“O que é realmente uma cidade digital? Apenas a internet livre? A existência das nuvens digitais? O que precisa evoluir, para além de uma discussão tecnológica?” As provocações são colocadas pela equipe do projeto Cidade Comunicadora, proposto pela Organização Não-Governamental Laboratório Brasileiro de Cultura Digital e financiado pela Fundação Ford. O objetivo do trabalho é discutir a qualificação do uso da rede nas cidades digitais e, para isso, está sendo feito um mapeando dos municípios brasileiros que possuem iniciativas de implementação da internet banda larga livre para a população.
“Os resultados até agora são os mais variados e assumem, muitas vezes, propósitos distintos: alguns promovem a integração de toda a comunidade, outros dão prioridade apenas à diminuição de custos da esfera administrativa, outros representam fortemente o interesse comercial das operadoras”, explica Aline Rabelo, coordenadora executiva da ONG e uma das responsáveis pela pesquisa.
Para levantar as demandas e unir as partes envolvidas nos projetos de cidades digitais e interessados no tema em geral foi criado o grupo de discussão Cidade Comunicadora – qualificando o uso da rede nas cidades digitais no Fórum da Cultura Digital Brasileira. “Queremos que as pessoas (moradoras ou não das “cidades digitais”, administradores/gestores públicos, instituições) discutam conosco exemplos de projetos que deram certo ou não, apontem falhas, pensem em ações interessantes e nos ajudem a pensar em caminhos possíveis”, diz Aline.
Abaixo, ela conta um pouco mais sobre o trabalho feito até o momento e convida a todos a participar dessa discussão que envolve política pública, democratização da comunicação, plano nacional de banda larga, entre outras questões.
1) O conceito de cidade digital é variado. Que critérios estão sendo usados para definir as iniciativas a serem incluídas no projeto?
Aline: “Queremos pensar esse conceito em conjunto. Ver como os municípios e cidadãos estão enxergando. a questão. Por isso, o blog, o grupo de discussão e o seminário [o projeto prevê um encontro entre gestores de cidades digitais para a criação de uma cartilha sobre o tema].
Sabemos que a dimensão do conceito é muito grande e abrange mais que o desenvolvimento e a apropriação tecnológica, as facilidades administrativas e orçamentárias. É uma nova concepção cultural. Acreditamos que o foco é o indivíduo enquanto agente, protagonista de transformações sociais. O ambiente digital possibilita isso e os municípios devem ser capazes de criar políticas e programas que promovam a integração entre indíviduos, serviços e exercício da cidadania.
Para este ”mapeamento macro”, inicial, optamos por levantar qualquer iniciativa/política municipal que envolva conexão banda larga, podendo compreender desde ações mais pontuais, como apenas uma interligação física entre prédios de administração pública, ramificações e melhorias de rede, criação de serviços online (como prontuário médico, marcação de consultas, segunda via de contas, checagem de débitos), até projetos mais evoluídos, com resultados interessantes em educação (como diminuição da evasão escolar), saúde (por exemplo, o uso da telemedicina) e administração (como redução de custos).
Uma característica forte observada é o oferecimento do acesso à internet aos moradores, seja via telecentros, seja por meio de abertura do sinal sem fio para todos os habitantes. Esses exemplos são a base para considerarmos – neste momento - a cidade como “digital”, com o intuito de desenvolvermos o conceito ao longo das discussões. Ainda são poucos os municípios com uma utilização mais complexa da rede, com políticas desenvolvidas para os mais diversos segmentos da vida social.”
2) E qual é um desses poucos exemplos de uso mais complexo da rede?
Aline: “Piraí, no Rio de Janeiro, talvez seja nosso maior exemplo. Lá, o entendimento do que é uma cidade digital refletiu na melhoria efetiva da qualidade de vida da população: governo, educação, terceiro setor, instituições, comércio e cidadãos estão interligados, trabalhando o desenvolvimento da governança eletrônica. Os setores adequaram suas atividades e metodologias a partir do advento das redes e da tecnologia. Piraí Digital se destaca, por exemplo, por ter readequado seu sistema pedagógico e disponibilizado um computador por aluno. As mudanças vivenciadas pela população são acompanhadas de perto por um conselho municipal.
