Por Franciel Cruz no Opinião e Política
Hodiernamente (recebam, hereges, um hodiernamente na titela logo no introito), o meme internético ocupou lugar central nos debates políticos de Pindorama. Portanto, é bem provável que, neste exato momento, a grande reflexão sobre a trôpega performance de Lula no inconsequente 15 de setembro ainda esteja girando em torno de alguma das desconectadas frases soltas proferidas por ele no tétrico pronunciamento. O objetivo das torcidas organizadas, de um lado e de outro, é apenas a viralização.
Óbvio que o incongruente discurso lulista de ontem é um prato transbordante para as mais diversas chacotas e análises. E, óbvio também, cada um percorre o caminho que desejar. Não será este rouco e tolerante locutor que vai propor a interdição do debate por qualquer viés. Apenas quero registrar que o que mais me chamou atenção ontem, além da total desconexão da fala lulista (talvez o pior discurso dele em séculos), foi o choro. Naquele desespero, mesmo que premeditado, me parecia existir verdade. O choro e o discurso desconectado, aliás, são faces de uma mesma moeda.
Antes de explicar os porquês, solicito ao motô que dê uma ré e voltemos cerca de duas décadas. Seguinte. No ano da graça de 1997, mais exatamente no mês de abril, Lula esteve aqui na Bahia para, entre outras estripulias, participar da filiação do ex-governador Waldir Pires ao PT. Fui entrevista-lo e, de prima, sem deixar a criança cair no gramado larguei o doce. “Lula, em 1986, o PT não apoiou a candidatura de Waldir. Agora, ele tá entrando no partido. Quem mudou: ele ou a legenda?”
Parecendo espantado com a pergunta, pois estava em uma roda de conversa amena com jornalistas, Lula partiu para o ataque. “Quem apoiou Waldir 1986 e que agora tá procurando problema foi você e sua turma no partido. (Ele tinha me visto conversando com uns conhecidos que faziam parte de tendências esquerdistas. Sim, o PT já teve tendências esquerdistas). Vocês esquerdistas...”.
Ao ouvir o “esquerdista” em tom de deboche, retruquei. “Não estou esquerdista aqui. Estou jornalista”. Clima ficou tenso. Ao ver que a casa poderia feder a homem, a turma do deixa disso entrou em campo e Lula saiu pela tangente. Disse que a conjuntura havia mudado, que era preciso ampliar alianças, que ele mesmo já havia convidado Waldir para entrar no partido antes e etc e tal, e tome-lhe moderação. Os jornalistas, esta raça de gente ruim que sempre aprecia uma moderação, avalizavam com a cabeça.
Pois bem. Menos de cinco minutos depois, ele entrava no plenário da Assembleia Legislativa, quase ofegante, e fazia um discurso de botar meu esquerdismo no chinelo. Para uma plateia composta de integrantes dos Sem Terra, pregou revoluções, reforma agrária na lei ou na marra, enfrentamentos e outras mumunhas. A galera delirava.
Naqueles dois instantes, meio que ficou claro para mim o modus operandi de Lula. Além de saber falar o que cada plateia queria ouvir, para ganhar a confiança das mesmas, ele era o sujeito que deixaria sempre a corda esticar dos dois lados para aparecer/ser a conciliação global. Seus dois governos, inclusive, foram assim. Incentiva o agronegócio e a agricultura familiar ao mesmo tempo. Foi o período em que os pobres mais conseguiram sair da miséria e quando os ricos mais lucraram, concomitantemente...
Pois muito bem. Cheguei no jornal e escrevi uma matéria grande sobre a filiação de Waldir e um box intitulado. “Lula à beira de um falso ataque de nervos”. O editor cortou trechos ácidos da matéria e tirou o “falso” da sugestão de título, deixando apenas “Lula à beira de um ataque de nervos”. Achei que o material tinha perdido a força, mas enfim.
Mesmo a matéria tendo perdido um certo teor ácido, ainda assim desagradou aos petistas. No dia seguinte, um dirigente do partido, com quem eu tinha uma boa relação (o cidadão já faleceu e não vou solicitar testemunho de defunto, até porque depõe conta o mesmo) veio conversar, meio que querendo tirar satisfação. “Porra, velho, nenhum jornal, nem mesmo o carlista, escreveu sobre isso e logo você, logo você, faz um negócio deste?”. Refutei secamente. “Só posso responder por mim. Foi o que eu vi. Se eles não viram nada, paciência”. A conversa se encerrou com ele filando um cigarro.
Pronto, motô, acelere de volta à sinceridade do choro. Então, por que diabos acho que o choro foi sincero e foi o ato mais importante da entrevista de Lula? Seguinte. Creio que, pela primeira vez, ele se deu conta de que não mais será o mediador de conflitos, o elo e árbitro entre as classes. Lembrem-se que, mesmo no dia da condução coercitiva, Lula fez um discurso defendendo empreiteiras e louvando a geração e emprego e tals. Ali, ele ainda acenava para o diálogo com outras forças. Ontem, não. Ele foi de paletó e camisa vermelha, sendo que, depois de balbuciar umas palavras sem nexo, tirou o paletó e ficou só de camisa vermelha. Percebeu que não há mais possibilidade de fazer a (inter) mediação, na qual ele sempre foi mestre. E talvez ele não saiba agir fora disso.
E chorou.
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