Fonte: Licuri
Foto: OSBA
Quantos anos vive uma orquestra sinfônica? Muitas são centenárias, mas a Orquestra Sinfônica da Bahia, a OSBA, está em estado terminal aos 34 anos. Assassinada por estrangulamento lento e contínuo por mais de uma década pelo mesmo Estado que a criou.
Vi essa menina nascer numa manhã ensolarada de domingo, ao ar livre. Cheguei atrasado àquele primeiro concerto em frente ao Iguatemi, um domingo do final de 1982ou inicio de 1983.
Não se mata uma orquestra em um dia. É preciso um garrote de tempo, parar de injetar sangue novo, deixar de recompor, de substituir quem sai em busca de novas oportunidades, quem se aposenta, quem morre.
Ênio se foi, Salomão morreu, Claudia se aposentou, Juracy ainda está lá, Christian também. Sim, há resistentes, daqueles presentes ao concerto no início da década de oitenta, e eles ainda tocam o barco.
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Precisamos de uma Orquestra Sinfônica da Bahia? Sim, é preciso fazer este tipo de pergunta para entender a atual situação da OSBA. A resposta por quem poderia decidir pela sua existência e continuidade talvez contenha a causa da atual inanição.
Futucando na internet, a gente descobre que há 72 anos alguém respondeu sim a essa pergunta. E também, por dedução, que houve uma primeira morte da OSBA. Vamos então à tecla REW, velhinhos.
– Neste domingo vou a Cachoeira assistir aoconcerto da OSBA, com regência do Padre Mariz, lá no Cine Teatro Cachoeirano. Vamos?Este possível convite se deu em em 12 de setembro de 1948.
Quatro anos antes, o padre jesuíta Luiz Gonzaga de Mariz havia criado a Orquestra Sinfônica da Bahia. O que aconteceu com esta primeira tentativa?
A resposta pode estar no artigo História Musical da Bahia: Orquestra Sinfônica da Bahia, do Padre Mariz, escrito por Bárbara Nunes Brasil e Erick Vasconcelos, apresentado na Reunião da SBPC, em Recife, em 2003. Maestro Erick Vasconcelos, pode nos ajudar a responder?
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E a sinfônica da UFBA?
Após a execução da abertura de A Flauta Mágica, de Mozart, o maestro JoséMauricio Brandão dirige-se à platéia, menos numerosa do que uma orquestra completa:“Boa Noite, esta é a Orquestra Sinfônica da Universidade Federal da Bahia. Temos aqui músicos funcionários da universidade e alunos em prática de orquestração. Nossa orquestra está, literalmente, caindo aos pedaços e a presença de vocês nos ajuda a evitar que ela acabe”.
Falei com o maestro no final do concerto e ele ratificou o desabafo: “Sim, caindo aos pedaços. Criada pelo reitor Edgard Santos, em 1954, esta orquestra acadêmica já foi a melhor do Brasil”.
O apelo e o desabafo foram feitos na abertura da temporada de 2011. Ao que parece, a situação continua aospedaços. Na página da orquestra constam hoje apenas 22 músicos.
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Mas nós temos o Neojiba!
Sim, no meio de toda a crise da música de concerto na Bahia surge no cenário um músico conquistense de prestígio internacional, um secretário da Cultura antenado, uma ideia que dá certo na Venezuela desde de antes de Hugo Chávez, e a colaboração da iniciativa privada. O modelo .gov passou a .org e assim a nova estrutura e equação financeira viabilizaram o projeto.
Também estava lá no concerto de nascimento e contei mais ou menos assim a experiência, dia 20 de outubro de 2007:
Teatro Castro Alves. Programa gratuito. Eu, Soraya e nossa renca ocupamos cinco poltronas na parte de baixo. No palco, o primeiro concerto do Neojiba. E as lágrimas desceram nos primeiros acordes da música que encheu a sala lotada.
Do palco vinham trechos carimbados de obras conhecidas de Beethoven, Wagner, Dvorak, Brahms, Rossini que todos ali – parentes, amigos, colegas, o governador e o distinto público em geral – ouviram em algum momento da vida, nem que seja num comercial ou desenho animado.
