Fonte: Revista Rever
Foto: Marina Silva
Buscando a reflexão sobre a invisibilidade do negro no cinema e as formas de superação desta realidade que escapa à vista de muitos realizadores, cineclubistas, amantes da sétima arte e de todos os trabalhadores que movimentam o cinema – a Egbé: Mostra de Cinema Negro de Sergipe -, evento que acontecerá entre os dias 6 e 9 de abril, traz para o estado um espaço de descoberta da produção cinematográfica negra.
A ideia do evento, quiçá, pioneira em Sergipe, é estimular a socialização de debates e filmes que tratam de temas voltados ao empoderamento negro. Ele foi pensado pelo Cineclube Candeeiro em parceria com a Cacimba de Cinema e Vídeo. Conforme os idealizadores, um dos fatores que motivou a realização da mostra foi a ausência da discussão acerca do cinema negro no estado.
Além disso, afirmam que a participação de negros sergipanos em produções fílmicas tem uma história. “Sergipe possui representações do Cinema Negro fora do estado, a citar o ator negro Severo D’Acelino, que atuou em filmes de destaque como, “Chico Rei” (1985), de Walter Lima Jr., onde foi personagem principal, e também “Espelho D’Água” (2004) de Marcus Vinicius Cezar. Além de Severo, podemos citar Maria Beatriz Nascimento, historiadora sergipana que escreveu e narrou o filme “Ori” (1989) de Raquel Gerber, do qual discute o movimento negro em medos da década de 70 e envolve sua história pessoal de mulher negra, recordando inclusive de sua cidade natal, Aracaju”, acrescentam os idealizadores.
Uma das potencialidades do cinema é romper estereótipos. Tratando-se do Brasil, um país que se estruturou sob as bases econômicas e sociais da escravidão do povo negro, vemos como a imagem do preto é vulgarmente demonizada e inferiorizada, quando é mostrada. O sociólogo, jornalista e militante do movimento negro, Clovis Moura, em seu livro: ‘Sociologia do Negro Brasileiro’, aponta que toda produção cultural, quer científica, quer ficcional, que escamoteia ou desvia a presença negra e suas particularidades em diversos níveis, contribuem para a construção de generalidades e lugares-comum, que pouco diz sobre a verdadeira história e cultura negra.
A pesquisa produzida pelo Grupo de Estudos Multidisciplinares da Ação Afirmativa (Gemma), da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, ‘A Cara do Cinema Nacional’, lançada em 2014, revelou que, entre os 200 filmes com maiores bilheterias, de 2002 a 2012, somente 2 foram dirigidos por negros. É importante frisar que a pesquisa focou os longa-metragens que foram exibidos em cinemas. Porém, tem uma gama de produções independentes de curtas e documentários que passam longe das grandes salas e que vêm ganhando destaque em mostras, festivais e cineclubes.
Em entrevista cedida a Agência Brasil, em 2015 (ver entrevista na íntegra: http://migre.me/toH9D), a historiadora e coordenadora do Fórum Itinerante de Cinema Negro (Ficine), Janaína Oliveira, conta que tem aumentado o número de diretoras e roteiristas negras e isso refletiu nas exibições de filmes de realizadoras em outros países, como Burkina Fasso, Cabo Verde e Cuba.
Dando uma olhada na programação da Egbé, constatamos o que Janaína afirma. Dos 11 filmes, 8 foram produzidas por mulheres. Um deles é o ‘Conflitos e abismos: a expressão da condição humana (2014), de Everlane Moraes. Ela que está em Cuba estudando na Escuela Internacional de Cine y TV, fala que a mostra é muito importante para a valorização e afirmação da cultura negra.
“A cultura negra é tão presente em Sergipe, tanto na culinária, na maneira de falar, na música. Não tenho ideia de quando vi uma mostra deste tipo na história do estado. Temos uma proximidade com as matrizes africanas. Eu creio que este evento demonstra bastante que há novos cineastas da periferia, ligadas ao movimento negro e movimento de mulheres negras. A cultura negra é um modo de vida e o cinema contribui muito para isso. Estas mulheres veem no cinema uma forma de pautar discussões em torno de vários assuntos da cultura negra”, reflete Everlane.
Outros projetos
A mostra não é o único projeto tocado pelo Candeeiro e a Cacimba. Com o intuito de circular e fomentar a produção independente sergipana, eles estão realizando cineclubes pelo interior. De acordo com uma das produtoras da Egbé, Luciana Oliveira, “exibir filmes como ‘O Corpo é meu’ e o ‘Caixa D’água, Quilombo é esse?’ em uma comunidade quilombola como o Mucamo, em Porto da Folha, foi uma experiência especial e única. Assistir filmes em um espaço público numa comunidade é uma experiência totalmente diferente. Portanto, as experiências vivenciadas pelos moradores e por nós resulta nas possibilidades de reflexão, lazer e na participação das duas partes”.
“Consideramos importante que esse público conheça filmes que não estão no circuito comercial, e principalmente conheçam os filmes sergipanos. Pois o cinema para quem não tem acesso se torna algo muito distante, às vezes, então acreditamos na importância dessas pessoas saberem que é possível fazer cinema e que isso está sendo feito em Sergipe. Então antes da exibição de cada filme temos exibido filmes sergipanos e também feito exibições apenas com filmes sergipanos em algumas comunidades”, finaliza Luciana.
Confira a programação completa da Mostra em: https://sites.google.com/site/mostradecinemanegrosergipe/
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