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Vigilantismo na internet não tem precedentes em países democráticos, diz jurista

20 de Junho de 2009, 0:00 , por Software Livre Brasil - 0sem comentários ainda | Ninguém está seguindo este artigo ainda.
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Apelidado de AI-5 Digital por críticos, o substitutivo do senador Eduardo Azeredo traria consequências mais graves do que leis semelhantes de outros países, sustenta Tulio Vianna, especialista em direito eletrônico

Por: Anselmo Massad

Publicado em 19/06/2009


Vigilantismo na internet não tem precedentes em países democráticos, diz jurista


Imagem vinculada ao Mega Não, movimento de blogueiros contrários ao projeto de Azeredo (Foto: Reprodução)

O substitutivo projeto de lei 89/03 do Senado de crimes na internet é ruim tecnicamente e desastroso do ponto de vista político, avalia o professor de direito penal da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-MG) e presidente do Instituto Brasileiro de Direito Eletrônico Túlio Vianna. Para ele, o vigilantismo estabelecido pelo texto é sem precedentes em países democráticos, o que ameaça o direito à privacidade e a liberdade de expressão.

Ele concedeu entrevista à Rede Brasil Atual para avaliar as duras acusações de Azeredo aos críticos. O relator do substitutivo classifica como má-fé os pontos apontados por defensores de direitos humanos e blogueiros, que chamam o projeto de AI-5 Digital, comparando os efeitos da legislação proposta ao Ato Institucional nº 5, promulgado em 1968 pelo presidente Costa e Silva, durante o regime militar.

Entrevista

Túlio Vianna

professor de direito penal da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-MG) e presidente do Instituto Brasileiro de Direito Eletrônico

O especialista em direito informático é contrário ao projeto e apresenta, em seu blogue, os 10 principais motivos por que o texto é ruim tecnicamente e desastroso politicamente. A questão mais sensível é o vigilantismo que seria estabelecido caso os provedores fossem obrigados a manter e analisar os arquivos de log do usuário, em que são armazenadas informações de origem e conteúdo acessado. O risco de violação da privacidade pode se tornar uma ameaça também à liberdade de expressão. Além de imprecisões, ele critica argumentos apresentados a favor do substitutivo, como o combate à Pedofilia e o aumento das fraudes bancárias.

Na entrevista, o professor discute a participação de parlamentares no processo. Ele considera natural a reação do autor do substitutivo no momento em que a sociedade civil conseguiu se mobilizar e “pôr o dedo na ferida”. O senador Aloísio Mercadante é criticado por ter aceito o vigilantismo, algo não lhe “ parece adequada para um senador de esquerda”.

“Em vez de rediscutir a lei de direitos autorais, pretendem impor, por
meio do vigilantismo, essas leis para manter o estado das coisas tal
como se encontra. É uma tentativa meio desesperada de conter o
compartilhamento de arquivos.” – Tulio Vianna

Sobre as mudanças propostas pelo atual relator da matéria na Câmara, Júlio Semeghini (PSDB-SP), Vianna avalia que são mudanças muito pontuais que apenas tornam o texto menos pior. “O problema é que, do ponto de vista jurídico e técnico, o projeto é muito ruim (…) não tem como ser remendado”, sustenta.

A proposta do advogado é a formação de uma comissão de especialistas com magistrados, delegados e acadêmicos dedicadas à questão, para assegurar a qualidade técnica e a precisão dos artigos. Seria necessário que a legislação previsse, além de deveres, também direitos.

Confira os principais trechos da conversa.

RBA – Como o senhor vê a reação do senador Azeredo às críticas?

“O problema não é guardar o log por três anos ou seis meses, o problema
é que sejam guardados. Se
há vigilância e controle de acesso, por si só, já é uma ameaça à
liberdade de expressão. Essa liberdade só existe se não houver
vigilância.” – Tulio Vianna

É natural que ele não fique contente, que se sentir ameaçado quando se começa a colocar o dedo na ferida. Até então, o projeto estava sendo discutido por pessoas interessadas nesse vigilantismo. É natural que ele venha com agressividade. Mas as crítica são técnicas, e falo na condição de professor de direito: o projeto é mal feito do ponto de vista jurídico, (incluindo)
a redação dos tipos criminais e não há muito como fugir disso. E do ponto de vista político, tem o vigilantismo. Está lá com todas as letras que o provedor vai ter de guardar log de acesso de usuário, o que é absurdo.

RBA – O deputado Julio Semeghini o atual relator da matéria na Câmara, mas foi autor de projeto de teor semelhante que tramitava na Casa. Que perspectiva isso traz ao projeto?

“O projeto é mal feito do ponto de vista jurídico e não há muito como
fugir disso. E do ponto de vista político, tem o vigilantismo” – Tulio Vianna

Por ser mal feito do ponto de vista jurídico, o projeto não tem como ser remendado. O que deveria ser feito é acabar com ele, criar uma comissão de juristas especialistas na área, para fazer uma lei que trate o assunto de uma forma democrática, com discussão na sociedade. Isso não foi feito. O Azeredo juntou os amigos dele, um grupo de advogados ou de juízes ligados a ele para fazer a lei, o que não é democrático.