E os meninos mandaram bem. Não tenho como avaliar o concerto, não tenho ouvido nem formação musical, mas minha intuição ignorante diz que aquilo era música da boa. Verdadeira e vital como deve ser qualquer arte. O som saía vigoroso de cada naipe. Muito claro, decidido, seguro. A platéia respondia. Aplaudia de pé e demoradamente a cada finalização. E os meninos agradeciam meio encabulados, quase não acreditando no impacto da sua música.
Teve também o bis divertido do cancã com as palmas da platéia regidas pelo venezuelano Manuel Lopéz Gomes, de 24 anos. Uma figura à parte.
Este concerto já está na história do TCA, na história da música na Bahia. Villa-Lobos, Widmer e Smetak aplaudiriam também hoje, de pé, o nascimento de uma nova geração de músicos na Bahia. Choveu no Sertão da nossa música. E brotou.
Passados quase 9 anos, a triste constatação é que o Neojiba brotou sozinho. Na época, imaginei que ali estava o que faltava no cenário, uma sementeira de novos músicos para recompor as demais orquestras, todos ganhariam, todos ganharíamos.
A realidade é que, no modelo atual, pra ser recomposta a OSBA depende de concurso público estadual, a OSUFBA depende de concurso público federal. Fudeu.
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Mas derivo, como diz Franciel, um dos meus ídolos quando o assunto é mais de quatro linhas (nas quatro linhas, bem, deixa pra lá).
O assunto é de mais de quatro linhas, a tal crise crônica da OSBA e as possíveis e impossíveis soluções. Preciso derivar porque para voltar a este assunto quero falar em comunicação não violenta, a guerra de palavras na internet e as tentativas vãs de entender e conviver com um mínimo de dignidade e alguma felicidade com a humanidade, em casa, na internet, no trabalho, na rua, na chuva, na fazenda ou numa casinha de sapê.
Vejo na estante de revistas da lanchonete a edição deste mês de Vida Simples e compro porque gosto da matéria de capa, sobre a importância da gente se comunicar de forma menos agressiva. Bateu com minha necessidade de conversar melhor com o mundo, principalmente com os meus, com minha renca. E como já me alertaram via ditado chinês, antes de sair para mudar o mundo, dê três voltas dentro de sua própria casa.
Com este aviso e vacina para que o assunto aqui não descambe para a fúria e cegueira político-partidárias, voltemos então à vaca fria neste texto de março de 2011, quando escrevi uma coluna como Wolfgang Berim Bau, no blog Bahia na Rede. O assunto era o mesmo de hoje, o de falta de músicos, problema que ficou todo este tempo incubado e agora ressurge mais agravado. Ao texto:
Orquestra de asteriscos até quando?
Um concerto bonito, sonoro, correto. A Orquestra Sinfônica da Bahia (OSBA) abriu ontem (16) o calendário de 2011 com novo maestro, Carlos Prazeres. No programa, Wagner, Woolorich e Tchaikovsky.
Quem olha da plateia vê tudo normal. A orquestra é relativamente pequena, cerca de 60 músicos no palco, mas dá conta do recado. É no programa onde aparece o primeiro indício de problemas: os nomes dos músicos seguidos de asterisco. Embora o programa não explique isso, indica que se trata de convidado de outras orquestras. Nesta condição tivemos no concerto o spalla e mais cinco violinos, três violas e dois violoncelos.
A OSBA completa 30 anos em 2012. Mas em vez de amadurecer e crescer, definha. O último concurso foi há mais de cinco anos e no próximo ano quatro músicos se aposentam. O que fazer para a reversão dessa trajetória declinante? As duas principais orquestras do país, a Osesp paulista e a Sinfônica de Minas Gerais funcionam como Organização Social (OS), o que reduz o cipoal burocrático para o pleno funcionamento. É esta a solução para a OSBA?
O pianista e ex-diretor da orquestra, Ricardo Castro, apostava nessa saída. Houve resistências dos músicos e a coisa desandou. Resta saber quais são os planos do novo regente e do secretário de Cultura para deixar a OSBA novamente de pé.
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Tito da Silva