Fonte: Blog do Gusmão
Foto: José Nazal
A unidade sulbaiana da Promotoria Ambiental do Ministério Público do Estado funciona no campus da UESC, onde na sexta-feira (8) a promotora Aline Salvador recebeu o Blog do Gusmão para uma conversa sobre a crise hídrica de Ilhéus.
Nos tópicos abaixo a promotora faz uma retrospectiva para retomar as circunstâncias do início da crise. Apresenta uma visão ampla sobre o cenário atual e os desafios para evitarmos o seu agravamento. Também aborda questões específicas, como os barramentos nos mananciais do rio Iguape e a dificuldade da Embasa para abastecer o Centro e os morros de Ilhéus com a água do rio Santana, por falta de uma tubulação exclusiva que ligue a Barragem do Rio do Engenho ao centro da cidade.
Incêndio no norte de Ilhéus
O esforço para compreender a realidade atual nos remete a dezembro de 2015, quando “vivenciamos aquela situação de estresse hídrico”, explica a promotora. A seca coincidiu com as reintegrações de posse executadas pelo governo da Bahia na zona norte de Ilhéus. “Muita gente começou a atear fogo para descaracterizar a importância ambiental da área. Comecei a ficar muito preocupada com os incêndios atrelados à seca”.
A promotoria aguarda a conclusão de laudos técnicos sobre a possibilidade do incêndio no litoral norte de Ilhéus ter produzido ondas de calor que se estenderam até o território de Itabuna.
Situação não era preocupante, assegurou Embasa
Ainda em dezembro, essa preocupação levou os promotores Yuri Lopes e Aline Salvador a recomendar providências aos municípios de Itabuna e Ilhéus, à Embasa e ao Inema, órgão estadual responsável pelas outorgas para a exploração dos recursos hídricos.
Aos prefeitos e secretários ambientais desses municípios, a promotoria recomendou a decretação de emergência e a intensificação dos atos fiscalizatórios para coibir irregularidades no uso da água. Os promotores também recomendaram que o Inema iniciasse as notificações dos usos irregulares e que a Embasa monitorasse as interligações da sua rede.
Em janeiro, a Embasa respondeu a recomendação. Os outros entes não se manifestaram até aquele momento. Segundo a promotora, a resposta da estatal a tranquilizou. A Embasa “disse que a situação não era preocupante, nós estávamos com uma situação equilibrada, com volume de água bem acima do volume morto”.
Em março, a estatal informou a promotora sobre um barramento na bacia do Iguape, “mas não me disse ainda que era uma situação caótica”. Um mês depois, “a tranquilidade acabou”. “Percebi que o município já estava sendo instado pela Embasa a tomar providências em relação àquele barramento. Desde janeiro, a mesma Embasa que me disse não haver problema, já havia comunicado ao município a situação de um barramento na bacia do rio Iguape. Em tese, seria o grande responsável pela falta de fluxo até a represa”.
A “tranquilidade” do governo municipal
O alarme da Embsa, lembra Aline Salvador, contrastou com a tranquilidade do governo municipal. “Enquanto a Embasa estava extremamente alarmada com uma iminente crise hídrica, o município aparentemente estava muito tranquilo: pediu que a pessoa [proprietária do barramento] se regularizasse”.
O município deu cento e vinte dias para a situação do barramento ser regularizada. A proprietária tinha outorga do Inema para usar a água. Mesmo vencida, a autorização manteve a validade, porque o pedido para renová-la foi feito dentro do prazo legal (120 dias antes do vencimento).
Barramentos do Rio Iguape
A equipe de apoio técnico da promotoria usou fotos de satélite de 2010 para ter uma referência mínima sobre a localização dos barramentos. As imagens revelaram 33 pontos que poderiam ser barragens ou outras estruturas, como escavações. “A realidade nos mostrou que muitas barragens diagnosticadas pelas imagens de satélite eram pontos de escavação para captação de chuva, outros, estavam secos”, esclarece Aline Salvador.
Na última semana o Inema iniciou a notificação dos proprietários de áreas com intervenções para o uso de recursos hídricos. Vinte propriedades devem ser regularizadas.
Conforme Aline Salvador, é necessário avaliar o melhor momento para decidir o que fazer com as barragens, “pois a gente não pode correr o risco de perder água para o solo”. Considerou isso quando acionou o Poder Judiciário para requerer a desobstrução parcial da maior barragem particular encontrada no Iguape. “Estávamos muito preocupados com a possibilidade dessa água se perder no solo seco. Acrescentamos exclusivamente a desobstrução para parte do fluxo e não pedimos o descomissionamento todo”.
Legalidade e impacto
O aspecto legal, no entanto, não pode ser ignorado. Mesmo seco, um barramento “pode ser ilegal por não ter atendido as medidas cabíveis”, observa Aline Salvador.
A promotora também destacou a necessidade de avaliar sistemicamente o impacto acumulado dos barramentos sobre o fluxo da água para a represa. Ou seja, é necessário identificar “quanto eles podem sinérgica e cumulativamente contribuir com a situação, a melhor ou a pior, do Iguape”. Além disso, “as inspeções deram conta de que muitos barramentos estão secos, mas há ainda barramentos com água. E quando você tem um barramento sem descarga de fundo, o acúmulo de matéria orgânica no fundo do leito gera o fenômeno da eutrofização: o excesso de matéria orgânica acaba com o oxigênio da água”.
Inexistência de estudos
Em maio de 2016, o secretário de meio ambiente e urbanismo de Ilhéus, Antonio Vieira, revelou a este blog que o município não tem estudo sobre as matas ciliares dos rios que abastecem a represa do Iguape nem diagnóstico a respeito da utilização do solo naquela região. Essas pesquisas seriam fundamentais para avaliar a capacidade de conservação e de recuperação das fontes de recursos hídricos.
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