Do outro lado, temos Pedregulho, em São Paulo, onde a política adotada visou mais uma estratégia para o “estímulo ao pagamento dos impostos”. Nessa cidade, o projeto Cidadão Internet oferece acesso gratuito à internet via Wi-Fi apenas àqueles que estejam com seus impostos em dia. A iniciativa previu também a criação de telecentros, uma biblioteca virtual, rádios online e a conexão entre prédios públicos.
A construção tem se dado de maneira heterogênea, em diversos aspectos. Em Quissamã, também no Rio, parte dos royalties do petróleo foram utilizados para transformar a cidade em digital. Escolas e postos de saúdes estão interligados e a cobertura Wi-Fi cobre 100% de seu território. Mas, para se conectar, o cidadão precisa fazer um investimento de 300 a 400 reais em equipamentos (antena, cabos e modem), adquiridos e instalados pelas empresas da região, por exigência da prefeitura, com intenção de “desenvolver a economia local”.
Tem ainda Sud Munucci, em São Paulo, uma das cidades pioneiras na implantação de rede aberta, que oferece conexão gratuita para a população desde 2003. Lá, os cidadãos precisam fazer um pedido para a prefeitura, ter seus impostos em dia e comprar um Kit com antena e placa Wi-Fi, para conseguirem o acesso. Cada escola do município possui uma sala de informática para os alunos, e ficam à disposição de todos fora dos horários de aula. Além disso, as pessoas podem se conectar na Biblioteca Municipal, que desde então observou um aumento de 25% no aluguel de livros.”
3) A discussão sobre o Plano Nacional de Banda Larga e a proximidade das eleições fazem do momento oportuno para discutir políticas públicas de acesso à rede. No caso das cidades digitais, elas costumam ser prerrogativa da adminstração do munícipio ou em algum caso, nos exemplos observados até agora, isso fica para o estado ou governo federal? Que pontos são importantes serem debatidos nas campanhas de 2010? Quais comprometimentos os eleitores devem exigir de seus candidatos?
Aline: “Muitas das cidades gastam dinheiro demais com a conexão aberta aos cidadãos. A banda larga nacional melhoraria isso. Mas não sabemos ainda como ficará. A maioria dessas cidades tem a administração da rede no âmbito municipal. Em alguns casos, há convênios entre estado e prefeituras, como em Minas Gerais, Rio de Janeiro e Acre.
No geral, é necessário que a população cobre que o acesso à rede faça parte dos serviços públicos oferecidos ao cidadão. Há também a necessidade de se exigir dos políticos e das administrações públicas a publicação de dados e balanços na internet, que as administrações sejam mais transparentes e ofereçam meios para o cidadão acompanhar o trabalho dos políticos. Pensar nessas ações, é batalhar por uma governança – ou, pelo menos, nos primeiros passos para se chegar a ela. A sociedade civil organizada deve trabalhar para filtrar esses dados e assim fazer um acompanhamento das políticas públicas. Além disso, há uma carência muito grande de softwares e de serviços digitais ligados ao monitoramento das administrações públicas. Uma alternativa interessante seria a criação de editais públicos e premiações com o objetivo de desenvolver projetos de softwares que fomentem a participação efetiva do cidadão.”
4) Que discussões devem ser levantadas no grupo criado no Fórum da Cultura Digital Brasileira? A quem o grupo se destina? Que contribuições o projeto espera receber da rede?
Aline: “Nossa proposta inicial é fazer debates em cima de alguns eixos temáticos: Cultura e Lazer, Desenvolvimento, Economia, Educação e Saúde, e Governança. Claro que essas áreas se entrelaçam, mas é uma metodologia que estamos adotando para sistematizar diretrizes – inclusive para a publicação da cartilha.
Enfim, queremos levantar as demandas e unir as partes interessadas e envolvidas nos projetos de cidades digitais. A criação dessa rede dentro do Fórum da Cultura Digital Brasileira visa, além do encaminhamento aos objetivos já apontados deste projeto, a criação de redes que caminhem independentes e possam continuar praticando a governança.”
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