Relato de Everton Lucero, publicado no blog da delegação brasileira
no Internet Governance Forum 2010, evento promovido pela ONU
que tem como objetivo criar um espaço global de debates sobre a
governança da Internet. Em Vilnius – Lituânia, de 14 a 17/09/10.
Na quarta-feira, Participei, como painelista, do workshop “IG viewed through different lenses, with emphasis upon the lens of economic and social development”, organizado por George Sadowski.
Sadowski propôs reunir, na mesma mesa, atores com distintas perspectivas sobre quais seriam as prioridades de uma agenda para a governança da Internet, no intuito de identificar possíveis elementos comuns, de interesse dos governos, organismos internacionais, da indústria, da comunidade técnica e da academia.
Foi um exercício realmente interessante, que gerou discussão mais teórica sobre conceitos de ciência política, tais como soberania, participação política, papel dos governos, etc.
De minha parte, ao falar sobre quais seriam as prioridades desde o ponto de vista de organizações internacionais, assinalei que isso seria variável, de acordo com o mandato de cada organismo. A Unesco, por exemplo, iria considerar os temas de multilinguismo e liberdade de expressão, enquanto que a UIT diria serem as questões de infraestrutura, conectividade e alocação de recursos como prioritários e possivelmente não daria a mesma atenção a multilinguismo. Tão óbvio que nem precisaria mencionar, não fosse pelo fato de que, no IGF, há participantes de origens e formações tão diferentes que muitos nem sequer sabem o que é uma organização internacional.
Agreguei que organizações internacionais podem ser consideradas como fenômenos de segunda classe no plano das relações internacionais, pelo fato de que seus mandatos resultam de acordos entre os Estados, portanto seria útil considerar o tema do workshop sob a lente dos estados nacionais. E mesmo no plano nacional, o exercício de fixar prioridades irá variar de acordo com a representação política, os processos decisórios internos e o nível de desenvolvimento de cada país. Fixar prioridades é, portanto, um exercício de escolhas políticas, o que nos remete naturalmente à seara da ciência política e de como decisões coletivas são tomadas.
No plano internacional, a igualdade soberana dos Estados e a função básica de prover defesa, preservar a soberania e proteger contra agressoes externas geraria uma orientação natural dos Estados em buscar assegurar que suas infraestruturas e processos nacionais não fossem dependentes nem estivessem submetidos a forças externas. Isso demonstraria o porquê de, no interesse de preservar a integridade, continuidade e segurança dos recursos de Internet usados no país, os Estados buscariam corrigir distorções no regime internacional de gestão da Internet, quando à vinculação de recursos críticos a um só país, ao desequilíbrio na representação em foros internacionais sobre o assunto e à necessidade de ampliar a colaboração internacional para combater ameaças à cibersegurança, por exemplo.
Milton Mueller centrou sua apresentação na defesa da liberdade dos usuários e no direito de não estarem sujeitos a qualquer tipo de censura estatal. Criticou o “poder de veto” dos governos sobre decisões da ICANN, por meio do GAC, com base em alegadas preocupações com políticas públicas. Acrescentou que o debate sobre “securitização” da rede deveria ser substituído por debate sobre a “desnacionalização”, ou como retirar dos Estados qualquer interferência sobre decisões relacionadas à Internet.
Patrick Fallstrom, representando a comunidade técnica, falou sobre a contínua evolução da tecnologia, junto com a expansão da Internet, o que tem propiciado o surgimento de inovações e oportunidades. Para manter esse ambiente, destacou a necessidade de preservar a interoperabilidade e o funcionamento dos recursos, daí o cuidado com decisões que atentem contra o modo como a Internet foi projetada. Criticou, nesse sentido, a expansão da raiz do DNS, mediante a adição de novos gTLD, o que atentaria contra o princípio de hierarquização do DNS.
Theresa Swineheart, da Verizon, falando como representante do setor privado, mencionou diversas iniciativas que a indústria vem articulando em níveis regional e global, para harmonizar e tentar estabelecer prioridades para o setor. Salientou, como prioridades, a necessidade de observar equilíbrio entre regulação/legislação e fomento a negócios; a importância de promover uma economia de mercado, como forma de fomentar a inovação, a criatividade e o desenvolvimento. Ressaltou que, dada a característica global da Internet, que não vê fronteiras, não se pode simplesmente tomar a legislação tradicional e tentar aplicá-la on-line. Apoiou, portanto, o modelo atual de governança, baseado na liderança do setor privado, e sugeriu evitar a introdução de novas medidas legislativas.
Bill Drake respondeu desde a perspectiva do desenvolvimento. Descreveu a governanca da Internet como espaço multidimensional e complexo, que reúne instituições, processos e foros globais. Alertou que o conceito de soberania, nesse ambiente, pode ser abusado, para acobertar interesses não declarados quanto ao controle desses mecanismos por governos autoritários ou interessados em limitar a liberdade de expressão na Internet.
Seguiu-se debate interssante sobre a organização política do cenário internacional, em que procurei deixar claro que, do modo como nossas sociedades estão estruturadas, e na ausência de uma alternativa, o papel dos Estados nacionais e o conceito de soberania continuarão presentes em qualquer solução que se busque para problemas surgidos pela interação social via Internet. Afinal, efeitos da tecnologia sobre relações sociais devem continuar a ser regidos pela Lei, e não por padrões técnicos ou pelo “running code”.
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