleções delas e permitindo um processo orientado de classificação e melhor organização desses conteúdos.
Dessa maneira, temos entendido que esta pesquisa aponta para soluções e tem proposto experiências que procuram dar conta de servir como uma grande interface de metadados entre diferentes espaços de informação, ampliando para a própria potência da web e das suas possibilidades em rede do fazer e produzir curadoria em rede, sinalizando de maneira concreta em direção a um caminho possível entre inteligência coletiva e gestão da informação no âmbito da construção de acervos digitais.
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