RBA – Como seria uma construção mais adequada?

Precisamos de uma comissão plural, que tenha magistrados, delegados e também advogados de defesa e professores universitários para produzir uma lei técnica.

“O Azeredo juntou os amigos dele, um grupo de advogados ou de juízes ligados a ele para fazer a lei, o que não é democrático.”– Tulio Vianna

O projeto atual é ruim do ponto de vista técnico e desastrosa do ponto de vista político porque prevê essa vigilância em relação aos logs de usuários, o que inviabiliza, na prática, qualquer programa de inclusão digital. Imagine uma rede wireless aberta, se tenho que guardar log. Como se faria isso?

RBA – O deputado Julio Semeghini deu declarações prometendo algumas mudanças: mudar o prazo de armazenamento de logs, tirar a obrigação dos provedores de notificar indícios de crime e especificar acessos que seriam tipificados.

Esses pontos são mínimos, não resolvem, apenas tornam o projeto menos pior. Está longe de resolver a crítica que fazemos. O problema não é guardar o log por três anos ou seis meses, o problema é que sejam guardados. Por exemplo, no Irã, a internet é bloqueada e eles tinham o Twitter como forma de comunicação dentro desse drama. Se há vigilância e controle de acesso, por si só, já é uma ameaça à liberdade de expressão. Essa liberdade só existe se não houver vigilância. O tempo (de armazenamento) não é uma mudança significativa.

RBA – E sobre a obrigação de notificar indícios de crime?

Se aprovado, seria totalmente inconstitucional. É inviável, o provedor não tem como saber tudo de conteúdo que se publica. Essa mudança é o mínimo, é tão absurdo que até eles viram.


RBA – Como o senhor avalia a atuação do senador Aloísio Mercadante no projeto? Essa participação sempre é citada por Azeredo como forma de afirmar que houve diálogo.


Do ponto de vista técnico, o substitutivo do Mercadante era ainda pior do que o do Azeredo. Não só na parte de redação, mas na construção da lei em si. Do ponto de vista político, não me parece que tenha feito qualquer avanço, ao contrário, aceitou o projeto original com seus pressupostos básicos. Apesar de serem de partidos que fazem oposição entre si, a participação do Mercadante não no sentido contrário da de Azeredo. Ou por falta de informação técnica, ou ele não percebeu, ou julgou que estava correta a posição de vigilantismo – algo que não me parece adequado para um senador de esquerda. Mas foi a posição dele, a gente tem de respeitar.

RBA – Levando em conta a articulação de movimentos contrários à lei, pode haver a reformulação que o senhor defende?

“A lei teria de conceber não só deveres, mas direitos ao usuário de
internet. A sociedade civil está muito organizada hoje, demorou, mas
aconteceu. Estamos vendo a repercussão na internet.” – Tulio Vianna

Acredito que sim. Se a aprovada, querendo ou não, seria incorporada ao nosso ordenamento jurídico uma lei mal feita, com imprecisões técnicas muito fortes e com a questão do vigilantismo – algo sem precedentes em outros países democráticos. Entre aprovar uma lei com qualidade tão baixa e consequências políticas tão desastrosas, e descartá-la para criar comissão de juristas para um lei nova, seria um ganho em termos democráticos. A lei teria de conceber não só deveres, mas direitos ao usuário de internet. A sociedade civil está muito organizada hoje, demorou, mas aconteceu. Estamos vendo a repercussão na internet.

RBA – Países como Espanha, Inglaterra, Estados Unidos e a França mais recentemente, foram estabelecidas leis combatidas com argumentos de defesa à privacidade. Essas legislação não podem ser comparadas ao vigilantismo?

O nosso é pior, mas o deles é problemático também. A questão é o lobby das empresas de direitos autorais. No exterior, então, nem se fale. O que querem é fazer uma vigilância do compartilhamento de arquivos na rede, que é uma realidade. O usuário doméstico compartilha arquivos com violações de direitos autorais, a maioria faz isso. Em vez de rediscutir a lei de direitos autorais, pretendem impor, por meio do vigilantismo, essas leis para manter o estado das coisas tal como se encontra. É uma tentativa meio desesperada de conter o compartilhamento de arquivos. Ao fazer isso, o preço pago é a vigilâcia de todos os usuários. A liberdade de expressão e o direito à privacidade vão ser colocadas em risco. É um preço muito alto para se combater algo que, pessoalmente, não considero tão grave – nem deveria ser crime, mas isso é outra discussão. A questão não me parece justificar passar por cima de direitos fundamentais tão importantes.

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Fonte: http://meganao.wordpress.com/2009/06/21/vigilantismo-na-internet-nao-tem-precedentes-em-paises-democraticos-diz-jurista/

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